Terça-feira, 7 de Abril de 2020

Capacete, sua vida cabe aqui - Parte I

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Passei boa parte da minha vida dentro de um capacete (Foto: Claudinei Cordiolli)

Proteja sua cabeça, ela tem muita história.

Tente imaginar tudo que já viveu. A infância, o cheiro da comida da vó, o primeiro dia de escola, o vento fresco no campo. O carinho dos pais, família e amigos. Os primeiros machucados, ardidos e eternos. Pense em todo amor e frustração que já viveu. Dos prazeres mais simples aos desafios mais complexos. Uma carreira, o primeiro salário, anos de aprendizado. Imagine o tanto de conhecimento que já acumulou. Toda nossa vida está guardada em nossa mente como um computador com inesgotável capacidade de memória. Agora imagine perder tudo isso em uma fração de segundo. É o que pode acontecer quando se bate a cabeça.

Quem ainda não percebeu que o cérebro é um órgão vital? Sim, ele é tão importante para nos manter vivos e ativos quanto o coração. Daí vem a expressão “morte cerebral”, quando o indivíduo funciona da cabeça pra baixo, mas morre por inatividade cerebral. O coração bate, o fígado funciona, os rins filtram o sangue, mas a pessoa é declarada mortinha da silva. E toda a história de uma vida se vai como um sopro.

Parece óbvio que proteger o cérebro é vital! Mas não é isso que vemos nas ruas, nas casas, no trabalho. Não se dá a devida importância ao capacete como se ele fosse uma prova de fragilidade ou de falta de coragem. Assim, todos os dias, em algum lugar, uma história de vida se vai como um HD formatado. Ah, e não tem backup.

Se existe alguém no mundo capaz de comprovar a eficiência do capacete em diversas situações esse alguém sou eu. Desde a pré-adolescência já tive a oportunidade de bater a cabeça dezenas de vezes. Algumas bem graves e outras bem de leve. Em todas as atividades que pratico – moto, escalada, bicicleta e skate – já tive acidentes que teriam consequências bem graves (talvez fatais) não fosse pelo uso do capacete.

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Até para fazer manutenção em casa eu uso capacete, luvas e óculos. (Foto: Tite)

Sou tão xiita com essa questão que até mesmo para fazer manutenção em casa eu coloco o capacete, luvas e óculos de proteção. Quem me conhece sabe o pavor quase doentio que tenho ao ver pessoas subindo em telhado, em árvores ou em muros sem qualquer proteção. Já perdi um amigo e outro ficou paraplégico em acidentes domésticos tão prosaicos quanto a velha necessidade de regular a antena da TV.

Recentemente o Brasil entrou em choque ao saber da morte do apresentador Gugu Liberato em um acidente doméstico que poderia ter terminado apenas com um susto e luxações.

Em conversa com um diretor do SAMU de São Paulo, descobri que a maioria absoluta dos atendimentos são de acidentes domésticos e não de trânsito. É fácil entender: São Paulo tem 12,5 milhões de habitantes e seis milhões de veículos. Tem muito mais gente dentro de casa do que nos veículos.

Uma história de cabeçadas

Vou contar como era ser motociclista nos anos 70. O capacete não era obrigatório e só se usava muito de vez em quando nas estradas. Usar capacete era quase uma prova de covardia, de falta de macheza. Como eu tive um pai bem rigoroso, ele obrigava o uso do capacete sob ameaça de vender a moto. No começo eu não gostava, mas aos poucos fui acostumando, principalmente por vaidade: sem capacete a pele ficava ensebada, cheia de perebas e o cabelo oleoso e embaraçado (não ria!).

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Minha primeira moto em 1974, sem capacete, como todo mundo. (Foto: arquivo pessoal)

Quando o uso do capacete se tornou lei eu já usava 100% do tempo e pelo menos em uma ocasião ele salvou minha vida: peguei uma emenda de ponte desnivelada que fez a moto capotar de frente e aterrissei de focinho no chão. As marcas no capacete não deixaram dúvidas que eu podia ter formatado meu HD aos 15 anos de idade!

Depois, quando comecei a correr, primeiro de kart e depois de moto, perdi a conta das vezes que o capacete me salvou. No kart eu capotei cinematograficamente na curva mais rápida do kartódromo de Interlagos e lembro da batida seca com o cocuruto no asfalto. Nunca esqueci o barulho da fibra estalando na pancada. Em outra ocasião meu kart travou no final da reta e o piloto que estava atrás subiu nas minhas costas e deixou a marca do chassi no meu capacete!

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Note o kart de trás com as rodas no ar, depois bateria na minha cabeça! (Foto: arquivo pessoal)

Nas competições de moto nem consigo lembrar todos os acidentes, principalmente nas provas fora de estrada. Uma vez passei reto numa curva e meti a cabeça num mourão de cerca a uns 90 km/h destruindo um capacete novinho! O primeiro importado! O saldo do acidente foi um dedão quebrado.

Competição é assim mesmo. Os tombos fazem parte e todo piloto tem uma história de salvação pelo capacete.

Eu tenho uma filosofia: quem corre não racha. Quem pilota em pista não tira racha na rua. É que nem praticante de lutas marciais. Quem luta não briga na rua. A melhor coisa que aconteceu na minha adolescência foi meus pais permitirem correr porque isso evitou que me transformasse num rachador de rua.

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Corri muitos anos de motovelocidade e bati várias vezes a cabeça, mas estou vivo! (foto: Arquivo Pessoal)

Bike também machuca

Porém, por mais que eu acreditasse na importância do capacete ainda tinha muita resistência ao uso na bicicleta. Achava meio um exagero, afinal estava só dando um rolê e a bicicleta é praticamente um brinquedo. Foi só quando conheci o preparador físico José Rubens D´Elia que comecei a usar sob ameaça de violência física. Um dia ele apareceu com um capacete Bell importado, lindo, super bem acabado, jogou no meu colo e ameaçou: “se te pegar andando de bike sem capacete te encho de porrada”. Lembrou meu pai.

Empolgado com o capacete novinho, chique e cheio de charme decidi ser um ciclista politicamente correto e instalar buzina e espelhos retrovisores na bike. No caminho para a loja eu quase atropelei uma mulher com duas sacolas de compra e para desviar caí de cabeça no chão. Literalmente! Bati a testa, o nariz, ralei as mãos, os cotovelos e os mamilos (pense num banho ardido). Quando vi o capacete com a pala destruída e o casco amassado me deu aquela dor aguda na barriga e só imaginei o que teria acontecido se estivesse sem. Comprei outro capacete igual e nunca mais subi numa bike sem capacete.

Pensa que acabou? Nada! No ano 2000 comecei mais uma atividade com muita chance de quebrar o côco: a escalada! Nos primeiros anos eu simplesmente ignorava todas as recomendações de usar capacete, afinal queria um contato com a natureza e o capacete tirava um pouco da liberdade, o que não passava de uma desculpinha esfarrapada. Até que... um escalador acima de mim deslocou uma pedra que passou a centímetros da minha testa.

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Na escalada sofri uma queda e o capacete me salvou, de novo. (Foto: Leandro Montoya)

Comprei um capacete de escalada e passei a usar o tempo todo, mesmo nos trechos de caminhada perto das encostas. Só não dormia de capacete porque era desconfortável.

E veio o acidente. Em um trecho relativamente fácil, a rocha que estava me apoiando se desprendeu e caí uns 12 metros. De costas. A primeira coisa que bateu no platô foi minha mochila, que amorteceu parte da pancada. A segunda foi minha cabeça. Fez aquele estalo de plástico quebrando, meu óculos saíram voando aos pedaços e quebrei um dente. Quando vi a marca da pancada no capacete mais uma vez gelei e, apesar de todo ralado, terminei a escalada e ainda voltei pra casa pilotando a moto. Detalhe: neste dia eu tinha deixado o meu capacete em São Paulo e só não morri porque peguei um emprestado a pretexto de não queimar a careca no sol.

Pensa que acabou?

Em 2018 outra atividade entrou na minha vida. Procurando uma atividade física menos chata que academia, redescobri o skate depois de 46 anos! Só que dessa vez já usei capacete desde o primeiro dia. No começo usava o mesmo da escalada, depois comprei um de snowboard porque achei os capacetes de skate muito frágeis.

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No skate eu uso um capacete de snowboard porque acho mais seguro. (Foto: Kabé Rossi)

Como toda atividade que envolve risco de queda, no começo ninguém se machuca sério. Só depois de acreditar que já sabe tudo é que acontecem os acidentes. Foi assim mesmo: demorei pra sofrer a primeira queda mais forte, mas ela veio e fui catapultado de costas do skate, bati as costas e a cabeça tão forte que até dei uma leve apagada. O relatório de danos revelou um ralado no cóccix, mais um óculos de grau pro lixo e o capacete ralado. Comprei outro.

Duas semanas depois um garoto de 15 anos morreu ao bater violentamente a cabeça descendo a mesma ladeira.

Então o quê?

Por isso eu me desespero vendo as pessoas agirem como se fossem invulneráveis. Vejo ciclistas andando entre os carros, sem nenhuma proteção, desafiando a morte a cada quarteirão. Ou quando vejo os micro modais elétricos se popularizando sem trabalharem a devida importância ao uso do capacete. São patinetes, bikes, monociclos e scooters elétricos que, à falta de uma regulamentação, são conduzidos por pessoas sem nenhuma proteção.

Acredito que vamos assistir ainda muita notícia triste de acidentes com esses micro veículos até que se tenha consciência da importância de usar um equipamento tão simples, barato e eficiente quanto um capacete. Não existe desculpa: um capacete de bike pesa menos de meio quilo e pode ser levado em uma mochila. É o mais versátil e pode ser usado para qualquer um desses modais.

Um teste feito nos EUA mostrou a eficiência do capacete de bicicleta, comparando com outros tipos. Vale a pena ver clicando AQUI.

Só não deixe de usar. Mesmo que seja “só uma voltinha”, mesmo que seja “chato de transportar”, ou que seja “feio e desengonçado”, ou ainda “que estrague o penteado”. Nenhuma desculpa justifica o risco que representa uma batida de cabeça. Volte lá no primeiro parágrafo e reflita: vale a pena perder tudo que você já viveu?

