Eric Granado (51) foi brilhante na MotoE. (fotos MotoGP.com)
Dia de trovões
O GP da França foi marcado pelo mau tempo e vitória maiúscula de Eric Granado
Pode se orgulhar. O piloto brasileiro mais promissor dos últimos tempos, o paulistano Eric Granado, obteve uma vitória digna dos grandes pilotos na MotoE. Aliás, pra quem tem alguma cardiopatia não aconselho assistir MotoE. Este E deve ser de enfarte! A corrida não tem volta de apresentação, são apenas oito voltas e os pneus duram até depois da bandeirada. O resultado é que todo mundo larga como se não houvesse amanhã. Na base do tudo ou nada. Na primeira etapa deu nada pro Eric. Nesta deu tudo! Os demais vencedores foram Jack Miller (Ducati) na MotoGP, Raul Fernandez na Moto2 e Sergio Garcia (KTM) na Moto3.
O domingo no circuito de Le Mans foi palco de apresentações memoráveis para quem gosta de motovelocidade. Na categoria rainha, a MotoGP, o cenário não podia ser mais emocionante. Começou com pista úmida, choveu, muita gente caiu, levantou, voltou pra corrida, a pista secou e os pneus de chuva se esfarelaram. E sobrou punição pra quase todo mundo.
Na largada a Ducati é realmente de outro planeta. Miller sumiu, mas acompanhado de perto pelo pole-position Fabio Quartararo (Yamaha), Maverick Viñales (Yamaha) e todo pelotão muito embolado. Quando Quartararo assumiu a ponta começou a chover, bem de leve, mas a pista foi molhando discretamente. Este é o pior momento para o piloto, porque não dá para prever se a próxima curva estará seca ou molhada. Nesta agonia Marc Márquez (Honda) conseguiu ultrapassar várias motos para se estabelecer em terceiro. Mas a chuva apertou.
Marc Márquez: liderou, caiu, levantou, caiu de novo e desistiu.
Pilotar uma moto de corrida na pista molhada é uma coisa que não desejo nem ao melhor inimigo. Quer saber como é? Vá até um piso de ardósia, jogue água com sabão por cima e depois tente se equilibrar andando de patins. Fácil? Calma, porque tem a frenagem. Imagina aquele sistema de freios que para até pensamento, no piso molhado e com pneus slicks. A frenagem deve ser feita como se tivesse um ovo cru entre a manete e a manopla. O piloto tem de apertar a manete sem quebrar o ovo. É assim... com muito cuidado pra não virar omelete.
Na MotoGP não há trocas de pneus. Troca-se a moto toda! A moto de chuva fica esperando nos boxes com pneus riscados, mapa de gerenciamento eletrônico mais suave, suspensão mais macia. O piloto entra, troca de moto e volta pra corrida. Neste entra-e-sai muita coisa estranha aconteceu: Marc Márquez voltou na liderança! Jack Miller excedeu o limite de velocidade e até o Quartararo parou no lugar errado! Uma lambança.
Quando todos já estavam devidamente recolocados na pista vieram as punições por várias infrações. A motovelocidade está se inspirando na F-1 para distribuir punições, sem se dar conta que é isso que está matando a F-1 de tédio. Excesso de punições tira o brilho dos pilotos. O cara escorrega e, para não cair, tem de abrir a curva. Aí passa o limite, sem ganhar nem um milésimo de vantagem, mas é punido! Um saco!
Miller excedeu o limite de velocidade na entrada dos boxes e teve de cumprir duas voltas longas. Quartararo teve de cumprir uma volta longa. Francesco Bagnaia (Ducati) teve de pagar duas voltas longas. Uma baita confusão.
Impecável Jack Miller: multado até na corrida!
Mas a pior punição foi de Marc Márquez: caiu pela primeira vez, quando estava liderando. Quartararo herdou a liderança, mas lá atrás as Ducati de Miller e Johan Zarco estavam muito mais rápidas. A explicação era simples: os pilotos da Ducati escolheram pneus de chuva médios nas duas rodas. Quartararo escolheu pneu dianteiro macio, achando que a chuva duraria mais. Não durou. Parou de chover e os pneus macios esquentam muito mais rápido, porém consomem mais rápido e praticamente desmancham no asfalto seco. Quando se pilota na pista seca com pneus de chuva a impressão é de estar escorregando em algo muito seboso. A moto derrapa muito mais e o piloto precisa ter muito controle para acelerar e frear sem destruir ainda mais a borracha. Foi nessa condição que MM93 caiu pela segunda vez, checou se estava tudo bem com o braço e desistiu de voltar pra pista.
