Quarta-feira, 21 de Fevereiro de 2024

Prostatite parte 10: a volta!

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A vida pode mudar com apenas um diagnóstico. Foto: Tite.

Um retorno inesperado que mudou tudo.

Como você está hoje? Esta é a pergunta que mais ouço e leio das pessoas que seguem este blog. Para surpresa de todos eu até que estou relativamente bem. Ministrando aulas de pilotagem de moto para iniciantes, palestras em empresas, me virando do jeito que dá e a vida permite, com a saúde meio combalida pelo peso dos quase 65 anos, tentando embalar em um relacionamento amoroso.

Sobre esse último item uma curiosidade: depois de muito insistir, meu amigo Kabé me convenceu a entrar em um App de namoro, o tal Inner Circle. Já não gostei do nome porque tudo que tem círculo no meio é suspeito. Mas criei um perfil e foi patético. Primeiro porque, ingênuo, coloquei minha idade verdadeira, coisa que nenhum(a) over 60 faz. Todo mundo lá tem menos de 60 anos, não importa o tanto de rugas. E segundo porque minha timidez quase doentia me impediu de combinar qualquer encontro, apesar de ter recebido muitas curtidas.

Achei meio constrangedor o App, porque me senti como carne exposta no açougue, ou uma refeição no cardápio. Tipo, a pessoa entra no seu perfil e pede “hum, quero esse cochão duro e esse patinho”. Depois dá “like” e desaparece.

Além disso eu fui (e ainda sou, porque é um cargo vitalício) professor de Português. No primeiro erro grave já me desanima. E hoje em dia quase ninguém mais sabe conjugar verbos no infinitivo. É um tal de “faze”, “fica”, “encontra”, no lugar de fazer, ficar, encontrar. Torna-se até difícil entender se a pessoa está se referindo ao passado, presente ou futuro.

Depois de poucos dias cancelei meu perfil e voltei para minha vidinha calma e tranquila de solteiro, por enquanto... Mas aconteceu algo mágico, que vou deixar pra contar depois.

O retorno.

Durante 18 meses Maria e eu vivemos em casas separadas, mantendo um relacionamento cordial, amigável, mas com certo distanciamento. Nenhum “acerto de contas”, algumas poucas DRs, mas acompanhei a angústia dela não apenas pela quebra do pacto de união em casas separadas, como também pela chegada da menopausa com todo pacote incluído.

Continuamos saindo juntos com nossos amigos, ela ainda cozinhava pra mim, dividíamos a guarda dos nossos filhos caninos e a vida foi caminhando.

Neste período conheci mulheres muito interessantes, que até deram abertura para relacionamento, mas eu ainda vivia o pesadelo da disfunção erétil sem saber que poderia ser resolvida de maneira até mais simples do que imaginava.

Logo depois da cirurgia de remoção da próstata tentei tomar os remédios tradicionais mas tive taquicardia. E seguiu-se uma sucessão de erro e desinformação, causada sobretudo por um plano de saúde de merda, com médicos ridículos de tão ruins. Estou me referindo ao Intermédica, Notre Dame, ou seja lá qual nome que eles adotam, porque muda o tempo todo.

Muitos exames e consultas que chegaram a nenhuma conclusão se eu poderia, ou não, consumir os remédios para disfunção erétil. Segundo o urologista, sim. Segundo a cardiologista era melhor não.

Sem a segurança para transar continuei levando a vida de eunuco feliz e até conformado da minha condição, evitando mulheres interessantes, me agarrando ao skate como forma de liberar endorfina e adrenalina e seguindo minha jornada rumo à senilidade.

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O skate sempre servindo como fuga para os reais problemas. 

Até que algo totalmente fora do programa aconteceu. Em setembro de 2022 Maria veio com uma bomba:

– Não estou conseguindo me manter pagando aluguel, preciso voltar pra casa no fim do ano!

Fui pego de surpresa, meio assustado, porque não previa esse retorno. Ela foi clara na argumentação:

– Só por um tempo, até me acertar financeiramente. Mas vamos viver como colegas que dividem a casa, sem romance, sem amor, sem sexo!

Ops, já tínhamos vivido assim antes. Não foi uma experiência boa. Mas sou filho de uma mãe italiana, acolhedora, mantenedora, redentora e na hora não respondi nada. Só que ia pensar. Na verdade não pareceu um pedido, mas uma afirmação, tipo da que não oferece escolha.

Daquele momento até a possível mudança teria quase três meses para trabalhar essa volta na minha cabeça. Na minha, porque na dela já estava definido a ponto de avisar a imobiliária que desocuparia a casa no dia 31 de dezembro.

A época coincidiu com a produção do anuário AutoMotor do meu mais longevo trabalho como jornalista, ao lado de uma equipe super divertida, comandada pelo meu primeiro editor, Reginaldo Leme e sua filha-prodígio Daniela Leme.

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Equipe que virou uma família: Reginaldo à frente, à esquerda, Miguel, eu, Ellen, Andrea, Bruno, Tiago, Daniela e Ed.

O trabalho de edição de texto, revisão, produção me manteve ocupado, mas sempre com a cabeça naquela novidade: Maria voltar para casa como uma room-mate. Durante dias seguidos fiquei matutando se seria uma boa ideia este retorno nestas condições de colega de casa. Ela se mantinha irredutível na postura de “apenas bons amigos que dividem as despesas”, mas eu começava aos poucos a alimentar uma possível volta à vida de casal. Mas, novamente, não tivemos muita chance para conversar seriamente sobre as consequências dessa volta.

E o tempo foi passando...

Silenciosamente, mais uma vez, vivi um dilema. Aceitar ou não esse retorno. Este era o momento certo para buscar ajuda terapêutica, porque certas decisões precisam de alguém isento para ajudar. Amigos e parentes são péssimos conselheiros. Porque não é a vida deles que pode desandar que nem uma maionese aguada.

Sem coragem pra dizer simplesmente “não quero”, pensei em criar uma suposta “namorada” para evitar o que imaginei ser um erro desde o começo. Com uma enorme dose de irresponsabilidade fui deixando o tempo passar sem tomar nenhuma atitude até que passei a alimentar seriamente a possibilidade de um novo começo.

