(Curva da Balança, Interlagos, 1977)
Durante uma entrevista com alguns pilotos e preparadores um depoimento me chamou a atenção. Meu amigo e piloto Gian Calabrese explicou que na primeira etapa do campeonato brasileiro de motovelocidade ele conseguiu o patrocínio na quarta-feira, comprou a moto na quinta, treinou no sábado e correu no domingo. E quase ganhou a prova!
Lembrei de várias situações semelhantes nas quais o piloto pega uma moto praticamente original e consegue um excelente desempenho. Depois, durante o campeonato, não consegue repetir os bons desempenhos. Durante um treino em Interlagos, muitos anos atrás, encontrei um preparador que estava tentando algo inédito: voltar a moto para a regulagem original de fábrica para começar tudo do zero. A maior surpresa é que a moto melhorou!
Este fenômeno é muito comum nas equipes iniciantes. Na busca por melhor desempenho alguns preparadores e pilotos mexem tanto na moto (ou carro) que se perdem.
É verdade que toda equipe – principalmente as líderes – devem sempre buscar melhorar a cada treino ou corrida, só que essa busca por performance tem de ser criteriosa e cuidadosa. Nas minhas primeiras corridas de kart ficava desesperado na tentativa de melhorar a cada treino, só que nem percebia que EU também melhorava como piloto e me tornava mais íntimo da pista e do equipamento a cada vez que entrava na pista.
Durante um treino discuti com o Waltinho Travaglini, maior especialista em kart do Brasil naquela época, afirmando que meu kart esta instável. Ele olhou minha planilha de tempos e comentou: “mas seus tempos estão melhorando, como o kart pode estar pior?” E eu respondi: “sim, mas é que comecei a fazer uma curva mais rápido”. Daí surgiu a dúvida: afinal, o que estava melhorando, o kart ou o piloto?
A resposta veio logo depois, quando meu mecânico saiu com o kart para amaciar o motor e conseguiu capotar no meio da reta! Era véspera da corrida do campeonato paulista e passamos a tarde, noite e madrugada para colocar tudo em ordem. Como tivemos de trocar eixo, mangas de eixo e até rodas, decidimos por instalar as peças novas todas na regulagem padrão (todo veículo de corrida sai de fábrica com uma regulagem padrão básica).
No treino livre antes da corrida veio a surpresa: o kart melhorou MUITO! Eu não tinha consciência que meu desempenho como piloto estava melhorando a cada treino, independentemente das mudanças que fazia no kart. Certamente muitas das minhas alterações não surtiam efeito algum ou mesmo piorava o equipamento, mas como eu ganhava alguns décimos de segundo por conta de minha pilotagem, acabava acreditando que meu equipamento estava a cada vez mais equilibrado!
A ânsia por querer sempre tirar o máximo do equipamento pode acabar surtindo o efeito inverso. Naquela época o kartódromo ficava aberto para treinos quase todo dia e eu passava as tardes lá, rodando e rodando quilômetros de pista para treinar feito um maluco, mexendo em várias opções de regulagem para cada situação. E olha que eu treinava nem uma terça parte de pilotos de ponta como Ayrton Senna, Mário Sérgio de Carvalho, Maurizio Sala, Chico Serra e outras estrelas do kart.
Foi em um destes treinos que mais uma vez meu mestre Waltinho Travaglini chegou pra mim e disse: “você já se deu conta de que pode estar consumindo seu equipamento em vão?” Segundo ele, quando os tempos de volta começavam a se estabilizar ou mesmo piorar é porque algumas peças poderiam estar simplesmente gastas!
(Curva da Balança, Interlagos, 1989. Foto: Marcelo Sacco)
Caro ou barato?
Descobri que rolamento é o tipo de componente que é colocado nos projetos de carros e motos de acordo com o que já existe na indústria. Ou seja, nenhuma fábrica desenvolve o projeto de kart, carro ou moto e depois manda o fornecedor fabricar um rolamento para encaixar naquele projeto. É o inverso: os projetistas dos veículos analisam qual rolamento se encaixa naquele projeto. Muito raramente os fornecedores de rolamentos precisam fabricar um especial, a menos que seja um projeto totalmente novo com chances de grandes vendas.
Desmontei o kart inteiro, tirei todos os rolamentos, fui a uma loja especializada no centro de São Paulo e passei a tarde junto com o vendedor analisando uma montanha de rolamentos. Os rolamentos têm uma especificação gravada nas laterais que indicam a medida e o tipo de aplicação. Podem existir rolamentos com as mesmas medidas, porém mais leves, mais “soltos” ainda que menos duráveis. Achamos uma marca alemã, caríssima, que tinha rolamentos mais finos, mais leves, com melhor rolagem e saí da loja com uma caixa que custou uma pequena fortuna.
