(Estou a serviço da F1 até o final do ano... )
Por favor não estranhem a falta de novos posts no Motite, mas fui chamado para colaborar com o anuário da Fórmula 1 editado pelo meu amigo - e primeiro chefe - Reginaldo Leme. Estou enfurnado na editora R.Leme quase full time para revisar/editar e escrever alguns dos textos para completar as quase 400 páginas do livro.
O fechamento está previso para meados de dezembro e a distribuição deve ser a partir de 20 de janeiro.
Em uma semana respirei F1 e matei a saudades de grandes amigos. Começou com uma corrida de kart para jornalistas organizada pela Petrobras na Granja Viana. Eu não sentava em um kart havia uns 4 anos e demorei para me acostumar com traçado, dor nas pernas, nas costas etc. Fiz o sexto tempo, larguei bem pra caramba, fechei a primeira volta em quarto e já me preparava ma almoçar o terceiro quando rodei e fui pro 21º lugar... Voltei em último e terminei em 8º com uma tremenda raiva de mim mesmo...
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Voltei a encontrar jornalistas que alguns de vcs conhecem pela mídia como Luiz (Ico) Ramos, Livio Oricchio, Thiago Mendonça, Claudião, Luca Bassani e pilotos que vi ainda na puberdade (deles) como o Sérgio Gimenez.
No dia seguinte fomos ao estádio do Morumbi acompanhar a partida de futebol realizada anualmente pelo Vanderlei Pereira da V10, uma academia especializada em prepração de pilotos e que já tive a honra de sofrer na mão dele...
O Felipe Massa afundou o time dele ao perder um pênalti depois do empate por 2x2 contra o time do Alexandre Barros. Eu estava ao lado quando Felipe chutou e tive a impressão de ter ouvido um "glock" quando ele bateu na bola...
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Fotógrafo de F1, essa foi minha primeira função séria como jornalista. Desde 1979 O Reginaldo Leme conseguia uma credencial e lá ia eu com uma prosaica Pentax ME Super, lentes de 200 mm, 100 mm, 28 mm e 50 mm conseguir fotos iguais ao dos profissionais com suas Canon e Nikon com lentes 500 e 1000 mm. Naquela época os fotógrafos entravam na pista e podiam ficar bem perto dos carros. Não sei como não morri!!!
(olha a bagunça que era o box da Brabham em 1981!!! Foto: Tite)
O que me chamava atenção na F1 era a verdadeira zona que reinava nos boxes. Entrava uma ruma de penetra que atrapalhava o trabalho de todo mundo: mecânicos, seguranças, jornalistas e pilotos. Parecia uma feira livre. E os carros? Umas caixas frágeis com motores de quase 800 cv. Cada porrada era quase certeza de que o piloto sairia bem detonado. Os pilotos nem sabiam se terminariam a temporada vivos, porque a morte era uma presença sutil nos três dias de evento.
(Patrick Tambay na Ferrari em Jacarepaguá. Foto: Tite)
Eu circulava na maior cara de pau nos boxes, conversava naturalmente com os pilotos como se fôssemos colegas, tirava foto deles e o clima era de carnaval. Piloto e mecânico andavam sem camiseta, até passavam protetor solar pra pegar uma cor no calor carioca. Eles fumavam, mexiam com as meninas, eram caras normais e até eram gordinhos e carecas.
(Jean Pierre Jarier, sem camisa - gordinho - curtindo o sol carioca. Foto:Tite)
No meu livro "O Mundo É Uma Roda" eu conto algumas passagens dessa fase de fotógrafo de F1. Os pilotos mais jovens eram os mais acessíveis. Eu conseguia entrevistar Elio de Angelis, Jan Lammers, Patrick Tambay como se fossem colegas de escola. Já os brasileiros davam canseira porque ficava um mundaréu de gente em volta.
Vi a estréia de Ayrton Senna na F1 pela Toleman-Hart, uma cadeira elétrica que dava medo só de ver, mas que ele fez andar e conseguiu quase vencer o GP de Mônaco!
(Toleman, primeiro F1 do Senna, dava até medo de ver... Foto: Tite)
Segui essa rotina de fotógrafo de corridas até 1990, quando optei por ser editor e deixar a fotografia para os fotógrafos com equipamentos mais modernos. Nos mais de 10 anos que acompanhei o GP Brasil de F1 via a categoria se profissionalizar, os pilotos ficarem menos divertidos e a organização mais chata. Em suma, tiraram o que a F1 tinha de mais legal: o romantismo de quem fazia aquilo por amor e não apenas pela grana.
(Jan Lammers sem camisa no cockpit da ATS com um guarda sol comprado no farol. Foto:Tite)
Dois acidentes destruíram boa parte destas fotos. O primeiro foi uma má influência de uma ex-namorada bicho grilo que insistia em desfazer de coisas antigas que traziam maus fluidos. Nessa ocasião procurei um amigo jornalista e dei várias fotos pra a coleção dele.