E o tempo foi passando... Até chegar o dia 28 de dezembro de 2022.

A volta

O dia 28, era o nosso fechamento gráfico do anuário, que fazíamos dentro da própria gráfica Pancrom. Revisar mais de 300 páginas, textos, legendas, títulos, subtítulos, tabelas (muitas), fotos uma montanha de páginas acumuladas sobre uma mesa gigante, com vários colegas em volta. Pense num trabalho exaustivo.

Como sempre começamos pela manhã, sem previsão para ir embora, o que acontecia por volta de três da manhã do dia seguinte, depois de devorar muitas pizzas, batatas fritas, Big Macs, salgadinhos, litros de café e Coca-Cola.

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Las embarazadas: Andrea, Dani e Ellen, tão inseparáveis que engravidaram juntas!

A parte boa desse trabalho é que a equipe se conhece há décadas, criando um laço verdadeiramente familiar. Só por curiosidade, três das mulheres da equipe engravidaram ao mesmo tempo – não do mesmo pai, felizmente!

Para manter o moral dessa turma, num trabalho verdadeiramente exaustivo temos uma receita infalível: o bom humor! Sim, por mais cansados, exauridos e esfomeados conseguimos manter o humor lá nas alturas. Especialmente neste fechamento eu estava atacado. Nem humorista profissional fez aquela turma rir tanto. Quando estávamos nos despedindo no estacionamento alguém comentou:

– Foi o fechamento mais engraçado da história!

E eu, sem preparar o terreno, sem avisar nada e sem falar nada, só soltei a notícia:

– Hoje a Maria voltou pra casa.

Montei na moto e saí pela Marginal Pinheiros vazia, morrendo de vontade de chegar em casa, porque enquanto eu estava na gráfica ela fez a mudança de volta ao nosso lar onde vivemos por 20 anos.

Quando abri a garagem de casa tinha muitos móveis espalhados, caixas de papelão, todo tipo de embrulho. Os cachorros acordaram e correram me receber. Fui até a suíte conferir se ela estava lá. Sim, estava no colchão ainda jogado no chão, sem cama. Deixei ela dormindo e fui pro meu quarto. Ao colocar a cabeça no travesseiro me deu um calorzinho no peito e me veio uma sentença:

– Eu vou reconquistar essa mulher!

(continua...)

publicado por motite às 22:20
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Quinta-feira, 4 de Janeiro de 2024

Prostatite parte 8 - A força da impotência

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Como é morrer sem ser enterrado

Uma vez li que quanto mais cedo a pessoa começa a vida sexual, mais tarde ela abandona. Nunca entendi muito bem o que quis dizer, mas no livro “Memórias de minhas putas tristes”, de Gabriel Garcia Marquez, o personagem – anônimo – tem tanto medo de se apaixonar que passa a vida inteira se relacionando apenas com prostitutas. Até completar 90 anos e dar-se de presente uma noite com uma moça virgem, que... não, não vou dar spoiler. Pelo menos na visão do escritor é possível fazer sexo até quase o fim da vida, mesmo antes dos remédios!

O interessante deste livro de leitura rápida e fácil é que trabalha com um dos maiores medos dos homens, especialmente os latinos: a impotência. Não confundir com broxar, que é um “acidente” ocasional. A impotência que me refiro é a permanente, aquela que não tem volta. Ou, com muita sorte, volta com ajuda de remédios.

Foi para esta impotência que fui apresentado no período pós-operatório, logo depois de resolver a incontinência urinária. Chegava a hora de resolver a “questão da ereção”.

Passado o pós-operatório, recebi uma ligação do departamento de urologia da Universidade ligada ao hospital onde fui operado. O residente me explicou que eu deveria fazer consultas regulares para “trabalhar esta questão”, segundo palavras dele.

O ambiente em casa estava estranho. Eu não sabia como lidar com isso. Não procurei ajuda especializada e muito menos conversava com a minha mulher. É um assunto tabu. Difícil de abrir com qualquer pessoa. É uma ferida purulenta, incurável, mas interna, que ninguém vê. E quem tem não quer mostrar.

Na minha primeira consulta na Universidade fui atendido por uma médica jovem, de poucas palavras. Olhou meu prontuário médico, sabia todos os detalhes da cirurgia e encerrou a consulta com uma receita de Tadalafina 5mg diário e Citrato de Sildanefila 25 mg uma hora antes de transar. Só isso!

Com esta simples receita passei na farmácia, daquele jeito bem discreto como se estivesse comprando cocaína, e saí com a solução dos meus problemas. Na teoria.

Comecei tomando a Tadalafila 5mg todos os dias, mas ainda sem clima para propor uma experiência empírica com a mulher. Depois de alguns dias comecei a sentir uma leve taquicardia quando fazia algum esforço.

Também voltei a dar aulas de pilotagem de moto, mas ainda não aguentava ficar muito tempo montado na moto, nem em pé. Tinha de me posicionar meio e lado, revezando as bochechas da bunda pra não apoiar o períneo porque doía muito. Ou sustentar meu peso apenas nas pedaleiras, sem repousar a bunda no banco. Tipo piloto de motocross.

A taquicardia aumentou de intensidade e decidi voltar à urologista da universidade. Com muita demora consegui a consulta e ela argumentou que os remédios não causavam taquicardia e nem alteravam o funcionamento do coração, apesar de serem vasodilatadores. E ainda explicou:

- Você é novo, pode recuperar a função erétil sem dificuldade. Se sentir dificuldade para ter relação pode aumentar o Citrato de Sildanefila pra 50 mg ou tomar dois de 25.

OK, se a médica falou, quem sou eu pra contrariar. E chegou o tenso momento de testar a função erétil.

Até esse momento (desculpe-me se não lembro as datas, nem a cronologia exata) nós ainda dormíamos na mesma cama, no mesmo quarto. Uma noite pintou um clima e fomos para a experiência. Um desastre. Eu achava que a incontinência urinária estava controlada, mas na verdade ela estava se fingindo de morta.

