Esta moto é uma verdadeira salada mista, mas elegante. (Fotos: Mário Bock)
HONDA CBC 450, uma lição de como fazer moto!
Em meados de 1987 o mercado brasileiro de motos era limitado a poucos modelos. Tão poucos que motos na faixa de 350/450cc eram chamadas de motos "grandes". Uma das sensações desta época era a Yamaha RD 350LC que deixou a Honda CB 450 com cara de museu. Só mesmo quem odiasse motores 2T escolhiam a CB 450, porque a RD representava a esportividade máxima dentro da categoria.
Os concessionários Honda começaram a pressionar a fábrica para lançar um produto que pelo menos se aproximasse da RD 350, já que a CBX 750F custava quase o dobro! Um destes concessionários era ninguém menos que Denisio Casarini, piloto super bem sucedido de motovelocidade e motocross, que encarregou outro gênio, Victor Macaya, de projetar o que ele imaginava ser uma concorrente à altura da RD 350. Assim nasceu a Honda CBC 450, o segundo "C" de Casarini, claro.
O Victor Macaya era quase um professor para mim. Eu passava horas na oficina dele, a Moto Mavi, na avenida Moema, quando era adolescente. Aprendi demais com ele, principalmente a ser uma pessoa humilde e batalhadora. Quando a moto ficou pronta ele fez questão que eu fizesse o teste pra revista Duas Rodas. Com isso, levamos a CBC 450 para Interlagos, juntamente com uma Yamaha RD 350LC e uma Honda CBX 750F. Já deu pra imaginar nossas intenções...
Bom, não vou dar spoiler, mas depois que esta matéria foi publicada o departamento de engenharia da Honda Brasil examinou essa CBC 450 de tudo que é lado. Alguns meses depois chegou ao mercado a CBR 450SR, com muita semlehança com a moto criada pela dupla Casarini-Macaya. Até mesmo a carenagem criada pelo meu amigo Toya Ponzio serviu de inspiração. Na versão "oficial" as rodas vieram com 17 polegadas e optou-se pelo escapamento 2x1. Mas não dá pra negar que foi muito inspirada na CBc 450. Acompanhe o teste! (O texto original é de minha autoria e foi mantido da época).
Na capa da revista. Os escapamentos eram da CBX 750F importada.
Honda CBC 450
Duas Rodas antecipa com exclusividade como a Honda poderá modernizar sua CB 450: três discos de freio, aro dianteiro de 16”, novo tanque e muitos outros detalhes.
Ela é preta, tem aro dianteiro de 16", dispositivo antimergulhante, suspensão traseira Pro-Link, motor quatro tempos, velocidade acima de 180 km/h e aceleração de 0 a 100 km/h em 5,5 segundos. Esta moto não é nenhuma importada superesportiva, mas uma Honda CB 450TR, que o piloto de competição Denísio Casarini desenvolveu em sua revenda, antecipando a nova CB 450 que a Honda Motor do Brasil deverá lançar em novembro. A nova moto da Honda não deverá trazer todas as inovações existentes na moto de Denísio, mas revela bem as possibilidades que a CB 450 ainda pode ter no Brasil, mantendo a mesma estrutura básica, como o motor e o quadro.
As modificações realizadas na CB 450 original são tantas que é mais rápido listar o que não mudou, ou seja, a parte elétrica, a parte dianteira do quadro, câmbio, carburação, comandos e espelhos retrovisores. O resto é tudo diferente.
Capitão Gemada e o famoso macacão amarelo. O tanque e as laterais são da Honda VF 400R
Começando pelo mais atraente da moto, que é o estilo. A transformação, realizada por Victor Macaya e Carlos de Souza, incluiu muitas peças importadas, como tanque, laterais, rabeta, banco, balança traseira, amortecedor traseiro, velocímetro, contagiros, lanterna traseira e
escapamentos da Honda VF 400R. A carenagem é nacional, fabricada pela Toya, as rodas foram produzidas sob encomenda pela Scorro e são de liga leve. A suspensão dianteira, os discos de freio, pinças de duplo pistão e piscas traseiros são da Honda VF 500R.
O resultado final foi uma grande semelhança com a Honda CBR 600. Para reunir todas essas peças numa moto, Victor Macaya precisou modificar a parte traseira do quadro, utilizando tubos de secção quadrada, e realizar soldas tão bem acabadas quanto às das motos de fábrica. Para instalar o amortecedor Pro-Link foi preciso mudar a posição da bateria, que ficou de lado e não transversal, e o filtro de ar foi suprimido, adotando dois copos com elemento filtrante em cada carburador. Não foi preciso alterar a coluna de direção para instalar a roda dianteira de 16” porque a suspensão dianteira foi concebida para receber esta rodagem (a roda original da CB 450TR tem diâmetro de 19'').
Coincidentemente meses depois a Honda lançou a CBR 450SR com carenagem integral.
Motor bravo
Para que a moto não ficasse apenas com visual de superesportiva, foi realizado um trabalho no motor de dois cilindros e quatro tempos, elevando a potência e a cilindrada. Os cilindros foram retificados no limite máximo de tolerância, abrindo 1mm no diâmetro, que passou de 75 para 76 mm, mas manteve o curso de 50,6 mm, com isso a cilindrada passou para 459cc. O comando de válvulas foi trabalhado e a moto passou a desenvolver 48 CV a 8.500 rpm (potência estimada a partir de cálculos matemáticos), contra 43,3 CV a 8.500 rpm (dados declarados) da CB 450 original. Porém, o consumo melhorou: a 80 km/h a CBC fez 24,4 km/litro, contra 19,9 km/litro da CB 450TR.
Eu na CBC 450 e o Zé Cohen na RD 350: um pega divertido em Interlagos.
Para ter um dado comparativo, já que concorre na mesma faixa de mercado, foi levada para a pista de testes a Yamaha RD 350LC com novo desenho realizado pelo também piloto José Cohen. Desta forma, foram colocadas lado a lado uma Yamaha RD 350, com mecânica original contra uma Honda CB 450 com motor preparado. O resultado foi surpreendente. A velocidade máxima da CBC 450, na melhor passagem, foi de 183,6 km/h para um motor ainda não amaciado, com apenas 300 km rodados contra 195 km/h da RD 350. Na aceleração de 0 a 100 metros a CBC gastou 5,33 seg na melhor passagem, contra 5,80 seg. da Yamaha RD 350. Na aceleração de 0 a 100 km/h a CBC 450 gastou 5,50 seg. contra 6,13 seg. da RD.
Para enriquecer mais ainda o comparativo, foi levada também a nova Honda CBX 750F para a medição, que gastou 5,53 seg. para ir de 0 a 100 km/h. Conclusão: a CBC 450 foi a moto mais rápida na aceleração de 0 a 100 km/h. Esta aceleração pode ser explicada pela utilização de um pinhão menor, com 15 dentes (o original tem 16), o que reduziu a relação secundária de 2, 25:1 para 2,40:1. Com a relação original esta CBC poderá passar dos 190 km/h.
Foi neste dia que eu abri um buraco no macacão amarelo ao raspar o joelho no asfalto.
Presa ao chão
Depois de analisados os detalhes (cuidadosos) de acabamento, como as soldas do quadro, tampa esquerda do motor alongada e uma presilha na guarnição da bolha, que impede a borracha de sair voando em alta velocidade (detalhe esquecido nas Yamaha RD 350 de fábrica), chegou o momento de experimentar a moto em movimento. E nada mais adequado do que levá-la ao Autódromo de Interlagos, onde pode-se andar mais à vontade nas curvas e retas.
Gabriel Marazzi na 750; Cohen na RD 350 e eu na CBC 450. Os Teletubies da imprensa.
Logo nos primeiros metros dá para sentir uma diferença na dirigibilidade graças à roda dianteira de 16". A suspensão dianteira é composta de garfos telescópicos oleopneumáticos, com curso de 140 mm e na bengala esquerda fica o dispositivo antimergulho Trac. A sensação ao pilotar alternadamente uma CBC 450 e uma CBX 750 nacionalizada é que na primeira a roda dianteira está mais "solta” e a frente fica mais "na mão", mesmo em curvas a alta velocidade. A frente não oscila nem um milímetro e a segurança para inclinar é total. Já na CBX 750F, com aro de 18", suspensão dianteira convencional, a sensação é de que a frente está "mais longa" e nas curvas é mais demorada para descer ao limite.