O segundo acidente foi mais sério: uma goteira em cima do arquivo de metal inutilizou vários cromos e negativos P&B da F1. Felizmente minha mãe tinha guardado algumas caixas com coisas minhas e no meio da bagunça achei algumas fotos e negativos de algumas destas corridas. São estas que vc está vendo.
A F1 deixou saudades e agora estou de novo envolvido com a categoria. Mas ainda prefiro o Mundial de Motovelocidade...
Depois eu posto as fotos da corrida de kart!
(Senna, bonzinho só fora da pista! Foto: Tite)
Lembra quando escrevi que piloto burro nasce morto? Pois pode acrescentar que piloto “bonzinho” não dura muito! Ser um bom piloto não significa ser um piloto bom e muito menos bonzinho. Aliás, ser bonzinho é a pior das qualidades que alguém pode almejar na vida. Quando alguma mulher diz que sou bonzinho já dou logo uma cotovelada no nariz para mudar a opinião dela ali mesmo na hora, banhada em sangue!
Com a aproximação do final do campeonato mundial de Fórmula 1 muitos torcedores estão criticando a forma, digamos, pouco polida, de pilotagem do inglês Lewis Hamilton. Ora, que me desculpem as pessoas que nunca vestiram um capacete e alinharam com mais de 20 pilotos na nuca: esse papo de fair-play é a coisa de esporte chique, automobilismo e motociclismo são competições motorizadas e não tem espaço para “cavalheirismos”. Não conheço nem UM piloto campeão da F1 ou motovelocidade da era moderna que possa ser chamado de “bonzinho”. Os caras estão lá para comer o fígado dos concorrentes com cebola.
Competição motorizada só permite o bom-mocismo fora das pistas e olhe lá. Até Ayrton Senna, o neto que toda vovó queria ter, quando entrava na pista era o primeiro a querer pular na jugular dos adversários. Ele passava do jeito que dava e impedia a ultrapassagem a qualquer custo, inclusive pagou caro em algumas situações, o Jean Louis Schlesser que o diga!
Idem Michael Schumacher, Nelson Piquet, Alain Prost e vários campeões do automobilismo. No motociclismo poderia citar o Valentino Rossi como um cara que também está pouco se lixando para as boas maneiras. Em 2004, no circuito de Jerez, Rossi disputava a primeira posição com o espanhol Sete Gibernau. Um italiano contra um espanhol na Espanha! Na última curva da última volta Rossi não teve dúvida: mandou uma banana pra torcida espanhola e jogou Gibernau para fora da pista. Quem vê esta cena no Youtube pode perceber que Rossi jamais faria aquela curva se não usasse a moto de Gibernau como um apoio. Foi um ato de quase violência, mas que resultou na vitória.
Um pódio tem três lugares e no espaço do primeiro colocado só cabe um. Se Valentino fosse um piloto “bonzinho” ou com fair-play jamais arriscaria bater daquele jeito e acabar no chão. Mas... bonzinho não tem vez nas competições.
O impacto psicológico dessa trombada foi tão grande para Gibernau que a carreira dele praticamente acabou nesta curva. Depois dessa prova ele entrou numa espiral descendente e nunca mais recuperou a auto-estima (ou moto-estima, no caso).
Durante minha vida de piloto tive a oportunidade de aprender muito cedo que a “bondade” deve ficar fora da pista. Fiz muitas amizades na época das corridas, algumas delas duradouras, mas nunca me permiti que isso influenciasse a minha forma de pilotar. Dividi curvas com amigos como se fossem desconhecidos e depois da corrida sim, podíamos comentar, rir, brigar ou chorar das disputas.
O BOM piloto se diferencia do piloto bonzinho pela forma como se impõe a seus adversários. Se Valentino Rossi tivesse aliviado naquela curva, permitindo que Gibernau vencesse a prova ele perderia o respeito do adversário. Certamente Gibernau começou a pensar duas vezes antes de dividir uma curva com Valentino nas corridas seguintes.
Quando fiz meu primeiro curso de pilotagem, o professor Expedito Marazzi nos deu uma lição: se não tiver equipamento para ultrapassar seu adversário mostre que você é um cara muito mau! Comece a frear depois só para os pneus fazerem barulho e soltar fumaça. Não mostre nunca que você está conformado com a posição, mas que está disposto a passar de qualquer jeito. Se o piloto da frente não tiver equilíbrio psicológico em pouco tempo acabará cedendo a posição por erro ou por medo de os dois acabarem fora da pista.
Mas cuidado, ser mau não significa ser desonesto. É muito difícil estabelecer o limite entre ser um cara mau e ser injusto ou desonesto. Minha história como piloto de kart mostrou que muitos daqueles pilotos que pareciam tão “bonzinhos” usavam estratégias desonestas para burlar o regulamento e vencer os pilotos verdadeiramente bons. Pena que só descobri isso tarde demais. Não confunda ser mau com ser desleal.