Os exercícios para o assoalho pélvico conseguiram controlar a incontinência urinária à noite, durante o sono. Mas eu tinha vários episódios de escape de urina conforme os movimentos que fazia. Ao me levantar do sofá, por exemplo, ou dando uma remada mais forte no skate, ou até mesmo bocejando.

Algumas vezes era só uma gota, outras era um derramamento grande que chegava a aparecer pela calça. Pensa num constrangimento. Uma vez, ao me levantar em um restaurante, notei que minha calça estava molhada. Uma vergonha que não desejo a ninguém.

Mas o que rolou na primeira tentativa de fazer amor foi algo maior do que o desastre do Exxon Valdez. Quando eu fiz as entrevistas pré-operatórias o médico avisou que eu não teria mais ejaculação. É o tal “orgasmo seco”, mas preservaria a sensação de prazer. Mas eu não estava preparado para o que aconteceu. No momento do orgasmo em vez de líquido seminal saiu xixi que nem uma explosão de Coca-Cola chacoalhada. Como eu ainda não tinha ereção para penetração eu gozei fora. De repente a cama ficou toda molhada. Molhada e quente. Uma situação tão triste, constrangedora, humilhante e impactante que demoraria meses para tentar de novo.

Mesmo depois dessa experiência ainda tentamos mais duas vezes com o mesmo resultado desastroso. Um chafariz de xixi e o silêncio depois. Achei que essa situação já estava ruim demais pra continuar insistindo, mas a sensação de prazer ao gozar era a mesma de antes, pelo menos uma boa notícia: poderia continuar gozando - literalmente - a vida. Mas percebi que Maria também não se sentia à vontade para tentar novamente. Eu queria fazer amor mais para satisfazê-la, porque eu mesmo tinha perdido muito a vontade (a perda da libido está associada à prostatectomia radical). E ela, por sua vez, evitava porque não queria me constranger mais. Um momento que deveria ser acompanhado de muita conversa, ajuda e pesquisa. Mas embarcamos no silêncio.

Não tocamos mais no assunto, mas comecei a me fechar como uma concha. Sem perceber fui me distanciando e meu comportamento começou a mudar. Ficava irritado com facilidade, dificuldade de concentração, um vazio existencial como se vivesse no limbo. É o tal morrer sem ser enterrado que os poetas usam como metáfora para uma existência medíocre.

Parei com os remédios, o tempo foi passando, a situação em casa foi se deteriorando com a falta de diálogo sobre o tema e, aos poucos fui me conformando com a ideia de ser um eunuco. Às vésperas de completar 60 anos, casado há 19, com o fantasma da impotência rondando, comecei a pirar. Não que eu fosse um exemplo de equilíbrio emocional, mas começava a pensar seriamente na possibilidade de viver sem sexo pro resto da vida. E até mesmo se valia a pena continuar vivendo.

Por outro lado eu pensava “se tem gente que perde um braço, uma perna, a visão ou a audição e continua vivendo, por que eu morreria se ficar sem pau?”.

Por outras vezes pensava em castigo divino, por ter feito tanta cagada, causado tanto sofrimento graças a uma vida sexual desregrada e promíscua. Deus olhou lá de cima e pensou “vou mostrar pra esse salame que sexo não é a coisa mais importante da vida”. E plim, tirou o sexo de mim!

Olhava para Maria, doze anos mais nova do que eu, linda, cheia de vigor, tendo de conviver com um homem impotente. Comecei a pensar em separação para libertá-la deste destino. Como seria possível manter um casamento sem sexo? Mas foi um pensamento de mão única, porque homens e mulheres pensam diferente. Quando toquei no assunto “separação” pela primeira vez ela recusou peremptoriamente. A mulher protege a união com mais garra que o homem. Eu não sabia na época, mas ela acreditava no “até que a morte nos separe” e queria continuar comigo, de qualquer forma. Eu pensava em separação. Ela pensava em manutenção. É isso que difere homens de mulheres.

Hoje vejo que foi um engano desastroso. Primeiro porque é possível sim recuperar a função sexual. E depois porque é possível sim um casal manter o relacionamento sem sexo, se os dois forem criativos e bem assessorados por especialistas (sexólogos). Depois muitos anos, quando enfim procurei ajuda, a terapeuta olhou pra mim e disse: se o sexo só proporcionasse prazer para a mulher com penetração não existiriam lésbicas no mundo.

Constatação que veio tarde demais.

Vamos fugir

Lendo assim parece que foi tudo muito rápido. Mas não foi e não quero te encher o saco com tantos detalhes. A incontinência urinária estava quase controlada. Ainda escapava um pouco de urina quando eu fazia alguns movimentos. Nesta época ainda não sabia nada sobre fisioterapia específica para essa situação e aconteceu uma coincidência de datas que acabaria com meu atendimento gratuito na Universidade.

Para ter direito ao programa eu deveria comparecer a todas as consultas, uma vez por mês. Porém comecei a atender o mercado corporativo na área de segurança de trabalho. A Abtrans (minha empresa de segurança de trânsito) nasceu para atender pessoa física, mas a necessidade de reduzir afastamento de trabalho por acidente de percurso nos levou a atender algumas empresas. Em todo o Brasil. Por isso tive de faltar em duas consultas seguidas, o que me custou a exclusão do programa.

Sem apoio da Universidade, sem coragem para conversar em casa, sem perspectiva de melhoras, minha, ou melhor, nossa relação começou a ruir. Aos poucos fui evitando contato físico até tomar a pior e mais equivocada de todas as decisões: mudei de quarto. Até este dia, por 19 anos dormimos juntos, grudados e de conchinha. Quando eu me deitava repetia como um mantra “este é o momento mais gostoso do meu dia”. Dormir com ela zerava qualquer aborrecimento, doença, tristeza, dor, qualquer mazela. Era como abraçar a cura. E eu abri mão dela.