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publicado por motite às 20:31
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Sábado, 4 de Abril de 2020

Capacete, aqui cabe uma vida - Parte II

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Capacete integral de qualidade, sua vida vale esse investimento.

Como escolher o tipo certo

Já não basta ter de escolher a moto que atenda as necessidades, ainda tem de decidir pelos equipamentos, de forma a atender a segurança sem levar o motociclista à falência. Hoje existem dezenas de marcas e centenas de modelos à venda, o que torna tudo ainda mais difícil.

O capacete é o único equipamento de segurança obrigatório por lei. Essa exigência gera controvérsias no mundo todo, sendo que em alguns países o uso nem sequer é obrigatório. Independentemente de legislação, o que determina o uso do capacete é o velho bom senso. Afinal trata-se de uma questão de sobrevivência.

Quando as motos ainda eram novidade no Brasil o capacete nem sequer fazia parte dos equipamentos. Foi só a partir dos anos 1970, quando inauguraram as fábricas brasileiras, que as cidades passaram a conviver com estes veículos em quantidade. Neste começo, a moto ainda tinha um aspecto romântico, ligado à liberdade e rebeldia. Por isso eram raros os motociclistas de capacete, apesar de já termos fabricantes nacionais.

A aceitação do capacete começou sendo uma expressão da identidade. Cada um queria ter um desenho próprio, como os pilotos de corrida. Assim, gastavam-se tubos de tinta em spray e quilos de lixa para ter um capacete exclusivo. Na garupa dessa moda, surgiram os primeiros estúdios de pintura que faziam obras de arte e isso ajudou a convencer da necessidade de usar capacete.

Logo em seguida veio a lei que obrigou o uso e daí pra frente o esquisito passou a ser rodar de moto sem o equipamento na cabeça.

Os tipos

Basicamente existem quatro tipos de capacete: integral, com a proteção fixa no queixo; aberto, sem a proteção na frente do rosto; basculante (também chamado de Robocop), que a proteção do rosto pode ser levantada e off-road, com ou sem viseira, ideal para uso fora-de-estrada.

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Os modelos abertos devem obrigatoriamente ter viseira. (foto: divulgação)

Antes de mais nada vale lembrar uma pesquisa feita por uma associação de motociclistas dos EUA que revelou um dado importante: 35% dos traumas crânio-encefálicos em motociclistas tem origem pelo maxilar. Portanto o capacete aberto, logo de cara, não é um equipamento que oferece 100% de proteção. O curioso é ver que donos de scooters e de motos custom adotam esse tipo de equipamento na ingênua crença que esses tipos de veículos não caem! Costumo argumentar que o asfalto não fica mais macio dependendo do tipo de moto; ele é sempre duro e áspero!

É bom lembrar que para usar um capacete aberto ele precisa obrigatoriamente ter viseira ou óculos específicos de motociclista, que acaba custando quase tão caro quanto o capacete!

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O modelo basculante é versátil para uso na cidade e estrada (Foto: divulgação)

Outro tipo que transmite uma falsa impressão de proteção são os basculantes (ou Robocop). Esse tipo de capacete nasceu para ser usado pela polícia, para funcionar tanto como proteção na moto quanto para proteger em casos de conflitos. Quando começou a ser usado por civis rapidamente se popularizou especialmente entre viajantes. A preocupação com relação a esse tipo de capacete são basicamente duas:

- Eficiência das travas da queixeira: como todo mecanismo que tem travas e molas, depois de um número de operações esses mecanismos podem falhar, tanto por desgaste natural dos materiais, quanto perda de eficiência das molas. No caso de um choque a queixeira pode abrir expondo o rosto.

- Rodar com ele aberto: obviamente que esse mecanismo foi pensado para facilitar algumas operações, mas não para rodar com a frente do capacete levantada. Principalmente acima de 80 km/h porque o vento empurra a cabeça para trás, forçando a musculatura do pescoço e ombros.

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Sem dúvida o modelo integral é o mais seguro. (Foto: divulgação)

Sem dúvida o modelo que oferece mais segurança é o integral, com queixeira fixa. Também é o mais vendido.

Por último, o modelo on-off road, com queixeira fixa, com ou sem viseira. Esse capacete é muito bom para usar na cidade, já que a velocidade é baixa. Porém, na estrada, acima de 120 km/h, a pala provoca muita resistência aerodinâmica, forçando a cabeça para trás.

Foto Capacete_5: Os tipos fora-de-estrada podem ser usados na cidade. (Foto: divulgação)

Materiais

Normalmente os capacetes são feitos de dois materiais: plástico injetado e fibras sintéticas (aramida, carbono ou vidro), que podem ser puras ou composta, (mais de uma fibra misturada).

A calota de plástico tem a vantagem de ser mais em conta pelo uso de material mais barato e pela facilidade de fabricação. Como a calota é feita em injetora a produção é de larga escala e isso reduz muito o custo final. Já os capacetes de calota de fibra tem processo industrial bem mais lento, quase artesanal e, obviamente, isso eleva o custo unitário. Além de materiais mais nobres.

Em termos de proteção, ambas as tecnologias são aprovadas pelas normas brasileiras. A grande diferença está na forma de absorção dos impactos. Por ter camadas sobrepostas, os capacetes de fibra distribuem as ondas de choque de forma mais uniforme, dissipando a energia pelo casco. Já os de plástico concentram a onda de choque no local da batida. Além disso, a calota de fibra não “quica” quando bate no asfalto, enquanto o plástico tem uma resposta elástica maior e pode quicar várias vezes.

Quando se pesquisa preços, pode-se encontrar desde equipamentos de R$ 70,00 até mais de R$ 8.000. Sinceramente, com toda experiência acumulada em quase 50 anos como motociclista, não dá para confiar a sua vida em um capacete de menos de R$ 600,00 (valores de São Paulo). Sei que não é fácil tomar essa decisão, mas se ajuda, pense em quanto custa um dia de internação na UTI.

Prazo de validade

Uma das maiores polêmicas sobre esse tema é sobre o prazo de validade. Que seja bem esclarecido: todo produto têxtil voltado para a segurança tem um prazo de validade. Os chamados EPI – equipamentos de proteção individual – tem o prazo determinado pelo fabricante, independentemente do uso. Até os pneus tem prazo. No entanto, alguns equipamentos tem prazo de validade indeterminado A MENOS QUE tenha sofrido as consequências de um acidente. É o caso, por exemplo, dos cintos de segurança dos carros, que devem ser trocados em caso de colisão.

Já sobre os capacetes essa regra do acidente é válida. Se o capacete sofreu acidente que bateu no asfalto ou em outro veículo, deve ser trocado. Jamais retocado para voltar a utilizar! Mesmo que a estrutura esteja aparentemente intacta, não se sabe se esse casco resistiria a uma segunda pancada no mesmo local. Mas sem exageros! Já vi motociclista querer trocar de capacete só poque deixou cair de uma altura de meio metro. Calma, esse tipo de queda não chega a comprometer a estrutura, mas pode matar um motociclista de raiva.

O período aceitável para aposentadoria de um bom capacete é de cinco anos, mesmo que não tenha sofrido acidentes. Porém, uma revista especializada americana foi mais longe. Pegou um capacete com cinco anos de uso e outro da mesma marca e modelo totalmente novo. Submeteu os dois aos mesmos testes de homologação e descobriu que o capacete usado apresentou rigorosamente os mesmos resultados.

Então por que trocar a cada cinco anos?

Porque fica largo! Tem itens no capacete que se desgastam com o uso e o principal deles é o poliestireno expandido – conhecido popularmente como isopor. Ele é o principal elemento de absorção e dissipação de impacto. Tem uma enorme durabilidade, porém não tem efeito memória: se apertar um pedaço de isopor ele não retorna ao formato original (como faz a espuma) e o ato de vestir e tirar o capacete, aos poucos, causa a compressão do poliestireno, deixando o capacete largo. Capacetes não podem ficar soltos na cabeça, senão o vento pressiona contra o rosto e dificulta a visão.

Algumas empresas substituem essa calota interna de poliestireno, assim como a forração, deixando o capacete praticamente novo. Não é uma solução totalmente reprovada, mas se fizer a conta de quanto é o investimento em um bom capacete, diluído pelo período de cinco anos, percebe-se que não chega a ser um custo tão alto assim por algo que salva nossas vidas.

E o que fazer com o capacete usado? Por mais que doa no coração, deve ser destruído. Isso mesmo. Ou, se for do tipo que se apega a bens materiais, guardá-lo como recordação. Jamais descartado no lixo – mesmo reciclável – porque ele vai aparecer em alguma cabeça.

Cuidados

O capacete é um item pessoal, que nem cueca! Não se empresta capacetes e cada um deve ter o seu. Por ser uma peça íntima, a higiene é uma preocupação e o cuidado é muito simples. Sempre que possível deixe o capacete virado com o interior para o sol. Também pode-se aspergir desinfetante em spray e sempre guardar o capacete com a viseira aberta para arejar.

Para limpeza do casco deve-se usar apenas com esponja, água e sabão. Pode ser polido com cera, mas cuidado com a viseira! Ela só deve ser lavada com água e sabão neutro, sem uso de álcool ou solventes. Para não acumular água de chuva pode-se polir com lustra móveis e algodão.

O maior inimigo do capacete são as bactérias. Uma reportagem do jornalista Celso Miranda fez uma revelação assustadora: ele levou um capacete de motofretista para análise em laboratório e descobriram que tinha mais bactéria do que uma latrina! Ecah!

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Guarde o capacete com a abertura para cima para evitar a proliferação de bactérias. (Foto: divulgação)

Nossa sugestão é realmente aposentar os capacetes com mais de cinco anos por questões de segurança e higiene. Ah e um recado aos românticos: nada de comprar um capacete de 70 reais para quem vai na garupa! Lembre: o asfalto é o mesmo para piloto e passageiro!