Sim, fizemos medições de verdade, com aparelhos sofisticados.
A suspensão traseira Pro-Link com curso de 115 mm é justa e garante uma estabilidade à moto, só comparável às CBX 750F importadas (aquelas saudosas motos com suspensão traseira regulável, aro 16" entre outras “melhorias”). O comportamento desta CBC 450 não lembra nem de longe as sacolejantes CB 450TR com suspensão traseira bi-choque e dianteira “normal”. Jamais uma CB. "original" proporcionaria tamanho prazer ao pilotar quanto esta CB Casarini.
A CB 450TR quando levada ao limite nas curvas apresenta uma vibração lateral que pode assustar um motociclista desavisado. Até os pilotos que corriam na extinta Fórmula Honda 400/450 cansaram de reclamar do jingado dessas motos nas curvas. Por outro lado, a CBC 450 fica tão agarrada ao solo que chega a ser um convite a uma pilotagem mais esportiva, abusando da aceleração nas saídas de curvas, permitindo que se exija dos freios nas tomadas. Aliás, os freios merecem atenção especial.
Os detalhes em preto&branco. As rodas são quase iguais às da versão oficial.
Frenagens no limite
Experimentando a moto em Interlagos foi possível avaliar o excepcional conjunto de freios. Na dianteira estão instalados dois discos com pinças de pistões duplos. Na traseira existe apenas um disco com duplo pistão. O resultado aferido nas medições comprovaram as primeiras impressões. Para não arriscar uma queda com esta moto única, Duas Rodas abriu uma exceção e permitiu que o próprio Denísio Casarini fizesse as frenagens.
Logo de início ficou evidente que os freios eram “demais” para essa moto leve (190 kg a seco, contra 177 kg da CB 450TR), nas frenagens a 40 km/h e 60 km/h a roda dianteira travou de tal forma que chegou a desequilibrar a moto, mas sem derrubar o piloto (felizmente).
A título de comparação, a CBC 450 percorreu 4,7 metros para imobilizar a 40 km/h, enquanto a CB 450TR com apenas um freio dianteiro a disco na frente e a tambor na traseira, gastou 8,5 metros na mesma velocidade. A 60 km/h a CBC freou em 9,6 metros, e a CB 450TR em 16,0 metros. Uma CB 450TR a 100 km/h percorre 41,0 metros até parar, ou seja, 2,6 metros a mais do que a CBC. Por aí dá pra imaginar o que representa em termos de segurança, um conjunto de freios mais eficiente.
A velocidade máxima foi de 183,6 km/h!
A intenção principal de Denísio Casarini era apenas mostrar para a Honda o que é possível fazer com a CB 450TR, que a rigor se mantém a mesma desde o lançamento em 1980. Como resultado ele conseguiu mais do que isso. Ao ser apresentada aos projetistas da Honda, a moto foi muito elogiada e feitas muitas fotografias de detalhes como a suspensão traseira, o quadro e a suspensão dianteira. Para a Honda lançar uma CB 450 bem melhorada e concorrer mais eficazmente com as RD 350, não seria necessário um alto investimento e atrairia o público que gosta de moto esportiva, mas não consegue comprar uma CBX 750F, ou não gosta de motor dois tempos.
Ao que tudo indica, a nova CB 450 virá com duplo freio a disco, carenagem integral e suspensão traseira monoamortecida Pro-Link. Outros equipamentos vão depender de a fábrica acreditar, ou não, na Economia do País.
Carenagem Toya em uma CB 450 normal serviu de inspiração pra Denisio Casarini.
Foi o primeiro teste de grande relevância assinado por mim. (Todas as fotos do Mário Bock)
Um texto com 22.000 caracteres não tem a menor chance de ser lido hoje em dia, tempos de Twitter. Mas em 1987 era o padrão em revistas especializadas. Naquela época não existia moto top, suspensão top, motor top. O texto que eu escrevi (numa Olivetti Lettera 32) tinha 18.000 letrinhas. Eu detalhei até como era a iluminação do painel. Não ficou um parafuso sem análise. O leitor terminava de ler com a sensação de que pilotou a moto comigo. Era assim que fazíamos. Éramos jornalistas de verdade para leitores de verdade. O nome “revista” em português tem esse sentido implícito: é algo para ser visto e revisto. Quem cresceu na época da revista sabe o que isso significa.
O bastidor deste teste foi marcante. O Gabriel Marazzi tinha acabado de entrar na Prefeitura de SP e teve de sair (temporariamente) da atividade. Eu era considerado pelos chefes um desmiolado a quem não poderia ser atribuída a missão de testar sozinho tão importante lançamento. Então convidaram o piloto (e meu amigo) José Cohen e mais um terceiro piloto que não posso revelar por questões de sigilo contratual. Mas posso garantir que morri de raiva. Como assim chamar o Zé Cohen para ser o piloto das fotos? Eu pilotava tão bem ou melhor do que ele (hehe, ele vai me ligar!). Fiquei indignado e resignado.
Além disso o Mário Bock levou o que tinha de melhor para fazer as fotos. Seria capa, página dupla, colorida e eu só apareci numa foto, pequena, preto e branco e a pé, segurando uma prancheta! Pensa numa raiva! Fiz todas as medições, arrisquei meu traseiro a 200 km/h na estrada e quem saiu nas fotos foi o Cohen!!! Não foi justo! Mas existe padrão e existe patrão. O patrão mandou tá mandado.
Alguns dados curiosos deste teste. A Polícia Rodoviária fechou duas faixas de uma estrada para fazermos as medições. Podíamos andar na contramão pelo acostamento. Foi a primeira vez que coordenei um teste sem o Gabriel e suei o macacão pra conseguir. Junto com a RD 350 nós levamos a famosa Gilera 250 para as fotos. A moto deu pau e tivemos de simular que estava rodando, quando na verdade era o Zé Cohen que estava me empurrando com a RD 350! Jornalismo verdade!
Boa leitura, se tiver paciência.
Edição histórica!
Yamaha RD 350LC
Chega finalmente a RD 350LC nacional. Com 55 CV a 9.000 RPM, ela atinge a velocidade máxima de 194 km/h e mantém a sofisticação dos modelos do Exterior.
Exatamente dois anos depois a Yamaha RD 350LC volta às páginas de Duas Rodas para mais um teste, só que desta vez com uma diferença importante: esta RD 350LC já foi produzida na fábrica da Yamaha em Manaus e faz parte de um conjunto de motos denominado pre-série. Ou seja, esta unidade testada é uma das primeiras que saiu da linha de montagem Para ser mais exato, ela foi a sétima moto produzida.
Aparentemente, a moto é praticamente a mesma testada na edição n.º 111 de Duas Rodas, porém, algumas alterações foram realizadas para deixá-la mais atual, principalmente na parte estética o farol, piscas e espelhos retrovisores que eram redondos, passaram a retangulares, seguindo a tendência de estilo internacional.
É difícil, até mesmo impossível, deixar de comparar esta moto de tecnologia e desenho moderno com a nossa outra moto do mesmo estilo, a Honda CBX 750F. Evidentemente, tratam-se de motos de categoria diferentes, mas a intenção dos fabricantes, Yamaha e Honda, é abocanhar o mesmo público. Pelas soluções técnicas e desempenho, aliados ao preço mais baixo, a RD 350LC tem grandes chances de arranhar a participação de líder que a Honda ocupa em todas as categorias de motocicletas.
Era pra ser eu na capa!!!
Além da parte estética a RD teve que passar por algumas alterações mecânicas, que visam basicamente a sua aclimatação à nossa (baixa) qualidade de gasolina. Portanto, o motor de dois tempos teve a taxa de compressão reduz da de 7.2.1 para 5,0:1. Ao contrário dos motores quatro tempos, no caso deste bicilíndrico, refrigerado a água, não houve perda de potência nesta modificação. A Honda CBX 750F, por exemplo, perdeu 9 cavalos só no caminho do Japão até o Brasil.
