Terça-feira, 23 de Junho de 2009
(Bóris, meu velho, ser jornalista é muito mais do que saber escrever!)
Hoje comecei o dia com uma ligação da minha mãe, comentando a decisão do STJ de eliminar a obrigatoriedade do diploma de jornalismo. Segundo ela, isso iria depreciar ainda mais o ofício do jornalismo. Palavras dela: “As editoras já não assinam mais carteira de trabalho, agora vão baixar ainda mais os salários!”. Dona Neide para presidente do sindicato já!
Respondi pra ela: “virei dinossauro, espécie em extinção”. Não pela idade, claro, mas porque sou jornalista diplomado! Primeiro devo esclarecer: sempre fui contra a obrigatoriedade de fazer quatro anos de faculdade para exercer a profissão de jornalista, mas eu defendia um curso pós-graduação de, no máximo, um ano para ensinar aquelas coisinhas básicas como concordância nominal, gerundismo, lead, literatura, gramática etc, no campo da técnica de redação. Assim como as matérias humanísticas como sociologia, filosofia e ética. Bom, esta última é a primeira a ser esquecida depois que se sai da faculdade...
Quando se fala em jornalismo a maioria das pessoas só lembra do jornalismo impresso, mas se esquece que existe o segmento eletrônico: rádio e TV, porque Internet é um caso à parte. Para ser um bom jornalista da mídia eletrônica é fundamental passar por um treinamento que inclui até curso de locução, arte da fala, interpretação etc. Para isso basta um treinamento técnico e basta ver Adriane Galisteu, Luciana Gimenez e Amaury Júnior pra perceber que diploma tem realmente um papel secundário no jornalismo.
Mesmo na chamada grande imprensa me divirto com as batatadas que parecem redigidas por um estudante secundário. No acidente do vôo 447 uma das chamadas de um grande jornal foi “Aviões fazem buscas pelo mar”. Como? Avião não é uma coisa que voa? Não seria pelo AR? O que faz buscas pelo mar é navio!!! Se fosse substituído o verbo buscar por procurar, a manchete ficaria assim: “aviões procuram pelo mar”... Os aviões tinham de fazer buscas por destroços e corpos, porque o mar todo mundo já sabe onde está! É nesta hora que faz falta um jornalista experiente.
Uma das justificativas argumentadas pelos juízes do Supremo é a proliferação de informação graças à Internet. De fato, hoje qualquer pessoa pode criar um blog e posar de jornalista em qualquer área. De gastronomia a física quântica; de moda a automobilismo, todo mundo se acha especialista e até com direito a exigir o respeito das empresas, de anunciantes, da mídia como se fosse um veículo de comunicação “de verdade”. Então já que é tudo um samba do afro-jornalista doido, pra quê exigir diploma?
Só que ninguém repara na imensa carga de preconceito e erros que a Internet espalha como se fosse gripe suína. Da mesma forma que a Internet funciona como uma das mais poderosas formas de comunicação da era moderna, também serve como perigosa ferramenta para disseminar preconceitos e mentiras bem elaboradas, os chamados “hoax”.
O ofício de escrever não é a única atividade de um jornalista. O caquético Boris Casoy apareceu na TV defendendo a extinção do diploma sobre a argumentação tosca de que não se exige diploma de escritores. Só que jornalista não é só um escritor. Um bom jornalista precisa saber escrever, mas um bom escritor pode não ser um bom jornalista. O que faz um bom escritor se tornar um bom jornalista é justamente o aprendizado da técnica. Pesquisar, entrevistar, depurar a informação são algumas das práticas jornalísticas que nem todo escritor traz na bagagem. São raros os profissionais como Dráuzio Varela, que navega pelo jornalismo investigativo com a profundidade e competência da maioria dos grandes jornalistas que conheço.
Acredito mais no formato de pós-graduação. Após se graduar em Letras, Física, Geografia, História, Engenharia, Medicina o recém-formado se inscreve em um curso técnico de jornalismo com caráter de pós-graduação e passará a exercer a profissão sem ferir a ética. É muito melhor um curso técnico honesto do que enrolar o aluno quatro anos com aulas sem menor sentido como estatística!
