Vitória maiúscula do português Miguel Oliveira no GP de Portugal. (MotoGP.com)
O mundial de motovelocidade termina como começou: surpreendente. Miguel Oliveira, Remy Gardner e Raul Fernandez foram os vencedores na MotoGP, Moto2 e Moto3.
Que ano, que campeonato e que corridas! Vai ficar para história o campeonato de motovelocidade de 2020. Teve de tudo: etapa com apenas duas categorias (a primeira no Qatar), interrupção por conta de pandemia, acidentes apavorantes, pilotos com Covi-19 e todo tipo de zebra. Para coroar um ano tão cheio de surpresas nada como uma etapa de tirar o fôlego em uma das pistas mais lindas e desafiadoras do calendário.
Desde os treinos de sexta-feira o mundo viu que o circuito de Portimão, na belíssima região de Algarve, Portugal, premiaria os pilotos que tivessem alguma intimidade com a pista. Com uma topografia singular, a pista de 4.592 metros tem subida, descidas, curvas cegas, frenagens em descida, frenagens em curvas cegas, ou seja, um cardápio de tudo que pode complicar a vida de motos e pilotos. Neste tipo de pista muito técnica se dá bem que descobre os “atalhos”, que são traçados incomuns mas que dão resultado no cronômetro. Nesta pista nem sempre o caminho mais curto entre dois pontos é o mais rápido e quem acha o caminho primeiro fica quieto e se dá bem.
O romano-pernambucano Franco Morbidelli fez uma temporada impecável com a moto velha. (MotoGP.com)
Dois pilotos se destacaram na MotoGP desde as primeiras voltas: Stefan Bradl (Honda/Repsol), porque correu lá de Superbike; e Miguel Oliveira (KTM/RedBull), porque já treinou de todo tipo de moto na pista perto de casa. Alguns pilotos treinaram com motos de série só para conhecer a pista, mas não dá muito resultado, porque uma coisa é chegar no fim da reta a 280 km/h e outra é chegar a 328 km/h!
Por isso não foi surpresa que o piloto português (que é formado em odontologia) fizesse a pole position no sábado. O que assustou foi ver o fraco desempenho da Suzuki que não se acertou na pista e seus pilotos ficaram no fim do pelotão. Na verdade só Alex Rins tinha de mostrar serviço para tentar beliscar o vice-campeonato, porque Joan Mir já estava com a cabeça nas férias desde a segunda-feira passada. Mais uma vez Franco Morbidelli (Yamaha/Petronas) foi o que conseguiu melhor representar a Yamaha, e o agressivo (mas gente boa) Jack Miller (Ducati/Pramac) foi o melhor de Ducati. Na corrida de despedida Cal Crutchlow (Honda/LCR) surpreendeu e conseguiu a melhor posição de largada no ano em quarto.
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Na largada da MotoGP Miguel Oliveira partiu em primeiro e simplesmente ignorou os adversários, colocando mais de oito segundos de vantagem na bandeirada. Fez a pole, vitória e melhor volta, bem diferente da primeira vitória (na Estíria) que viu a vitória cair no colo na última curva. Jack Miller ficou a prova inteira colado em Franco Morbidelli e só garantiu a segunda colocação na última volta. Franco fechou o pódio e conquistou um heróico vice-campeonato, com três vitórias, usando a moto de 2019.
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Triste a situação da Yamaha oficial que só andou para trás. Mais ainda quando se sabe que a marca recusou uma moto 2020 para Franco Morbidelli. No meio do ano Valentino Rossi deu uma entrevista afirmando que “o mais triste não é ver que a moto 2020 é pior que a 2019, ela é igual!”. No mundo das corridas, quando um equipamento mais novo é igual ao anterior significa que andou para trás! Após a corrida Valentino já começava a dar pinta de desilusão com relação a 2021. Certamente ele fez um contrato que permite parar quando bem entender.