A RD, além de não perder nem um HP sequer, segundo o fabricante, ainda manteve a excelente performance deste motor, desenvolvendo os mesmos 55 CV a 9.000 rpm, como na RD testada dois anos atrás. Uma das principais atrações deste motor, derivado das Yamaha TZ 350 de competição, é a válvula YPVS (vide box) comandada por um microprocessador, que controla a saída dos gases queimados pela "janela" de escapamento, o que mantém a moto suave quando em baixo regime de rotação, enquanto acima de 6.500 rpm a moto se comporta como uma verdadeira esportiva derivada das pistas.
Ainda no cavalete
Com a moto ainda apoiada no cavalete central, pode-se sentir seu desempenho pela pura e simples análise de estilo. As faixas interrompidas aplicadas no tanque foram uma marca registrada da Yamaha para a sua linha RD desde os anos 70. Ultimamente elas estavam aposentadas pelo departamento de estilo da Yamaha, mas neste modelo mundial, com lançamento simultâneo no Japão, Estados Unidos, Europa e Brasil, as faixas interrompidas voltaram, trazendo mais agressividade às cores branco e preto. A carenagem semi-integral (com suportes de fixação para o resto da carenagem e spoiler) é mais envolvente do que no modelo testado anteriormente e aproxima ainda mais a moto-de-rua da moto-de-pista. No quadro de secção circular pintado de vermelho existem suportes para fixação do restante da carenagem, bem como do spoiler. De onde pode-se concluir duas coisas: ou a fábrica pretende lançar futuramente um modelo com carenagem integral e spoiler, batizando-o talvez de RD 350LCII ou comercializar estes componentes através da etiqueta Yamaha Look como opcional.
Outra diferença em relação ao modelo anterior são as rodas de liga leve que têm novo desenho e são pintadas inteiramente de preto fosco. Neste ponto o novo modelo ficou pior, porque as rodas anteriores além de mais bonitas, combinavam com o estilo Yamaha das motos esportivas. A roda dianteira não é aro 16", como segue a tendência esportiva mundial. Mas isto não se deve à nacionalização, já que os modelos vendidos no Exterior também usam aro 18" na dianteira A bem da verdade, a utilização da roda de 16'' se justifica plenamente nas pistas de corrida, onde o asfalto é absolutamente liso e onde o piloto precisa literalmente pular de um lado para outro da moto quando encontrar uma sequência de curvas de baixa velocidade.
O aro de 16'' facilita a pilotagem esportiva porque é mais fácil vencer a inércia para trazer a frente para dentro da curva. Em compensação, ao rodar diariamente com uma moto equipada com aro dianteiro de 16'' pode-se ter várias surpresas, como uma irregularidade no asfalto justamente quando se está inclinado, ou um inesperado buraco no meio da avenida. Pelo seu menor diâmetro, esta roda é mais sensível às irregularidades no piso (quem já pilotou uma scooter, sabe disso). Neste aspecto, o aro dianteiro de 18" justifica plenamente sua utilização para uma moto que vai andar na rua. A difusão do 16" na dianteira deve-se apenas a uma questão de estilo, visando deixar a moto mais parecida com as motos de corrida.
Freios a disco, mas fixos direto na roda, assustou muita gente.
Fora do cavalete
Ocupando a posição de pilotagem, a primeira impressão é de que esta moto não se presta a viagens longas e que o guidão baixo dificultará no trânsito urbano. As duas impressões estão erradas. O primeiro contato com esta nova RD 350LC foi numa sexta-feira chuvosa e como não havia possibilidade de se adiar o teste, muito menos convencer São Pedro a adiar a chuva, o jeito foi experimentá-la, inicialmente no caótico trânsito do centro da capital paulista, na hora do rush e com o piso molhado.
Logo de início, a carenagem mostrou que não está ali só de enfeite. Além de melhorar a penetração aerodinamica da moto, ela ainda protege o piloto da chuva (quando em velocidade acima de 100 Km/h). A princípio tem-se a impressão de que os espelhos retrovisores presos na carenagem vão encostar em todos os carros na de costurar no trânsito, mas em poucos metros percebe-se que essa moto se adapta tranquilamente ao uso urbano, sem comprometer o conforto nem provocar cansaço. O baixo peso (176 kg em ordem de marcha) facilita muito no anda para do trânsito, além da pequena altura da moto até o solo, que favorece as manobras em baixa velocidade, principalmente aos pilotos mais baixos.
O banco em dois níveis, com ligeira elevação junto ao tanque, permite que o piloto se posicione esportivamente, ajudado pelas pedaleiras recuadas. Esta posição de pilotagem é muito útil, principalmente na hora em que a moto entra na estrada e o piloto encontra um compromisso perfeito entre guidão, banco e pedaleiras. Aliás, com exceção do banco, os demais itens são reguláveis.
Muito boa de curva!
José Cohen, piloto de Duas Rodas para testes, a princípio não se acostumou com a posição de pilotagem, principalmente do pedal de freio, já que sua perna direita; ainda está se recuperando de um erro na Curva do Lago no Autódromo de Interlagos em São Paulo. Com apenas as ferramentas originais da moto (que aliás tem um jogo excepcional) ele encontrou a posição ideal para pilotar. As regulagens possíveis das pedaleiras permitem até alturas diferentes dos pedais. Assim como o guidão, que na verdade são dois meio-guidões com regulagem múltipla na altura e inclinação. Também é ideal para pilotos assimétricos.
Ao se ligar a moto vem a primeira má impressão. Ela não tem partida elétrica, coisa que até ciclomotores têm na Europa. Mas durante o teste pôde-se constatar que realmente este é um item de conforto apenas e não justifica o aumento do peso e de peças móveis passíveis de quebra. A moto sempre pegou na primeira tentativa, mesmo com o motor frio e a única ressalva é com relação à posição do pedal de partida, que está muito para frente e ao aciona-lo, muitas vezes bate-se a lateral do pé na pedaleira. Quando o piloto estiver de bota, tudo bem, mas se estiver calçado com tênis pode machucar a lateral de tornozelo.
Nos primeiros quilômetros rodando com a moto já é possível conviver pacificamente com os 55 HP a 9.000 RPM e com o torque de 4.74 Kgfm a 8.500 RPM. Para sair com a moto é preciso "queimar" um pouco de embreagem até o motor alcançar cerca de 3.000 rpm, já que abaixo disso ela embaralha, dificultando as ma- nobras em (muito) baixa velocidade. Mas, definitivamente esta não é uma moto para se andar devagar, pelo menos não abaixo de 3.000 RPM.
Naquela época ainda tínhamos páginas em P&B.
O comportamento da RD pode ser descrito como um caso de dupla personalidade. Até 6.500 RPM ela se comporta como uma motocicleta dócil. Os escapamentos foram redesenhados em relação ao modelo anterior, também por questões de estilo, já que a eficiência é a mesma. O ruído sugere sutilmente que por trás deste comportamento delicado até 6.500 rpm está toda a força de um motor dois tempos de 347cc (64,0 x 54,0 mm). Acima desta faixa de rotações, a segunda personalidade aparece, justificando a fama de seus ancestrais de competição. O motor sobe de giro com uma rapidez impressionante, assustando os motociclistas inexperientes e fazendo a alegria dos experientes. Chega-se facilmente aos 10.000 RPM e mesmo o piloto José Cohen foi pego de surpresa quando rodava a 180 Km/h a 10.000 rpm e percebeu que estava em quinta marcha. Ainda havia a sexta.
O câmbio de seis marchas tem escalonamento adequado, e é um dos responsáveis pela aceleração absurda e pela sensação de tranqüilidade que é transmitida ao piloto mesmo em regime de altas rotações. Não se percebe aquele ronco estridente e a vibração excessiva dos motores dois tempos; quando se aproxima do limite de rotações. O quadro em formato ortogonal funciona como o previsto, absorvendo as vibrações do motor, auxiliado pelos coxins de fixação do motor no berço duplo do quadro.
