(Na 125 especial era preciso pilotar com o nariz no conta-giros, mas eu - nº 14 - tinha de levantar a cabeça pra enxergar os números!)
Meu amigo Lucas Rizzolo, de Piracicaba, SP, levantou uma interessante questão sobre competições e mundo corporativo: como funciona esse lance do ritmo? Curioso porque é mais ou menos a mesma coisa, tanto para quem corre de veículos motorizados quanto para quem produz ou presta serviço.
Em competições existe o mito de que para vencer é preciso ser veloz. Mentira, tá! Na verdade o vencedor é aquele que consegue estabelecer um ritmo veloz. Não adianta fazer uma ou duas voltas muito rápidas e três lentas. O que vale é a média horária e não a velocidade máxima. Pode reparar que nem sempre a moto ou carro que atinge a maior velocidade na reta é o vencedor. Por incrível que pareça, o que ganha corrida não é o carro ou moto que tem a maior velocidade em reta, mas aquele que consegue ser mais rápido entre a aproximação, contorno e saída de curva.
Basta olhar o traçado de um circuito misto (não aqueles ovais americanos). Qual a maior porcentagem da pista: todas as curvas somadas ou todas as retas? Um circuito tem mais quilômetro de curvas do que de retas, por isso ganha corrida quem é mais veloz nas curvas! E entende-se por curva todo o percurso que vai do momento que começa a frear até o instante que volta a acelerar.
O segredo para ser veloz é frear mais tarde e acelerar mais cedo. Não existe outra fórmula para ganhar corrida. Se o piloto erra a entrada da curva e perde 500 rotações no motor na hora de sair da curva ele nunca mais recupera. Exemplificando: imagine uma curva antes de uma longa reta. Para obter a velocidade máxima o piloto precisa sair da curva a 8.500 rpm e chegar ao final dessa reta a 10.000 rpm (normalmente não de avalia a eficiência do motor pelo velocímetro, mas pelo conta-giros). Se ele sair da curva a 8.000 rpm certamente chegará ao final da reta a 9.500 rpm, porque aqueles 500 rpm não serão recuperados nunca mais. Rotação não brota milagrosamente do motor!
Esse é o maior segredo da pilotagem: sair rápido das curvas!
Minha Honda RS 125 dois tempos era uma máquina extremamente difícil de pilotar: motor dois tempos, de baixa potência (cerca de 50 cv) e uma faixa útil muito pequena. A potência máxima era a 10.000 rpm e o torque máximo a 9.000 rpm, o que nos dava 1.000 rpm para trabalhar à vontade! Quase nada! Isso significa que eu precisava entrar e sair da curva sem deixar o motor baixar de 9.000 rpm!!! Tudo isso com conta-giros analógico (de ponteiro) de precisão imprestável! Por isso alguns pilotos odiavam pilotar essa 125. Principalmente para quem estava acostumado com os motores 600cc quatro tempos!
Nos treinos o piloto precisa descobrir qual a volta mais rápida que é capaz de fazer com aquele equipamento, naquelas condições. Uma vez estabelecido esse valor ele sabe que não poderá dar 30 ou 40 voltas nesse ritmo senão corre o risco de sair voando da pista ou mandar o motor pro espaço. Então ele estabelece dois limites: o máximo (volta mais rápida) e o ritmo de corrida, quando terá de pilotar com pneus já gastos, outros pilotos em volta, pista mais suja (ou limpa), asfalto emborrachado etc.
Todo piloto experiente sabe separar o ritmo de corrida para cada etapa da corrida, dependendo basicamente da posição em relação aos adversários. O importante é um piloto ser ajustado ao seu ritmo como um relógio suíço. Os tempos de volta não podem variar muito. Para saber se um piloto é realmente eficiente ou apenas veloz basta ver seu mapa de tempos da corrida. As variações de tempo devem ser mínimas. Se fizer voltas irregulares é sinal de falta de ritmo, o que se traduz como falta de concentração.
Quando o piloto estabelece esse ritmo pode aumentar ou diminuir conforme a necessidade elevando ou reduzindo as rotações de troca de marchas em valores de até 100 rpm! O importante é descobrir o ritmo.
(quando o piloto está sob pressão precisa mudar o ritmo para se defender)
Pode parecer absurdo, mas é comum o piloto dar várias voltas rigorosamente dentro do mesmo centésimo de segundo. É o “piloto-relógio”, sempre no mesmo segundo. Confesso que é difícil, mas não impossível. Durante muitos anos eu tive essa capacidade, mas nos últimos anos já não conseguia em função basicamente da visão. Isso mesmo! Eu já não conseguia ver o ponteiro do conta-giros porque minha cabeça ficava muito perto do painel e embaçava a visão. Eu tinha de imaginar a rotação do motor pela vibração... coisas de piloto véio!
Quando vejo esses motociclistas no trânsito correndo feito retardados para depois ficar parados em semáforos tenho vontade de chegar no desajustado e perguntar: “você sabe o significado da velocidade média?”. Não adianta ser rápido aqui e lento logo depois!
O no mundo corporativo? Parece estranho mas muito profissional passa a vida toda sem descobrir qual seu ritmo de trabalho. No universo da comunicação social (jornalismo e publicidade/propaganda) a expressão mais comum é o famoso “pra ontem”, ou “estourou o prazo” e outros jargões específicos que significam a mesma coisa: erramos o ritmo!