Tenho vontade de me rasgar ao meio quando ouço um comentarista da TV falar que determinado piloto “é difícil de ultrapassar”. Mas desde quando ultrapassagem é uma tarefa “fácil”? Só falta agora separarmos os pilotos em duas categorias: os fáceis e os difíceis de ultrapassar! É a mesma coisa que classificar um beque do futebol como “fácil de driblar”. Pô, o mérito deve ser do atacante em achar uma forma de passar pela defesa e chutar pra gol! Nenhum jogador está no campo para facilitar a vida de ninguém, da mesma forma que nenhum piloto veste o capacete disposto a facilitar as ultrapassagens!
Sou da opinião que pista de corrida não é uma esquina do bairro para dar margem às discussões de quem é culpado por um acidente. Quando vestimos o capacete nós estamos assumindo riscos. Pelos nossos erros e pelos erros dos outros. Junto com o capacete vestimos a cumplicidade dos riscos. O bom piloto é aquele que encara os riscos da melhor forma possível, enquanto que o piloto bonzinho é o que não quer enfrentar os riscos.
Chefe bonzinho
Se fizermos um paralelo com o mundo corporativo não é difícil identificar quem é bom e quem é bonzinho. Chefe bonzinho é a certeza de uma administração ineficaz. Fazer papel de bonzinho é a forma mais eficiente de permitir a ultrapassagem e existe uma legião de colegas loucos para pegar o cargo (e o salário) dele.
O BOM chefe é aquele que controla e se mantém afastado dos riscos, mas não tem medo de enfrentá-los quando preciso. Já o bonzinho é aquele que tudo permite para evitar conflitos que possam colocar a sua paz (e a cabeça) em risco. A exemplo dos pilotos, o chefe pode perfeitamente ser BOM sem ser desonesto nem injusto.
O chefe bonzinho deixa sua equipe emendar o feriado prolongado. O BOM chefe propõe prêmios, como participação no lucro da empresa, de forma a incentivar a disposição ao trabalho. Os membros da equipe serão os primeiros a se oferecer para trabalhar nas chamadas pontes dos longos feriados.
A melhor forma de evitar a ultrapassagem no mundo corporativo é manter-se tão bem informado e aparelhado que ninguém consegue nem sequer pegar o vácuo. Informação e conhecimento são os aditivos que fazem melhorar o desempenho de uma carreira. Estes aditivos estão à disposição na forma de cursos, análise e estudo de mercado. Claro que não cito as qualidades humanas porque sem elas ninguém nem sequer chega ao cargo de chefia.
Uma das características mais marcantes do funcionário bonzinho é o comodismo, enquanto o bom profissional é o que não pára quieto. Um bom piloto nunca está satisfeito com seu equipamento e fica estudando a forma de melhorar. O bom executivo precisa sempre melhorar e exigir que sua equipe melhore junto, mesmo que isso custe ser chamado de pentelho! A exemplo do piloto de corrida, no mundo corporativo quem não acelera fica pra trás. Ou, como preferia repetir meu primeiro chefe de equipe “quem fica parado na verdade está andando pra trás”.
Nada impede, porém, que manobras políticas conspirem para derrubar um chefe. Nessas horas é preciso ser um Ayrton Senna: tenha aparência de bonzinho, mas reaja como se fosse um leão enjaulado e alimentado só com salada de alface. Quando sentir que alguém está no vácuo é hora de ser BOM e impedir a ultrapassagem a qualquer custo.
Hora de acelerar?
Existe uma máxima filosófica no mundo das competições que aconselha “quando os outros aliviam é hora de acelerar”. Aprendi isso com o ex-tricampeão mundial de F-1 Jackie Stewart, nos anos 70. Ele simplesmente ignorava as bandeiras amarelas. Por isso, ciente que as bandeiras amarelas são agitadas com exagerada antecedência eu sempre continuei acelerando até ver com meus próprios olhos a real situação do perigo. Nunca aliviei o acelerador diante de uma bandeira amarela porque sabia que alguém perto de mim poderia descontar segundos preciosos que me fariam falta no final da corrida.
Agora que estamos vivendo uma época de pânico na conjuntura econômica mundial, com várias bandeiras amarelas acenadas em cada curva, muitos executivos pensarão em tirar o pé do acelerador, deixando espaço para que outros acelerem. Os bons executivos saberão olhar a real situação de perigo para decidir se continuam acelerando ou aliviam.
Olhando para a história da economia mundial podem-se citar inúmeros exemplos de empresas que cresceram em ambiente de crise. Não há nenhuma novidade nisso. Agora o mercado terá condições de diferenciar o bom do bonzinho. Aquele que aproveitar a crise para crescer sairá com status de BOM. Já os que tombarem solenemente diante de uma crise poderão vestir a carapuça do bonzinho. São nos momentos de risco que o mundo corporativo separa o bom do bonzinho. Lembre-se: o bom sabe avaliar e encarar o risco, enquanto o bonzinho faz de tudo para evitá-lo.
Qual destes dois papéis você almeja para sua carreira?
* Para ver aquela ultrapassagem do Valentino Rossi basta entrar no youtube e digitar “rossi gibernau”