Toda esta tecnologia empregada no quadro é para proporcionar um clima de conforto ao piloto, mesmo quando o ponteiro do velocímetro aponta para os 200 Km/h (sua velocidade máxima foi de 194,38 km/h). Esta velocidade é alcançada com perigosa facilidade. O motociclista que está habituado com motos menores deverá prestar muita atenção nas primeiras tentativas de chegar ao limite. Isto porque o limite está muito mais próximo do que se imagina. Mas é preciso saber fazer a moto parar ou desviar de um buraco quando se está na velocidade, aí entram os dispositivos de segurança. Começando pelo sistema de freio, que conta com dois discos dianteiros, com pinças de duplos pistões e o disco traseiro, também de pinça dupla.
Depois de tanto wheeling a embreagem foi pro vinagre.
A suspensão dianteira hidropneumática recebeu atenção especial, prevendo seu uso esportivo. No lugar do anti-dive, que equipa a maioria das motos esportivas, a Yamaha utilizou um segundo conduto de passagem de óleo e neste conduto existem três orifícios extras. Isto permite que a suspensão dianteira trabalhe macia no início do curso e, à medida que se comprime o amortecedor, a suspensão enrijece impossibilitando a batida no fim do curso.
A suspensão traseira e monocross, sistema Yamaha de monoamortecimento, regulável em cinco posições, funcionando progressivamente e absorvendo muito bem as irregularidades do piso, mesmo em alta velocidade. A balança traseira é de secção retangular pintada de cinza metálico.
Pilotando
Uma RD 350LC não foi feita para ser dirigida, mas sim pilotada Ao se posicionar atrás da carenagem o motociclista simplesmente "degusta" cada quilômetro percorrido. A bolha de acrílico transparente da carenagem permite uma ótima visibilidade, sem distorções, mesmo à noite.
A aceleração da RD 350LC é compatível com sua proposta de esportividade. Nos testes realizados, ela registrou um tempo de 5,63s. para sair da imobilidade e atingir 100 Km/h. Na retomada de velocidade ela fez de 40 a 100 Km/h em 17,91s e a grande responsável pela elasticidade do motor é a válvula YPVS, que permite rodar com a moto abaixo de 6.500 rpm sem exigir trocas de marchas constantes.
Eu sou o salame segurando a prancheta e morrendo de raiva!
Acima de 6.500 rpm a RD 350LC responde como uma moto de pista obrigando o piloto a ficar atento à agulha do contagiros para não ultrapassar os 10.000 RPM, situação em que o motor começa a perder rendimento. O piloto novato também precisa evitar as acelerações bruscas, principalmente em saída de curvas, para não ter a surpresa de sentir a traseira derrapar.
A preocupação dos projetistas da Yamaha com a suspensão traseira tem dois motivos: primeiro, estabelecer um compromisso entre conforto e estabilidade, tanto nas curvas de alta quanto de baixa velocidade. Segundo, colocá-la o mais baixo possível, reduzindo o centro de gravidade. Esta segunda conquista serviu para melhorar ainda mais a estabilidade, permitindo um ângulo de inclinação nas curvas que dificilmente um piloto conseguirá atingir o limite rodando nas ruas. As pedaleiras recuadas não raspam no solo mesmo quando o piloto exige demais nas curvas, e o limite fica sendo mesmo os joelhos do piloto, evidentemente se sua coragem permitir.
Na estrada a RD 350LC proporciona um prazer extra ao piloto. Rodando a 130 Km/h ela ainda tem "saúde" de sobra para qualquer ultrapassagem e responde rapidamente quando se gira o acelerador. Em velocidade de cruzeiro mais elevada, entre 150 e 160 Km/h ela continua transmitindo a sensação de que tem motor de sobra. A 180 Km/h acontece a mesma coisa. A impressão que se tem é de que não existe limite para este motor. Isto se explica pela fixação do motor no quadro que é chamada de fixação ortogonal. O motor vai apoiado em dois pontos do chassi através de coxins e duas barras colocadas na horizontal dão mais rigidez ao conjunto.
A carenagem cumpre muito eficientemente seu papel de diminuir o vento frontal no peito e ajuda a reduzir o consumo com uma melhor penetração aerodinâmica. Durante os testes, a RD fez uma média de consumo de 10,7 km/litro, sendo que a melhor marca foi de 27,2 km/litro a 40 Km/h e a pior de 15,8 km/litro, a velocidade constante de 120 Km/h.
Sim, pra compensar minha frustração eu levei ela pra Bertioga e enfiei no mar!
Os freios têm eficiência compatível com a velocidade da moto e a faz parar com segurança. Apesar do modelo nacionalizado não contar com as perfurações para refrigeração nos dois discos dianteiros e no disco traseiro, ela não apresentou fading durante os testes de frenagens. Para uma velocidade de 100 km/h ela parou em 39,70 metros. A 120 Km/h o espaço foi de 60 metros.
De volta ao cavalete
Depois de rodar com a moto em pista seca durante o dia, à noite e debaixo de chuva, pôde-se comprovar também a eficiência dos freios e suspensão no piso molhado, e do sistema elétrico, principalmente o farol retangular com lâmpada halógena de 12 V, com 60/55W. A iluminação é adequada à esportividade da moto e a iluminação do painel é suficiente para controlar os instrumentos, sem refletir na carenagem e sem ofuscar a vista.
O painel está bem posicionado, sem exageros, apenas com o essencial: à esquerda, velocímetro marcando até 200 km/h, com hodômetro total e parcial, ao centro o conta-giros com a faixa vermelha iniciando nos 10.000 giros, e à direita o termômetro d'água e as luzes espias de farol alto, piscas, ponto morto, e nível de óleo 2T.
Um detalhe de acabamento (excepcional) desta moto foi o bocal do tanque, que imita os bocais de abastecimento rápido das motos de corrida (de novo) e fica embutido no tanque. Ao abastecer a moto, no caso de transbordar a gasolina escorre por um orifício e é jogada fora através de um respiro, sem escorrer no tanque.
Os comandos estão bem posicionados, mas é preciso acostumar com o lampejador/buzina. Convém ao motociclista noviciado na moto treinar antes de sair rodando, para não ter que desviar os olhos da pista, procurando os botões. A embreagem tem acionamento macio e progressivo. Uma particularidade indesejável desta moto é a quantidade de chaves que possui. São três, uma para contato (com trava do guidão incorporada), tanque de combustível (capacidade de 18 lítros, incluindo 4,3 de reserva) e uma para soltar o banco e abrir a trava do porta-capacete. Neste último um detalhe estudado: para obrigar o motociclista a usar o capacete na cabeça, o porta-capacete foi colocado do lado esquerdo, logo abaixo do tanque de gasolina. Caso o motociclista coloque o capacete ali, será impossível trocar as marchas.
Pra quem gosta: ficha técnica naqueles tempos tinha até pressão dos pneus!!!
Mercado
Sem dúvida nenhuma esta moto veio para concorrer com a Honda CBX 750F. Aliás, deveria até ter sido lançada antes, se não fossem os problemas políticos e econômicos enfrentados pela Yamaha. Mas as duas motos têm a intenção de atacar o mesmo público. É claro que são motos de categorias diferentes – o que de certa forma não justifica um teste comparativo – mas como nosso mercado conta apenas com duas esportivas o consumidor deverá gastar um tempo coçando o queixo antes de optar entre as duas.
Evidentemente os consumidores de motores quatro tempos sempre encontrarão mais contras do que prós no motor da Yamaha RD 350LC, sem levar em conta que os 347cc deste motor garantem um desempenho quase tão alto quanto de um motor de quatro tempos com 750cc, mas com a vantagem de custar alguns milhares de cruzados a menos. Calcula-se que a RD chegue nas lojas a um preço médio de Cz$ 75 mil, para uma produção pretendida de 2.000 unidades até o final do ano. O índice de nacionalização destas motos encontra-se, segundo o fabricante, na faixa de 63% em peso e 61% em valor.
Para uma fábrica com o nome Yamaha, segunda maior do mundo, o seu conceito não era dos melhores aqui no Brasil, como explica seu próprio diretor comercial, Hiroshi Ukon. O lançamento desta moto, com tecnologia de ponta, pode alterar este panorama, devolvendo à Yamaha o prestígio que a marca goza no Exterior, principalmente se levarmos em conta seu tempo de Brasil, 12anos, e a sua clara intenção de recuperar o bom nome da empresa no mercado. O lançamento da RD 350LC já é um bom começo.
