Casamento na praia: se vacilar a onda leva!
A dura sentença da moleza
Por mais que o paciente seja orientado, explicado, esclarecido não há palavra que joga mais pressão no homem do que impotência. Não só sexual, mas de qualquer natureza. Uma das frases mais ouvidos por vítimas de assalto ou qualquer violência é sempre “a sensação de impotência” diante dos algozes. É uma resignação que atravessa o ser humano e fere mortalmente o resto de dignidade.
Todo preconceito em cima do câncer de próstata vem daí. Os homens temem que a cirurgia vá lhes tirar o prazer sexual. O seu e o da sua parceira (ou parceiro). Por isso alguns preferem o caminho sem volta da metástase.
O sexo tem um peso enorme em nossas vidas. Crescei e multiplicai. Tá na Bíblia. Mas pode crescer sem multiplicar também, não é pecado. Como revelei no capítulo passado, minha vida sexual começou cedo por meio de abuso. O que eu pensava quando tinha nove anos se confirmou agora, quando o texto foi publicado. Duas pessoas (homens) comentaram que eu fui sortudo ao ser iniciado por uma adolescente. Fico pensando se fosse a filha deles, será que chamariam também de “sorte”?
O tema abuso sexual remete normalmente a um abusador homem contra meninas e meninos. Raramente se vê casos de abuso por parte de mulheres, contra meninos. Além disso, mulher seduzir uma criança é mais socialmente aceito do que o contrário. Ficou famosa a cena da Xuxa seduzindo um menino em um filme de Walter Hugo Cury. Se fosse o contrário, o Antônio Fagundes seduzindo uma menina, o mundo viria abaixo.
Na sociedade machista tudo bem mulher abusar de menino.
Mas na minha infância, nos anos 1960, o abuso sexual era um tema quase desconhecido.
Naquela época eu não tinha a quem relatar, até porque gostava e não queria que parasse. Se eu contasse poderia passar por mentiroso ou, pior, por maricas, porque estaria revelando ao mundo que não estava gostando de uma mulher me proporcionando prazer. Seria um atestado de viadagem. E se eu contasse pro meu pai corria o risco de ele querer pegar a auxiliar. Pegar no sentido sexual mesmo.
Era comum os pais levarem os filhos pra zona para “virarem homens”. Foi assim que meninos de 14, 15 anos tiveram a primeira relação sexual com uma prostitua, enquanto o pai ficava esperando, bebendo, na sala do puteiro, orgulhoso de seu filho varão comedor. Duvido que mães fariam isso com suas filhas. Felizmente não passei por isso. Eu tinha a minha “professora” particular.
Este abuso não durou muito, a menina sumiu da escola, mas deixou tatuada na minha personalidade uma doença que viria a descobrir o diagnóstico muitos anos depois. Eu precisava daquela sensação de prazer tanto quanto o ar que respiro. Nesta idade comecei a desenvolver uma compulsão por sexo que causaria estragos enormes na minha vida por décadas. E foi assim que me tornei sexoholic ou, se preferir o termo em português, viciado em sexo.
Agora, aos 58 anos, diante da possibilidade de ficar impotente, como eu ficaria sem sexo? Como diria Roger, do Ultraje a Rigor, “como é que fico sem sexo???”
Esse fantasma da impotência me fez adiar por meses a cirurgia, até que não deu mais. Mas Maria só me pediu para esperar até o casamento de um grande amigo nosso, que seria na praia, com uma festa esperada há meses. Ela adora festas de casamento e eu, egoísta, raramente ia porque não sou muito chegado a festas, principalmente de casamento. Mas a exceção foi este casamento à beira mar.
Foi realmente muito bem produzido. O local, os noivos, os eventos paralelos, os convidados tudo estava em sintonia. Eu olhava os casais e meu coração apertava sempre que lembrava que a qualquer momento meu telefone iria tocar e do outro lado da linha alguém falaria: “Sr. Geraldo, sua internação está marcada para amanhã”.
Minha mão suava sempre que pensava nisso. Olhava o oceano e pensava: “e se eu simplesmente saísse nadando até esgotar minha força, afundar e terminar com tudo isso?”. Dizem que a morte por afogamento é tranquilizadora. Viemos do meio líquido e afogar-se é o revés do nascimento, no mesmo meio líquido.
E se...
Não sei as estatísticas oficiais, mas é grande o número de suicídios em pacientes pós prostatectomia radical. Aliás, em pacientes com qualquer tipo de câncer. A depressão que se segue à cirurgia afeta a todos os pacientes, mas cada um reage à sua maneira de acordo com a idade e história de vida. Nada diferente de qualquer outra doença grave.