Além disso tudo, por trás dessa argumentação contra o diploma está uma força gananciosa dos donos dos meios de comunicação que acabaram de ganhar de presente uma substancial economia em suas folhas de pagamento. Se o jornalismo nunca foi a profissão melhor remunerada, na área de Humanas, agora tem tudo para integrar a área de Ciências Desumanas!
Quando meus netos perguntarem se é verdade que existia diploma de jornalista, pelo menos posso mostrar o meu, devidamente enquadrado! Virei peça de museu!
Sábado, 23 de Maio de 2009
(Ih, olha eu na TV Record! Foto: Oc Tostes)
Uma vez eu ouvi uma frase que era algo tipo assim: "Quem tem amigo não morre pagão". Confesso que não entendi bem o que isso significa, até porque nunca refleti se paganismo é uma coisa boa ou ruim. Que nem aviso "contém glútem" nas embalagens. Afinal, glútem é bom ou ruim? Pra que a gente precisa saber se tem glútem?
Pois meus amigos continuam a dar a maior força neste meu trabalho "quixotesco" como definiu o André Garcia. Dessa vez o amigo foi Octavio Tostes, leitor desse humilde blog e jornalista da Record. Sempre que precisam de alguém pra palpitar sobre pautas que envolvem motociclistas ele me pede um pitaco.
A primeira vez foi sobre a aburda idéia de proibir as motos de circularem nos corredores entre os carros. Agora foi sobre outro absurdo: um projeto que quer exigir o uso de colete air-bag por motociclistas. No caso dos motociclistas pode até ser um equipamento válido, porque efetivamente aumenta a segurança. Mas no caso dos motoboys é outro daqueles projetos sem o menor vestígio de sensatez e com um fedorento cheiro de lobby no ar.
Motociclistas morrem por trumatismo crânio-encefálico e geralmente o cérebro fica dentro da cabeça. Como alguém pode exigir o uso de um colete que custará 400 a 500 paus por um motociclista que usa um capacete de 50 contos??? Primeiro é preciso fiscalizar e exigir o uso de bons, válidos e eficazes capacetes. Imagina que coisa mais ridícula: o cara com um colete de 400 paus e um capacete nojento de 50 reais, desafivelado e todo detonado!
Em nenhum país do mundo esse equipamento é obrigatório. O rico, desenvolvido, próspero e socialmente elevado Lisarb será o primeiro a exigir que motociclistas paupérrimos usem coletes com air-bag. Imagino que os Suecos, Alemães, Ingleses morrerão de inveja!
Às vezes vou dormir pensando: "O que será que vão aprontar em Brasília dessa vez?"
Ah, e às empresas que procurei em busca de patrocínio e que responderam "como justificar o investimento?" um recado: Só nesta semana vocês deixaram de ganhar alguns milhares de reais em mídia. Quem é do meio sabe o que estou falando...
OBRIGADO OC!!!!!
(A dupla Oc e Doc: síndrome de TOC por motos. Foto: Gasparzinho)
Sábado, 22 de Novembro de 2008
(Olha nóis pelos olhos deles)
Quando fui estudar jornalismo (debaixo de porrada), já havia a eterna discussão sobre a validade do diploma. Os “diplomistas” alegavam que a faculdade dava uma base científica para evitar que os futuros escribas cometessem erros graves de senso-comum. Por causa desta briga toda fui obrigado a estudar textos de sociologia, antropologia, metodologia científica, pesquisa, análise de dados, estatística e um inferno de matérias. Tudo isso para não sair por aí escrevendo batatadas sem base científica.
E aprendi que conclusões sem base científica se tornam senso-comum e terminam no preconceito. O preconceito nada mais é do que formar uma idéia pré-concebida sobre um assunto sem a devida análise com base científica.
É como sair por aí afirmando que negros são potencialmente criminosos porque a população carcerária brasileira é formada por mais de 60% de negros e mulatos, enquanto no universo da população eles representam 18%, por isso mesmo são chamados pelos sociólogos de minoria.
Aí alguém aparece com a melhor das pérolas “em São Paulo é muito maior o número de acidentes com motos, proporcionalmente ao número de carros”. É outra afirmação do senso comum, pois enxerga apenas um número e não a base científica que está por trás dos números, uma vez que não são realizadas perícias para levantar as causas destes acidentes. Volto ao exemplo dos negros: se analisarmos apenas os números, a conclusão falaciosa é que negros são mais propensos ao crime e vamos reinventar o “homem lombrosiano”.