Geraldo Simões
Pela primeira vez eu fiz todas as medições em o Gabriel. Eu não estou torto, o diretor de arte que tinha mania de colocar os quadros meio entortados.
Box 1
Um pouco das muitas novidades
São vários os sistemas existentes na RD 350LC. Um dos mais interessantes é o YPVS - Yamaha Power Valve System. Seu funcionamento é assim: com o motor em baixa rotação, as válvulas de escape têm o tamanho normal. Quando o motor atinge a faixa de 5.500 rpm, a válvula começa a abrir, ficando totalmente aberta acima de 9.000 rpm, onde a válvula de escape atinge a maior abertura. Para controlar este abrefecha do YPVS, ele é comandado por um microcomputador, que recebe um sinal do módulo do CDI (ignição eletrônica por descarga capacitiva), dizendo qual é a rotação do motor e um outro sinal de um potenciômetro, instalado na válvula, comanda um servo motor elétrico que abre e fecha a YPVS.
Um detalhe desta válvula é o sistema de autolimpeza automática, que acontece toda vez que se liga o contato. Um ruído característico indica que a válvula se abriu completamente e fechou novamente, isto significa que a válvula está funcionando corretamente.
Outro sistema é a corrente de transmissão que possui lubrificação permanente nos roletes internos, protegidos pelos anéis O-Ring. Isto significa que seus proprietários vão perder menos tempo fazendo a manutenção da corrente, mas terão que lavar a moto só com água fria porque a água quente estraga os anéis de vedação.
Mais um importante dado técnico é o sistema de refrigeração líquida sem ventoinha. Uma válvula ligada a um termostato no cabeçote do motor controla a quantidade de água que circula no circuito. Quando a temperatura estiver abaixo de 72°C a válvula permanece fechada, impedindo a circulação de líquido. Acima desta temperatura a válvula começa a se abrir, deixando o líquido circular para refrigerar os cilindros. Ao atingir 82°C a válvula se abre completamente e a refrigeração é total.
GS
Box 2
"Quase mil km..."
Foi realmente um longo caminho até esse dia de Duas Rodas poder testar a RD 350LC nacionalizada. Parecia mesmo aqueles casos de amor, onde a partir de certo momento, chega-se a duvidar se ele existe mesmo ou se não foi uma grande fanta- sia. Mas, não é uma fantasia a moto que testamos e, melhor ainda, é nacionalizada e anda tão bem, ou melhor que a importada, com a qual fui certa ocasião até o Paraguai (Duas Rodas n.° 120).
A verdade é que pilotando nem se sente muita diferença entre uma e outra. E, como esportiva, a RD 350LC é uma moto realmente fantástica. Pena que nesse teste feito agora não deu para "curtir" direito. Tivemos a moto de uma sexta até a segunda-feira, apenas. Mesmo assim somando o trabalho de toda a equipe, chegamos a quase mil quilômetros rodados. Mas a Yamaha nos prometeu, e passamos a promessa aos leitores, de em seguida, termos a moto por mais tempo, e com mais calma, sentirmos melhor o novo lançamento. Por enquanto fica o gosto (bom) de uma das primeiras RD 350LC feitas no Brasil.
Roberto Araújo
Box 3
Não gostei das abrasileirações
"Os jornalistas especializados em motociclismo são bastante imparciais". Quando cito esta frase, como agora, parece que apenas estou fazendo mais um comercial de Duas Rodas em comemoração aos 12 anos de nossa revista. Não é. Estou falando genericamente, não apenas dos jornalistas de Duas Rodas, mas também dos colegas que trabalham em outras publicações "concorrentes", além de estar falando de mim mesmo.
O que garante esta imparcialidade não é nenhum juramento profissional como o que fazem os médicos, mas uma paixão fundamental pelas motos que se manifesta quando nós (eu e todos os meus colegas) colocamos nosso privilegiado traseiro num novo lançamento ("privilegiado" porque, senta nestas motos antes dos consumidores leitores).
Assim, quando sentei na “'senhora" Yamaha RD 350 (''senhora" pelo tempo - os muito anos – que ela demorou para se aprontar e aparecer para o público) fiquei extremamente impressionado com minha capacidade de esquecer e julgar a moto como apenas uma moto. Esquecer que a Yamaha tem tido um comportamento mercadológico indeciso, que muitas vezes tem trazido problemas para os consumidores e – com muito maior freqüência que os leitores imaginam para nós jornalistas. Esquecer que esta moto já deveria estar no mercado há muito tempo – assim como outros lançamentos de outras fábricas – pois, a presença de novos produtos no mercado com certeza teria amenizado, senão impedido, a crise que "caiu" sobre as motos nos útimos anos. Mas, esquecer é preciso para viver no Brasil e a RD 350 está chegando.
Quanto à moto em si, minha opinião pessoal é muito favorável. É uma média cilindrada "de briga", com comportamento quase de pista e que dá muito prazer ao pilotar. Anda bem (cheguei em torno dos 190 Km/h), pára bem e é boa de curvas. As partes negativas ficam por conta do consumo, quando se pilota de forma realmente esportiva – e isto é uma característica de motores apimentados como este – e do acabamento. Por exemplo, não gosto do acabamento interno da carenagem, com fios à mostra, e nem de "abrasileirações" do projeto como a própria carenagem, que tenta ser uma carenagem de rua mas, na verdade, é só a metade da carenagem integral, para a qual existem até os suportes no quadro.
De qualquer forma, a RD vai abrir mercado para uma série de novos produtos dos fabricantes de acessórios,
Nota do redator: ela anda bem para sua cilindrada, mas não é a CBX 750F. Quem gostar de tocar forte deve se contentar em andar (bem) na frente das CB 400/450.
Josias Silveira
A Honda CBX 750F contra a Yamaha RD 350LC, qual leva?
Vai ser dada a largada: quem é mais rápida CBX 750 ou RD 350?
Imagine-se no finalzinho dos anos 1980, no calor dos seus vinte e poucos anos e maluco por moto, mas morando no Brasil! Tivemos uma condição rara no mercado de motos mundial: de uma hora pra outra os portos fecharam para a importação de “supérfluos” e, entre eles, estavam carros e motos.
Hoje sabemos que essa medida foi uma forma de incentivar a industrialização, sobretudo de veículos, que derrapava diante da concorrência com veículos importados. Num primeiro momento a reserva de mercado deu certo e tivemos no Brasil um crescimento natural do mercado de motos, com a produção de modelos quase simultaneamente com os mercados estrangeiros.
Assim, tivemos a chegada da Honda CBX 750F, nossa maior moto nacional, a mitológica sete-galo, e a concorrente natural a Yamaha RD 350LC, a mais esportiva das motos produzidas em série na época. Imediatamente criou-se uma mística em volta desses nomes, com legião de fãs dos dois lados. Assim como no futebol, quem gostasse de uma teria quase que obrigatoriamente odiar a outra. A rivalidade entre CBX 750F e RD 350LC foi motivo de discussões acaloradas, chegando mesmo às vias de fato, e obviamente pipocaram por todo Brasil rachas e mais rachas para provar qual era a mais rápida.
Mais uma vez, quis o destino que bem nessa época eu ser um piloto de teste da mais conceituada publicação, a Revista Duas Rodas. Além de mim, outro grande testador de moto, engenheiro e piloto Gabriel Marazzi, que dispensa apresentações. Pra jogar mais lenha na fogueira da insensatez, nós abraçamos a “rivalidade” e eu me mostrava publicamente como fã da RD 350, inclusive tive três modelos, enquanto o Gabriel puxava pro lado da CBX 750X que também teve a honra de ter uma na garagem.
Os leitores se identificavam e alimentavam essa briga, mas sou obrigado a confessar, décadas depois, que tanto eu quanto o Gabriel gostávamos das duas com a mesma intensidade. Quando eu queria viajar pegava a CBX 750, mas quando queria treinar em Interlagos pegava a RD 350. E hoje eu gosto das duas da mesma forma.