Lembro perfeitamente de quase todos os momentos daquele fim de semana do casamento na praia. Vaidosa e linda, Maria era a pura expressão da beleza. Olhar pra ela me acalmava e preocupava: o que seria dela depois da cirurgia? Como seríamos um casal sem relação sexual completa?
A todos os homens que passarem por essa situação só tenho uma coisa a pedir: não encarem isso sozinhos. Fui ingênuo em acreditar que poderia “dar conta”. Besteira! Desde o momento do diagnóstico procure ajuda terapêutica e, se for o caso, converse muito com quem estiver ao seu lado.
Minha postura foi esconder de todo mundo. Deixei pra falar para as minhas filhas quando já estava quase chegando a hora da cirurgia. Apenas poucos amigos ficaram sabendo e todos concordaram com a cirurgia. Permiti que somente dois fossem me visitar no hospital. Não queria abrir pro mundo que estava indo para uma castração moral e sexual.
A hora da faca
O casamento foi no sábado. Domingo amanheceu nublado e fomos com mais um casal passear pela praia. Levei meu celular e quando estávamos sentados nas pedras o aparelho tocou. Gelei. Era o médico anunciando a minha internação. Não tinha mais desculpas pra adiar a cirurgia. Tive a sensação de um condenado à morte que recebe a visita do padre para a última confissão.
Virei pra todos, dei a notícia e o mundo parou naquele momento. Não se ouvia nada além do vai-vem das ondas do mar. Tive uma enorme vontade de chorar e não conseguia olhar pra ninguém. A partir deste momento tudo foi mecânico e cinza como o dia. Não se falava. O passeio virou um silencioso cortejo até a pousada para arrumar as malas e voltar pra São Paulo. Eu seria internado na segunda-feira para o pré-operatório e seria operado na terça-feira. Nunca foi tão difícil e distante voltar pra casa.
Chegou a segunda-feira e com ela o caminho para o hospital. Pedi um carro de aplicativo e fomos no banco de trás, Maria e eu, quase em silêncio. Para quebrar o gelo ela conversava sobre eleição com o motorista. Estava nublado, mas lembro quase nada desse dia. Até que algo muito misterioso aconteceu, que só posso creditar ao Divino. Recebi a ligação de um velho amigo que raramente me ligava. Minha primeira reação foi inventar uma mentira qualquer, mas por alguma razão misteriosa decidi falar a verdade:
– Oi Jean, boa tarde, estou indo retirar um câncer de próstata!
Pra minha total surpresa ele tinha passado por um câncer de intestino que quase o matou. Só que não fiquei sabendo na época. Durante quase todo o percurso ele contou a história e foi me acalmando. Até hoje sinto que aquela ligação não foi casual. Porque deu certo e eu cheguei no hospital bem mais calmo do que poderia imaginar.
Passada toda a burocracia, me colocaram num quarto e – outra coincidência: quando cheguei dei de cara com um amigo que estava se preparando para uma cirurgia bariátrica! Duas coincidências no mesmo dia era demais. Ele foi para a cirurgia e ficamos com o quarto só pra nós. A noite veio. O dia seguinte iria chegar. E eu estaria nele para mudar minha vida para sempre.
(Continua...)
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Esta foi uma das fotos que fiz à bordo de uma coisa estranha que voava*.
Ah as escolhas. Uma das poucas certezas da vida é que sempre achamos que fizemos a escolha errada. Porque não tem como apertar a tecla fast foward e avançar nossa história para saber como seria se tivesse feito a outra escolha. Não dá. O cinema até tentou retratar estas condições em filmes como “O Feitiço do Tempo”, “Efeito Borboleta” e o bobinho “Controle Remoto”.
Apesar de a ficção criar formas de avaliar como seria se tivéssemos feito a outra escolha, na vida real não existe essa chance. Escolhas significam renúncias e não adianta se julgar pelas escolhas do passado porque éramos outras pessoas. Só posso garantir que de pouco adianta se perguntar “como seria se eu tivesse feito a outra escolha?”, porque agora estaria fazendo exatamente a mesma pergunta.
Efeito Borboleta: o personagem do filme só consegue corrigir os erros do passado magoando a pessoa que amava.
Algumas pessoas de elevada grandeza procuram ajuda na hora das escolhas. Outras seguem um instinto e a grande maioria vai no impulso. Sorte quando a escolha pode ser revista e permitir voltar atrás, mas quando a decisão é irreversível o peso da escolha é eterna. Nada retrata mais essa angústia do que o filme genial “A Escolha de Sofia”.
