Prepare-se para uma aventura...
Projeto Puma, com apoio da Biosphere e Land Rover estuda a onça pintada na serra paranaense
Texto e fotos: Geraldo Tite Simões*
Você pagaria mais de R$ 2.000 para passar 15 dias dormindo em barraca, tomando banho morno, caminhando quilômetros dentro da mata cheia de mosquitos e ainda carregando carga como um sherpa nepalês? Pois acredite que muitos europeus pagam e trabalham duro só pelo prazer de contribuir de alguma forma com o Projeto Puma, uma ONG sediada em Lages, SC, que tem incentivo da organização internacional Biosphere e apoio da Land Rover.
O objetivo do Projeto Puma é estudar o comportamento dos grandes felinos que restaram na área preservada de mata atlântica no estado do Paraná, dentro da APA (área de proteção ambiental) de Guaratuba. Para coletar dados são organizadas expedições anuais nas quais são instaladas armadilhas fotográficas e uma divertida caça às pegadas para identificar quais mamíferos ocorrem na região e se eles podem ser considerados alimento para a onça pintada, também chamada de puma.
Para conhecer este projeto de perto, um grupo de jornalistas foi convidado pela Land Rover do Brasil para participar de um dia de atividade, como se fosse a expedição normal. Fui nessa expedição a convite do site Interpress, co meu ex-colega e amigo Luís Perez. Nossa jornada começou em Curitiba, PR, por uma boa estrada de asfalto até chegar à base em uma região de terreno bem difícil. Apesar do sol tímido de outono a previsão era de chuva, o que nos dava garantias de muita lama. Ótimo, porque como reza a cartilha do fora-de-estrada, “quanto pior, melhor”.
Se normalmente as estradas de terra já são um obstáculo natural aos veículos utilitários, depois de uma temporada de chuvas, com queda de barreiras e de pontes o caminho virou um rascunho do inferno. Com três modelos Defender 110, conseguimos passar facilmente pelos 14 km de estrada bem castigada até a sede do projeto, muito bem escondida no pé da serra do mar. A demora ficou por conta das paradas para gravar imagens e fotografias.
Nossa missão seria acompanhar parte das atividades dos biólogos que estudam a presença dos grandes felinos que ainda restam. Só que acompanha uma expedição desta natureza consegue entender o quão comprometido está o ecossistema. É uma cadeia alimentar muito bem equilibrada e se uma espécie começar a rarear muitas outras podem ser ameaçadas ou até extinta. A onça pintada (Panthera onça) está classificada no Brasil como seriamente ameaçada de extinção. No Estado do Paraná calcula-se que existam apenas 6 indivíduos. Trata-se do maior felino das Américas e ocorre desde a América do Norte, onde é conhecida como cougar, América central e do sul, também chamada de puma, apresenta-se na coloração tradicional com pintas, parda ou negra. Estas duas últimas são mais raras.
Malika Fattik e Marcelo Mazzolli instalam a armadilha fotográfica
Nossa expedição começa com um completo café da manhã, preparado na cozinha com forno a lenha. A cabana, feita de madeira nobre como a canela-preta (Ocotea catharinensis) é antiga, mas muito bem conservada e confortável, como a maioria das casas do sul. Atualmente é proibida a extração desta madeira que se caracteriza por ser muito resistente e dura. Nesta cabana o cheiro de lenha queimada no fogão é constante e serve para abrir o apetite depois de uma noite nas barracas, montadas na grande área em frente à casa. Do nosso grupo de jornalistas alguns nunca tinham experimentado o camping e foi bem melhor do que se podia prever: colchonete inflável, saco de dormir e travesseiro, tudo fornecido pelos anfitriões. Apesar do frio e de certo desconforto para um homus urbanus como eu, dormi feito criança.
Acampamento em frente à sede da ONG Projeto Puma
Armadilha do bem
A bióloga Valeska de Oliveira, 29 anos, especializada em mamíferos, explica o funcionamento das armadilhas fotográficas: máquinas digitais com sensor de presença, capazes de captar o movimento em um raio de 8 metros. Se algum animal passar nesse campo a máquina registra e depois basta retirar o cartão de memória para conferir os resultados.
Mas se por um lado essas máquinas funcionam para identificar a fauna local, por outro traz uma conseqüência nefasta. “O flash da máquina pode atrair os caçadores, que não só roubam as máquinas como também descobrem por onde os animais estão passando”, explica Marcelo Mazzolli, 46 anos, biólogo PhD em ecologia e cientista responsável pelo Projeto Puma. Por isso as armadilhas são colocadas em locais mais afastados das trilhas e camufladas com galhos e folhas.