O teste
Por isso, quando surgiu a pauta do teste comparativo somente de arrancadas isso caiu como uma bomba na redação. A ideia era genial e finalmente jogaria por terra aquela velha discussão: qual larga melhor? Iniciamos as tratativas para conseguir as motos, o local, os instrumentos e um terceiro piloto para não rolar a suspeição de favorecimento. O piloto convidado foi José Cohen, super experiente e amigo pessoal de toda a equipe.
A Yamaha forneceu uma RD 350LC nova, (dessa vez sem problemas). E decidimos usar a Honda CBX 750F que já estava em nossas mãos para o teste de 10.000 km. Depois percebemos que isso foi um erro, porque essa CBX já tinha passado por todo sofrimento infringido por seres humanos de macacão de couro. Estava no fim dos 10.000 Km (aliás a desmontagem foi na mesma edição deste teste de arrancada).
A primeira sessão de testes foi no velho Retão de Interlagos. Ele tem um pequeno declive, mas a ideia era comparar uma com a outra e não levamos em conta fatores externos. A metodologia era simples: cada piloto faria duas arrancadas com cada moto e seriam levados em conta os melhores resultados de cada um.
Nessa época não tínhamos ainda os aparelhos de fotocélula, então os testes foram feitos com cronômetros e velocímetros aferidos. (Se quiser saber como eram feitos os testes de motos nos anos 80, clique AQUI). Quando terminamos a primeira bateria de testes de 0 a 100 metros a CBX cobrou o preço pelo esforço começou a patinar embreagem. A Yamaha conseguiu uma pequena vantagem e não dava para cravar que tinha sido efeito da embreagem claudicante da CBX. Eu lembro claramente que na minha primeira arrancada achei estranho a CBX ficar pra trás, porque eu já tinha feito medições das duas motos separadas e a CBX foi melhor em todas as situações.
Com a presença dos representantes da Honda e Yamaha ficou decidido que seriam preservados os resultados dessa medição de 0 a 100 metros, mas que teríamos de marcar outro teste depois de trocar os discos de embreagem da CBX.
Assim foi feito com um requinte: no Retão de Interlagos os números não poderiam ser homologados porque era inclinado. Conseguimos convencer a Polícia Rodoviária de SP e a Dersa a fecharem duas pistas da rodovia dos Imigrantes, no trecho mais plano. Lá nós fizemos as medições de 0 a 400 metros e de 0 a 100 km/h. A CBX 750F foi melhor em todas as medições!
Até hoje ainda tem gente que jura de pés juntos que a RD “pula da frente”. Papo de leigo ou de apaixonado, porque cronômetros e fotocélulas não mentem. Nunca vi uma RD 350LC original largar melhor que os quatro cilindros em linha da CBX 750F. O motivo dessa vantagem é muito simples: o motor 4T tem mais torque e em rotação menor, além da curva de potência mais suave. O motor já entrega boa parte da potência a partir de 2.500 RPM, enquanto o motor 2T da Yamaha só começa a “gritar” depois da abertura do YPVS. Tecnicamente não tem como esse motor 2T ser mais rápido na aceleração, mesmo com menos peso a favor.
Do ponto de vista técnico essa é a realidade. Mas, tal como o exemplo do futebol, cada um defende seu time com todo fervor, certo ou não!
Aproveite o teste, escrito por Gabriel Marazzi, fotografado por Mário Bock, auditado pelas duas fábricas e acelerado por mim!
Segure-se, elas vão arrancar!
Para saber qual tem melhor arrancada, DUAS RODAS, colocou lado a lado a Honda CBX 750F e a Yamaha RD 350LC num teste de 0 a 100 metros; 0 a 400 metros e 0 a 100 km/h.
Qual tem melhor arrancada? Essa é a pergunta que todos estão fazendo depois do lançamento da Honda CBX 750F e da Yamaha RD 350LC. A Honda, com seu motor de quatro tempos e 82 CV a 9.500 rpm, ou a Yamaha, de dois tempos e 55 CV a 9.000 rpm? Números e cálculos são insuficientes para se saber o resultado de um racha entre as duas motocicletas. O método mais eficaz para sanar essa dúvida é colocar as duas lado a lado em uma pista de provas. E foi o que Duas Rodas fez com as versões nacionalizadas das duas mais potentes motocicletas lançadas no Brasil.
A missão é medir o tempo que as motos levam para, a partir da imobilidade cobrir as distâncias de 100 metros e quatrocentos metros e, também, para atingir a velocidade de 100 km/h. Existem dois padrões internacionais para avaliação da aceleração de veículos, os americanos usam o quarto de milha (cerca de 400 metros) para provas de arrancada e os europeus utilizam a velocidade de 100 km/h para comparar acelerações.
No autódromo de Interlagos, foram marcados cem e quatrocentos metros no asfalto para as medições. Os pilotos que participaram deste teste foram Gabriel Marazzi, Geraldo Simões e José Cohen, cada um efetuando duas medidas em cada categoria e com cada uma das motocicletas. O fato de se utilizar mais de um piloto, para este tipo de prova, é que na aceleração conta muito o jeito de usar a embreagem e o acelerador, que pode variar de piloto para piloto e até mesmo, de uma moto para outra.
Para o resultado definitivo foram aproveitadas as melhores marcas de cada moto.
José Cohen foi o piloto convidado.
Dura prova para embreagem
No primeiro teste em Interlagos, após terminar a bateria de medições de zero a cem metros, a embreagem da Honda CBX não agüentou os esforços e os discos começaram a patinar, obrigando o adiamento do restante do teste. Até o fim dessas medições, feitas com uma moto de cada vez, o melhor tempo ficou com a Yamaha, que percorreu os cem metros em 4,90 segundos, contra o melhor tempo da Honda de 5,07 segundos. Porém, essa foi a única vez que a RD levou vantagem sobre a CBX, já que lado a lado ela não chegou a sair na frente nenhuma vez, e nem no quarto de milha ou no zero a cem por hora.
A melhor marca dos quatrocentos metros foi a da CBX, de 11,98 segundos, contra 12,05 segundos da RD. Esses sete centésimos de segundo de diferença provam que as duas motocicletas são praticamente iguais na aceleração, uma vez que possuem relações peso/potência muito parecidas.
Na prova de zero-cem quilômetros por hora a CBX também levou vantagem em todas as passagens, com o melhor tempo de 5,53 s, contra o melhor tempo da RD, de 6,13 segundos. Essas marcas para os 100 Km/h, apesar de terem sido medidas nos mesmos critérios das medições normais de Duas Rodas, podem não corresponder exatamente àquelas publicadas nos respectivos testes das motocicletas, uma vez que as motos não são as mesmas, assim como as condições de teste e o local onde foi realizado.
Gabriel Marazzi
Contra todas as lendas, a CBX sempre foi mais rápida de arrancada do que a RD.
Agradecimentos
A realização desse teste usando a Rodovia dos Imigrantes só foi possível graças à colaboração da Polícia Rodoviária Estadual e do DERSA. Queremos agradecer em especial ao Coronel Rolin, Capitão Josni, Tenente Barros, Cabo Galloni e Soldado Ermírio pelo empenho em ajudar e pela gentileza em permitir nosso trabalho.
Advertências – A foto da fumaça saindo dos pneus foi produzida colocando-se óleo no asfalto e girando o pneu em falso, segurando amoto com o freio dianteiro. Tem efeito apenas estético. A arrancada mesmo é feita sem que haja derrapagem, o que implicaria em tempo perdido. Não aconselhamos que os leitores façam derrapagens usando óleo: é perigoso por não permitir muita firmeza da moto, e provoca excessivo desgaste dos pneus, tanto que, após a bateria de fotos, o pneu traseiro da CBX e o da RD ficaram inutilizados.
Bastidores – Abrindo uma exceção, Duas Rodas permitiu que os assessores de imprensa da Honda, Ricardo Ghigonetto, e da Yamaha, Marcus Zamponi, acompanhassem esse teste. Dois momentos: o desconsolo do Ricardo quando quebrou a embreagem da CBX, versus sorrisos de Zampa; e o silêncio de solidariedade entre ambos, no final do teste, após verificarem o estado dos pneus.