Com o pedido de biópsia nas mãos fui para o posto de saúde agendar o procedimento. Diante de tanta recomendação parecia que eu faria uma cirurgia. É quase isso. O paciente é anestesiado e o médico introduz um tubo com uma agulha na ponta. Ah introduz pelo rabicó mesmo, na falta de outro orifício nas redondezas. Retiram uma porção do tumor que será examinado no laboratório. Como é feito um corte, isso sangra e precisa cicatrizar, porque não tem como enfiar a mão lá dentro (ainda bem) pra costurar.
Por isso o pré e pós procedimento são praticamente iguais aos de uma cirurgia, porém sem a internação. Entra de manhã, leva o ferro, acorda e vai pra casa. Não, não pode ir de moto, nem dirigir. Precisa levar um acompanhante maior de idade e se prepara, porque depois de passar o efeito da anestesia vai doer muito.
Escolhemos ir de Uber porque eu não queria me preocupar com estacionamento, nem voltar dirigindo. Desta vez fui acompanhado da minha mulher, que respeitou minha vontade de não falar sobre o assunto.
Nunca a arte retratou tão bem a angústia de uma escolha como no filme A Escolha de Sofia.
No caminho lembrei da minha vasectomia, feita no final dos anos 1980. Já tinha as minhas duas filhas e decidi que seria o procedimento mais eficaz, até porque eu não queria mais ter filhos mesmo. E também é uma cirurgia menos invasiva e bem mais simples do que a laqueadura para a mulher.
Só que eu tinha 30 anos e nenhum médico queria operar um jovem de 30 anos porque, segundo eles, minha vida poderia mudar muito ainda. Um deles até foi irônico:
– Imagine se você se separa, conhece a princesa de Mônaco, ela se apaixona por você, mas só casa se tiver um herdeiro?
De todas estas possibilidades a única que se concretizou é que poucos anos depois eu me separei mesmo. O resto foi devaneio. Mas gostei da possibilidade de casar com a Stéphanie Mari Elisabeth Grimaldi. Eu esconderia o fato de ser vasectomizado até passar a lua de mel, claro.
Sem poder operar nos médicos convencionais apelei para o meu cunhado da época. Pense numa família que tem médico! Ele topou, mas fez a cirurgia no consultório, com ajuda de um anestesista. A cirurgia correu bem, com anestesia local, mas ele não me disse para ir de taxi e fui dirigindo meu Passat sem direção hidráulica.
Na saída do consultório ele me deu uma receita e avisou que, se doesse, era pra tomar aqueles remédios. Saí meio claudicante como quem leva uma baita bolada no saco e fui embora. Assim que pisei na embreagem e engatei a primeira senti uma pontada como se estivessem arrancando minhas bolas.
A dor foi aumentando a ponto de não conseguir mais dirigir. Parei na primeira farmácia, desci e fui quase engatinhando até o balcão. Entreguei a receita pra farmacêutica e fiquei de cócoras implorando para me darem alguma coisa bem forte pra acabar com a dor.
Deram. Uma injeção de qualquer coisa que diminuiu a dor, mas ainda tinha de dirigir aquele Passat duro que nem uma carroça medieval, tentando desviar até de palito de sorvete. Cheguei e capotei no sofá!
Por isso, desta vez, para fazer esta biópsia decidi respeitar todas as regras recomendadas, até porque 27 anos a mais de vida nos deixa um pouco mais experiente.
Fui pra biópsia ainda sem a menor noção do que seria feito. Simplesmente tirei a roupa, vesti um avental que deixa a bunda de fora e deitei numa cama. Uma enfermeira gorda, negra e muito engraçada me levou pro centro cirúrgico perguntando sobre tudo que eu fazia. Foi tipo uma entrevista e isso me deixou bem mais relaxado. Ela explicou o procedimento, mas não prestei atenção porque estava ouvindo a conversa de dois médicos.
Um deles estava literalmente puto da vida porque antes das consultas os pacientes pesquisam no Google e ficavam questionando os diagnósticos. Na verdade eles queriam apenas uma segunda opinião.
Enquanto isso o anestesista já tinha me espetado e aconselhou:
– Pense apenas coisas boas!
Antes de empacotar chamei o médico e aconselhei:
– Doutor, se alguém pesquisar no Google e vier aqui apenas em busca de uma segunda opinião pede pra ele pesquisar no Yahoo!
Apaguei ouvindo o som das risadas no centro cirúrgico.
Apesar de anestesiado senti mexerem no meu corpo até começar a sonhar. Não sei o que colocaram naquela anestesia além de óxido nitroso, porque sonhei que estava numa estrada americana viajando de Harley-Davidson, quando a enfermeira me acordou.