Começava aí uma sucessão de erros que precisam ser conhecidos de todos que passam por isso para que não se repitam. Minha principal recomendação para casais nesta situação: a recuperação é dos DOIS! Não tentem resolver isso sozinhos. Homens não gostam de falar, nem de ouvir. Mulheres adoram falar, mas também ouvir. Conversem. Não deixem o silêncio criar barreiras porque uma hora essa represa de sentimentos vai transbordar. E Brumadinho taí pra mostrar o que acontece quando rompe uma barragem.

Conformado com uma existência assexuada voltei pra minha rotina de skate pela manhã. À tarde passeava com os cachorros, fazia prospecção para o curso Abtrans e um ou outro trabalho jornalístico – muito mal remunerado, ou mesmo gratuito. Aos poucos fui perdendo a vontade de fazer as atividades que gostava, como escalar, velejar, viajar de moto, correr de kart, pedalar e... comecei a engordar!

Continuávamos levando uma vida de casal. Fazíamos TODAS as refeições juntos. Aliás essa era a parte da rotina que mantivemos todo tempo até a separação. Maria é uma excelente cozinheira. Sabe fazer qualquer prato e, se não souber, aprende e faz. Tanto doce quanto salgado. Qualquer outro homem que vivesse com ela alcançaria a obesidade mórbida em pouco tempo. Menos eu, que sempre fui um magro renitente.

Sempre fui magro. Tão magro que minha vó portuguesa só aceitava me levar à praia se eu ficasse de camiseta. Passei a infância ouvindo meu pai falar que eu tinha ameba. Acho que por isso eu me mantive magro mesmo comendo mais que lima nova.

A nossa vida como casal foi ótima. Apaixonei-me por ela desde o primeiro momento que a vi. E foi preciso de toda uma linha de acontecimentos para que eu a visse. A história desse encontro eu já contei no meu blog e você pode ler clicando AQUI. Foi uma história de amor de filme mesmo e sempre vou levar isso comigo. Nunca faltou amor em nossa relação. Mas faltou conversa, porque eu não gosto de falar.

Neste texto onde conto a história do nosso encontro tem a seguinte passagem:

“Normalmente sou um cara quieto. E tímido, acredite! Sempre fui quieto e, segundo minha mãe, quando era criança eu só falava com ela. Minha primeira professora dizia que levou seis meses para ouvir minha voz. Gosto de ficar quieto e nada é mais torturante do que "criar assunto". Acho que foi isso que fez de mim um escritor, sou melhor escrevendo do que falando.

Em apenas duas situações eu falo muito: quando estou doente ou nervoso”.

Hoje não sou mais assim. A atividade de ensinar me obrigou a virar a chave e me tornei um verborrágico incontrolável. Mas quando mais precisava falar eu me calei. E por não ter dito nada, já não posso dizer mais nada além de “desculpe”.

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publicado por motite às 00:41
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Quinta-feira, 28 de Dezembro de 2023

Prostatite parte 7: Começar de novo

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Não espere a doenca:  exercício para assoalho pélvico pode ser feito agora.

O pós-operatório mais longo da História

Vivemos a era da informação. Lembro do dia que vi um site de internet pela primeira vez. Aquilo me deixou tão impressionado que saí contando pra todo mundo que em breve teríamos todo conhecimento do mundo ao alcance de um clic do mouse. Quanta ingenuidade! Hoje o que mais se vê na internet são dancinhas no TikTok!

Minha sede por conhecimento vem de longe. Muito longe...

Meus pais sempre incentivaram a leitura. Eles compravam muitos livros e meu pai adorava enciclopédias. Tínhamos todas: Barsa, Conhecer, Delta Larousse e, claro, Enciclopédia Britânica. Passava horas lendo tudo aquilo e maravilhado com as ilustrações em bico de pena.

Depois, no antigo ginásio, fui matriculado em regime de semi-internato. Entrava na escola de manhã e só saía no final da tarde. Foi isso que me deixou viciado em bandejão! Quando visito alguma fábrica minha primeira pergunta é: “posso almoçar no refeitório?”. Adoro bandejão de fábrica.

Mas o regime semi-interno exigia que praticássemos esporte. Naqueles anos 1960/70 “esporte” era sinônimo de futebol. Os meninos jogavam futebol e as meninas vôlei. Só que eu não gostava de jogar futebol, nem de vôlei. Na verdade até gostava, mas não sabia – e nem sei até hoje – e eu era sempre o último a ser escolhido pelos times, que invariavelmente me colocavam no gol. Péssimo goleiro, por sinal.

Total e completamente desiludido eu acabava inventando desculpas pra não jogar. Até que um dia a diretora da escola me chamou e disse que eu teria de fazer alguma atividade. Não podia simplesmente passar aquele período vespertino sem fazer nada. Sem menor aptidão para esportes, ela sugeriu ajudar na biblioteca. Bendita decisão.

Fui ajudar na biblioteca e vivia cercado de livros. Mais do que livros chatos e modorrentos, descobri histórias em quadrinhos do Tintin e Asterix, que releio até hoje. Além dos livros sobre países, como Itália, Espanha, Portugal, que acendeu dentro de mim a chama do viajante. Tanto que meu sonho de infância era ser motorista de caminhão!

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Asterix e sua turma: meu gibi favorito desde sempre.

Mas por que estou contando isso? Porque ao descobrir que teria de retirar a próstata fui pesquisar tudo sobre as consequências da prostatectomia radical. Encontrei dezenas de artigos – um deles assinado pelo médico que me operou – que focava basicamente na disfunção erétil, quase nada sobre a incontinência urinária.

E a disfunção erétil só tinha um remédio: os tradicionais Tadalafina (aka Cialis) 5mg diariamente e o Citrato de Sildenafila (aka Viagra) 25mg uma hora antes de transar. Só isso.

Xixi na cama

De volta pra casa, depois de tirar o dreno, ainda estava com a sonda para urina. Ter um cano saindo pelo pinto é algo que não desejo pra ninguém. Mas tem todo tipo de situações que levam à sonda, desde cirurgias, por tempo determinado, mas até eternas, como o caso de paraplegia.