Pegada e Jaguatirica, um felino menos ameaçado, mas igualmente importante
A área total mapeada é muito extensa e seria impossível cobrir tudo. Para viabilizar o estudo os cientistas analisam o que chamam de corredores, passagens entre as cadeias de montanhas por onde os felinos passam em busca de alimento. O corredor de Guaratuba é muito importante por causa da região alagada próxima ao mar e este tipo de felino precisa de abundância de água para viver.
Nosso grupo partiu para um destes corredores e tivemos uma sorte incrível logo nos primeiros quilômetros de trilha ao nos deparar com pegadas de cinco espécies diferentes de mamíferos. Segundo Marcelo Mazzolli, quando se consegue estabelecer um padrão de população é possível avaliar se está aumentando ou diminuindo as espécies que servem de alimento para os grandes felinos. A principal delas é a anta ou tapir (Tapirus terrestris) o maior mamífero da América do Sul.
Já em volta da cabana de madeira encontramos várias pegadas deste dócil animal que ronda as goiabeiras. É fácil identificar a marca porque além de pesada, a anta tem três dedos bem espaçados e arredondados. Depois de alguns dias de chuva o piso ficou bastante enlameado e ficou fácil achar as pegadas.
Caminhada na mata
Na primeira trilha mais descobertas: pegadas de mão-pelada (Procyon cancrivorus), também conhecido como guaxinim. Poucos metros depois outra pegada de um cachorro-do-mato (Cerdocyon thous), chamado de graxaim.
Até que finalmente, depois de mais alguns minutos de caminhada veio o grande prêmio da nossa “caçada”. Primeiro pegadas de veado mateiro (Mazama americana) e bingo! Pegadas de um felino de médio porte, bem marcadas na lama e recente. Após a medição a bióloga concluiu que podia ser de uma jaguatirica (Leopardus pardalis) um bom indicativo de que a fauna da região está ainda bem diversificada. Para nossa surpresa ainda encontramos mais pegadas de anta e até achamos o local onde ela parou e tirou um cochilo.
O papel dos voluntários é caminhar por estas trilhas, instalar as armadilhas fotográficas e registrar estas pegadas com auxílio do GPS. Segundo Malika Fettak, 45 anos, relações públicas da Biosphere, “entre as atividades dos voluntários está o curso de navegação por GPS e bússola magnética, registro das pegadas, instalação das máquinas fotográficas etc. É uma forma de conhecer a mata atlântica e colaborar com a preservação”.
Marcelo instala a armadilha fotográfica na mata
Um dos efeitos deste trabalho é quase automático. À medida que os moradores da região se acostumam e se interessam por este trabalho, passam a dar mais valor ao significado da preservação e espalham este conceito entre amigos e familiares. É comum encontrar moradores que ajudam no trabalho dos biólogos seja como empregados ou voluntários. Só o fato de abandonarem a espingarda já representa um grande avanço.
Pena que o pior animal do meio-ambiente ainda seja o homem. De todas as armadilhas fotográficas instaladas pelo Projeto Puma, cerca de 25% são furtadas. Pior é que elas não tem qualquer serventia que não seja a de flagrar os animais silvestres. “Mas já conseguimos registrar a presença do pior de todos os predadores da natureza, os caçadores”, sentencia resignada a jovem bióloga Valeska.
A bióloga Valeska de Oliveira na função de motorista da expedição
Também confesso que fiquei admirado com o cardápio de nossa refeição principal, quando foi servida carne bovina no jantar. Não sei muito de ecologia e meio-ambiente, mas na condição de um leigo interessado, sei que a principal atividade que levou os grandes felinos à beira da extinção é a pecuária de corte. Os grandes felinos não sabem identificar se um bezerro tem dono ou não. Para ele é só uma ótima refeição. Mas para os criadores de gado, os felinos de grande porte representam ameaça e devem ser abatidos. Não acho muito coerente uma ONG que luta pela preservação dos grandes felinos estimular o consumo de carne bovina.
Já nossa experiência com os carros da Land Rover foi perfeita. Voltamos da expedição com apenas dois carros o que nos obrigou a usar os banquinhos adicionais do porta-malas. Na minha condição de nanico, fui empurrado para o “chiqueirinho” e admito que para meus 1,68m não senti desconforto, pelo contrário, viajei na boa e ainda sobravam quatro dedos de espaço entre minha pelada cabeça e o teto. O Defender é efetivamente um carro para enfrentar qualquer terreno, desde que bem pilotado, claro. Com sete pessoas a bordo passamos por todos os atoleiros e subidas lamacentas que encontramos no caminho. É realmente um veículo para dar a volta ao mundo, pena que seja tão caro (mais de R$ 100 mil).
*Geraldo Tite Simões, jornalista e fotógrafo, ministra o curso SpeedMaster de Pilotagem (www.speedmaster.com.br) com apoio de Pirelli, Honda, Tutto e Shoei.
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