Por fim, não basta vestir o capacete, é preciso afivelar! Um capacete desafivelado tem a mesma função protetiva de um chapéu de palha. Em muitos acidentes que causaram o trauma crânio encefálico o motociclista estava usando capacete no momento do choque, porém o capacete saiu da cabeça e ao chegar ao solo o motociclista estava desprotegido. O mais difícil é vestir o capacete; faça o mais simples que é fechar a fivela. Importante: não pode haver folga entre a cinta jugular e a pele do pescoço. Para uma real proteção a cinta deve encostar na pele. Sim, num dia quente essa cinta irrita, mas não tem nada que irrita mais do que um dia de UTI.

publicado por motite às 23:00
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Quarta-feira, 20 de Julho de 2016

A moto e o tempo

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Quer andar ou ficar parado?

Como fazer para conquistar o bem mais valioso da vida 

Qual o bem precioso que não pode ser dado, nem tirado, nem comprado, alugado, emprestado, oferecido ou distribuído? O tempo! Hoje as pessoas se desdobram para articular suas vidas de forma a aproveitar ao máximo as 16 horas do dia em que ficam acordados. Nesse período precisam administrar o tempo para se alimentar, trabalhar, estudar, se divertir, se exercitar, ficar com a família de forma a sobrar oito horas para dormir. Nem todo mundo consegue. 

Lilian*, 24 anos, tinha um sonho: ser enfermeira. Mas para conseguir era preciso fazer um cursinho pré-vestibular, o que a estava torturando porque para pagar o cursinho era preciso trabalhar duro. Ela mora na zona leste, trabalha na zona sul e estuda no centro de São Paulo. São 32 quilômetros de distância que ela percorre para ir de casa para trabalho. E mais 32 para voltar, com a parada no cursinho. Para fazer esse percurso de ônibus Lilian precisava de duas horas e quinze minutos em média apenas em um sentido. Ou seja, quatro horas e meia para se deslocar de casa para o trabalho, estudo e voltar. 

- Sobrava menos de quatro horas para dormir e estudar! 

Até que Lilian percebeu que a saúde estava prejudicada porque simplesmente não conseguia se alimentar direito, se exercitar e muito menos dormir. O estresse a fez engordar quase dez quilos em apenas um ano e a perspectiva era piorar esse quadro, até que viu uma saída bem debaixo dos seus olhos. 

- Quando eu estava no ônibus, vi uma moça passando com uma motoneta entre os carros e ela foi embora, enquanto eu fiquei ali, parada um tempão! 

Depois de convencer a família, Lilian decidiu comprar um scooter usado, fez a moto-escola, tirou habilitação e fez a experiência de atravessar a cidade em duas rodas. 

- Sempre tive bicicleta a vida toda, adoro a sensação de liberdade que dá, mas nunca tinha pensado numa moto. Foi uma mudança radical na minha vida. Na primeira vez que fui para o trabalho com a ‘motoquinha’ cheguei tão cedo que fiquei esperando a empresa abrir! 

Mais acostumada com a dinâmica da scooter e com o trânsito, Lilian passou a fazer aquele mesmo percurso em 45 minutos! Ela ganhou três horas por dia, todos os cinco dias da semana, usando o scooter em vez de ônibus. 

- Minha vida mudou muito! Consigo dormir mais, estudar e ainda tomo café com a minha família, que não conseguia há mais de seis anos! 

E se alguém perguntar qual foi a maior conquista que a “motoquinha” lhe deu? 

- Qualidade de vida! Entrei na faculdade e ainda consigo fazer academia!!!

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Os carros param, as motos circulam, sem pressa... 

Como comercializar o tempo?

Esta personagem é real, como ela existem centenas de milhares de Lilians, Marias, Antônios, Josés que convivem com o drama da “falta de tempo”. São pessoas que deixam de estudar, de crescer profissionalmente, cuidar da saúde, ficar com os filhos porque passam muito tempo se deslocando no trânsito. Se pudessem comprariam mais tempo. Mas o tempo é uma grandeza que não é comercializada, quer dizer, em vez de comprar mais tempo, pode-se perder menos tempo. 

O deslocamento nas grandes cidades é o grande desafio para administrar o tempo. Hoje já se detectou que essa necessidade é tão importante que os jovens não se preocupam mais com automóveis ou casa própria. Descobriram que o maior benefício do aluguel é a possibilidade de morar perto do local de trabalho. E desprezam o automóvel porque as grandes cidades não estão mais comportando tanto carro nas mesmas vias. Reduzindo o percurso casa-trabalho pode-se até mesmo abrir mão de veículos motorizados e partir para meios como bicicleta ou mesmo taxi. 

Neste contexto a moto ganhou uma nova abordagem. Para alguns ela é essencial para melhorar a qualidade de vida. Passam menos tempo se deslocando e usam o tempo para atividades mais nobres. Ou enxergam a moto como um veículo de fim de semana, só pelo prazer de viajar em duas rodas. Assim como os barcos, alguns tratam a moto como um bem essencialmente voltado ao lazer. 

Mas quando olhamos para os números recentemente anunciados pela ABRACICLO – associação que reúne fabricantes de motos e bicicletas – vemos algo que não combina com essa realidade: as vendas de moto estão despencando em um ritmo assustador. Segundo dados da entidade, nos seis primeiros meses de 2016 houve uma queda de 33,4% nas vendas em relação a igual período de 2015, que já foi ruim! 

Como explicar que um veículo que pode promover a qualidade de vida está vivendo um período de queda nas vendas que é quase 50% a menos do que quatro anos atrás? Bom, parte está na conjuntura econômica que tirou não só os empregos (e dinheiro) dos brasileiros, mas também a confiança no futuro. Quem tem dinheiro guardado simplesmente não gasta porque não sabe o dia de amanhã. Mas acredito que também falta mostrar aos brasileiros o quanto a moto pode melhorar suas vidas. 

Basta ver como são feitas hoje as propagandas de motocicletas. São voltadas para a venda ao varejo, com anúncio de descontos, maior garantia, revisões grátis, troca de óleo grátis, parcelamento sem juros, troca com troco etc. A indústria e o varejo focam toda a publicidade apenas em cima de custo x benefício, mas esquecem de mostrar o real benefício.

O que a indústria precisa vender não é moto, mas tempo!

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Quer mais tempo para passar com os filhos? Perca menos tempo no trânsito. 

Trauma x ensino

Nos cursos da ABTRANS – Academia Brasileira de Trânsito – tem aparecido uma quantidade muito grande de novos usuários de motos, especialmente mulheres. O perfil do novo consumidor de moto mudou e parece que só a indústria não percebeu. 

Uma dessas alunas contou uma história chocante. Marisa* é dona de um buffet que presta serviços para eventos como festas de casamento, aniversários, cerimônias de empresa etc. Apesar da crise em todo o País, os negócios prosperaram e ela precisava visitar vários endereços por dia para apresentar a empresa, acompanhar a montagem, visitar fornecedores e prospectar novos clientes. Mas numa cidade como São Paulo, esse trabalho de carro limitava sua operação, por isso também decidiu comprar um scooter e quando foi se habilitar veio o choque. 

- O instrutor me perguntou se eu sabia andar de bicicleta e dirigir carro. Depois me colocou numa moto 250cc, mostrou a embreagem, o câmbio, mandou ligar e sair. A moto empinou, foi em linha reta e bateu em mais duas. Ele me xingou de tudo que foi nome e saí chorando, constrangida. Nunca mais voltei 

Aí está outro gargalo para a indústria: como vender algo tão precioso como o tempo se não for capaz de ensinar a ferramenta do jeito certo? Um instrutor de moto-escola mal treinado pode acabar com horas de trabalho de um bom vendedor de moto. Como vencer o desafio de vender algo se não ensinar como manusear? 

Felizmente a Marisa fez um curso ABTRANS, tirou a habilitação, comprou um scooter pequeno e hoje consegue visitar o dobro de endereços no mesmo tempo e ainda sobra tempo para ficar com a família. O que a fez perder o trauma foi um paciente e didático método de aprendizado que só foi possível em uma estrutura feita 100% para atender o novo motociclista. Porque a “formação” promovida pelas moto-escolas limita-se a um adestramento para passar na prova de habilitação e algumas leis de trânsito. O resto, o novo motociclista aprenderá na rua, se der tempo.

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Curso de pilotagem ajuda a entender que moto se pilota sem pressa. 

Tem um tempo aí?

Outro equívoco promovido não só pela indústria como pela mídia especializada (e eu me incluo nela) foi vender a ideia de que moto serve para ganhar tempo, por ser um veículo ágil no trânsito. 

Esta proposta, que aparentemente parece lógica e inofensiva, trouxe na garupa um componente perigoso, porque a agilidade é um conceito primo-irmão da velocidade. Além disso, o conceito de ganhar pressupõe que também pode-se perder. Colocando esses dois conceitos lado a lado temos aí sim a perigosa mensagem que moto é feita para ganhar tempo, por isso você precisa correr. Mas não é verdade. 

Ninguém ganha tempo, porque além de ser uma medida abstrata, o relógio tem um limite físico que são os 60 segundos. O máximo que podemos fazer é não perder tempo. Por isso o conceito a ser trabalhado precisa mudar de foco: a moto não é um veículo feito para ganhar tempo, porque com ela nós não perdemos tempo! 

O cérebro é uma meleca cinzenta totalmente programável. Assim como um computador, ele precisa que sejam fornecidos dados certos para administrar e gerenciar as ações. Dependendo da forma como esses dados são imputados o resultado pode ser o benefício ou a – literal – dor de cabeça. Daí a importância vital de apresentar a moto de forma que o cérebro assimile o que ela tem de bom a oferecer e não a possibilidade de visitar o pronto-socorro. 

É por isso que fico visceralmente enraivecido quando vejo “profissionais” de segurança exibindo acidentes com motociclistas, na crença ingênua de que a imagem servirá de lição. Eles se esquecem que o cérebro é programável e assimilar o acidente (o lado ruim da moto) pode não apenas servir para absolutamente nada em termos de ensino, como causar um trauma que irá tirar a naturalidade de pilotar. 