Uma cena que me marcou muito no filme “Nascido em 4 de Julho” foi quando o personagem de Tom Cruise, tenta fazer amor com uma garota de programa mexicana e chora copiosamente ao perceber que não nunca mais vai conseguir. Em outra cena, na cadeira de rodas, puxa o cano da sonda, mostra pra mãe e fala “este é meu pênis agora, é isto que ele virou!”. Não lembro se foi exatamente essa frase, mas me causou muita insônia imaginar a possibilidade de perder os movimentos e controles fisiológicos a ponto de viver eternamente com sondas.

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No filme Nascido em 4 de Julho o drama de um soldado que perdeu os movimentos.

Nas primeiras noites com sonda eu ainda dormia na suíte, na mesma cama com minha mulher. Nem percebia a presença da sonda porque eu dormia que nem um pedra cansada, com a enorme vantagem de fazer xixi à vontade sem precisar nem sequer acender a luz do abajur.

Lembrei do meu pai, depois que ele fez a cirurgia de próstata, andando pra todo lado carregando a sonda “disfarçada” dentro de uma sacola de compras. Dei de cara com essa cena na rua, chegando na casa dele e falei:

– Pai, que horror, fica em casa, pode pegar uma infecção, sem falar na falta de higiene!

Ele olhou pra sacola e nem deu bola. Pra ele ninguém percebia o caninho saindo pela calça e entrando numa sacola!

Procurei ficar em casa, esvaziando aquela bolsa cheia de xixi, olhando praquele canudo com um profundo sentimento de resignação, mas ciente de que era temporário. Minha maior preocupação era vazar ou transbordar.

Até que chegou o dia de retirar a sonda. Minha filha mais nova foi comigo. Na sala de espera vi outros homens andando pra lá e pra cá carregando aquela sacolinha tentando disfarçar, sem sucesso, uma sonda cheia de xixi. Mas o tubinho saindo por dentro da calça, pela braguilha, denunciava o verdadeiro conteúdo da sacola. Ainda não inventaram sonda wireless.

A enfermeira finalmente me chamou e veio com a mesma conversa de “vai sentir um desconforto”. Já me preparei para o pior. Só que foi bem pior. Eu não imaginava que a sonda entrava tão fundo no corpo. Quando a enfermeira começou a puxar senti como se minhas entranhas estivessem saindo pela uretra. Aliás o cano passando pela uretra parecia um bastão de fogo.

– Desconforto coisa nenhuma, doeu pra caramba! Repeti a mesma frase de quando retiraram o dreno.

Uma vez retirada a sonda tive de ingerir muita água para fazer xixi, ainda no ambulatório, e conferir se estava tudo OK. Muitos copos d’água depois finalmente fiz o desejado xixi e correu tudo bem. É importante que o paciente tenha controle do esfíncter e travar o xixi depois de aliviar. Achei que meus problemas tinham acabado.

Por segurança a enfermeira sugeriu que eu usasse fralda geriátrica nos primeiros dias porque haveria o risco de incontinência urinária. “Besteira, pensei, consegui liberar e travar o xixi de boas. Dá tempo de chegar em casa”. Santa inocência. Mesmo assim a enfermeira me obrigou a usar pelo menos um absorvente íntimo “para evitar gotejamentos”.

Feliz por conseguir fechar a torneirinha do xixi fomos chamar um carro de App. Assim que entrei no carro senti um leve escape de urina. Virei pra Luna e falei: “Acho melhor esse motorista correr”.

Além de não correr, o desgraçado ainda fez um caminho cheio de semáforos. Cada buraco que ele passava eu sentia uma pontada nos rins e um gotejamento de urina escapava. Por mais que eu implorasse pro homem ser mais rápido ele mantinha o ritmo lento e sacolejante. Até que adverti:

– Moço, se você não quiser lavar esse estofamento vai mais rápido e evite os buracos!

Assim que ele parou na porta de casa fui direto pro banheiro e percebi que minha calça já estava bem molhada. O absorvente não deu nem pros primeiros minutos. O pior ainda estava por vir.

À noite eu peguei dois absorventes e ingenuamente achei que seria capaz de sentir se estivesse com vontade de fazer xixi. Acordei de madrugada com a cama totalmente molhada, lençóis, colchão e até a Maria estava tudo encharcado de xixi. Uma humilhação tão grande que pioraria mais ainda ao forrarmos o colchão com plástico, como nos berços.

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Estes músculos são muito importantes para evitar a fralda depois de adulto.

Na manhã seguinte minha primeira missão era comprar fralda geriátrica. Tentei subir na moto, mas a dor na região do períneo aumentava quando ficava montado no banco da moto. Essa dor permaneceu por muitos dias. Não podia ficar sentado muito tempo. Tinha de ficar mudando de posição e isso me incomodava demais. Doía muito e só aliviava se ficasse deitado ou em pé.

O fantasma da incontinência urinária tinha se concretizado. Não imaginava que era nesse nível desastroso. Mesmo com fralda vazava um pouco. Bom, se eu não lembrava como era usar fralda quando era bebê, agora já sabia. Fiquei apavorado com a ideia de ter de usar fralda pro resto da vida e fui pesquisar na internet.

Fui salvo por um site sobre fisioterapia que ensinava alguns exercícios para fortalecer o assoalho pélvico, conjunto de músculos que controlam as saídas – e eventualmente – entradas por nossos orifícios. Incrivelmente não havia nenhuma citação sobre disfunção erétil.

Pesquisei “exercícios para assoalho pélvico” no Google e encontrei várias referências, mas quase todas voltadas às mulheres, pela consequência da maternidade. Não havia muita coisa sobre incontinência em homens. Mas fiz os exercícios “femininos” e o resultado deu tão certo que não precisei mais de dois dias de fisioterapia para regular e estancar o derramamento de urina.

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Achei os exercícios na internet, mas é necessário procurar um fisioterapeuta (estas bolas são os halteres, viu?).

Faltava resolver a “outra” parte. As cenas do filme “Nascido em 4 de Julho” vinham na minha memória o tempo todo. Eu voltaria a fazer amor? Conseguiria ao menos me satisfazer com ajuda da “mano amica” como se diz em italiano? Teria como manter um casamento com uma mulher jovem, bonita e saudável sem atividade sexual? Como voltar a ter uma vida sexual sem próstata? Estas perguntas levariam quase cinco anos para serem respondidas.