Valentino Rossi teve um ano cheio de problemas, nova equipe em 2021. (motogp.com)
Muitos pilotos deixarão suas equipes e alguns até se despediram da categoria, como foi o caso de Adrea Dovizioso (Ducati) e Cal Crutchlow. Foi muito bonito e emocionante ver como as equipes e mesmo os pilotos se despediram de seus pilotos. No caso de Dovizioso os pilotos o cumprimentaram ainda na pista, mostrando que parte mas deixa uma legião de amigos. Não creio que ele faça um “ano sabático”, porque todo mundo viu o ritmo cardíaco dele na prova de hoje; 181 bpm é muito alto para essa atividade, basta comparar com Maverick Viñales, Fábio Quartararo e outros na faixa de 20 anos que mantém o ritmo na casa de 120 bpm. É a idade mandando o recado. Queria ver o do VR46!
O título de 2020 da MotoGP ficou em ótimas mãos: Joan Mir, jovem, talentoso, humilde e um verdadeiro gente boa!
Moto2, o revés
Até a etapa de Teruel tudo levava a crer que Sam Lowes (Marc VDS) seria o campeão da Moto2, principalmente depois de três vitórias seguidas. Mas uma queda do GP da Europa jogou areia nos planos. Pra piorar caiu novamente nos treinos do GP da Comunidade Valenciana e aí a maioneses desandou de vez porque machucou o punho direito e marcou apenas dois pontos numa corrida heróica. Confesso que torci por ele, mas a queda no GP da Europa foi um baque, porque bastava ele manter o segundo lugar para levantar o caneco, pena que arriscou demais.
Enea Bastianini: final de temporada avassalador e título na Moto2 (motogp.com)
Com isso o italiano Enea Bastianini (Italtrans) somou pontos importantes e assumiu a liderança do mundial de forma mineira, somando pontos e três vitórias. Nesta última etapa, em Portugal, precisava apenas ficar perto de Lowes e Luca Marini (Sky/VR46). Fez a lição de casa, terminou em quinto e deu mais um título mundial para a Itália.
A surpresa positiva da corrida foi a pilotagem madura e equilibrada de Remy Gardner (SAG Team) que largou na pole, mas passou quase a corrida toda em segundo, comboiando Marini. Antes da largada eu mesmo não acreditava nele, porque já tinha dado muitas provas de instabilidade, intercalando bons desempenhos com quedas infantis. Mas dessa vez queimei a língua (de novo!), porque a duas voltas do fim partiu para o ataque e conquistou a primeira vitória na categoria, que teve um pouco de Brasil: o dono da equipe é o brasileiro Eduardo Perales. Luca Marini terminou empatado em pontos com Sam Lowes e só prevaleceu o critério de desempate porque teve um terceiro lugar a mais.
O pai, Wayne, tocava muito; o filho, Remy toca muito: esta é a verdadeira Família do Remy. (motogp.com)
Moto3, decisão na última volta
Como sempre a Moto3, categoria mais equilibrada e emocionante, abriu a programação com uma corrida de acabar com os nervos de qualquer torcedor. Três pilotos tinham chances matemáticas de título: Albert Arenas (KTM), Ai Ogura (Honda) e Tony Arbolino (Honda). E até a última volta não houve refresco.
Alheio a tudo isso e já com o pé na Moto2, Raul Fernandez (KTM) fez a pole, largou bem e sumiu na frente até a bandeirada, algo raríssimo de acontecer na Moto3. Ogura até conseguiu sair na frente de Arenas, mas aos poucos foi perdendo ritmo. Enquanto isso, Tony Arbolino foi escalando o pelotão e apareceu na frente no terço final da prova. Mas as emoções estavam reservadas para as duas últimas voltas.