(Até na Itália, cáspita!)
Os meios de comunicação estão caindo de pau em cima das motos. O porta-voz desta ignorante campanha chama-se Heródoto Barbeiro, âncora do jornal da rádio CBN e ironicamente meu ex-professor de história da faculdade. Preconceituoso, dogmático e ignorante total no assunto, Heródoto faz questão de falar mal de motos diariamente, sem entrevistar os verdadeiros especialistas no assunto, mas apenas os burocratas que fazem do trânsito um trampolim para conquistas políticas.
O pior mesmo é o preconceito. Motos não são perigosas, mas a forma como são conduzidas é que traz perigo. Logo depois que Henry Ford popularizou o automóvel com o lançamento do Ford-T, inevitavelmente começaram os acidentes, alguns fatais. Um jornalista (sempre eles) meteu o microfone na fuça do empresário americano e disparou:
– Sr. Ford, o sr. não se sente responsável pelos acidentes que acontecem com os carros que levam o seu nome?
E Henry Ford respondeu com uma frase que deveria entrar para a história como uma das mais perfeitas e realistas da humanidade:
– Meu caro, acidentes não acontecem, eles são provocados!
E são provocados sabe por quem? Por pessoas, não por veículos. Por trás de todo acidente tem pessoas que cometem algum tipo de erro. Até mesmo nas chamadas falhas mecânicas ou problemas na pista tem uma pessoa por trás. Se o administrador da obra não tivesse embolsado uma grana, o asfalto teria 8 camadas e não 4. Se um engenheiro não mandasse soldar uma luva na barra de direção de um Williams, como se um carro de Fórmula 1 fosse uma caixa d’água, não teríamos lamentado o 1º de maio de 1994. Pessoas, meu amigo, pessoas é que são perigosas!
(Essa é do Peru!)
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O papel da imprensa
A moto virou a Geni do trânsito. Pra quem não conhece essa obra, Geni era a personagem da ópera do Malandro, na versão brasileira de Chico Buarque. Ela, na verdade ele, é um travesti sempre odiado e rechaçado pela população, mas quando a cidade se viu ameaçada por um invasor lá foi a Geni oferecer seus serviços em troca da salvação do povo. Enfim, uma mártir!
Ironicamente a moto é odiada pela imprensa e boa parte da população como uma praga que circula entre carros. Mas quando a mesma população quer a pizza quentinha, o remédio pra dor de cabeça, o talão de cheque, o exame de fezes, o atestado de qualquer coisa mas não está a fim de tirar o carro da garagem para enfrentar o trânsito a quem essa gente recorre? À Geni! Aos motoqueiros, motoboys, motofretistas, cachorros-loucos, expressinhos da morte e outros nomes pouco honrados.
(Que bela primeira página...)
Essa imprensa ladina e ardilosa precisa de um culpado para todas as “questões sociais” e a questão do trânsito já tem um culpado: a moto! Não sobra para os administradores que passam anos empurrando o mandato com a barriga, sobra para quem rala sob sol e chuva. Esta mesma imprensa não tem pudores em aceitar anúncios das fábricas e lojas de motos, afinal o dinheiro amansa. Também aceita publicidade de empresas de entregas que usam os serviços de motoboys.
Essa mesma imprensa adora veicular com todo destaque os acidentes com motociclista, principalmente quando há um corpo coberto por jornal, que ajuda a revelar um dos importantes papéis da mídia impressa: embrulhar as pessoas!
Gosto de visitar um site que mostra os principais jornais do mundo, o Todays Front Page, (http://www.newseum.org/todaysfrontpages/flash/) onde posso fazer o jornalismo comparado no Brasil e no mundo. Essa atração pela morte é mundial. Já vi várias primeiras páginas de jornais com um acidente de moto em destaque. Acidentes são ótimos argumentos de venda em jornais, porque desde o império Romano as pessoas gostam de ver sangue jorrando. Dos outros, claro!