(Continua...)

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publicado por motite às 14:28
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Segunda-feira, 6 de Novembro de 2023

Prostatite 4: você tem medo de quê?

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Ficar pendurado a 90 metros do chão dá medo?* (Foto: Leandro Montoya)

Quando foi a última vez que você sentiu medo?

O medo é um mistério que filósofos, escritores e poetas já tentaram definir desde que o mundo existe. Como explicar medo e coragem de forma racional? Já tentei algumas vezes em textos intermináveis e modorrentos, mas a melhor explicação vi na série Agente 86. Quando capturado pelos agentes da Kaos, o agente Maxwell Smart, mesmo amarrado, diante dos algozes afirma:

– Sou um agente treinado para resistir todo tipo de tortura e desconheço o significado da palavra medo!

Até que entra o carrasco cheio de aparelhos de tortura e o agente explica:

– Medo significa sensação de ansiedade diante do perigo!

Foi a melhor forma de explicar para as pessoas o que é medo. Poderia substituir por “sensação de ansiedade diante do desconhecido”. Porque nem sempre o medo é reflexo de algum perigo, mas certamente é de algo que não conhecemos, ou não sabemos como vai terminar.

Por mais de 40 anos pratiquei várias atividades que podem matar uma pessoa: corrida de moto (em diferentes modalidades), ciclismo de down hill, escalada e até velejar num barquinho monocasco de 12 pés em plena tempestade no meio do canal de Ilhabela. Fora os anos pilotando moto nas ruas e estradas, aprontando tudo que um adolescente irresponsável poderia fazer. Se minha mãe soubesse metade do que eu fazia perderia o sono pro resto da vida.

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Medo de andar grudado no meio dos pilotos? Não, eu sou o 14! 

Mas especialmente nas corridas de motovelocidade o que mais ouvia era a mesma pergunta:

– Você não tem medo?

Para surpresa do perguntador, que invariavelmente esperava uma resposta do tipo “claro que não”, eu surpreendia com a sinceridade:

– Lógico, eu sou humano, sinto medo como qualquer ser vivo com sistema nervoso central!

Qualquer piloto de corrida, de qualquer modalidade, sente medo. Só existem dois tipos de pessoas que não sentem medo: o louco e o mentiroso. O louco dura pouco nas atividades de alto risco. Mentiroso está cheio. A diferença é que nas pistas os pilotos controlam o medo, porque, ao contrário do que se pensa, tudo é milimetricamente calculado.

É graças ao medo que checamos e conferimos tudo várias vezes antes de entrar na pista. Não dá medo fazer uma curva a 200 km/h com outro piloto colado a poucos centímetros porque os dois se conhecem e sabem muito bem o que o outro vai fazer.

Enquanto há controle o medo fica guardado em algum canto. Mas basta perder o controle para o medo aflorar como um chafariz e inundar nossa corrente sanguínea de adrenalina. Cair de moto a 200 km/h dá muito medo porque demora pra acabar. Durante todo o tempo que o piloto está voando, ralando, esfregando e espetando pelo asfalto como um pino de boliche passa uma eternidade com a mesma dúvida: “como isso vai terminar?”.

Uma vez caí a 200 km/h em Interlagos e enquanto meu corpo deslizava pelo asfalto em direção ao guard-rail eu só pensava “putz, acho que vou me arrebentar todo”. Felizmente só tive uma mínima escoriação no dedinho da mão direita.

Em outra situação, escalando a Pedra do Baú, em São Bento do Sapucaí, caí cerca de 12 metros numa situação inesperada, porque o pedaço de pedra que estava me segurando soltou-se e eu voei de costas, olhando a rocha de afastando e esperando pela pancada fatal. Neste momento eu pensava “putz que sacanagem, vou morrer aqui, dar trabalho para os meus amigos, minha mãe vai sofrer um monte, que merda!”. Como você pode ver, não morri, me ralei muito mais do que naquele tombo de moto e quebrei um dente. Mas o medo que senti foi tão forte que fiquei anos sem voltar a escalar.

Sexo, como é que eu fico sem sexo?

Depois da consulta na qual ficou definido pela cirurgia, voltei pra casa de novo no modo automático. Expliquei pra Maria as três opções e ela não titubeou um décimo de segundo ao sugerir a cirurgia. Muitos anos depois, ela revelou que temia pela minha vida, porque não sabia a extensão do câncer, mas sofreu calada, algo que hoje lamentamos muito. Mas naquele dia – e em todos os outros – ela não demonstrou este medo. Justamente para não colocar mais pressão sobre mim.

Certamente o médico que me atendeu conversou com meu irmão que me ligou no dia seguinte para ir no hospital conhecer o centro cirúrgico. Experiente e sensível, meu irmão achou que isto me acalmaria. A ideia era apresentar as pessoas que cuidariam de mim antes, durante e depois da cirurgia. Achei a ideia muito boa e fui.

O complexo hospitalar incluía maternidade, pronto-socorro, todas as especialidades e meu irmão era (e ainda é) responsável pela UTI. Ele me equipou com as roupas especiais e levou pra conhecer as alas do hospital por onde eu passaria, incluindo a UTI, caso tivesse necessidade. Apresentou médicos, enfermeiras, assistentes, anestesistas a galera toda. Todos extremamente amáveis, atenciosos e procurando levantar o astral.

Quando entramos no elevador estava lotado de enfermeiras. Meu irmão, gaiato por natureza, não sei se por sacanagem ou não, perguntou para uma delas sobre o pai, que tinha passado pela mesma cirurgia de prostatectomia radical. Ela comentou:

– Ele está bem de saúde, mas meio abatido porque mexe muito com a cabeça.

E meu irmão, na gaiatice de sempre, comentou:

– Sim mexe com as DUAS cabeças!

Todas riram e concordaram. Uma delas seria a enfermeira que cuidou de mim depois da cirurgia. Na hora morri de vergonha.