TOCA RAUUUL: Raul Fernandez foi soberbo na Moto3. (motogp.com)
Albert Arenas começou a ter problemas no pneu traseiro, deu uma desgarrada assustadora, recuperou mas foi parar na 12ª posição. Já Ogura conseguiu se livrar do tráfego e se colocou em oitavo. Se estas posições se mantivessem na chegada Arenas seria campeão por dois pontos de vantagem. Mas na última volta Ogura colou no sétimo, Celestino Vietti (KTM) que estava grudado no Darryn Binder (KTM), que vinha colado em Arbolino. Se Ogura conseguisse passar os três seria campeão. Mas não foi!
Ogura terminou em oitavo, Arenas em 12º e o espanhol conquistou um título mais que merecido com três vitórias no ano. Detalhe curioso da carreira desse espanhol: ele estreou no mundial substituindo Eric Granado no GP de Valência em 2014.
Arenas (75) teve de segurar um rojão na Moto3 para ser campeão mundial. (motogp.com)
Os basti...dores!
Amigos dessa vez eu quase morri mesmo. De verdade! Tudo porque dei aula no sábado e esqueci o carregador do notebook lá no Shopping D, que fica do outro lado da cidade a 25 km da minha casa! Pior: só percebi quando fui ligar hoje às 7:30 e o sinal seria aberto às 7:55 para a largada da Moto3. A bateria do notebook não duraria as mais de três horas de transmissão porque o vídeo consome muito mais energia.
Ah, mas eu tenho o desktop iMac de última geração, que custou os zóios da cara e mais um rim. Legal, corri pra ele e descobri estarrecido que o microfone externo deu pau. Isso deve ter sido no século passado, mas eu nunca tinha testado. E o tempo correndo. Tentei de tudo e... nada.
Ah, mas tudo bem, porque eu tenho ainda o PC da editora Oficina 259 (leia-se Reginaldo Leme), para quem eu trabalho há 200 anos. Pluguei fone de ouvido, microfone, acessei o link da vídeo conferência e... tela azul! Nada! Nadica de nada. Chamei o pessoal da técnica da FoxSports, que acionou remotamente o PC e instalou uns programas trick-tricks de simulador de câmera e, quando faltava UM minuto pra abrir o sinal, eis que eu entro na sala!!! Todo estabanado, chamando Raul Fernandez de Raul Seixas e Ogura de Miagi Sam!
A resolução do PC não chega nem perto da do iMac ou do MacBook Air, por isso demorei pra identificar os números das motos. Mas passado o susto foi tudo bem...
Assim completamos todas as provas de 2020. Agradeci publicamente no ar os meus colegas de bancada Edgard Mello Filho (uma honra enome trabalhar com ele), Hamilton Rodrigues (que elegantemente lembrou de Téo José), Alexandre Barros, Rodrigo Mattar, minha professorinha querida de locução, Mariana, aos técnicos da FoxSports, o motoboy, todo mundo que de alguma forma ajudou a enfrentar essa bucha de canhão que pegamos.
Também agradeço à minha esposa pelos domingos de sol perdidos e por manter os cachorros em silêncio por mais de quatro horas!
Nunca fui de mídia eletrônica, sempre fui redator, fotógrafo, cinegrafista e escritor (além de professor). Enfrentar esse desafio foi insano e sei que dei várias bolas fora, mas também fiz muitos gols, como é tudo na vida. Aprendi demais com esses profissionais e tive um retorno muito positivo por parte da diretoria da FoxSports/ESPN, que foi um alívio. Como diz Fausto Silva, “fazer ao vivo não é pra qualquer um”.
Não sabemos nada ainda do que será em 2021. A FoxSports sai de cena e entra oficialmente ESPN. Mudarão diretores, sede, gerência e não sabemos nada sobre a manutenção ou não desta equipe. Eu espero de coração estar com vocês em 2021. Mas se não rolar saibam que foi uma experiência única, assustadora e valiosíssima!
Até a próxima!!!
Meu super estúdio caseiro, com três computadores ligados ao mesmo tempo. (Tite)
Obrigado por ficarem quietinhos nas manhãs de domingo!