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Patrocínio, este desconhecido
O que aborrece – na falta de uma palavra menos educada – é perceber que há mais de 20 anos luto para obter um patrocínio para ajudar a manter meu curso de pilotagem. Este curso tem a finalidade de ajudar a reduzir os acidentes nas ruas e estradas, ou seja, tem uma função social das mais honradas. Mas cada vez que visito uma empresa para apresentar uma proposta de patrocínio tenho a impressão de estar oferecendo cocaína! Sinto-me como se fosse um marginal querendo roubar o dinheiro da empresa.
Não consigo entender esse mercado. Quando os empresários estão faturando alto não querem investir em patrocínio porque “já estamos vendendo mais do que conseguimos produzir”, mas assim que surge o fantasma de uma crise no horizonte o mesmo empresário justifica o corte de investimento porque “não estamos vendendo, então é melhor conter a verba de publicidade”. Algum PhD em marketing pode me explicar?
Decidi investir em um novo negócio: levar o conceito de segurança a motociclistas de todo Brasil. Ainda estou finalizando o pacote de serviços, mas lá vou eu de novo, pastinha embaixo do braço, bater na porta das empresas em busca do patrocínio. Só na primeira sondagem já ouvi vários nhe-nhe-nhéns do tipo “estamos parados, cortamos tudo por causa da crise” e outras conversas-moles-pra-boi-dormir. Em breve você saberá se terei sucesso ou não.
Muitos anos atrás encontrei o Alexandre Barros em um evento e ele reclamava a falta de patrocinadores brasileiros. Ele me contou que visitava cerca de 50 empresas por ano e não conseguia um centavo. Meio brincando ele comentou “às vezes tenho vontade de fazer uma lista com o nome de todas estas empresas pra você publicar e o público ficar sabendo qual realmente dá valor ao motociclismo brasileiro”. Na hora eu disse que eu publicaria sem medo nenhum. Pena que ficou só na ameaça.
Pois vocês me conhecem. E faço aqui a mesma promessa: se não conseguir obter ajuda para levar este projeto adiante prometo revelar aqui o nome de todas as empresas que recusaram apoiar uma ação que visa a segurança do motociclista. Depois você fica à vontade se quer continuar consumindo dessas empresas, ou não!
Sexta-feira, 17 de Outubro de 2008
(Passados 22 anos o trânsito só piorou! Foto: Luna Bartlewski)
Em março de 2008 a água bateu na minha bunda! Descobri que o jornalismo especializado não poderia mais me sustentar. Parte em função de uma safra de novos profissionais da área, que provocou a natural queda na remuneração da mão de obra – a velha lei da oferta & procura -, parte pela insaciável sede de lucro das empresas de comunicação que não têm o menor escrúpulo na hora de decidir entre manter um bom profissional ou contratar dois novos formandos pela metade do salário.
Surgiu então a oportunidade de editar uma revista de interesse geral, com uma remuneração digna, em uma empresa de grande porte. Talvez eu tenha me precipitado em fazer um desabafo contra o jornalismo especializado, mas foi resultado de 27 anos de um grande nó entalado na garganta. Ou mesmo pelos inúmeros projetos que tentei realizar junto às empresas e associações do setor. Todos solenemente recusados, ignorados ou rechaçados.
Bom, como você viu, a minha participação na nova revista teve vida curta. Não vou entrar em detalhes desta frustrada operação (ainda), mas aqui estou de volta ao mundo das motos (de onde não devia ter saído).
Neste rápido entra-sai alguns leitores se manifestaram em vários fóruns, especialmente no Orkut. Fiquei tão surpreso quanto assustado ao ver meu nome citado por todo este Brasil (e até no Exterior). A cada vez que digitava meu nome no Google achava um novo debate sobre minhas decisões. Alguns leitores fizeram defesas tão acaloradas da minha história como jornalista que não foram poucas as vezes que me emocionei às lágrimas, sozinho, no meu escritório-casa imaginando que são estes desconhecidos que me defendem como se fossem mais irmão. Outros me chutaram de um jeito avassalador, com ofensas que nem imaginei que existiam!
Várias vezes eu quis entrar nestes fóruns para agradecer e/ou me defender, mas achei melhor ficar quieto porque o tempo é o melhor juiz. Não acredito no julgamento dos homens (atualmente nem me interessa), mas ficou aquela sensação de “Mas quem são esses caras que me criticam? Conhecem meu trabalho? Desde quando?”. A maioria dos meus leitores só me conhece da fase pós-Motonline, que qualifico como a minha melhor fase profissional pela liberdade que o Harada sempre me deu ao escrever, às vezes até contrário à opinião dele e do Durval.