Uma viagem emocionante e vibrante com dois ícones da indústria nacional (Foto: M. Bock)
A atividade de piloto de teste de motos nos primórdios da civilização era penosa, arriscada e emocionante. Tudo era ainda muito novo para nós, desde os instrumentos de medição compostos pelos mais diferentes ímetros, ômetros e ógrafos que tínhamos de aprender a usar, até a sensibilidade de perceber, identificar e solucionar problemas nas motos no meio de uma viagem.
Quem chegou agora nesse ofício nem imagina o que é pegar uma moto com defeito e descobrir só durante o teste, numa estrada entre nada e coisa alguma, debaixo de chuva, à noite, sem lanterna e só com as ferramentas originais da moto. Mais do que isso, hoje em dia seria inimaginável o que aconteceu nessa aventura-teste em dezembro de 1986, quando a Yamaha nos entregou uma RD 350LC cheia de problemas, justamente para comparar com a rival Honda CBX 750F!
Uma das edições mais vendidas da história da Duas Rodas.
Mais uma vez coube a mim a inglória missão de buscar a moto na sede da Yamaha, na República Distante de Guarulhos, numa sexta-feira à tarde, dia que milhões de motoristas decidem circular pela Via Dutra, único acesso para São Paulo. Depois do tradicional chá de cadeira, peguei a moto com precisos 4 km marcados no hodômetro. Isso mesmo: ela saiu da linha de montagem, foi para o pátio da fábrica, deu algumas voltas para um check-down tradicional e chegou diretamente nas minhas mãos para uma viagem-teste de 2.500 km até o vizinho Paraguai.
Hoje em dia isso seria impensável. Os fabricantes rodam centenas de quilômetros antes de entregar uma moto para teste. Checam até o ar do pneu. A qualidade, não a calibragem. Dizem as más línguas que essas motos de teste eram “preparadas” antes, mas isso é balela. Porque se for verdade o que aconteceu nesse teste comparativo foi o único caso de fabricante “despreparar” uma moto pra teste.
Olhe nossas carinhas de bons moços limpinhos na Paulista. (Foto: Mario Bock)
Para completar, esta RD 350 seria a nossa primeira avaliação da versão nacionalizada. Até este dia nós só tínhamos rodados nas versões pré-série e todas estavam impecavelmente perfeitas. Eu fui mais além: cheguei a pilotar uma RD 350 japonesa em Interlagos, antes de ver uma “made in Brazil”. A minha lembrança daquela RD japonesa era de uma TZ 350 com farol e lanterna!
Foi com essa doce lembrança e o coração saindo pela boca de tanta ansiedade que dei a partida (a pedal) na RD 350 brasileira, engatei a primeira e entrei na Dutra, de novo...
Nessa data eu era um jovem de 28 anos, mas já tinha muita experiência com moto. Comecei aos 12! Por isso não precisei rodar nem 100 metros para perceber alguma coisa muito errada na RD 350. A frente estava “pesada” e eu precisava fazer muita força para virar. Tudo bem que os semi-guidões eram esportivos, mas estava demais. Parei num posto de gasolina para conferir a calibragem e... bingo! O pneu dianteiro estava com 12 libras, quando deveria ter 28. Foi um sinal do que viria pela frente.
Num trecho mais livre da Dutra consegui chegar a 100 km/h e percebi uma vibração muito anormal. O Gabriel Marazzi vinha de CBX 750 atrás de mim e fazia sinais como se quisesse saber “que cazzo está acontecendo”? Paramos mais uma vez e eu expliquei pro Gabriel que a moto estava balançando demais. A frente chacoalhava como se estivesse tudo solto. E no dia seguinte pegaríamos a estrada para o Paraguai!
Anúncio veiculado pela Yamaha bem no meio do teste. Infeliz coincidência!
Chegamos a pensar que era culpa dos pneus Pirelli Phanton nacionais com câmera. Mais experiente do que eu (ele praticamente nasceu em cima de uma moto), o Gabriel achou melhor levar a moto a uma revenda Yamaha. Constatamos uma série de problemas: os parafusos das mesas e a porca da coluna de direção estavam com mais torque do que deveria e a porca do eixo dianteiro estava solta!!! E eu a 120/140 km/h na Dutra no meio de caminhões com a porca do eixo dianteiro soltinha da silva! Era mais um sinal!
Clima tropical
No dia seguinte nos preparamos para fazer a foto da “largada” na avenida Paulista com objetivo de rodar cerca de 1.100 km e chegar no mesmo dia em Foz do Iguaçu. Rodar 1.000 km num dia era moleza para nós, jovens, naquela época que não existia radar de controle de velocidade e com duas motos que passavam de 190 km/h fácil. Mas...
Como sempre tivemos um atraso, dessa vez por minha culpa. Ou melhor, por culpa da imprecisão do marcador de gasolina da CBX 750F que indicava ainda um pouco de gasolina no tanque, mas era mentira! Fiquei sem gasolina com uma moto pesada no meio do corredor Norte-Sul. Felizmente um motoqueiro socorreu mas perdemos um tempo precioso.
Bastava programar uma viagem teste para começar a temporada de chuvas. (Foto: Tite)
Chuva
Quando finalmente colocamos a proa rumo ao Sul, entramos na rodovia Castelo Branco e... começou a chover! Só pode ser praga, pensei, porque bastava programar uma viagem-teste e o nosso clima tropical justificava o nome inglês “rain forest”. Eu comecei na Honda CBX 750 e o Gabriel na Yamaha RD 350.
Mesmo com asfalto molhado mantivemos uma média horária alta porque a rodovia era segura, as duas motos estavam com pneus novos e nossas viseiras ainda estavam perfeitas. Pena que isso durou bem pouco. Eu me sentia super seguro na chuva a 160 km/h com a CBX 750: ela era muito firme, confortável e os pneus Pirelli Phantom (os mesmos da RD, mas medidas diferentes) passavam muita confiança, o que me levou a inocentar os pneus com relação aos problemas daquela Yamaha.
Até que chegamos na região do Paraná e pegamos as estradas de pista simples, com uma camada de terra vermelha que, misturada com a água, formava uma tinta que grudava na viseira dos capacetes. Nestes idos de 1986 os capacetes nacionais não tinham a qualidade de hoje e um dos itens que mais dava problema era justamente a viseira. Feitas de material simples elas riscavam só de olhar! Imagine passando a luva com uma camada de terra vermelha!!! A uma certa altura eu não enxergava mais nada e para piorar meus óculos de grau embaçavam. Se eu abrisse a viseira sujava as lentes do óculos, se fechava embaçava tudo. Quando vinha algum veículo em sentido contrário a luz do farol batia na viseira riscada e formava umas estrelas cintilantes que nem árvore de natal.
No meio desse inferno, já começando a escurecer, fui ultrapassar um caminhão em meio ao spray de tinta vermelha quando peguei um baita buraco que quase me mandou pro espaço. Fiz sinal pro Gabriel parar e decidimos desistir da ideia de chegar em Foz no mesmo dia. Dormimos no primeiro hotel de beira de estrada que encontramos. Putos da vida porque não conseguimos cumprir os 1.000 km num dia como era o planejado.
O nome do rio já era um sinal de algo de errado não iria dar certo. (Foto:Tite)
Fizemos de tudo para chegar em Puerto Stroessner (atual Ciudad de Leste) no sábado para pegar as lojas abertas fazer algumas compras – pouca coisa, afinal estávamos de moto – e voltar já sem compromisso de rodar os 1.000 km num dia. Vivíamos a época da proibição de importação e eu estava babando para conseguir um toca-disco a laser, sonho de consumo de todo audiófilo do planeta. Pouca gente sabe, mas o Gabriel Marazzi era – e ainda é – um roqueiro raiz. Ele era o DJ das festas de 15 anos da maioria dos vizinhos, muito antes de inventarem o termo DJ. O CD tinha acabado de ser lançado pela Philips e – hoje posso confessar – toda essa viagem foi planejada com o claro objetivo de comprar os CD players no Paraguai.
Que passa? No passa!
À noite o tempo melhorou a chegamos até a ver o céu estrelado. Legal, pensei, amanhã vamos ter sol e descontar o atraso. Santa inocência...