Sim, vender moto não é fácil, sobretudo em um período de recessão econômico. Talvez se fábricas e entidades ligadas a ela mostrassem o maior benefício das motos as coisas poderiam mudar. Pense na Lilian. Ela só conseguiu melhorar de vida depois que aprendeu a valorizar o tempo e isso foi obtido graças a moto. Quem, nesse mundo, tem CINCO horas para usar apenas em deslocamento? As três horas a menos que ela conquistou foram vitais para estudar e entrar na faculdade. Hoje ela é enfermeira, bem sucedida, graças apenas a uma mudança de postura. 

Engana-se quem vende a moto como um veículo feito para ganhar tempo, porque com ela a gente simplesmente não perde tempo. Esse é o conceito que o cérebro precisa assimilar para traduzir em uma pilotagem segura sem necessidade de correr. As pessoas que você vê correndo e se acidentando no trânsito são pessoas que correriam e se acidentariam com qualquer veículo, ou até a pé. Porque o cérebro delas foi programado para ganhar tempo a qualquer custo, mesmo que o preço a pagar seja a vida. 

Em mais de 40 anos pilotando moto em São Paulo posso dizer que já devo acumulado tempo correspondente a alguns anos. Pena que não posso dar esse tempo para ninguém. 

* Os nomes foram alterados para preservar a identidade.

 

publicado por motite às 16:50
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Terça-feira, 24 de Novembro de 2015

Geração perdida?

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Participei do fórum apenas como ouvinte, representando a ABTRANS. (foto: Mário Bock)

Número de vítimas de trânsito só vai reduzir nas próximas gerações

Esta é a conclusão depois de assistir a dois dias de apresentações no fórum ViaFuturo, realizado em outubro, em São Paulo. Especialistas de várias áreas comprometidas com a segurança apresentaram teses e projetos que me levaram a confirmar tudo que escrevo já há duas décadas: não se muda o comportamento de uma sociedade apenas com conversa e multas, é preciso mexer na estrutura. E quando se fala da estrutura de um cidadão ela remete diretamente à escola.

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Foram 37 painéis de 10 minutos cada... (foto: divulgação)

Confesso que por muitos anos fui contrário à ideia de ministrar educação de trânsito nas escolas – e para dizer a verdade ainda não estou 100% convencido. Mas basta por os pés na rua para perceber que essa sociedade que está aí padece de uma doença muito grave e que nem pode mais ser curada. Por isso a esperança recai nas futuras gerações, desde que seja rápido, antes de ser contaminada.

Foram 37 painéis, com 10 minutos de duração cada, todos voltados para soluções de mobilidade urbana, redução de acidentes e projetos de futuro. Temas que variaram da redução da poluição e melhoria da qualidade de vida, até a chegada dos carros autônomos, sem motorista, como forma de eliminar o erro humano. Uma verdadeira cruzada pela redução de vítimas.

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Motos: 25% da frota, mas 75% de indenizações do DPVAT. (Foto: Tite)

E tudo quase caiu por terra quando o secretário de Transporte de São Paulo, Jilmar Tatto, ao abrir as solenidades, soltou uma pérola ao afirmar que o problema de trânsito em São Paulo são os carros. Desculpe a falta de tato – sem trocadilhos – mas é a mesma coisa que afirmar que a culpa da falta de leitos em hospitais públicos é o excesso de pacientes; ou que o problema de goteira no telhado é a chuva!

Como sempre se repete nesses eventos somos bombardeados com uma sequência de dados estatísticos que daria para encher qualquer planilha de Excel. Tem de tudo: desde a velocidade x colisão frontal; com ou sem controles de tração; vítimas a pé, de bicicleta, carro, moto, ônibus; faixa etária; por região; quantos receberam indenização etc etc et cetera. Tem dado estatístico do que imaginar.

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Ciclovia em Buenos Aires em frente ao aeroporto: integrando modais. (foto: Tite) 

Mas só um convidado citou algo que parece esquecido pela maioria dos especialistas. Justamente o único convidado que não era da área de trânsito, mas de comunicação, um publicitário. Ele começou a apresentação afirmando que trânsito é reflexo do comportamento! Puxa vida! Alguém acordou! O genial Walt Disney percebeu isso há apenas 65 anos, quando produziu o fantástico filme do Pateta Motorista, que vi na infância e nunca mais esqueci. O automóvel existe há mais de 100 anos e faz mais de 100 anos que se sabe disso!

O trânsito – e seus problemas – não é resultado de um punhado de carros, motos, caminhões, bicicletas etc, mas de gente! Pessoas que estão, temporariamente, motorizadas, mas que nasceram e morrerão pedestres. É esse o foco de qualquer campanha que tente arrefecer as consequências do trânsito: investir nas pessoas!

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Sociopata: pede ciclovia, mas anda fora dela só pra encher o saco. (Foto: Tite) 

Sempre me surpreendo nestes eventos porque parece aquele jogo de empurra sem fim. O representante dos CFCs (centros de formação de condutores) afirma que as auto e moto escolas cumprem o que determina a Lei. O representante das polícias afirma que faz fiscalização. E os representantes dos Detrans afirmam que instalam radares, faixas, semáforos etc. O engenheiros de trânsito chamam para si a responsabilidade pela educação. Que me perdoem os engenheiros, mas educação é tarefa de pedagogo! E todo mundo aplica multa, defendendo que a multa é o mais eficiente instrumento de educação.

Os motociclistas foram bombardeados de todos os lados, como sempre. Toda vez saio desses eventos com a clara impressão que o sonho de todo prefeito é proibir a venda de motos. Quando envolve as secretarias de saúde nós apanhamos mais ainda! Só a Abraciclo, por meio do Marcos Fermanian conseguiu tocar no tema “motos” de forma positiva, mostrando a evolução dos sistemas de segurança ativos como freios ABS e combinados, além de explicar pela enésima vez que motos não poluem mais que carros.

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Integração de modal ônibus+bike nos EUA: solução para topografia. (Foto: Tite) 

Algumas declarações que anotei no meu caderninho:

- Segurança de trânsito deve se apoiar em três pilares: fiscalização, infra estrutura e educação. (não diga...)

- Hoje se trabalha um terceiro conceito de segurança, além da ativa e passiva entra em cena a segurança inteligente, que são os sistemas eletrônicos que “pensam” pelo motorista e corrigem alguma besteira.

- Substituir os radares por medidores de velocidade média reduz enormemente as colisões traseiras. Radares geram ondas de congestionamentos e choques.

- 27% dos municípios brasileiros respondem por 75% das vítimas fatais. Onde tem mais gente morre mais gente. (dããã, não diga!)

- Bicicleta virou moda, ops, desculpe, necessidade!

- Finalmente foi proibido usar tinta preta para “remover” as sinalizações horizontais (as faixas). Obrigatório uso de material antiderrapante nessas sinalizações (vitória dos motociclistas).

- 25% dos acidentes com carros poderiam ser evitados se o veículo tive sistema eletrônico de controle de estabilidade (ESC).

- Antes da invenção do airbag (em 1974) 41% das mortes eram causadas por colisões frontais. Hoje o ponto mais vulnerável são as colisões laterais, que respondem por 27% das mortes. A colisão frontal causa 25% dos óbitos.

- O seguro DPVAT arrecada 8,5 bilhões de reais; mas paga 4,4 bilhões de indenizações. Bela receita... A boa notícia é que reduziram as indenizações por mortes, mas aumentaram as por invalidez permanentes. A má notícia é que o número de fraudes e tentativas de fraudes aumentou muito. Tem 20% de inadimplência. No Nordeste a inadimplência é de 50%.

- As motos representam 25% da frota circulante de veículos, mas respondem por 75% das indenizações do DPVAT. E não tem planos de se criar um perfil de usuário, por isso o bom motociclistas continuará pagando a conta pelos malacabados.

- Aquele papo de que o Brasil tinha meta de redução de 50% nas mortes no trânsito era mentira. Nunca houve essa meta, quem estabeleceu essa meta foi a ONU, mas o Brasil nunca disse que concordava. Mas a partir deste fórum houve o acordo velado de atingir essa meta. Agora sim, tá valendo, por isso essa paranóia com a redução de velocidade...

- Finalmente foi aprovada a construção das escolas públicas de trânsito, visando educar as futuras gerações.

- 35% dos acidentes de trânsito no Brasil tem desdobramentos criminais.

- Ninguém pensou em como enquadrar o ciclomotor dentro dos modais de transporte e essa bagunça gerou um caos nas cidades do Norte/Nordeste e hoje, finalmente, ele foi considerado “motocicleta” e terá de ser emplacado e necessidade de pilotar com capacete e habilitação.

- Todo transporte público começa com um pedestre, que sai de casa e vai até algum ponto. Portanto o modal de transporte mais usado no Brasil são os pés! 30% de todo deslocamento feito no Brasil é a pé.

- A bicicleta é um modal de transporte que merece toda atenção e incentivo. Só precisa alguns ajustes de ciclovias para que permita o compartilhamento de modais.

- Caiu por terra o mito de que São Paulo não é uma cidade amigável com ciclistas por causa da topografia. Cidades com uma topografia muito pior, como São Francisco (EUA) e Madrid (Espanha) conseguiram aumentar o uso das bikes adotando o compartilhamento de modais. Um deles é permitir que ônibus, metrô, bondes e trens transportem bicicletas. Em São Paulo os motoristas da Uber já adotaram o engate para bicicleta em seus carros.

- Apenas dois jornalistas especializados em motos estiveram presentes no evento: eu (também representando minhas escolas ABTRANS e SpeedMaster) e a Suzane Carvalho (também instrutora de pilotagem). A assessoria de imprensa nos avisou do evento somente na véspera.