Mesmo depois de perder tempo com duas punições Jack Miller conseguiu assumir a liderança e venceu de forma magistral. Quartararo viu sem compatriota Johan Zarco chegar como um raio e também passar. Mas a maior surpresa foi ver Pecco Bagnaia terminar em quarto depois de perder uma eternidade com as punições. Depois da bandeirada o mais eufórico era Quartararo, porque conseguiu completar a corrida sem apresentar os problemas no antebraço direito que atrapalharam sua corrida na etapa anterior. Ele aproveitou o intervalo entre as etapas para fazer uma cirurgia. Pela euforia no final da prova parece que a cirurgia deu certo.
Na entrevista após a prova, Miller era a pura felicidade estampada e brincou “toda vez que dirijo na França sou multado, até na corrida!”. Com esta classificação o Mundial ficou ainda mais embolado, com Quartararo na frente com 80 pontos, Pecco Bagnaia, com 79, Johan Zarco com 68 e Miller com 64.
As notas tristes do GP da França: mais uma atuação desastrosa das Suzuki, a queda logo no início do Franco Morbidelli (Yamaha) e outro desempenho claudicante de Valentino Rossi (Yamaha) que já está mais preocupado com a montagem de sua equipe em 2022.
As notas boas: a brilhante recuperação de Johan Zarco que poderia até ter alcançado Miller, mas preferiu usar a cabeça e pensar nos 20 pontos; os desempenhos consistentes de Nakagami (Honda), Alex Márquez (Honda) e Danilo Petrucci (KTM).
Segunda vitória de Raul Fernandez na temporada: pinta de campeão!
Moto2
O bicho pegou também na Moto2. Três favoritos saíram da prova logo no começo: o espanhol Aron Canet nem completou a primeira volta, o inglês Sam Lowes na terceira e o americano Joe Roberts voou na quarta volta. Quem soube administrar melhor a adrenalina no piso úmido foi Raul Fernandez, que conseguiu a segunda vitória na temporada e se apresentou como um dos favoritos. O australiano Remy Gardner soube se manter calmo para aceitar a segunda posição, pensando no campeonato e deu certo, porque saiu da França líder com 89 pontos, apenas um a mais do que Raul Fernandez.
Temporada difícil para o veterano Lowes. Depois de um começo arrasador, com duas vitórias seguidas foi ao chão em duas etapas e está vendo a nova geração comendo pelas beiradas. A cada etapa esta categoria fica mais emocionante. Nela não tem troca de moto em caso de chuva. Ou para todo mundo e troca pneu, ou segura o touro a unha e se mantém na pista com pneus slick.
Sergio Garcia não se afobou na pista molhada e venceu na Moto3.
Moto3
Mais uma vez eu reforço: este Pedro Acosta (KTM) não é deste planeta. Foi punido nos treinos e teve de largar na distante 22ª posição. Nada demais, ele largou em último e venceu o GP de Doha. Desta vez ele largou no fim do pelotão, já estava em sexto lugar quando escorregou e caiu, sem deixar o motor morrer. Montou na moto e voltou pra pista em último. Chegou em 8º. Ainda lidera o mundial da categoria com folga: 103 pontos contra 49 do segundo colocado, Sergio Garcia (Gas-Gas), vencedor na França.
Foi uma prova atípica. A diferença do vencedor para o quinto colocado foi de quase 15 segundos. O tcheco Filip Salac (Honda) foi o segundo colocado e o italiano Ricardo Rossi (KTM), que não é parente de Valentino, foi o terceiro.
Número 1: Eric correu como gente grande e recebeu elogios de todo mundo.