Da mesma forma que um piloto de ritmo lento ou exageradamente rápido pode perder a corrida por lentidão ou acidente, o profissional que não consegue trabalhar dentro de um ritmo corre o risco ou de perder seus prazos de entrega ou se acidentar com uma qualidade inferior ou defeito de fabricação.
Eu simplesmente odeio quando algum editor me pede um artigo com prazo muito apertado. Isso significa vários problemas: falta de programação (ou ritmo), desrespeito ao profissional (“vamos dar um prazo absurdo e ele se vira”) ou desespero pela falta de um plano paralelo. Já vi muitos casos de editores que contavam com uma reportagem que não pôde ser feita por algum erro qualquer e aí pede um artigo voando aos jornalistas colaboradores. Quando acontece isso comigo não perco a chance de dar uma espetada do tipo: “puxa, obrigado por me promover a redator-tampão!”.
Costumo dizer aos leitores que revista e salsicha é melhor não saber como são feitas. Quando fui editor das principais revistas especializadas tínhamos um padrão de trabalho que raramente sobrecarregava a equipe ou atrasava a entrada em banca. Jornalistas criados em revistas mensais têm um ritmo mais tranqüilo de trabalho do que aqueles que nasceram e cresceram na imprensa diária (ou semanal). Imagine o que significa em termos de stress criar uma reportagem todo dia! Sendo que muitas vezes o “dia” tem pouco mais de 6 horas entre a criação da pauta, desenvolvimento, entrevistas, redação, revisão, diagramação e impressão. É um ritmo de trabalho insano que exige chefes quase tiranos e uma equipe à beira de um ataque de nervos.
Já em uma revista mensal o ritmo é muito mais sossegado. Quer dizer, quando o editor ou redator-chefe são pessoas normais. Minha última experiência em revista não-especializada revelou que o ritmo é ditado por aquele que comanda e só ele, ninguém mais. Assim como um maestro dita o ritmo de uma sinfonia, o redator-chefe é quem comando o ritmo de fechamento da revista.
Jornalistas e publicitários se acham profissionais que trabalham com criação. Eles não se vêem como operários de uma linha de montagem. Embora eles sejam exatamente isso: operários da comunicação!
Em uma fábrica, ou mesmo na construção civil, um operário sabe exatamente qual ritmo de produção tem de imprimir para produzir determinado número de peças por dia. Isso é um cálculo que um pedreiro é capaz de fazer. Basta perguntar quanto tempo leva para erguer um muro de 2,20m x 20 m de comprimento e ele faz o cálculo na hora, sem máquina.
Na produção de revistas é a mesma coisa, só que ninguém percebe isso (ou prefere fingir que não sabe). Levando em conta o mês comercial de 22 dias, uma revista de 154 páginas editoriais precisa editar 7 páginas por dia. É uma operação matemática simples até para um estudante primário. Se ficar um dia sem fechar páginas isso significa que a média será maior nos outros dias. É elementar!
Mas o que vi na última editora por onde passei foi uma agressão à matemática. Os jornalistas passavam uma semana sem produzir e nas três semanas seguintes quase se matavam de trabalhar em jornadas de 14 a 18 horas diárias. E na semana do fechamento eu vi jornalistas saindo normalmente na manhã do dia seguinte, algo totalmente inimaginável e inaceitável em uma época com tantos recursos eletrônicos.
A última vez que eu tinha saído de madrugada de uma redação tinha sido no final dos anos 80, quando a produção de revista era um desafio atrás do outro.
O resultado de um ritmo feroz de trabalho é, no plano pessoal, o stress emocional, o desrespeito ao indivíduo, a destruição da vida familiar e joga o empregado rumo ao desequilíbrio social. No plano profissional, o resultado do ritmo insano é a queda da qualidade ou a enrolação pura, como aumentar o número de páginas das matérias por meio de fotos enormes, para “encher páginas”. Não por acaso as revistas que esta editora publica tem um número recorde de erros de revisão e até de conceituação.
Atualmente é comum ouvir falar em uma depressão chamada de sunday blues, ou a “tristeza do domingo”. É aquela depressão que bate no peito quando ouvimos a música do Fantástico. Antes pensavam se tratar da tristeza causada pela aproximação da segunda-feira e a conseqüente jornada de trabalho. Não é bem isso! Os especialistas em comportamento alegam que a tristeza é provocada pela quebra do ritmo natural. Quando termina o expediente na sexta-feira o ser festeiro começa a programação de baladas que só termina domingo à noite. Dorme e acorda mais tarde, faz as refeições fora do horário e quebra o ritmo. Quando chega o domingo à noite o corpo já estava quase se habituando ao novo ritmo e precisa entrar de novo no ritmo anterior: dormir e acordar cedo, se alimentar em horários diferentes, etc. A receita para acabar com o sunday blues é procurar não sair tão fora do ritmo nos finais de semana e se permitir dormir uma ou duas horas a mais, em vez de acordar ao meio-dia, de ressaca e fazer só uma refeição, às quatro da tarde!
Todos os seres vivos da natureza têm um ritmo. A natureza toda gira em ciclos de 7 dias de acordo com as fases da lua. O ritmo é fundamental para o equilíbrio e desrespeitar isso só pode terminar em acidentes, tanto na vida pessoal quanto profissional, assim como nas competições motorizadas.
(sair do ritmo pode machucar!)