E assim terminou mais um fórum de trânsito e mobilidade, com a certeza de que essa geração que aí está é incorrigível e temos de investir no futuro. Ou, como mostrou o representante da Volvo, deveremos ter carros autônomos em breve. Se o maior responsável pelos acidentes de trânsito é o elemento humano, basta desaparecer com ele que acabam os problemas. Simples e funcional!

publicado por motite às 11:56
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Quarta-feira, 15 de Outubro de 2014

A segurança higiênica

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Houve um tempo que se morria por falta de higiene. Não existia esgoto, o lixo era jogado nas ruas, as pessoas não tomavam banho com frequência e as doenças pipocavam em pragas que atingiam caráter epidêmico como a peste bubônica, que no século 14 causou a morte de 75 milhões de pessoas na Europa.

 

O controle de pragas e o conceito de sanitarismo praticamente acabaram com a possibilidade de uma pandemia como a que varreu 1/3 da população européia 700 anos atrás. Hoje a epidemia que desafia a humanidade é a morte por acidente, seja no trânsito ou no trabalho e que vai exigir a mesma filosofia de combate aplicada nas doenças transmissíveis: a prevenção, que gerou a famosa frase "é melhor prevenir do que remediar".

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Neste mês de outubro participei da FISP 2014, uma feira internacional voltada à segurança e prevenção de acidente no trabalho. É quase 100% dedicada a empresas que produzem equipamentos ou fornecem serviços na área de segurança no trabalho. Participei com a Abtrans, empresa especializada em segurança do trabalhador, mas com uma enorme diferença: éramos o único expositor focado na segurança antes e depois do expediente!

 

Como se sabe há décadas, os acidentes de itinerário entre casa-trabalho-casa entram nas estatísticas de acidente de trabalho. E as vítimas recebem indenizações tanto da empresa quanto do Estado, dependendo do tempo de afastamento. No entanto entre as 700 empresas que participaram direta ou indiretamente dessa feira a Abtrans era a única voltada à segurança viária, aquela do ir e vir do trabalho.

 

Nesta feira, que é bienal, tive a oportunidade de conversar com vários especialistas em segurança no trabalho e o resultado dessas entrevistas (jornalista não conversa, entrevista) foram algumas pílulas de segurança:

 

- A preocupação com segurança no trabalho atingiu o ponto de quase uma paranóia. Desde o piso anti stress até equipamentos e sensores ultra modernos, existe uma cadeia de produtos que movimenta uma enorme quantidade de dinheiro. Prova de que o investimento na prevenção, apesar de parecer grande, é muitas vezes menor do que o gasto com indenizações por afastamento.

 

- Desde uma simples reforma em casa, até o trabalho em enormes usinas a preocupação com a segurança deve permear toda ação. Pena que essa preocupação ainda se limite ao perímetro do local de trabalho.

 

- O custo de um afastamento do trabalho não é só a indenização salarial, mas vai muito além: um funcionário a menos em uma linha de montagem pode atrasar a produção, mesmo que seja substituído. Causa problemas muito maiores do que só perdas materiais. Segundo uma diretora industrial, demora alguns dias até a linha voltar ao ritmo normal e afeta diretamente a produção.

 

- O impacto psicológico que um acidente - sobretudo fatal - causa no ambiente de trabalho demora muito tempo para ser absorvido. Em alguns casos é preciso trabalhar com psicólogos para retomar o ritmo normal.

 

- Centenas de jovens estudantes estão investindo na carreira de técnico de segurança no trabalho, que pode vir a ser um campo ainda em expansão nos países em desenvolvimento. Mas, conversando com o presidente de uma empresa multinacional ouvi a seguinte teoria: "a segurança no trabalho será um conceito tão arraigado quanto a higiene; ninguém precisa falar para tomar banho ou escovar os dentes, todo mundo aprende isso desde criança e pratica. Com a segurança a tendência é todo mundo aprender e praticar sem necessitar de um técnico. Hoje nos países desenvolvidos existe a auto-regulamentação espontânea: o colega chama a atenção de quem está se expondo a risco". Bingo é isto!

 

Já escrevi algumas vezes que em alguns países europeus existe essa auto-regulamentação inclusive no trânsito. Motoristas são advertidos por pedestres, que são advertidos por ciclistas que recebem bronca de motociclista e todos dividem a responsabilidade pela segurança da coletividade! E, ao contrário do que acontece no Brasil, ninguém considera a bronca como "tomar conta da vida alheia", pelo contrário, respeitam e agradecem.

 

Pena que essa consciência de segurança ainda não atingiu a mobilidade. A forma como os trabalhadores vão e voltam do local do trabalho ainda é tratada como uma questão secundária. Quem nunca viu caminhões da Prefeitura transportando funcionários na caçamba? Quem garante que ao usar o ônibus fretado da empresa o funcionário usa o cinto de segurança? Quem fiscaliza se os veículos particulares (carros, motos ou bicicletas) usados pelos funcionários estão conservados?

 

E anote aí para cobrar depois: com o incentivo ao uso das bicicletas o número de acidentes pode aumentar porque não estou vendo investimento na instrução desses ciclistas que, por enquanto, percorrem ruas e avenidas como se não houvesse regra.

 

Nos últimos cinco anos o Brasil apresentou um dado alarmante, com média de mais de 55.000 mortes/ano. O que pouca gente sabe é que só se considera tecnicamente "morte no trânsito" a vítima que vai a óbito no local do acidente. Se for transferida para o hospital essa vítima não entra na estatística fatal. Portanto esse número é muito maior e mais assustador. É uma epidemia, claro, porque não se conhece uma doença que provoque 55.000 mortes por ano no Brasil.

 

Acredito que um dia a segurança pessoal chegará ao mesmo patamar de naturalidade da higiene, como previu o presidente da multinacional. Mas até lá é preciso investir na informação e qualificação. Segundo dados de especialistas em segurança de trabalho, para cada um real investido na qualificação e prevenção são economizados quatro reais em indenização.

 

Portanto, se não for pela fator humanitário, que seja pelo financeiro!

 

 

 

publicado por motite às 23:51
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Sábado, 27 de Setembro de 2014

26 coisas que você precisa saber sobre motos mesmo sem ser motociclista

 Moto só existe em movimento! 

 

Na onda das listas de 26 qualquer coisa sobre qualquer assunto!

 

1) Motos não foram feitas para cair. Essa é uma besteira ouvida em toda parte com aquela desculpa de que “se tirar do cavalete ela cai!”. Pra quem não sabe, moto em latim significa MOVIMENTO, ela precisa se movimentar para ter equilíbrio. Parada ela não é moto, por isso cai!

 

2) Motociclista é corajoso. Só se for louco! Todo ser vivo tem medo, o medo protege do desconhecido. O que faz uma pessoa ser motociclista é conhecer seus limites e da moto e isso é entendido como coragem. Mas basta uma barata voar por perto que a coragem acaba!

 

3) Moto é perigosa. Não é não! Tenho duas motos paradas na garagem da minha casa e elas não morderam ninguém até hoje. Perigosas são as pessoas!

 

 

 Moto parada não assusta ninguém

 

4) Moto é legal no verão! Engana-se quem pensa que ter o sol saariano esturricando sua pele é gostoso. O verão é uma estação complicada porque o calor é inimigo dos equipamentos de proteção. Quanto mais frio, mais a gente se equipa.

 

5) O equipamento de proteção é o item mais importante. Na verdade o fator decisivo na segurança é a atitude, a forma preventiva ao pilotar. Depois a qualificação técnica (saber como reagir) e se tudo isso falhar aí sim entra o equipamento. Mas deve-se sempre usar os equipamentos porque representa sua proteção passiva.

 

6) Moto e a poluição. No século 21 ainda tem gente que afirma que moto polui mais que carro. Isso foi 20 anos atrás por causa de um erro na legislação, que – pra variar – esqueceu de incluir as motos. Um carro de 20 anos atrás também polui mais que hoje. Atualmente as motos emitem muito menos poluentes do que um carro.

 

7) Usar o freio dianteiro faz a moto capotar. Só se for na cabeça oca do instrutor de moto-escola. Sem usar o freio dianteiro a moto perde mais de 70% de capacidade de frenagem. É preciso usar os dois freios ao mesmo tempo.

 

8) Se usar o freio traseiro na curva a moto derrapa. Outra bobagem nascida nas bicicletas. Pneu de bicicleta é muito fino e duro, o atrito é precário. Frear uma bike na curva é quase certeza de chão. Mas na moto o pneu traseiro é feito para deformar na curva e dar mais área de contato. O que não pode é frear o dianteiro na curva, senão a moto levanta.

 

9) Usar óleo dois tempos na gasolina ajuda a lubrificar o carburador. Aff, felizmente hoje a maioria das motos são injetadas e essa bobagem acabou. Mesmo em motos carburadas não é necessário e o óleo na gasolina gera depósito de carvão no pistão, que custa bem mais caro para limpar do que um carburador emperrado.

 

10)  O óleo é o sangue do motor. Verdade! Se a gente pudesse trocar de sangue uma vez por ano viveria muito mais e mais saudável, mas não dá. Por isso temos rins, fígado e medula óssea para manter nosso sangue sempre no nível e limpinho. No caso do motor é só a PRIMEIRA troca com 1.000 km, as demais podem ser feitas no período indicado pelo manual. Se o uso for intenso, ok, pode antecipar uns 500 km. Mas a cada 1.000 só gera despejo de óleo usado e embalagem no meio ambiente. Aí sim a moto polui mais que carro.

 

11)  No piso molhado é queda certa! Se fosse assim não existiria um motociclista vivo nos países tropicais. Piso molhado é menos aderente, claro, mas não precisa exagerar. Os pneus das motos são feitos para dar aderência no seco e no molhado. mas as distâncias de frenagem aumentam, por isso basta reduzir a velocidade.

 

12)  Em moto esportiva é melhor esvaziar os pneus. Nem sempre! Se for usar a moto na estrada a calibragem é a original de fábrica – que já leva em conta com ou sem garupa. Só em autódromo é preciso esvaziar um pouco para aumentar a deformação nas curvas. Mas a medida exata depende de cada um.

 

13)  Óleo usado de motor é bom para a corrente. Só se for para sujar a roupa. A corrente precisa lubrificação sim, mas o ideal é óleo fino ou graxa branca ambos em spray. Quanto mais aderente for melhor.