Poucos conhecem o meu trabalho desde os primórdios do jornalismo especializado. Inclusive os empresários que negaram apoio aos meus projetos. Por isso, hoje, sexta-feira chuvosa, achei e decidi publicar um artigo que escrevi em julho de 1986. Foi escrito 22 (VINTE E DOIS) anos atrás. Época que o motociclismo era embrionário no Brasil. Meu primeiro artigo sobre motociclismo foi publicado em 1981 (ainda vou achá-lo). Gostaria que você olhasse esse artigo, que escrevi sem entrevistar ninguém, apenas com base na MINHA experiência de motociclista e me ajudasse a entender como alguém que contribuiu com o mercado, com os motociclistas, com a imprensa e com as empresas não consegue ter UM patrocínio para continuar este trabalho? Se alguém tiver uma teoria a respeito, aceito de coração!
Boa leitura!
Moto:solução no trânsito*
Com o tráfego parado nada melhor do que uma moto. Porém, pilotada com segurança
Numa típica avenida de grande movimento, os automóveis disputam cada centímetro de asfalto na intenção de chegar mais rápido ao seu destino. Alguns ônibus e caminhões ajudam a complicar mais a situação, trafegando fora da faixa destinada a estes veículos. No meio deste caos, um ponto luminoso ziguezagueia entre os carros. Olhando mais de perto, o ponto luminoso se revela o farol de uma moto, driblando o trânsito com tranqüilidade e rapidez.
Mas tranqüilidade em cima de uma moto, no meio do trânsito, depende da forma como o motociclista trafega. O trânsito pesado das grandes cidades guarda perigosas armadilhas onde um motociclista inexperiente pode cair. Quanto mais intenso e longo for o trânsito, maior será a tensão nervosa dos motoristas, que podem cometer pequenos deslizes na condução do automóvel, ônibus ou caminhão.
O motociclista deve ter em mente que existem dois tipos de segurança: a passiva, que recomenda o uso dos equipamentos de segurança (capacete, luvas e botas), e a segurança ativa, que significa uma pilotagem sem erros, obedecendo a sinalização e respeitando os outros veículos e pedestres. Segundo dados levantados pelas fábricas, a segurança ativa é mais importante para o motociclista, uma vez que quem não cai nem bate, não precisa dos equipamentos de segurança. Mas quem é tão sortudo assim que nunca vai encontrar um motorista abrindo a porta inesperadamente no meio do trânsito para ver se o pneu furou.
No meio do Inferno
Muita gente acredita que os motociclistas são privilegiados por se embrenharem no trânsito e sair com mais facilidade, sem sofrer a pressão psicológica que os motoristas sofrem. Mas isto é um engano. Rodar no trânsito com a moto requer uma concentração total, e até mais do que isso, é preciso desenvolver aquele sexto sentido que percebe à distância quando aquele carro 1966 com oito pessoas dentro vai mudar de faixa sem dar o menor sinal.
Este sexto-sentido se obtém com a prática do uso diário da moto. No trânsito parado, por exemplo, forma-se um corredor entre os automóveis que representa uma verdadeira "avenida" para uma moto. Mas no meio desta avenida pode aparecer um pedestre que atravessa por trás de um caminhão ou ônibus, sem estar no campo de visão do motociclista. Aí os dois levam o maior susto, que pode ser muito maior na proporção direta da velocidade em que a moto está e da sua capacidade de frenagem.
Neste corredor existem outras surpresas, como uma antena virada para o lado sem que o motorista perceba e que pode acertar o motociclista. Os espelhos retrovisores dos automóveis estão cada vez mais retro e mais visores. Além da dimensão maior, eles estão nos dois lados dos carros, o que torna um martírio para os proprietários de motos de rua, ou street, desviar daqueles imensos espelhos. Felizes são os proprietários de moto trail, que pela maior altura do guidão podem passar pelos espelhos sem problemas, pelo menos até encontrarem uma perua Kombi pela frente. Para os treieiros a atenção deve ser com largura do guidão, que costuma tocar na carroceria dos caminhões.