Quando saímos comentei:

– Pow, você queria me acalmar ou me deixar mais nervoso? Estou prestes a ficar impotente e você toca no assunto num elevador cheio de enfermeiras!

– Relaxa, existem outras formas de prazer!

Este é meu irmão!

Minha irmã, que trabalha no mesmo hospital, foi um pouco mais, digamos, profissional, e me acalmou dizendo que daria tudo certo e que eu seria operado pelo professor de urologia.

Mas não foi tão simples assim. Entre o dia do diagnóstico e a cirurgia passaram-se meses. Não sei dizer quanto, fiquei mais de seis meses enrolando, sempre inventando uma desculpa quando a assistente social me ligava para marcar o dia da cirurgia. Primeiro eu dizia que não podia parar naquele período porque a minha empresa precisava de mim presencialmente. Depois inventei que estava com todo tipo de infecção, depois eram as viagens a trabalho e assim fui criando todo tipo de história pra adiar, quando no fundo, no fundo estava era morrendo de medo.

Não da cirurgia, porque eu já tinha sido operado antes, convivi com médicos na família por quase toda a vida e trabalhei em hospital. De cirurgia eu entendia muito, conhecia os riscos e dificuldades, nunca me preocupei. O medo era do que viria depois. Não clinicamente, mas psicologicamente e fisiologicamente, principalmente a palavra que não saída da minha cabeça: impotência!

O sexo começou cedo na minha vida. Muito mais cedo do que o normal. Mais precisamente aos nove anos de idade. Isso mesmo que você leu: 9 anos. Não é fácil falar e escrever sobre o tema, só consegui me abrir agora, em 2023, graças à terapia. Minha iniciação sexual se deu por meio de abuso. Por uma auxiliar da minha escola. Era uma moça de uns 16 anos, bem bonita, de pele muito macia cor de canela, cabelos bem pretos e longos, que colocava a mão por dentro da minha calça, me deixava excitado e me masturbava no ônibus escolar.

A primeira vez que tive aquela sensação de explosão meu corpo todo parecia eletrizado. Era um arrepio bom, seguido de uma felicidade inexplicável e saía um líquido do meu pinto. Eu queria e precisava daquilo todo dia. E passaria o resto da vida em busca dessa sensação, de forma doentia, desequilibrada e que responsável por grandes destruições na minha vida.

Aí eu pergunto: você tem medo de quê? Eu, aos 58 anos, tinha medo de passar o resto da vida sem sexo. Como diz Roger, do Ultraje a Rigor, “Sexo, como é que eu fico sem sexo???”

* Esta foto é uma ilusão, na verdade estou a menos de 1,5 metro do chão, mas parece que está alto! Eu jamais escalaria sem corda!

(Continua...)

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publicado por motite às 23:33
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Terça-feira, 31 de Outubro de 2023

Prostatite 3: então, qual vai ser?

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Vista da janela de um hotel em Amsterdã: viajar é bom, com alguém junto é ótimo. (Foto: Tite)

A difícil decisão sobre qual procedimento para o câncer de próstata

A vida é feita de escolhas. Dã, pensa numa frase mais clichê! Só que traduz exatamente o que é viver. Sempre tive muita dificuldade para decisões e isso me causou tanto problema que uma das vantagens de envelhecer é que na maioria das vezes é a vida que decide por você.

O que gosto no horóscopo é que posso colocar toda a culpa dos meus erros no signo. Escolhi errado, ah é porque sou ariano. Gastei dinheiro com bobagem? Ah, quem mandou ser ariano. Meteu o louco e brigou na rua? Típica coisa de ariano. Tratou mal a mulher (ou qualquer pessoa)? Logo se vê que é ariano. Obrigado astros!

Mas a verdade é que algumas pessoas são mais assertivas do que outras, punto e basta. Os signos só servem para justificar quando deu errado, porque não se escuta alguém elogiando tipo “ah ele é super carinhoso e altruísta porque é ariano”. Não, os astros só atuam nas cagadas.

Uma vez na região da Toscana, na Itália, tive uma crise decisiva. Estava já havia uma semana viajando a passeio depois de uns dias de trabalho. Viajei muito na minha vida de jornalista, mas 90% das vezes a trabalho. Só fui começar a viajar a passeio depois de 10 anos de relacionamento com a Maria*, que me convenceu a gastar dinheiro em viagens. Eu mesmo já tinha rodado por muitas cidades, na maioria das vezes totalmente sozinho.

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Pôr do sol na Mantiqueira: gaste seu dinheiro com viagens, porque é para sempre! (Foto: Tite)

Viajar sozinho é um saco! Fazer qualquer coisa sozinho é um saco. Nas primeiras viagens eu até curtia, porque sou ariano, mas depois começou a ficar meio triste não ter com quem dividir. No filme “Na Natureza Selvagem”, o personagem à beira da morte, depois de enfrentar uma aventura sozinho, chega a conclusão que “a felicidade só é completa quando compartilhada”. Um dos grandes ensinamentos da vida.

Nunca contabilizei quantos países já visitei, porque na maioria das vezes era chegar na quinta, trabalhar sexta, sábado e domingo e voltar na segunda. Posso dizer que não conheci mais de 30 e menos de 40 países. Mas desta vez na Toscana eu estava novamente sozinho, com um mapa na mão (época pré-smartphone). A cidade era San Gimignano, conhecida por ter os melhores sorvetes do mundo, pena que eu não gosto tanto assim de sorvete.

Estava tão angustiado para decidir pra onde ir que surtei. Fiquei prostrado no quarto do hotel, vendo televisão, sem qualquer movimento, enquanto começava uma garoa que deixava tudo ainda mais melancólico. Até decidir sair pela porta sem destino. Fui até os muros de uma fortaleza medieval, de guarda-chuva cobrindo parte da visão, quando percebi algo diferente na paisagem. Era um motociclista todo ensopado, sem capa de chuva, empurrando uma moto antiga.

– Pronto, achei algo pra fazer, pensei já me dirigindo ao motociclista.