Montei tudo e fui pra pista feliz da vida. O resultado foi uma melhora muito pequena. Naquela época, para o circuito de Interlagos de 1.100 metros, nossa categoria virava em 59 segundos. Com meus caros e sofisticados rolamentos o tempo de volta melhorou pouco mais de um décimo de segundo. Pode parecer pouco, mas em uma corrida de 25 voltas representava uma bela diferença. Pelo menos foi essa justificativa que dei ao meu pai (e patrocinador) para explicar o cheque absurdo que eu tinha acabado de soltar.
Minha felicidade pelo parco retorno alcançado com o elevado investimento durou pouco, porque logo sem seguida troquei as mangas de eixo dianteiras para testar uma nova cambagem das rodas e a melhora foi IMENSA. E por um custo DEZ vezes menor! Pela primeira vez consegui entrar na casa dos 58 segundos, meu objetivo inicial.
Foi uma dura e cara lição, porque se tivesse testado a manga de eixo ANTES de investir em uma solução mais cara teria economizado tempo e dinheiro. Pode parecer inacreditável, mas muitas equipes gastam tempo e dinheiro tentando melhorar o desempenho e tudo que conseguem é perder tempo e dinheiro.
Fazer alterações pura e simplesmente para “ter o que fazer” é jogar dinheiro pela janela e, como já mostrei, pode trazer o resultado inverso. Normalmente o preparador e os mecânicos ficam buscando “pelo em ovo” só para mostrar ao chefe de equipe e ao piloto que estão “se esforçando ao máximo”. Nas categorias monomarcas é comum ver pilotos com motos praticamente originais obtendo melhor rendimento do que outro que gastou horas e uma montanha de dinheiro buscando melhorar o equipamento.
(Largada em Interlagos, 1989, olha o público! Foto:Marcelo Sacco)
Pilotar uma empresa
No mundo corporativo eu vi esse mesmo erro em várias empresas, sobretudo nas grandes. Quando trabalhei na maior editora do Brasil fiquei pasmo ao ver como os diretores de redação se empenhavam para fazer uma revista “cada vez melhor”. Geralmente essas “melhorias” eram meramente cosméticas, sem mexer na estrutura principal, mas que tinham como principal finalidade mostrar aos diretores de grupo que eles estavam “se esforçando ao máximo para melhorar a revista”.
Do meu canto da redação não conseguia ver nada de tão diferente nestas mudanças superficiais que fizesse um leitor cair de queixo e se apaixonar pela revista a ponto de se tornar um assinante perpétuo. Em compensação deixava um clima péssimo na redação, porque tínhamos a sensação de que nunca a revista estaria “fechada”. Reinava um stress permanente para achar detalhes ridículos que deixassem a página mais bonita, enquanto os textos eram um festival de tédio sem fim. Eu mesmo não conseguia ler UM teste daquela revista sem bocejar a tarde toda.
O alinhamento das fotos não podia variar nem um milímetro, senão o diretor tinha um chilique, mas a mesma revista cometia erros conceituais tão graves ao testar carros que podiam decretar o fracasso de um modelo pela simples incapacidade de um jornalista em entender a função principal do carro testado. Essa revista teve o auge de vendas antes de começar essa neurótica busca pela “melhora”, mas perdeu muito mercado para as novas concorrentes que tinham menos primor estético, mas traziam informações mais fáceis e gostosas de ler.
Por outro lado, quando trabalhei em uma pequena editora (com apenas um título) fazíamos poucas mudanças no aspecto visual, mas nos empenhávamos em usar uma linguagem simples, divertida e informativa. O objetivo era agradar os LEITORES e não uma DIRETORIA. Os textos eram gostosos de ler, ilustrados por boas fotos e o resultado foram vendas sempre crescentes a ponto de chegar à liderança do mercado.
No entanto a melhor lição que tive do mundo corporativo não foi em uma editora, mas na multinacional eletroeletrônica Philips. Foi onde tive o melhor chefe, porque ele promovia as mudanças na estrutura do departamento sempre visando RESULTADOS, sem se preocupar em mostrar para a diretoria que “estava se esforçando ao máximo”.
Ele fazia as alterações com método e analisava o resultado de cada mudança. Se fosse um resultado positivo continuava na mesma direção. Em menos de um ano de administração esse chefe conseguiu reduzir os custos quase pela metade e obter o dobro de rendimento. Tudo que aprendi sobre a assessoria de imprensa foi com ele. Bom, não é coincidência: este chefe tinha sido piloto de automóveis nos anos 70, campeão brasileiro da antiga categoria Divisão 1. Ele praticava no mundo corporativo os mesmos métodos das competições de automóveis e os resultados apareciam.