Montanha russa em Interlagos, o velhinho quase enfarta! (Foto: Johanes Duarte)
A Kawasaki Ninja ZX-10R é a moto pronta pra correr
Sem exagero. Se pegar uma Kawasaki ZX-10R 2016 comprada na loja, retirar o kit ótico, espelhos, setas, pára-lama traseiro e alinhar para o grid de largada de uma etapa do campeonato de Superbike a chance de fazer bonito é grande. Porque, a exemplo da Ducati Panigale 1299, é uma moto esportiva que vem pronta para correr.
Antes de mais nada saiba que não se trata de uma maquiagem em relação ao modelo 2015. Elas são muito parecidas a ponto de confundir que olha rapidamente, mas são dois produtos totalmente diferentes. A versão atual da ZX-10R não tem um parafuso aproveitado da versão anterior, é tudo novo. A lista de componentes novos é tão grande que nem me atrevo a torrar-lhe a paciência descrevendo item por item. Vai lá no fim desse artigo que eu coloquei o material oficial da Kawasaki em português pra você se deliciar.
É só deitar e acelerar, a eletrônica faz tudo. (Foto: Johanes Duarte)
O que interessa para nós é que a Kawasaki do Brasil me convidou para testar essa moto em Interlagos! Sem limite de voltas!! E sem ninguém controlando a velocidade!!! Pode isso, Arnaldo? Pode, tanto que suei o macacão até escorrer suco de Tite pelas mangas só para descrever para você, leitor, cada detalhe dessa superbike campeã da última temporada do Mundial.
Mentira, eu não fiz tanto esforço assim, suei porque estava um calor totalmente pornográfico para o outono.
Num raro lampejo de inteligência decidi primeiro sair com a Kawasaki ZX-10R anterior para ter uma referência de comparação. Sábia decisão, porque é normal um piloto de teste ficar deslumbrado com uma moto de 197 CV, dificultando muito os parâmetros. Como saí primeiro com a versão anterior foi uma rara oportunidade de comparar na prática tudo que o gigantesco material de imprensa informou.
Quadro mais resistente e leve.
Interlagos é um velho conhecido meu, por isso nem preciso olhar pra pista, senti tudo que foi possível com a primeira versão para fazer a comparação com a atual. E é difícil de acreditar, mas são motos completamente diferentes.
Só de ligar a nova ZX-10R já percebi algo bem diferente. O motor sobe de giro mais rápido e o nível de vibração é menor. Essa característica do motor subir de giro é resultado de duas novidades. Bom, na verdade é um motor totalmente novo, mas entre outras coisas o virabrequim ficou 20% mais leve e os quatro pistões emagreceram 5 gramas cada um. Uma titica, mas também mudou a inclinação das paredes dos cilindros (agora levemente desalinhadas) para fazer o pistão subir e descer mais livremente sem forçar as paredes. Com isso os pistões ganharam em diâmetro e ficaram mais curtos (veja detalhes lá embaixo). Todo esse blábláblá quer dizer que os pistões correm mais livres, por isso o motor cresce de giro mais rápido.
Motor é tudo novo
Deita comigo
Ajustei o módulo de potência no “full” porque eu não estava lá para brincadeira, se quisesse brincar tinha levado livro de colorir e lápis de cor e não macacão e capacete! Comigo é assim mesmo, na potência livre, depois eu passo no cardiologista e tomo um remédio pra pressão voltar ao normal.
Nem precisei fazer mais de duas curvas para perceber uma diferença na forma como essa esportiva deita fácil. Aqueles 20% a menos de massa no virabrequim tem outra missão: reduzir a ação do efeito giroscópico e facilitar a entrada da curva. De fato, a versão 2016 deita muito mais rápido e controlável.
Com piloto de verdade ela deita muito mais...