Moto E, de Eric, de Eletricidade e Enfarte
A nova equipe do brasileiro Eric Granado, a One Energy Racing, mostrou muita competência e seriedade. Desde que começou a temporada 2021 o brasileiro tem liderado todos os treinos. Fez a pole na primeira etapa, mas escorregou e não terminou a prova. Ficou aquele gostinho de vingança no ar.
E ela veio. Na França marcou a pole-position de novo. Mas desta vez fez tudo tão certo e calculado que mostrou aquela maturidade típica dos grandes campeões. Na MotoE a largada é muito importante porque são apenas oito voltas. Mas ninguém sabia como estava a pista depois da chuva e da chegada de uma ventania insana. Por isso Eric largou de forma cautelosa. Perdeu várias posições e chegou a ficar em quinto lugar.
Mas foi pegando confiança e enfileirando os concorrentes de forma tranquila e consciente. Até que chegou a última volta. Ele já tinha passado o líder, o italiano Alessandro Zaccone, mas levou o “xis”. Manteve a calma e faltando duas curvas para a bandeirada jogou a moto por dentro para deixar o lado externo mais sujo para Zaccone. Sem ter pra onde ir o italiano teve de abrir demais a curva, invadiu os limites e cruzou a linha de chegada em segundo. Porém foi punido por exceder o limite de pista e perdeu uma posição. O segundo lugar – terceiro na linha de chegada – foi o também italiano Mattia Casadei.
Esta temporada da MotoE promete ser eletrizante, sem trocadilhos, porque ficou patente que o piloto brasileiro está em uma estrutura campeã e ele evoluiu demais como piloto. A forma como pilotou nas primeiras voltas deixou o mundo da motovelocidade impressionado.
Um título mundial seria o passaporte para uma estrutura mais bem preparada para as categorias a combustão. Recomendaria a Moto2, por onde ele já passou, mas em uma equipe sofrível. Felizmente a vida permitiu que ele mostrasse que o problema nunca foi o piloto!
Com a vitória, Eric assumiu o quarto lugar com 28 pontos, contra 41 do líder, Zaccone. É um campeonato curto, com corridas curtas. Não pode zerar mais!
Ué, cadê todo mundo? Lorenzo chega 10 segundos na frente. (foto:MotoGP.com)
Depois do GP da França o campeonato equilibrou
Ainda bem que o GP da França foi atípico. Essa coisa de um piloto largar, abrir 10 segundos e vencer sem ser incomodado por ninguém é coisa de Fórmula 1. Na motovelocidade os vencedores não costumam ter vida fácil da largada até a chegada. É só comparar as diferenças entre os primeiros colocados na linha de chegada da MotoGP com os grande prêmios de F-1. Enquanto na moto essas diferenças raramente passam de um segundo, nos monopostos ela raramente é menor de 10 segundos. Só mesmo o Galvão Bueno acha a F1 emocionante, mas ele recebe comissão dos contratos de patrocínio.
Só que já é segundo GP da temporada que o vencedor abre um quarteirão e some na frente dos outros. No GP das Américas, nos EUA, foi a vez de Marc Marquez enfiar quase sete segundos no Jorge Lorenzo. Isso procupa? Não, porque na motovelocidade continua sendo raro ver o que Jorge Lorenzo fez e fez bem feito: impôs um ritmo de classificação nas 28 voltas como se não houvesse amanhã. Um domínio de quem tem uma frieza fora do comum, o que aliás é esperado de um campeão mundial.
Quem patinou na largada foi Valentino Rossi. Depois de um treino sofrível que lhe deu apenas o sétimo lugar no grid, a oito décimos da pole do Lorenzo, Rossi largou no pelotão da merda e, claro, deu merda! Foi atrapalhado, se atrapalhou e cruzou a primeira volta em sexto. Depois fez uma sucessão de ultrapassagens com precisão cirúrgica e se mandou em segundo atrás do Lorenzo, que já tinha 5 segundos de vantagem... Na F1 isso é titica, mas na MotoGP é uma eternidade.
Ianonne: melhor correr a pé mesmo. (foto: MotoGP.com)
Aaah Ducati. Acho que o único consolo da equipe italiana é saber que em 2017 vai ter um piloto com a frieza do Jorge Lorenzo, porque os calientes Andreas estão dando um prejuízo enorme. Se olharmos os tempos de volta da Ducati percebe-se que estão exatamente no mesmo ritmo das japonesas Honda e Yamaha. Está faltando aquele piloto “redondo” que consegue andar no limite sem escorregar na própria baba.