 

 

Na corrente só óleo fino ou graxa

 

14)  Depois da chuva precisa lavar a corrente com querosene. Não!!! Os solventes retiram a lubrificação permanente das correntes dotadas de retentor. Para limpeza é melhor óleo diesel que por ser óleo não danifica os retentores.

 

15)  A cada troca de dois pneus traseiros troca-se um dianteiro. Também é papo furadíssimo. Faça as contas: se o pneu traseiro for trocado com 15.000 km o pneu dianteiro terá os mesmos 15.000 km, afinal eles andam juntos. Aí o sujeito coloca um pneu traseiro novinho e deixa o dianteiro usado. Quando essa moto rodar mais 5.000 km terá um pneu traseiro ainda novo, tracionando bem e um pneu dianteiro com 20.000 km sem condições de rodar. Deixe de ser pão duro e troque sempre os dois!

 

16)  Óleo sintético prolonga os períodos de troca. Nada disso! Quem determina o período de troca é o fabricante da moto e não do óleo! E óleo sintético só se for específico para uso em motos! Óleo de carro não serve pra moto.

 

17)  Escape barulhento é mais seguro. Outra teoria furada. A informação visual é muitas vezes mais eficiente que a auditiva. Ser visto é infinitamente mais eficiente do que ser ouvido. Dentro do carro, com o rádio ligado e vidros fechados o motorista não focaliza de onde vem o som.

 

18)  Pneu traseiro mais largo é mais estável. Sempre aparece alguém comentando: "nossa, coloquei um pneu mais largo e melhorou muito!". Houve melhora sim, mas na verdade é porque tirou um pneu gasto e colocou um novo e não por causa da medida!

 

19)  Na chuva é bom esvaziar os pneus. Não, de forma alguma! Com o pneu murcho os sulcos (os desenhos) diminuem e perdem capacidade de escoamento da água. A calibragem original já prevê o uso na chuva.

 

20)  Quando o pneu dianteiro gasta mais de um lado é sinal de desalinhamento da moto. Nem sempre! Esse desgaste não deveria aparecer, porque se chegou nesse nível o motociclista passou muito do ponto de trocar o pneu. Na verdade esse desgaste é causado pela inclinação das ruas. Elas são levemente inclinadas para escoar a água da chuva e causa atrito maior sempre de um lado do pneu.

 

21)  Motores flex precisam sempre usar os dois combustíveis para limpar os injetores. Nada a ver. O que as fábricas recomendam e evitar usar 100% de etanol porque as motos não tem sistema de partida a frio como nos carros. Mas mesmo em regiões muito frias, com 100% de etanol os motores flex funcionam sem problema.

 

 

Moro flex: pode usar só etanol.

 

22)  Ao passar ao lado de caminhões o vácuo pode te puxar para baixo! Impossível! Só se a moto e o motociclistas juntos pesarem menos que uma folha de papel. O que acontece de fato é que caminhões deslocam muito ar pelas laterais. Ao ultrapassar um caminhão na estrada o motociclista vai sentir um deslocamento lateral, mas não será sugado para baixo. O mesmo acontece quando o caminhão vem em sentido contrário: ao passar o motociclista sente um empurrão lateral, mas não sairá voando!

 

23)  Pedestre na faixa tem prioridade! Sim, mas as campanhas de trânsito esqueceram de esclarecer que um motociclista não pode ficar parado no meio de um cruzamento esperando o pedestre atravessar. Nos cruzamentos as motos ficam muito expostas. Os pedestres precisam todo nosso respeito, mas com critério e só pare a moto perto da calçada para se proteger de quem não previu essa parada.

 

24)  Garupa e baús (top case). Sempre que levar alguém na garupa lembre que terá uma massa extra colocada sobre o eixo traseiro. Isso altera o comportamento da moto, que fica menos estável e os espaços de frenagem aumentam. No caso do baú é pior, porque a massa fica deslocada para atrás do eixo traseiro provocando uma alavanca que desestabiliza a dianteira da moto. Respeite os limites de carga do baú e quando estiver carregado respeite os limites de velocidade indicado pelo manual do fabricante do baú.

 

25)  No corredor do trânsito siga os motoboys. Nada disso! Primeiro porque os motociclistas profissionais tem muito mais experiência e segundo porque alguns passam tocando o terror em cima dos motoristas que podem se vingar no próximo que vier, justamente você!

 

26)  Listas da Internet. Por fim, não confie em tudo que lê em fóruns e redes sociais. Hoje tem muita gente se passando por instrutor de pilotagem. Antes de acreditar em qualquer lista verifique o histórico do autor!

publicado por motite às 16:39
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Domingo, 7 de Setembro de 2014

À espera de um milagre

 

 

A sociedade clama pela redução de acidentes de trânsito, mas não se mexe!

 

Vivemos um dos maiores conflitos da era moderna: como equacionar a necessidade de mobilidade urbana com a redução de acidentes de trânsito? A situação é crítica, já atingiu contorno de epidemia, provoca um prejuízo astronômico para a Economia do País, mas não se vê nenhuma possibilidade de reversão desse quadro. Quer ver?

 

De um lado temos a densidade demográfica cada vez mais acentuada nas grandes cidades, que é onde se criam empregos e oportunidades. Cidade que não cresce não atrai moradores, pelo contrário, expulsa. Nas cidades já densamente povoadas o incremento da população traz como consequência a necessidade de mobilidade, seja por meio de transporte coletivo ou individual. São nessas cidades que o perfil comportamental mais se alterou em função do crescimento acelerado e desordenado.

 

Já do outro lado existe a necessidade de se mover nessas áreas densamente habitadas. Como a administração pública não investiu na mesma proporção em crescimento da malha viária e de transporte público, a velocidade média dos deslocamentos caiu para todo mundo, não só para quem usa veículo próprio. Em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro o tempo de deslocamento para o percurso casa-trabalho-casa é tão alto que sacrifica quem trabalha assim como quem emprega.

 

Para o trabalhador a consequência é a perda da qualidade de vida, dedicando tanto tempo para deslocamento que falta para lazer, saúde ou estudo. Para o empregador porque os acidentes de trânsito de percurso são inseridos como acidente de trabalho e um funcionário afastado compromete toda a linha de produção. Imagine uma dezena deles!

 

É aqui que a iniciativa privada precisa começar a olhar. É uma tremenda ingenuidade acreditar que o Denatran irá solucionar o papel ridículo feito nas moto-escolas. A formação dos novos motociclistas é tão ridiculamente falha que seria melhor que cada um aprendesse com um amigo do que se matricular num CFC. Funciona quase como entregar uma partitura para uma pessoa e esperar que ela aprenda a tocar um instrumento musical.

 

A União não vai melhorar a formação, a menos que um grande milagre aconteça ou uma influência cósmica interfira nos ares de Brasília. Não será de um dia para outro que os CFCs se transformarão em verdadeiros formadores de motociclistas. Portanto a saída é cada um cuidar de si e procurar uma formação adequada. Seja individualmente, como pessoa física, ou em grupo pela pessoa jurídica.

 

Recentemente visitei uma empresa e ouvi da médica do trabalho um honesto depoimento: "nós damos prioridade a quem não anda de moto e não adianta mentir, porque no exame clínico aparecem as cicatrizes das cirurgias ortopédicas". Também já ouvi profissionais de recursos humanos afirmando que boicota a contratação de funcionários motociclistas. Quando a médica acabou o discurso, comentei que se ela evitar a contratação de motociclistas, em pouco tempo a empresa ficará sem mão de obra.

 

São duas pessoas com formação superior, aparentemente inteligentes, que provavelmente defendem que o futuro do Brasil passa por uma reforma na Educação, mas que na vida pessoal e profissional preferem demitir a ensinar. É esse tipo de deformação de caráter que faz um País andar para trás. Defende uma filosofia desde que ela fique apenas no plano teórico, mas não quer realizar nada que mude o país no plano concreto.

 

A redução de acidentes de trânsito passa por várias transformações, começando pela comportamental, porque o principal fator contribuinte para o acidente ainda é humano; pelo econômico, porque a maioria esmagadora dos profissionais de RH ainda enxerga o treinamento de motociclista e motorista como um CUSTO e não como investimento e termina na pressão política, porque como se sabe, aqui no Brasil do avesso o trânsito é uma competência política e não técnica.

 

Começando pelo fator humano. Ninguém se acidenta porque quer. Pode até parecer, mas não é. Ninguém acorda pela manhã esperando ver o próprio fêmur saindo pela coxa. Portanto é preciso enxergar a vítima como alguém que precisa primeiro de treinamento e depois de acompanhamento. Na maioria absoluta dos acidentes a falta de informação é o elemento contribuinte. O sujeito sai da moto-escola sem saber nem mesmo frear uma moto!

 

O fator econômico. Se a empresa tem prejuízos enormes com afastamento de trabalho por acidente de percurso é hora de enxergar o treinamento como uma forma de reduzir o custo lá na frente. Segundo um especialista em RH, para cada um real investido em treinamento são economizados quatro reais em indenização. Como não adianta esperar um milagre que transforme o CFC em um formador de motociclistas capacitados, o jeito é fazer o papel do Estado e proporcionar essa qualificação. Em suma, a empresa precisa abrir o cofre e ela tem esse dinheiro sim, porque é muito mais barato do que uma festa de fim de ano com um grupo de humoristas.

 

A pressão política. Pelo menos em três empresas que visitei as vias de acesso eram problemáticas a ponto de expor os motociclistas a riscos muito acima da média. Nesta hora uma grande empresa tem poder de lobby (no bom sentido da palavra) para pedir ao Município, Estado ou União que faça a parte deles e melhore os acessos, criem e construam ciclovias, passarelas etc.

 

A cada Fórum de trânsito que participo escuto a velha cantilena da necessidade de redução das vítimas de trânsito, mas ninguém (montadoras, empresas, órgãos públicos) querem botar a mão no bolso. As montadoras e empresas do setor de motopeças que vêem seus negócios seriamente ameaçados pelo crescente número de acidentes alegam falta de verba porque o mercado está em crise nesse momento. As empresas preferem demitir ou não contratar funcionário motociclista para economizar em indenizações trabalhistas. Por fim o Estado alega que acidente de trânsito é falta de fiscalização e aumenta a quantidade de multas na cabotina esperança de "educar" os motoristas.