Depois de aquecidos os pneus reuni coragem para fazer a primeira volta lançada, mandando o devido sabugo na assustadora Subida do Café (sem airfence...) para chegar na frenagem do S do Senna a 271 km/h e o coração saindo pela boca. Nas retas foi possível perceber outra importante novidade. A carenagem está um pouco mais larga, a bolha um tiquinho mais alta e aqueles dois buracos ao lado da bolha não são estéticos, não, tem a função de permitir a passagem de ar e ajudar a manter a cabeça do piloto no lugar. Quer dizer, quieta, porque piloto já tem a cabeça naturalmente fora do lugar.
Na frenagem para o S do Senna tudo que descreveram sobre a suspensão é verdade. Nota-se que o afundamento é bem suave e a frente se mantém facilmente na trajetória. Uma das reclamações com relação à ZX-10 anterior era justamente uma certa imprecisão no trem dianteiro. Foi criado um novo quadro, com uma geometria diferente e novo ângulo de cáster. Aliás, na versão top de linha esse cáster pode ser regulado.
Balança traseira mais longa para não empinar muito fácil.
Hoje as motos estão 100% monitoradas eletronicamente por uma ECU que analisa tudo. Com base nos dados coletados e usando processadores muito mais rápidos a cada nova geração, posso dizer que as motos esportivas atuais “pensam” e em alguns casos até melhor que a gente. Um desses sistemas (é uma sopa de letrinha que só mesmo lendo lá no final você vai entender) ajuda a colocar, manter e sair da curva. É tipo um auxiliar de curva. Como se dentro de uma caixinha mágica morassem um monte de gnomos que ficam levantando e inclinando a moto conforme o grip dos pneus.
Ajuda eletrônica
São três opções de atuação dos controles eletrônicos: o full, que libera 100% da potência para o piloto enfartar de vez; o middle, que libera “só” 80% da cavalaria rusticana e o low para os coxinhas que querem apenas 60% de potência numa moto de quase R$ 80.000!!! Se eu pagasse isso iria usar 100% de cada cavalo que comprei! Além disso, por meio de um menu no painel digital o piloto pode também alterar alguns dos controles eletrônicos para deixar mais ou menos permissivo. Provavelmente acompanha um manual que ninguém nunca lê e acaba aprendendo na prática mesmo.
Veja alguns dos controles eletrônicos disponíveis:
- Controle de frenagem, sim você pode alicatar o freio no meio da curva que nem um débil mental que só vai ser transferido para o freio a força ideal para não levantar a moto nem fazer a moto sumir debaixo da sua barriga. São seis parâmetros de medição (dois a mais do que o tradicional) nos sentidos vertical, horizontal e diagonal que percebem o tempo todo qual o grau de inclinação da moto seja em curva ou na reta, e distribui a carga de frenagem de forma a não travar as rodas nem te jogar por cima da bolha.
- Controle de tração, como o nome diz, impede que a roda motriz fique patinando quando o piloto soca a mão na saída de curva.
- Controle do efeito redutor do motor (popular “freio-motor”), sim, para o piloto aumentar ou diminuir a atuação do motor na desaceleração. Esse sistema atua na embreagem.
- Gerenciamento de curva, é uma espécie de corretor de trajetória, que ajuda a manter a moto na curva, mesmo com uma certa liberdade para o piloto inclinar mais ou menos. Esse sistema é monitorado pelo IMU (Inertia Measurement Unit) que sabe o tempo todo a condição de aderência, inclinação, abertura de acelerador e ajuda o piloto e não se esborrachar por excesso de inclinação. Eu fui testar na prática.
Dentro dessa caixinha tem uns gnomos que cuidam de tudo.
Bom, controle eletrônico não é mais novidade para ninguém. Como eu também faço teste com carros já acompanho essa evolução há décadas e no mundo das quatro rodas já até virou meio carne de vaca. Nas motos eles começaram a aparecer com mais evidência nos últimos cinco anos e hoje atingiu um patamar que sempre deixa no ar aquela dúvida: onde esses caras querem chegar?