Assim que terminamos o café da manhã voltou a chover! Sabe o que é pior que chuva? Vestir macacão de couro e capacete encharcados! Mesmo com capa de chuva o macacão molhou e ficou pesando uma tonelada e meia. Naquela época não tínhamos acesso aos equipamentos de hoje, tudo era gambiarra, improviso e resultado de anos de “pesquisa” se ferrando de várias formas. Um desses aprendizados foi o verdadeiro papel da imprensa: forramos toda nossa roupa com jornal! Até na cueca, ponto nevrálgico e limite da decência de qualquer motociclista na chuva. Cueca molhada é o desconforto máximo e quando isso acontece normalmente é o momento que entrego meu destino a Deus. Nada mais pode piorar.
Pode sim. O capacete molhado! É nojento, frio, desconfortável e sinal que o Homem pode descer a níveis de higiene bem rasteiros. Não tínhamos (ainda) as balaclavas e não dá pra colocar jornal por dentro do capacete.
Na tríplice fronteira Brasil-Argentina-Paraguai. (Foto: Leitor)
Assim, molhados, fedidos e humilhados tocamos rumo à fronteira. Chegamos até relativamente cedo a ponto de fazer uma foto no marco da tríplice fronteira Brasil/Argentina/Paraguai. Um dado curioso: nesse local encontramos um leitor de Duas Rodas que sabia tudo das nossas vidas. Foi quando comecei a ter respeito e admiração muito maior pelos leitores.
Já sem a chuva para nos infernizar finalmente chegamos à fronteira e... surpresa! Não podíamos entrar com as motos porque não estavam nos nossos nomes! Essa era uma burocracia na época que causou muito transtorno na minha vida e fez com que eu nunca fizesse a famosa viagem à Patagônia: eu só viajava com motos de fábrica e nas fronteiras da Argentina e Paraguai havia a exigência de o veículo estar no nome do condutor.
Fizemos meia volta, mas não desistimos do contrabando, afinal TODA aquela viagem tinha como objetivo comprar os CD Players, mas esta burocracia infernal nos fez perder muito tempo e só conseguiríamos voltar no dia seguinte, domingo, com as lojas fechadas!!! Pensa numa dupla desesperada! Todo nosso plano foi – literalmente – água abaixo por causa da chuva e da burocracia.
A famosa foto em frente às cataratas do Iguaçu. Hoje não pode mais entrar de moto. (Foto: Tite)
Mas não desistimos! Sugeri ao Gabriel fazer turismo no domingo, visitar o Parque Nacional, fazer fotos na cachoeira, jantar um belo churrasco e deixar a contravenção para segunda-feira, mesmo sabendo que o Roberto Araújo comeria nosso fígado com cebola, afinal o teste era para edição de janeiro e o mês de dezembro era mais curto por causa das festas de fim de ano. Perder um dia de trabalho significava muito nos tempos de fotolito, fotocomposição e past-up.
Mesmo assim decidimos ficar mais um dia. Seria muito cruel voltar do Paraguai sem as nossas muambas, ainda mais porque eu tinha deixado para comprar os presentes de natal naquelas lojas. Imagine a ansiedade! Só que isso nos obrigaria a voltar os 1.100 km num dia, mesmo que isso custasse nossas vértebras em cima daquelas motos.
No vácuo a 200 km/h!
Mal o dia raiou na segunda-feira, já estávamos na “ponte da amizade” rumo às compras. Mas assim que passamos pela fronteira, surpresa: ERA FERIADO NO PARAGUAI!!! E, claro, as lojas estavam fechadas!
Olhei pra cara do Gabriel e meu primeiro pensamento foi me jogar nas águas lamacentas do rio Paraná. Todo nosso esforço, os 1.000 km debaixo de chuva, os riscos na estrada, a possibilidade de ter nossos fígados servidos numa bandeja de prata pro Roberto e Josias Silveira devorarem, tudo isso por NADA?
Mas se existe no mundo uma dupla que não desistia de nada era nós. Esta fase da Revista Duas Rodas foi uma das melhores do jornalismo especializado: Geraldo Simões e Gabriel Marazzi! Só hoje entendi a dimensão dessa dupla no jornalismo. Éramos tipo William Bonner e Fátima Bernardes (sem conotação sexual, por favor). E a Duas Rodas era a Globo da imprensa especializada. Por isso decidimos que não poderíamos voltar do Paraguai sem um CD Player ou presos por descaminho. Nossas honras estavam em cheque.
Mais uma foto famosa na Internet: o primeiro teste da CBX 750F nacionalizada. (Foto: M. Bock)
Assim que pisamos na rua do comércio percebemos que os paraguaios tinham dado um jeitinho de vender, mesmo com as portas fechadas: camelôs! Isso mesmo, os lojistas montaram barracas e colocaram os produtos mais procurados à venda. Graças a esse jeitinho achamos um CD Player, mas apenas UM e era do tipo walkman, portátil. Comprei pelo equivalente a US$ 100.
Só tínhamos que decidir quem passaria com a muamba pela fronteira, sabendo que os policiais faziam uma revista randômica. Nós dois tínhamos cara de contrabandista, mas eu decidi colocar na mochila e tentar a sorte. A menos de 500 metros da fronteira o Gabriel teve um momento sensitivo, me parou, pegou o aparelho e colocou dentro da calça, alegando que nenhum policial colocaria a mão ali.
Deu certo! O policial me revistou, mas deixou o Gabriel passar! Nosso principal objetivo estava alcançado, só restava voltar pra casa e chegar no mesmo dia.
Pensa numa viagem doida. Nós trocamos de motos e eu voltei pilotando a RD 350 e o Gabriel na CBX 750. Essa RD estava muita estranha. Não passava de 180 km/h e vibrava tanto que perdemos várias porcas e parafusos no caminho. A qualquer momento a carenagem poderia desprender. Mesmo assim tocamos de volta num ritmo frenético. Viajar com o Gabriel era perfeito para devoradores de asfalto, porque ele só para pra abastecer ou se pegar fogo na moto.
Na metade do caminho parou de chover. Quando chegamos na parte duplicada da rodovia colocamos os aceleradores na posição ON e viemos dando final a maior parte do tempo. Como a RD não passava de 180 decidimos que o Gabriel iria me puxar no vácuo, assim conseguimos chegar a 200 km/h comigo naquela RD que vibrava tanto que minhas bolas não paravam na cueca. Claro que não recomendo isso a ninguém, mas eu confiava plenamente no Gabriel e vice-versa.
Quando finalmente chegamos na Marginal Pinheiros senti a traseira da RD balançar sem motivo aparente, mas creditei ao meu cansaço. Parei na garagem de casa anoitecendo, fiz a famosa foto deitado na garagem que seria publicada em outra ocasião.
No dia seguinte corri comprar um CD e lembro claramente que foi um disco do Queen! Quando olhei pra roda traseira da RD o susto: o regulador de tensão da corrente de transmissão tinha pulado e a roda estava desalinhada. Por isso aquela balançada esquisita na Marginal. Só não sei se já estava assim nos trechos acima de 180 km/h!
O mais surpreendente deste teste foi o texto. Nenhum dos problemas da Yamaha RD 350 foi omitido, pelo contrário, foram descritos minuciosamente. Mais do que isso, o Roberto Araújo fez um editorial esculachando a Yamaha, inclusive citando nominalmente o diretor comercial da empresa. Se isso fosse publicado hoje em dia a revista fecharia. Mas naquela época a Duas Rodas tinha um peso enorme. Os executivos das fábricas nos tratavam com muita reverência. Mas o fato de a Yamaha estar cheia de problemas e a Honda não ter apresentado nada de errado, começou neste comparativo o boato de que a Duas Rodas (e seus jornalistas) recebiam um “por fora” da Honda.
O que os Yamahistas não aceitavam na época – e até hoje – é que a Yamaha tinha problemas sérios de controle de qualidade. Até a decisão de ir para Manaus, os produtos da Yamaha tinham tantos problemas que o valor de revenda era muito baixo. Pior que isso: algumas concessionárias Yamaha não aceitavam uma Yamaha usada em troca! Acredita nisso? Certamente algumas cabeças rolaram depois da publicação deste comparativo, porque sintomaticamente nunca mais pegamos uma moto da Yamaha tão problemática.
Com relação ao contrabando, quase 20 anos depois eu dei esse CD Player de presente pro Gabriel que o conserva até hoje.
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