 

Como se vê, a menos que aconteça um milagre semelhante à ressurreição de Cristo e que da noite para o dia mude a cabeça das pessoas, o tal pacto pela vida e pela redução dos acidentes de trânsito continuará sendo um slogan bonitinho para incluir nas publicidades de veículos. Estamos, então, à espera de um milagre.

publicado por motite às 00:51
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Sexta-feira, 1 de Agosto de 2014

O tigre, o menino e o trânsito

Como um acidente pode explicar o comportamento humano*

 O Brasil ficou chocado nos últimos dias de julho quando um garoto de 11 anos teve o braço direito dilacerado por um tigre. O "acidente" ocorreu em um zoológico de Cascavel, PR, quando o garoto, incentivado pelo pai, pulou uma cerca de proteção, ignorou os avisos de manter-se afastado e provocou primeiro um leão e depois o tigre. O desfecho todo mundo viu: teve o braço amputado na altura do ombro e terá a vida inteira para refletir sobre esse ato "corajoso". Esse acidente é exemplar, em todos os sentidos.

Quem acompanha minhas colunas sabe que há décadas eu insisto no declínio na qualidade do ser humano em sociedade. Especialmente no Brasil, país que parece caminhar ladeira abaixo no campo das relações humanas.

Felizmente alguém filmou e mostrou uma imagem que retrata o que vem acontecendo em uma sociedade desacostumada a respeitar uma autoridade. O garoto ficou por cerca de seis minutos atiçando dois felinos de grande porte, conhecidos por qualquer ser vivente como predadores. Até as pedras sabem que esses animais se alimentam de outros animais desde que o mundo é mundo. Tudo sob o olhar do pai.

Imediatamente após a divulgação das imagens começaram os julgamentos, principalmente os do "contra" e "a favor", seja do tigre, do garoto, do pai, do zoológico, de Deus etc. No atual modus operandi social de palpitar sobre tudo houve a esperada distribuição de culpa para todos os envolvidos, alguns até tentando amenizar o lado do garoto sob a alegação de que era "incapaz" de avaliar os riscos. Será? Com 11 anos alguém nesse mundo não sabe a diferença de um gato para um tigre?

Deixando um pouco o tigre de lado, vamos lembrar um pouco das histórias da Bíblia. Sem a menor conotação católico-cristã, mas apenas como exemplo. Muita gente atribui o pecado original ao sexo, fazendo uma analogia direta da mordida na maçã com rala e rola entre Adão e Eva. Mas Deus não poderia castigar o sexo, senão inviabilizaria a reprodução humana e jogaria por terra o famoso "crescei e multiplicai". 

O pecado original que condenou Eva e seu amasio ao mundo terreno foi a DESOBEDIÊNCIA. Deus deixou bem claro: não coma a fruta dessa árvore! Simplesmente porque era a fonte do conhecimento. E quando Ele virou as costas lá foi ela e nhoc! Não tinha uma placa na macieira do tipo "fique longe, não coma". Por trás da desobediência está o conceito que quero chegar: o desrespeito!

Voltando ao zoológico, qual o padrão de comportamento dos visitantes: enfiar o braço na jaula ou manter-se afastado? Se uma criança violou o padrão é preciso olhar para esse caso isolado e tentar entender melhor de onde vem o comportamento tão prepotente.

Hoje em dia existe uma enorme confusão aqui em terras brasileiras com relação à educação. Também já escrevi sobre isso. E é um tal de pais entregarem seus filhos às escolas na crença cega de que o pimpolho sairá de lá um lorde inglês e com conhecimento de filósofo alemão. Mas em casa o filho faz o que quer, passa o dia no videogame, desobedece os pais e eventualmente despreza a autoridade dos empregados.

Educação é aquele conjunto de regras transmitidos de pais para filhos como uma carga genética. O que a escola transmite é ensino ou conhecimento. Portanto, escola não educa, quem educa é o convívio familiar. Já defendi mais de um milhão de vezes a mudança do nome de ministério da Educação para ministério do Ensino.

Pergunto, que tipo de pai pode gerar um filho tão incapaz de entender a regra mais elementar, bíblica e basilar da educação que é a obediência? Que tipo de exemplo esse garoto tem em casa para ignorar tão descaradamente os perigos que envolvem o enfrentamento de um animal feroz? Uma criança que atiça descaradamente um animal selvagem como o tigre respeita seus professores? Obedece seus pais? Será um adulto educado ou um sociopata?

É o reflexo da falta de cuidado na educação, não da escola, mas aquela da formação do caráter. Quem enfrenta um tigre é corajoso – como escreveram alguns – ou simplesmente desobediente?

Chamou-me a atenção o comentário de vários jornalistas que reforçaram o fato de no momento do acidente não ter nenhum vigia, embora o zoológico tenha se defendido alegando que a área é monitorada por quatro fiscais.

Ora, jornalistas são pessoas esclarecidas, viajam e normalmente voltam do exterior sempre com uma história de civilidade na ponta da língua. Ficam impressionados que nos museus americanos o visitante deposita o valor em uma caixa que fica ali, ao alcance de qualquer um, mas ninguém pega. Contam – impressionados – que na Áustria as padarias deixam o leite fora e as pessoas pegam e depositam as moedas em um pote, sem ninguém vigiando.

Mas cobram o fato de naquele local do zoo não haver um vigilante. É ISTO que quero chamar a atenção: educação não é um comportamento expresso diante de fiscalização, o nome disso é obediência. Educação é o comportamento do indivíduo quando não tem NINGUÉM olhando!

Por isso a Prefeitura de SP instalou mais uma centena de radares e câmeras de vigilância, porque o motorista só consegue se manter educado sob constante fiscalização. Porque não foi educado. Os motoristas/motociclistas mal e porcamente foram instruídos, quando foram... E os ciclistas nem isso!

Pela visão do jornalismo sensacionalista podemos perder a esperança em trânsito solidário sem que haja uma fiscalização opressiva e constante, como no zoológico. Não basta uma placa de proibido estacionar, precisa ter um fiscal. Não basta investir em passarela ou ciclovia, tem de fiscalizar. Não basta avisar que o leão é bravo, precisa colocar o braço lá dentro!

*(Devido ao número de acessos, não é possível mais publicar comentários neste post, se quiser pode fazer nesta sequência)

* Desculpem-me não me apresentar, mas este blog foi criado para  artigos que não publico na imprensa aberta. Como era reservado mais aos amigos, nem sequer me dei ao trabalho de assinar, meu nome é Geraldo Tite Simões - Jornalista, escritor, especialista em segurança viária, duas filhas (bem educadas, eu acho...). 

publicado por motite às 23:15
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Quarta-feira, 30 de Julho de 2014

À espera de um paradigma

 

 

Só uma nova ordem mundial para restabelecer o equilíbrio

 

Contam os historiadores que o primeiro paradigma universal foi o cristianismo, a ponto de dividir a História da humanidade em antes e depois de Cristo. O segundo paradigma de caráter universal foi a percepção de que a Terra é arredondada e que o Sol é o centro do sistema solar.

 

O conceito de paradigma é um fenômeno - ou conhecimento - que muda radicalmente tudo que se conhecia antes. Dizem os cientistas que estamos prestes a viver o terceiro paradigma universal que é a reprodução humana assexuada, algo que vai tornar esse mundo muito mais sem graça...

 

Só que existe ainda a suspeita de que um terceiro paradigma está próximo de se revelar e que vai mudar nossa forma de ver o mundo: contato com extra-terrestres! Há quem diga que eles já estão entre nós, mas vamos deixar as suposições e viagens doidonas de lado.

 

O que tudo isso tem a ver com o trânsito?

 

Muito simples: só um grande paradigma é capaz de reverter o quadro epidêmico que chegou o comportamento humano sobre rodas. No Brasil são 44.000 mortes em acidentes de trânsito por ano. Cinco por hora. São números inaceitáveis sob qualquer justificativa.

 

Para ficar só na cidade de São Paulo (região metropolitana) foram 1.152 óbitos em 2013, divididos em 512 pedestres (atropelamentos), 200 com automóveis (motorista+passageiro), 403 motociclistas (e garupa) e 35 ciclistas. A desproporcionalidade de motociclistas chama a atenção, porque a frota de moto é menos de 1/4 da de automóveis.

 

Sempre que o tema "acidente de trânsito" surge em pauta aparecem explicações que procuram tirar a responsabilidade de ser humano. É um tal de criticar as estradas, os veículos, a educação, etc. Mas por trás de todo acidente está o elemento fundamental causador, que é o fator humano. Apenas cerca de 4% dos acidentes entre veículos são atribuídos a problemas nas vias ou defeito nos veículos.

 

Alguns dados revelados pelo Relatório Anual de Acidentes do CET de São Paulo ajudam a direcionar a verdadeira responsabilidade. O primeiro dado que salta à vista é com relação aos dias da semana. Sábado e domingo são os dias mais violentos no trânsito da Capital. Para quem trabalha com segurança viária isso não é novidade, porque existe uma velha expressão: "durante a semana as pessoas se acidentam, no fim de semana elas morrem". E o motivo é fácil de acertar: bebida alcoólica e outros alucinógenos.

 

O segundo dado que passa despercebido pelas autoridades é com relação ao horário dos acidentes. Nos finais de semana eles acontecem com mais frequência das 23:00 às 8:00 horas, ou seja, na volta da balada, já doidão! Já durante os dias de semana o pico de acidentes é às 8:00 horas, o que indica que a vítima estava saindo de casa para o trabalho ou estudo.

 

Ainda analisando esse estudo, que é enorme, aparece um dado que entristece a todos nós. Os motociclistas que morrem no trânsito estão principalmente na faixa de 20 a 29 anos. Já entre os pedestres - e isso é uma grande surpresa - está acima dos 40 anos. Com relação às profissões, entre os motociclistas a maioria é de estudante e só bem depois aparecem os motoboys, ao contrário do que se imaginava.