– Ufa, ainda bem que você me acordou, achei que essa sensação dolorida no meu rabo era a vibração de uma Harley!
Dias depois, quando saí daquele mesmo lugar com o resultado positivo para câncer e a palavra "impotência" reverberando no meu cérebro, chegava o momento de fazer uma escolha irreversível: morrer de pau duro ou viver de pau mole?
Eu aumento, mas não invento: estas pernas trêmulas são minhas mesmo, num ultraleve, em direção a uma tempestade manauara! Logo ali embaixo está a fábrica da Honda.
No ar
Nunca saltei de para-quedas, mas tenho vontade. O que me impede é o medo. Só de pensar naquele avião a 4.000 metros, de porta aberta já estremeço. Não gosto muito de coisas que avuam. No entanto, a profissão de jornalista e fotógrafo me obrigou a voar muito. Muito, alto e em coisas que nem eu acredito, como em Manaus (AM), nos anos 1980 que precisei fazer uma foto aérea da fábrica da Honda, numa aeronave tão rudimentar que faria o Demoiselle parecer um jato.
Procurei o aeroclube local mas o preço pra alugar um helicóptero era muito acima do meu apertado orçamento. Um cabra ouviu a conversa, me chamou de lado e soltou:
– Eu posso te levar pela metade do preço!
– Fechado!
Só esqueci de perguntar qual a aeronave. Era um ultraleve. Aberto, sem chão, sem teto, sem janelas porque também não tinha portas. Aquela trapizonga era uma asa delta com motor de Fusca e dois lugares. Sem tempo, nem juízo, aceitei a oferta e nem precisei mais de 30 segundos para me arrepender profundamente.
Lindo dia para morrer engolido pela tempestade! Mas não morri!
Até este dia eu achava que tinha sentido medo. Besteira, medo eu tenho de barata. O que passei naquele projeto de coisa que voa (em alemão flugzeug) superou muito o sentimento de medo, desamparo, saudades do colo de mãe. Principalmente quando olhei pra frente e vi uma tempestade se aproximando.
“Por que eu não gastei o dinheiro do cliente e fui de helicóptero? Por que eu faço tantas escolhas erradas?” pensava enquanto tentava fotografar, me contorcendo para manter a máquina fotográfica estabilizada.
Como você pode ver, eu não morri. Mas meu espírito ficou em algum lugar da selva amazônica junto com minha dignidade.
O silêncio da inocente
Escolhas. E se eu simplesmente não operasse a próstata, continuasse sexualmente ativo, esperando que a natureza seguisse seu rumo, até definhar e morrer como aconteceu com Frank Zappa? Tinha de escolher qual procedimento adotar e se eu queria mesmo operar.
A palavra impotência é cruel. Ela cai na nossa cabeça como um sino de catedral. Entra na corrente sanguínea e se aloja no cérebro como um parasita de cisticercose. O diagnóstico de câncer de próstata vem atrelado aos dois principais efeitos colaterais: incontinência urinária e, para ser elegante, disfunção erétil.
Depois de receber o diagnóstico daquela maneira fria e insensível, saí do centro de São Paulo, até a minha casa, na zona sul, tentando me concentrar na pilotagem da moto com as palavras câncer e impotência na minha cabeça. Precisava chegar em casa e contar pessoalmente para a minha mulher. Mas como dar essa notícia? Os médicos e assistentes sociais não nos preparam pra isso. Nem a Igreja, nem a escola, nem os pais. Ninguém nos prepara pra esse momento.
A moto foi sozinha pra casa porque não lembro de nenhum centímetro do percurso. No caminho passava pela minha mente pensamentos que devem ser comuns a todos que recebem essa sentença: por que eu? por que Deus me escolheu? O que fiz de errado pra isso acontecer? Será um castigo divino por eu ter sido tão promíscuo? Não pode ser um erro do cara que fez o laudo? Será que trocaram meu exame no laboratório? E se eu jogar a moto agora desse viaduto e me espatifar lá embaixo pra evitar tudo que virá pela frente?
Confesso que não lembro muito desse dia (devia ter feito um diário), mas entrei em casa e contei o resultado para minha mulher que manteve-se forte e elegante como sempre. Não falamos muito e aí começou o que considero o maior erro de postura que tomei durante anos seguidos: o silêncio!
Existe um provérbio árabe que ensina: o silêncio é pedra; pedra constrói muros e muros separam. Nunca li tanta verdade em uma frase tão curta. Pena que só aprendi isso tarde demais.