Bom, esse GP da França foi um festival de quedas. Segundo o locutor da SporTV a culpa era do asfalto, mas os pilotos todos afirmaram que o pneu dianteiro da Michelin pra essa corrida não passava o feeling de limite. Simplesmente saía de baixo e deixava o piloto de nariz no asfalto. Mais uma vez os pilotos “cerebrais” como Lorenzo e Rossi sabem identificar o limite antes de a moto sumir debaixo das pernas.
O tombo sincronizado de Andrea Dovizioso e Marc Marquez foi a prova definitiva de que o problema estava nos pneus dianteiros. Ambos caíram igualzinho e não acredite no que se escreve nas redes sociais: o MM não reclamou do Dovizioso quando se viu no chão, ele reclamou consigo mesmo! Sim, isso acontece com todo mundo. Também não foi causado pelo remendo no asfalto, senão os outros 15 pilotos teriam caído também.
Depois da corrida os dois se explicaram ao canal Fox. Dovi disse que foi traído pelo pneu dianteiro no momento que estava apertando o ritmo para não deixar Rossi fugir e se proteger dos ataques do Marquez. Já MM deu a mesma explicação: a moto saiu de frente no momento que tentou dar um tiquinho a mais de gás. Segundo ele, esse pneu já tinha apresentado o mesmo problema em Jerez e dicidiu reduzir o ritmo para garantir o terceiro lugar, pensando no campeonato. Mas por que então em Le Mans decidiu apertar?
- Porque já tinha três motos na frente e isso seria ruim para a tabela geral. Não podia ficar só mantendo o ritmo, precisava atacar! Explicou o espanholito.
Ao final da corrida, a equipe Ducati divulgou o mapa da telemetria do Dovizioso confirmando tudo que o italiano disse. No momento da queda ele havia inclinado a moto dois graus a mais do que o normal e... chão!
Para o campeonato essa prova embolou de vez e trouxe mais emoção. Dos três primeiros colocados cada um já teve seu chão. No caso de Lorenzo e Rossi isso representou zero ponto. Já Marquez amadureceu tanto no ano passado que levantou a moto e foi buscar três pontinhos que podem ser decisivos num ambiente tão equilibrado.
Destaque também para Maverick Viñales, de 21 anos, que fez uma corrida de gente grande dando o pódio à Suzuki. Já de contrato assinado com a Yamaha para 2017, ele vai ter uma baita moto nas mãos e um companheiro de equipe com título de “doutor”. Vai crescer muito!
Entre as motos, a Yamaha é a moto mais bem resolvida para os compostos da Michelin. Quando Lorenzo afirmou que perdeu o GP da Espanha por causa dos pneus não estava mimimizando, foi uma escolha errada mesmo. Um grande piloto não comete o mesmo erro duas vezes, como acabamos de ver. A Honda ainda não mostrou constância e intercala corridas excelentes com outras medianas. Não pode contar com Dani Pedrosa para ajudar MM e ainda tem de ver seu piloto chegando atrás de Suzuki e Ducati... Esta, por sua vez, tem tudo para ganhar uma etapa em 2016, tudo em termos de engenharia, mas está faltando piloto...
Moto2 e 3
Na Moto2 continua a torcida para Franco Morbidelli, o ítalo-brasiliano que leva a bandeira do Brasil no capacete. O cabra é bom, ninguém chega entre os cinco primeiros em uma prova do mundial sendo um bobo. Mas ainda falta aquele toque de gênio para chegar lá na frente. Mas a disputa está bem equilibrada entre Alex Rins e Sam Lowes. É uma categoria que dá gosto de ver porque tem um zilhão de motos escorregando de lado.
Já na Moto3 parece que Brad Binder venceu a segunda consecutiva, abriu uma larga vantagem na tabela para administrar o campeonato. E o malaio Khairul Pawi foi mesmo fogo de palha: só vai no piso molhado, portanto é bom fazer uma dança da chuva a cada prova.
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