Outra observação para rodar no trânsito pesado é com relação ao garupa. Por estar com uma pessoa a mais, a moto às vezes não corresponde ao movimento do piloto, sem falar que o que está sentado atrás fica com os joelhos mais para fora e isto é uma coisa que poucos motociclistas lembram, o que pode custar uma batida na carroceria de algum carro e o fim de uma longa amizade .
No meio do trânsito
De repente o trânsito começa a fluir. Conseguiram empurrar uma betoneira que tinha morrido no meio de um cruzamento e se recusava a pegar. Os carros começam a andar com mais velocidade, mas a avenida continua cheia. Nesta situação os corredores entre os carros já não são uma boa forma de economizar tempo. É chegada a hora da moto ocupar o mesmo espaço de um automóvel no trânsito. O melhor lugar para se posicionar é
no meio da faixa, ocupando o mesmo espaço de um carro, sempre se colocando de forma a ser visto pelos motoristas. O farol aceso, mesmo durante o dia, ajuda bastante na tarefa de ser visto. Os motoristas, fechados em seus automóveis, têm muitos pontos mortos de visão, como as colunas do teto, que escondem completamente uma motocicleta. Daí a importância de rodar sempre atrás e no meio do automóvel.
Nas ultrapassagens o motociclista terá que reduzir a velocidade de aproximação, principalmente porque a moto geralmente está mais veloz que o carro; ultrapassar tendo o cuidado de sinalizar com o pisca e voltar para faixa quando já for possível ver o carro ultrapassado pelo espelho. E importante lembrar que às vezes o motociclista está rodando a horas numa velocidade acima da dos automóveis e a reação do motociclista é mais ágil. Enquanto no automóvel, o motorista está trafegando há muito tempo em baixa velocidade e tende a ser mais lento nas reações. Por exemplo, quando o motorista vai mudar de faixa, geralmente se acostuma com os veículos que estão rodando ao seu lado e esquece de sinalizar, ou olhar pelo espelho retrovisor para ver se entre ele e o carro ao lado está vindo uma motocicleta. Isto é uma tendência natural que até alguns motociclistas quando estão dirigindo carro cometem.
Moto X moto
Outra armadilha que o trânsito pesado esconde são os objetos arremessados das janelas dos carros e ônibus. O pior deles é a ponta de cigarro, que pode desgraçadamente entrar pela abertura do casaco e ficar queimando lentamente o motociclista. Neste momento é preciso ter sangue frio (literalmente) suficiente para encostar a moto no primeiro canteiro ou calçada, sem se desesperar, para finalmente proporcionar um espetáculo de strip-tease aos pedestres até encontrar a ponta de cigarro. Outra surpresa é a lata de refrigerante ou cerveja que pode voar pela janela de um caminhão ou ônibus de torcida de futebol numa quarta-feira à noite. Aí aparece mais uma grande utilização do capacete: escudar a cólera dos torcedores.
Uma conseqüência infeliz do excesso de trânsito nas cidades é a desumanização de alguns motociclistas. Tem gente por aí que não respeita nem aos próprios colegas, costurando no meio dos carros sem lembrar que existem outras motos costurando também. Neste emaranhado de corte-costura é comum ver um motociclista sendo surpreendido por outro saindo por trás de uma Kombi. Primeiro aparece a roda dianteira, depois vem o resto. Como conseqüência, dois pares de olhos arregalados e a lição de que os motociclistas também precisam olhar pelos espelhos e sinalizar em qualquer manobra no trânsito.
Pesquisas realizadas pelas fábricas revelaram um número impressionante de atropelamentos provocados por motociclistas em cima da calçada. Um pouco de respeito com os pedestres não faz mal, principalmente com aqueles que estão saindo sonolentos de suas casas para pegar um ônibus e acabam sendo pegos por uma moto. Já pensaram, naquela senhora saindo da pizzaria carregando uma calabresa e uma mussarela e sofre uma colisão de uma Montesa 360 H6. Os bombeiros vão precisar gastar algumas horas para distinguir o que é motociclista à mussarela do que é Montesa à calabresa.
* O texto foi mantido na sua forma original – publicado originalmente na revista Duas Rodas/agosto de 1986