Segunda-feira, 14 de Março de 2011

Diário de um ex-magro

Última etapa do camp. Bras. de Motovelocidade em 1999. Eu (à direita) tinha 40 anos e 65 kg. Preciso ficar assim de novo... O do meio é o Leandro Panadés, outro filé de borboleta que hoje já está bem mais gordinho...

 

Como sobreviver comendo quase nada e correndo de moto.

 

Desde que Adão virou-se para Eva e perguntou “o que é este pneuzinho na sua cintura?” a humanidade descobriu o regime. E olhe que ela vivia à base de maçã! Tive de me submeter a um regime por três longos e intermináveis anos, de 1997 a 99, época em que decidi competir no campeonato brasileiro de motovelocidade, em uma Honda 125 especial que pesava 63 quilos. A moto, porque eu pesava 69 quilos, para 1,69 m de altura. Corpo de modelo, mas pesado demais para correr contra jovens de 55 quilos, que poderiam servir de manequins em qualquer agência funerária.

 

Fui parar em uma academia especializada em tirar banha de pilotos para emagrecer 8 quilos e ficar nas dimensões ideais de um piloto de moto nascido na Etiópia.

 

Com ajuda de uma nutricionista, comecei o tratamento. Entrava na academia às oito da manhã e saía às dez e meia, depois de fazer vários exercícios aeróbicos e com peso. Coisa de 100, 200 repetições, com pesinhos de 3 quilos. Duro mesmo era o regime.

 

Segundo a nutricionista, para alguém emagrecer é preciso comer. Sim, comer pouco e várias vezes por dia. A parte do “várias vezes por dia” até me agradava, quando lembro dos alimentos e das quantidades. Nada mais de ovo frito, pele crocante de frango assado, lasanha da minha mãe, almoço parenteral na casa da tia, bacon, torresmo e sacos gigantes de pipoca com Coca-Cola. Tudo isso pertencia ao passado. Minha dieta era à base de pepinos fatiados, broto de bardana (uma enigmática raiz descoberta por acaso por um tatu esfomeado e incluída na culinária humana), pães integrais com queijo branco, peixes grelhados com uma solitária alcaparra, mas sem manteiga. Complementado com aberrações como as tais barras energéticas, que proporcionam tanta energia para uma pessoa quanto uma pilha alcalina para um Boeing 747.

 

Fiquei tão especializado em regime que minhas amigas gordinhas vinham me consultar para saber o que estava tomando para ter um aspecto assim tão, digamos, moribundo. Virei consultor de mulheres em busca da anorexia, e poderia faturar uma grana com isso.

 

Foi uma fase difícil porque coincidiu com viagens ao exterior para testes de motos e pneus. Imaginem o que é passar em frente a restaurantes italianos sem mergulhar numa polpetta boiando em molho de tomate. Ou então fingir que não viu a placa “Hoy, paella valenciana”, num restaurante em Málaga, na Espanha. Ver joelhos de porcos crocantes na Alemanha, passando por baixo do meu nariz sem pular no garçon, dar uma gravata e roubar a bandeja. Nos Estados Unidos foi mais fácil porque a comida daquele país deveria fazer parte do acordo de paz da Onu, de não proliferação de armas químicas.

 

Enquanto eu desfilava diante de todas estas coisas, era obrigado a me refestelar com uma salada de agrião, quase sem tempero, ou um insosso peito de frango grelhado. A humanidade com certeza inventou o grelhado como forma de se vingar de algum deus mitológico, que exigia sacrifícios humanos. Imagino a cena: os pais tendo de entregar literalmente de bandeja a filha rechonchuda e tenra como um galeto al primo canto, mas sacaneando, “vamos grelhá-la, assim este deus nunca mais vai querer comer gente”.

 

A palavra regime até então se resumia a um estilo de fazer política: regime autoritário, regime militar, regime comunista, regime social-democrata-com-tendências-esotéricas, etc. Tive de conviver com esta ditadura e consegui emagracer não apenas os 8 quilos propostos, mas minha porcentagem de gordura no corpo chegou a miseráveis 11%. Todo mundo comia em restaurantes por quilo, eu comia em restaurantes por miligramas. Nos coquetéis, eu jogava fora o canapé e comia só a salsinha. Brindava com água mineral sem gás. Se servissem ossobucco no jantar, eu lambia o osso e ficava com um bucco no estômago.

 

Por isso não lamentei a perda do campeonato brasileiro em 1999. Sabia que poderia voltar para as picanhas fatiadas, frangos assados, pizzas, canelones, calzones, doce de leite, goiabada cascão, ambrosia, brigadeiro, caipirinha, etc. Agora, com imprensados 76 quilos dentro das calças, posso voltar à vida normal. E, se der vontade voltar a correr, sempre existirá a categoria F-Truck.

 

* Este texto foi escrito em 2002 e publicado no livro "O Mundo É Uma Roda". Hoje eu não corro mais de moto, mas inventei de escalar montanhas, o que exige uma relação peso x potência igual de moto: ou diminuo o peso ou aumento a potência. Aumentar a potência não está nos meus planos, odeio academias. Portanto sobrou reduzir a massa gorda, junto com a massa de pizza.

 

Ainda guardo as pastas com o regime proposto por uma nutricionista indiana faquir. Vou voltar à rotina de uma hora de bicicleta, meia de corrida a pé e apenas 3 exercícios com peso: ombro, braço e abdome. Preciso chegar (e passar) na páscoa com 68 a 70 kg. Ainda bem que tem o ovo de páscoa Alpino,que tem tudo a ver com alpinismo...

 

 

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publicado por motite às 17:25
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