 

Uma análise bem simplificada desses números pode ajudar a reduzir essa guerra civil que virou o trânsito de São Paulo. Em primeiro lugar é urgente que se intensifique a fiscalização, sobretudo nos fins de semana e de madrugada. Hoje só se vê blitz de trânsito até às 18:00 horas, depois parece que encerra o expediente. E também ampliar exponencialmente a figura do agente de trânsito para tirar da polícia militar essa função de tomar conta de motoristas e motociclistas. É preciso criar um policiamento específico para o trânsito, formado por pessoas que tenham treinamento educacional e não repressivo e que seja extensivo aos ciclistas e pedestres. As pessoas não nascem criminosas, elas se tornam por falta de orientação e educação.

 

No caso dos atropelamentos de pedestres fica evidente que a idade é um fator contribuinte e o que pode estar gerando essa situação é a falta de investimento nas vias, como a construção de passarelas e semáforos efetivamente inteligentes. Aí sim o poder público tem de trabalhar. Quanto mais idoso, mais lento é o ser humano e um semáforo de pedestres precisa levar isso em conta. O mesmo para passarelas que exigem esforço físico.

 

Pelo menos um número soa esperançoso: em relação a 2012, o ano de 2013 apresentou uma redução de 8% nas vítimas fatais no trânsito. Mesmo com o aumento da frota. Mas aonde entra o paradigma?

 

Querer reduzir os números de vítimas fatais no trânsito apenas com medidas burocráticas é um trabalho inócuo. O maior objetivo das campanhas de prevenção de acidentes deve acertar no alvo que é o fator humano. A cada dia que passa vemos uma decadência nas relações humanas, exposta até mesmo nas redes sociais. Parece que existe uma sintonia cósmica que transforma as pessoas em dois grupos: os do contra e os a favor. E com isso desaparece o grupo de pessoas mais necessário nessa missão, que é dos agregadores e cooperadores.

 

A sociedade está se baseando cada vez mais no conceito maniqueísta de que só pode haver dois lados para tudo: o certo e o errado, mas o problema é o caráter de quem julga. O que é certo ou errado? Está certo dirigir alcoolizado, falando no celular ou usar película escura proibida? Está certo pilotar uma moto a 90 km/h no corredor entre os carros? Está certo pular uma cerca para não ter de andar 200 metros e atravessar pela passarela? Para quem está atrás do volante, do guidão da moto ou a pé o conceito de certo ou errado é muito particular e adaptável à sua comodidade.

 

Aí que entra a minha esperança em um grande e transformador paradigma universal: só diante das crises o cidadão se mostra solidário. Uma ameaça de extermínio da humanidade, ou uma grande revolução na ordem social podem acabar com esse egoísmo predominante que se aflora no trânsito na forma do "esse veículo é meu, paguei por ele e ninguém vai me dizer como dirijo" (frase lida no vidro de um carro em SP).

 

Talvez um pequeno cataclismo para lembrar os cidadãos que somos humanos, filhos da mesma raça e que só evoluímos como espécie por meio da cooperação e soma de esforços. Em outras palavras, o que precisamos é de mais gentileza e cordialidade! Que venham os ETs!

 

 

publicado por motite às 02:07
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Terça-feira, 10 de Junho de 2014

O médico e o monstro

 O Médico e o Monstro, história antiga...

 

Um vídeo clássico dos anos 50, produzido pelo genial Walt Disney, na época pré-computação gráfica mostra o Pateta motorista e como ele se transforma de pacato cidadão para um monstro mesquinho e egoísta quando está ao volante. Célebre pela inteligência acima da média, Disney mostrou como uma pessoa pode mudar quando está ao volante e usou de trocadilhos para nomear as duas personalidades: Walker (pedestre) e Wheeler (algo como "rodorizado").

 

Essa analogia com as duas personalidades na mesma pessoa não é nova, nem saiu da cabeça dele, é uma teoria antiga da psicanálise (ego e alter ego), mas que foi brilhantemente revelada ao mundo na obra do escritor inglês Robert Louis Stevenson que escreveu Dr Jekill e Mr Hyde (traduzido como O Médico e o Monstro), justamente para mostrar como um indivíduo pode se transformar de uma hora para outra. Esta história se tornou em um dos romances mais vendidos, virou peça de teatro, filmes e recebeu inúmeras referências, incluindo o suspense Psicose de Alfred Hitchcock.

 

Portanto não é novidade que pessoas possam mudar completamente de comportamento quando estão diante de situações de estresse ou ameaçadas de alguma forma. Vários estudos sérios foram feitos para tentar entender o que se passa especificamente com motoristas e motociclistas, que passarei a nomear de "motorizados".

 

Lá na década de 60 já se desenvolveram várias teorias sobre o comportamento "motorizado". Como a maioria era formada por homens, houve até a teoria da "extensão do pênis", colocando o automóvel como sendo uma representação fálica de poder e potência. Quanto maior e mais potente era o carro, mais viril era o motorista.

 

Hoje em dia isso não mudou. Infelizmente, para quem gosta de privilegiar as dimensões, os motores foram diminuindo em capacidade volumétrica (cilindrada), mas graças aos veículos SUVs os carros aumentaram.

 

No mundo das motos não é diferente. Em quase 20 anos ministrando aulas de pilotagem para motociclistas notei que existe um perfil típico que nunca saiu de moda. O do homem com mais de 40 anos, divorciado, que teve moto quando era jovem e agora está retornando. Normalmente esse perfil quer o que existe de mais potente e pesado porque precisa provar que ainda está jovial e tem muito gás, sem se dar conta que no período que passou usando só carro as motos evoluíram em vários quesitos.

 

Além disso existe a necessidade masculina intrínseca de querer sempre mostrar que tem o brinquedo maior do que o do vizinho...

 

Se fosse só isso, estaria tudo bem, mas essa dupla personalidade vem à tona quando assume o comando da moto e se transforma em um ser irracional capaz apenas de pensar na "adrenalina". Pode ser um comportado e exemplar pai de família, executivo que comanda multinacionais, inteligente, socialmente respeitado. Mas ao assumir o guidão, vestir um capacete e casaco de couro se transforma em um psicopata incapaz de pensar socialmente. Parece que surge o monstro adormecido e pilota como se as pessoas estivessem ali só para atrapalhar seu caminho.

 

Conheço vários casos desse tipo de comportamento e o primeiro sintoma é recusar o rótulo de "motoqueiro". Está cheio de motociclista que usa motos com escapamento direto, que passam por cima da calçada, invadem faixa de pedestre, passam no farol vermelho como qualquer "cachorro louco", mas entre os amigos enche o peito pra dizer "eu sou motociclista, não motoqueiro".

 

É coisa nenhuma! Quando a personalidade doentia assume o comando soca 299 km/h na estrada, inclusive com alguém na garupa. E ainda filma para mostrar ao mundo o quão psicopata se tornou.

 

Confesso que não sei de onde vem essa necessidade de se expor dessa forma. Já li estudos de psicólogos e psiquiatras que defendem a tese da falta de desafios da vida moderna. Segundo alguns autores, o ser humano ainda traz em seu gene a informação dos antepassados primitivos. O "homem primitivo" está adormecido, mas carrega a vontade de caçar, arriscar a vida, brigar pela fêmea, se reproduzir etc. Nos dias de hoje, sem esses desafios necessários à sobrevivência, o "homem primitivo" que vive dentro de nós se manifesta nas atividades chamadas de "radicais" ou atrás de um guidão (ou volante).

 

 

(Todo mundo é bonzinho até estacionar na calçada)

 

Claro que isso não ocorre com 100% da amostragem, mas basta analisar os dados estatísticos que envolvem vítimas de acidente de trânsito para perceber que a faixa etária de maior incidência é entre 18 e 25 anos, período no qual a necessidade de desafios é muito maior pela natural prepotência.

 

Estranho quando vejo homens teoricamente maduros se comportando como jovens adolescentes (mal educados). Não é de forma alguma natural perceber essa sensação de invulnerabilidade em indivíduos acima de 35 anos. Não é o caso dos esportes de risco, porque apesar a aparente impressão de um suicídio, o praticante dessas modalidades são treinados e estudam cada passo antes de se jogar de cabeça.

 

No caso das motos e carros de alto desempenho, quando o indivíduo decide competir depois dos 35 anos, por exemplo, é justamente uma forma de mostrar ao mundo um resquício de equilíbrio, porque, ao contrário do que se pensa, correr em autódromos é infinitamente mais seguro do que na estrada.

 

Monstro das ruas

Diariamente somos expostos ao comportamento cada vez mais egoísta dos seres "motorizados". Carros estacionados em local indevido, todo tipo de grosseria e exemplos claros de uma agressividade gratuita. Não é possível que essas pessoas sejam assim no ambiente de trabalho, em casa ou com amigos.

 

A manifestação do "monstro" dentro de cada um aparece nestas atitudes. Certamente o sujeito que estaciona em cima da calçada não tem esse tipo de comportamento com seu chefe, nem com seus funcionários, mas tem no trânsito porque o veículo motorizado ainda é, quase 100 anos depois de sua popularização, um símbolo de poder e status.

 

O mais preocupante é que o livro "O Médico e o Monstro" narra a história de um médico que quer comprovar justamente que o ser humano é perfeitamente capaz de controlar o monstro dentro de si. Para isso inventa uma fórmula que faz a personalidade monstruosa predominar, na esperança de ser capaz de dominá-la. E aí que vem a surpresa, porque o monstro domina o médico e... bem, não vou contar o fim do filme, mas essa ideia de querer dominar o monstro dentro de si não funciona. Uma hora ele domina a personalidade pra sempre.

 

O que observo diariamente convivendo com diferentes tipos de seres motorizados é que cada vez mais o monstro sobressai ao "bonzinho". É como aquela brincadeira que diz: eu não bebo, mas quando bebo um pouquinho me transformo em outra pessoa e essa pessoa bebe pra caramba!

 

 

publicado por motite às 20:46
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