Não é minha intenção fazer um livro de auto-ajuda porque não acredito em livros de auto-ajuda, mas aqui fica minha primeira e valiosa dica para quem vive junto: converse! Saiba a hora, o lugar e como conversar. Não vale, por exemplo, depois do sexo, quando a pessoa está encharcada de endorfina, adrenalina, dopamina, ocitocina, vaselina etc um dos dois virar e falar:
– Então, sobre o natal na casa da mamãe...
Não, definitivamente depois do sexo não é hora de conversar. Deixe os hormônios fluírem.
Também não espere uma explosão de sentimentos para conversar, porque é fácil descambar pra discussão. Espere um momento que ambos estejam de boas. E pare de achar que discutir um assunto é uma disputa, na qual se tem necessidade de “ganhar” ou “perder”.
Outro filme genial "A Profecia Celestina" mostra a troca de energias que acontece quando duas pessoas discutem e como essa energia flui de um para o outro. A sensação de vitória ou derrota em uma discussão reduz ou aumenta esse fluxo de energia.
Nossa sociedade – e a mídia tem um papel importante nisso – nos inculcou a ideia de que conversa de casal é discutir a relação, a tal “DR”. Também nos empurrou goela abaixo a mensagem de que é sempre a mulher quem deve puxar assunto, ganhando a pecha de “chata”. As mulheres naturalmente chamam para a conversa porque faz parte da liturgia do cargo. Homens preferem o silêncio, porque não sabem como falar, ou, geralmente, porque preferem manter guardado. Homens escondem os sentimentos porque aprenderam que “homem não chora”.
Outra dica: no caso de um problema de saúde que afete um dos dois, conversem, porque não está em jogo apenas a saúde de um dos cônjuges, mas na verdade o que fica doente é a relação. Na vida do casal, o câncer adoece os dois. Saber como conduzir, procurar ajuda terapêutica, deve ser extensiva ao casal. Mas isto eu não sabia quando cheguei em casa naquela manhã de julho. Por não saber como fazer adotei a pior postura possível: me fechei como uma ostra.
No filme "A Profecia Celestina" a cena mostra a troca de energia quando conversamos
Procedimentos
Mesmo sabendo que minhas células cancerígenas estavam se reproduzindo como taradas no cio, eu não sentia nada de errado. Sim, já tinha percebido que estava difícil fazer xixi e que o jato saía fraco. Mas eu creditei na conta do envelhecimento natural. Quando eu tinha 10 anos olhava para meu avô de menos de 60 anos como se ele fosse um fóssil vivo.
A noção de velhice mudou ao longo da última década. Aos 55 anos eu me achava tão ativo quanto aos 35. Mas a natureza tem formas desonestas de me corrigir. E uma delas era esse xixi fraco, que nunca associei a hiperplasia prostática, até porque nem sabia da existência dessa palavra. Na real, deveria ter começado os exames de PSA aos 45, pelo histórico familiar, mas também não lembrava que meu pai tinha sido operado. No dia da cirurgia dele eu estava viajando a trabalho e quando voltei não tocamos no assunto.
Agora, com o diagnóstico feito, cada xixi era uma testemunha de acusação, como se minha uretra dissesse: “ae, mano, eu te avisei!!!”.
E só um esclarecimento que poucos médicos explicam. Não é só o jato de urina que fica fraco. A ejaculação também! Não sai um jato explosivo como um míssil balístico, mas escorre devagar que nem os chafarizes da piazza Navona. Mas este não é um assunto pra ser gozado.
Chafariz da Piazza Navona: fraquiiiinhos...
Por não sentir nada, e até mesmo rejeitar o diagnóstico, demorei para procurar um especialista. Sem plano de saúde, a consulta pelo SUS estava marcada para quase 40 dias depois, como se fosse apenas uma micose de praia. Até que um dia falei com meu irmão e mandei o laudo da biópsia via Whatsapp. Assim que apareceram as duas barrinhas azuis no aplicativo ele me ligou:
– Vem pra cá que o chefe da Urologia quer falar com você. Mas fica tranquilo...
Ah tá. O pica das galáxias da urologia do hospital onde meu irmão trabalhava falou pra eu ir lá no dia seguinte, mas fica tranquilo... Passei a noite tão tranquilo quanto um sentenciado no corredor da morte, escolhendo qual procedimento menos agressivo!
No dia seguinte de manhã estava sentado na frente do chefe da Urologia, acompanhado de dois outros médicos residentes para saber quais opções eu teria: câmara de gás, fuzilamento ou forca?
(Continua...)
*Fotos originais feitas em Kodak Ektachrome
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