A diferença no caso das motos é confiar sua epiderme e estrutura óssea a esses chipizinhos todos. Por isso existem os testadores de motos que vestem o macacão e vão lá na pista conferir tudo, mas mantendo a ambulância por perto.
O freio já adquiri total confiança desde o teste com a Ducati Panigale 1299 na Itália, por isso posso afirmar sem exagero que hoje só erra a frenagem o cabra que perde a referência. E digo mais: em breve as motos terão um comando só de freio como nos carros.
Painel totalmente digital fácil de ler.
Portanto quis avaliar mesmo o controle de tração e o tal IMU. Para isso reservei a curva da Junção porque tem uma área de escape gigantesca (Kimi Haikkonen que o diga) e ficava longe dos olhos dos meus colegas jornalistas (e equipe Kawasaki). Se algo de errado não desse certo pelo menos ninguém veria...
Antes é preciso entender que por mais eletrônica que seja colocada a bordo o piloto ainda faz alguma diferença. Até para atrapalhar... Quando tentei nas primeiras voltas demorou para o punho direito obedecer o comando do cérebro. Minha cabeça dizia “vai, acelera até o fim do curso”, mas meu punho direito se recusava a aceitar esse comando. Só depois de fazer um exercício de relaxamento de esfíncter é que consegui realmente abrir o gás com a moto totalmente inclinada e minha cabeça a uns 30 cm do asfalto.
Suspensão traseira Showa com múltiplas regulagens
Lembre que eu estava no programa “full”, com toda ignorância à minha disposição. A moto chega a desgarrar um pouco de traseira (mais uma cueca pro incinerador...) mas recupera a tração e eu saí da curva me sentindo o Tom Sykes. Um equipamento que faz toda diferença e depois de acostumar nunca mais ninguém vai querer ficar sem é o sistema de engate rápido de marchas sem embreagem. Uma delícia: basta girar o acelerador até o talo e toda vez que o conta-giros começar a piscar indicando a rotação de potência máxima (13.000RPM) basta acionar a alavanca de câmbio sem mexer na embreagem nem no acelerador que a moto dá um POW e troca de marcha. Mas não funciona para a redução, tá? Nessa moto, porque na BMW 1000 e Panigale também atua na redução.
Depois de acostumar com essas maravilhas da eletrônica só fui curtindo as velhas curvas do velho Interlagos, cada vez acelerando mais cedo e freando mais tarde, até ver o amortecedor de direção atuar em algumas situações e considerar a possibilidade de parar com a farra do knee slider.
Amortecedor dianteiro com reservatório separado.
Algumas considerações sobre essa Kawa: sim, ela é tão prontinha para o track-day que até os piscas são encaixados de forma a saírem facilmente. Uma moto dessa original, apenas com pneus Racing é capaz de virar tempos muito próximos ao pelotão intermediário das categorias 1.000cc. Claro que se bem pilotada. Um dos itens que confirma essa vocação é o assistente de largada. Isso mesmo, o piloto pode escolher qual faixa de rotação quer estilingar na frente dos outros em um eventual grid de largada.
Não tivemos a chance de pilotar na estrada, nem na rua (e nem quero), mas fiz aquela velha simulação de engatar a última marcha e deixar a rotação cair até quase a marcha lenta para sentir a resposta. E essa é a maior supresa hoje em dia das modernas superbikes. Se fizesse isso com uma esportiva de 10 anos atrás ela demoraria para subir de giro e o piloto seria capaz de sentir os momentos de torque e potência máximos. Nas motos atuais ela cresce de giro de forma vigorosa e sem “calos”, como se fosse um câmbio automático.
Talvez essa seja uma das maiores conquistas da eletrônica: a capacidade de fornecer potência em alta, mas num motor desfrutável em baixo regime, mesmo na configuração de quatro cilindros em linha e 16 válvulas, que sempre se sentiu mais à vontade em alta rotação.
Essa superbike pode ser sua por apenas R$ 78.990.
