(Lugar de provar alguma coisa é na pista!)
A partir dos anos 60, mais especificamente, depois do golpe de Estado, em 1964, o Brasil se distanciou dos padrões europeus e se aproximou muito dos Estados Unidos. Não só comercialmente, mas culturalmente, importando o chamado American way of life, que nada mais é do que o jeito americano de ser. Se você não acredita, basta avaliar o tipo de roupas que vestíamos nos anos 50, com predominância do linho ou algodão e passamos a usar depois dos anos 60, com a chegada das calças de jeans. Criadas nas primeiras décadas do século 20, estas calças eram para ser resistentes ao uso no campo e às baixas temperaturas. Mesmo assim, no Brasil tropical de 40°C nós utilizamos jeans.
Voltando aos Estados Unidos, a sociedade americana é extremamente consumista e competitiva. Basta ver o número de modalidades competitivas motorizadas. Tem corrida de tudo que é coisa que se move. Se tem motor, tem corrida. Ao importar o modelo americano de comportamento, acabamos por contrair esta sina competitiva, que não se limita apenas às corridas, nem aos bens materiais, mas sobretudo à constante necessidade de mostrar-se melhor do que o outro. E o modelo americano ensina que não basta vencer, mas aniquilar o suposto rival ou concorrente.
Ao longo da vida passamos por uma série de competições, desde a infância dentro da nossa própria casa (o irmão que quer ser mais esperto, o pai que sonha ter um carro melhor do que o do vizinho, a mãe que se orgulha das notas do filho, etc), passando pela escola, onde a competição verdadeira ganha contorno quase programático. Quem não se desesperou ao ver os colegas tirando nota alta. Ou se descabelou quando o professor de educação física elogiou o brutamontes da escola por ter destruído os atacantes do time adversário (e você estava nele). Até em um relacionamento amoroso existe a silenciosa e perene competição pelo poder.
Portanto, a vida nos obriga a encarar competições que nunca pedimos para entrar, mas que somos obrigados a participar. Se nosso modelo de comportamento fosse de uma sociedade mais justa, certamente viveríamos de forma menos competitiva e mais cooperativa, com resultados bem diferentes. A título de exemplo, uma escola de São Paulo adota como filosofia pedagógica a total ausência de provas e, conseqüentemente, de notas. O resultado é uma educação mais cooperativa, onde os alunos se ajudam, sem a interferência da competição por notas.
No livro “Zen e a Arte de Manutenção de Motocicletas”, o autor, Robert Pirsing, relata sua experiência como professor de inglês, quando aboliu as notas. Ele notou que os alunos bons continuaram bons e aqueles que não conseguiam acompanhar a classe, melhoraram notadamente. Tudo porque a competição foi substituída pela cooperação.
O que isso tem a ver com segurança de moto? Muito. Percebi que uma parte dos alunos que se inscrevem no Curso de Pilotagem SpeedMaster, têm como objetivo “dar pau nos caras que viajam nas estradas”. Ou seja, querem competir com os amigos, em viagens pelas estradas.
Esta é uma manifestação natural de quem vive numa sociedade que, a todo momento, nos coloca diante de uma competição. O primeiro grande erro que qualquer motociclista pode cometer é desrespeitar seus próprios limites. Em uma turma de amigos existem motociclistas de diferentes níveis de experiência. Obviamente que alguns conseguem rodar em um ritmo mais veloz e outros não. Mas pergunto: qual a necessidade de provar alguma coisa perante os amigos?
Uma estrada está sujeita às variáveis incontroláveis, além de representar um ato de desrespeito e irresponsabilidade perante os outros usuários. Existem locais próprios para competir e mostrar que é melhor do que os amigos. São normalmente chamados de autódromos, mas motos também podem entrar. Em alguns Estados já existem movimentos para levar o motociclista que gosta de velocidade para a pista, realizando eventos como o Track Day, ou treinos amadores, em autódromos, especialmente para quem não quer (ou não pode) preparar exageradamente a moto. Sempre afirmo aos alunos que o lugar certo de provar alguma coisa é na pista, onde você pode mostrar que é habilidoso e corajoso não só perante seus amigos, mas a todo público presente na arquibancada.
Nosso temperamento competitivo nos leva a outro desvio comportamental: a baixo-estima. Quando alguém se vê obrigado a competir conotra os amigos e, por qualquer razão, “perde”, normalmente vira alvo de gozações. Com a auto-estima abalada, muitas vezes o indivíduo acaba superando seus próprios limites para resgatar o amor próprio e se envolve numa perigosa competição, nem sempre com final glorioso.
A moto já nos proporciona inúmeros prazeres, principalmente na estrada. Não se deixe levar por esta necessidade de competir e comprometer a sua segurança e a dos outros motoristas. Se existe alguma coisa a ser provada é apenas uma só: prove que você tem bom senso.
Apenas mais uma historinha, para encerrar. Quando fui testar pneus na Espanha percebi que os mecânicos estavam cronometrando as voltas de todos os pilotos e jornalistas. O mais rápido foi o ex-piloto do Mundial de Velocidade e Superbike, o belga Stephane Mertens, ex-campeão mundial de endurance. O segundo mais rápido foi um tímido jornalista alemão, da revista Das Motorrad, apenas dois décimos de segundo mais lento. Quando conversei com ele, perguntei qual a experiência em competições. E ele respondeu: “nenhuma, nunca corri”. E ainda insisti: “mas você pretende correr oficialmente?”. E ele: “eu gosto muito de velocidade e de moto, amo correr de moto, mas detesto competir, porque não preciso provar nada para ninguém”.
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