Fui ajudar a empurrar a moto e recebi um enorme sorriso de volta, com agradecimento em alemão! O cara era alemão oriental, viajando com uma moto russa Ural 500cc, imitação de BMW. Com o pouco de alemão que aprendi consegui entender que ele não era um colecionador, mas era a moto normal de uso dele, viajando pela Itália em férias. Ele não falava nenhuma outra língua além do alemão que, como até as pedras sabem, é um idioma que se fala exclusivamente na Alemanha e Áustria. E que estava numa baita roubada.

Esta é uma Ural 500cc feita a Rússia, cópia da BMW. Ainda existem muitas rodando até hoje. 

Empurramos até um posto de gasolina e ajudei a explicar aos frentistas que ele só precisava de um lugar coberto porque já tinha as ferramentas e conhecimento para resolver qualquer problema da moto. Traduzi tudo que deu pra entender e fui tomar um sorvete com a sensação de que o meu dia já estava recompensado para quem nem sequer queria sair do quarto.

Mas o vazio de viajar sozinho permanecia.

Na manhã seguinte remarquei minha volta pro Brasil e encerrei minhas férias com uma semana de antecedência. Foi neste momento que decidi parar de viajar sozinho. Quando se viaja sozinho é preciso estar disposto a falar com todo mundo, principalmente com o “baixo clero”, pessoas que estão nos servindo: camareiras, balconistas, motoristas, comerciantes, caixas de supermercado, cobradores de ônibus etc porque eu tenho uma timidez seletiva e não consigo falar com pessoas desconhecidas de "alta patente".

Na verdade eu preciso de alguém não só pra conversar e dividir a felicidade, mas para decidir por mim. Tomar decisões me deixava doente.

O xixi tá fraquinho? corre pro urologista!

Qual vai ser?

Muitos anos depois estava sentado diante do chefe da cadeira de Urologia da Universidade do Grande ABC para decidir qual procedimento adotar diante do diagnóstico de câncer de próstata. Ele me recebeu com toda atenção e gentileza que faltaram aos médicos do SUS.

Com papel e caneta este médico desenhou a anatomia da próstata, explicou pra que servia e deu uma aula que nunca mais vou esquecer. Olhou meus exames, trocou informações com outros dois médicos residentes e pediu para fazer o exame de toque. Sem problema fazer este exame. Ninguém fica mais ou menos homem se passar por isso, mas pode salvar a vida, como salvou a minha.

O residente confirmou a hiperplasia e então o chefe me apresentou as três opções:

1) Como ainda estava muito embrionário eu poderia deixar assim mesmo, fazer exames de PSA a cada seis meses e, se constatar um aumento considerável nos números, decidir pelos próximos dois procedimentos. Porém, a preocupação era o câncer entrar pela corrente sanguínea e se espalhar, causando a metástase, palavra que me arrepiou os pelos do toba.

2) Tratamento com bombardeio de radiação. A radioterapia atinge a próstata e a resseca como uma uva passa ou um maracujá de gaveta. Não é invasivo, não demanda pós operatório, porém (sempre tem um porém) as sequelas são as mesmas da cirurgia aberta, com a possibilidade de o câncer voltar porque a próstata ainda ficaria ali, encolhidinha no meu corpo.

Fundação do Câncer inicia área de Educação com a formação de profissionais  em radioterapia - Fundação do Câncer

Radioterapia: deita aí, não se mexe que vamos te bombardear!

3) Cirurgia aberta. O médico me abre, fuça lá dentro, retira a próstata e o tumor, me costura, me enche de drenos e sondas e eu fico no hospital por uma semana até receber alta. As sequelas são as já conhecidas incontinência urinária e disfunção erétil. Porém (e este porém é bom) eu ficaria livre de qualquer probabilidade de reincidência do câncer. Por garantia ainda ficaria cinco anos fazendo PSA para só então receber alta.

O clima na sala estava absolutamente calmo. Nada se mexia. Eram três médicos esperando qual decisão eu tomaria. E nem fazia ideia por onde começar até que o chefe percebeu minha cara de desespero e explicou:

– Não precisa decidir nada agora. Vai pra casa, conversa com sua esposa. Saiba que você não poderá mais ter filhos.

– Mas eu já não podia, doutor, fiz vasectomia há mais de 25 anos!

– Mas ainda poderia ter filho por inseminação, se quisesse...

– Pelo amor de Deus, não diga isso para a minha mulher! Que fique só entre nós, ela pensava que eu não podia mais ter filhos...

Foi o único momento menos sisudo da conversa, até que eu perguntei:

– Doutor, se você estivesse sentado aqui no meu lugar, qual procedimento escolheria?

Sem a menor hesitação, ele respondeu:

– A cirurgia!

– Então é esta que vai ser. Não preciso conversar com mais ninguém, o senhor é o terceiro médico que me indica a cirurgia, que assim seja então.

Pela primeira vez tomei uma decisão que se mostraria acertada, sozinho e sem a menor dúvida. A vida decidiu por mim. Já saí da consulta convencido a operar, mas as palavras incontinência urinária e impotência ainda reverberavam forte na minha mente. Até que confessei pro médico:

– Sabe, doutor, a minha maior preocupação não é a impotência sexual, mas a incontinência urinária. O sexo a partir dos 55 anos nem é tão frequente assim, mas fazer xixi na cama é um pesadelo que não gostaria de viver.

Ele até esboçou um sorriso, mas me acalmou:

– Olha, você é jovem. Hoje em dia temos remédios para a disfunção erétil que devolvem a atividade sexual. E a incontinência urinária pode ser controlada com fisioterapia. 

Em resumo: Viagra ou Cialis + exercícios físicos. Hum, nada mal, pena que não foi tão simples assim...

Saí do hospital sozinho, abatido, desesperançoso, apavorado, com minha cabeça a 1.000 por hora e começou um processo de desconstrução do Tite que levaria muito anos para passar.

*Os nomes foram alterados para proteger a identidade das pessoas envolvidas.

Para ler a parte 1 clique AQUI.

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(continua)

 

publicado por motite às 02:06
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