Falando em mercado, o preço é R$ 78.990 e nem pense em me escrever esbravejando que é cara porque se quiser pagar menos vá morar em Miami. Aqui é aquele estranho mundo no qual um carro popular pé de boi custa R$ 34.500, então esquece isso e vai revirar a poupança.
Para encerrar, nosso velho e interplanetariamente famoso IPM – Índice de Pegação de Mina (ou mano). Na boa, até se o Nestor Cerveró sair com essa moto ele vai se dar bem, porque não tem como passar despercebido por ela. Nota 9,5 nesse importante e decisivo argumento de compra. Mas lembre que a mina (ou mano) que sentar nessa garupa terá vida bem difícil porque moto esportiva, você sabe, não foi feita pra levar garupa!
Abaixo a descrição técnica dos principais itens e a ficha técnica.
Unidade de medição inercial Bosch (IMU-Inertia Measurement Unit)
A IMU de 5 graus de liberdade da Bosch, complementa o programa de modelagem dinâmica proprietária da Kawasaki de modo a determinar orientações precisas para o chassis, sendo o componente chave para levar a eletrônica da Kawasaki para o próximo nível.
S-KTRC (Sport-Kawasaki TRaction Control) A evolução do altamente sofisticado controle de tração do tipo híbrido entre feedback e preditivo ajuda os pilotos a forçarem mais maximizando a aceleração. Os 5 modos permitem aos pilotos mais experiente a conseguirem ainda mais prazer na pilotagem em circuitos.
KLCM (Kawasaki Launch Control Mode) Sistema desenhado com 3 modos para ajudar o piloto a otimizar a aceleração na largada, gerenciando a potência do motor para evitar escorregamento das rodas traseiras e minimizar o empinamento.
KIBS (Kawasaki Intelligent anti-lock Brake System) O sistema de gerenciamento da Kawasaki da frenagem com múltiplos sensores de alta precisão e do tipo superesportivo utiliza um controle de alta precisão para modular a pressão da frenagem durante a condução esportiva.
Função de gerenciamento de curvas O sinal de entrada da nova IMU com seus 5 graus de liberdade permitem a utilização de uma nova função: o gerenciamento de curvas, o qual auxilia os pilotos a manterem o traçado pretendido durante a curva.
Controle do freio motor Kawasaki Este sistema permite aos pilotos ajustar o frio motor de acordo com as suas preferências.
KQS (Kawasaki Quick Shifter) Facilita a aceleração permitindo ao piloto trocar marchas para cima com o acelerador totalmente aberto sem usar a embreagem.
Amortecedor de direção eletrônico
O amortecedor de direção eletrônico especialmente desenvolvido pela Öhlins fornece apenas a quantidade certa de amortecimento baseado na velocidade do veículo e grau de aceleração ou desaceleração .
Modos de potência: Full, Middle e Low Os pilotos podem escolher qual nível de potência eles desejam conforme as condições ou
preferências: Full, Middle (80%) ou Low (60%).
O S-KTRC confirma as condições a cada 5 milissegundos. O controle é através da ignição (que permite uma reação extremamente rápida) e das válvulas de aceleração eletrônicas.
Existem 5 modos disponíveis (antes eram 3), para os pilotos ajustarem de acordo com a sua preferência (e nível de habilidade). Cada modo é capaz de acomodar uma grande variedade de condições de pilotagem. Os dois novos modos são ainda menos intrusivos do que no modelo anterior, permitindo que pilotos experientes consigam ainda mais prazer nos circuitos. Claro que, o gerenciamento do motor é de tal forma que os pilotos podem optar por desligar o sistema (OFF).
O sistema também é capaz de distinguir entre empinamentos causados pelo torque, os quais são suaves, e os empinamentos repentinos, que podem ser perigosos.
Empinamentos causados pelo torque são aceitos enquanto uma aceleração normal for mantida. Empinamentos repentinos disparam a intervenção do sistema.
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