Eu estaciono onde quiser, vocês não me importam...
Qual a relação entre esses três elementos
Já começo pedindo desculpas pelo tema, porque falar de cocô é um tabu, apesar de ele fazer parte de nossas vidas do nascimento até a morte. Mas não se costuma falar em cocô a menos que seja em livros de medicina. E um dos motivos é por ser um assunto muito pessoal: cada um cuida do seu! Ou melhor, do seu e dos animais de estimação.
Moro no mesmo endereço há 45 anos. No começo era um bairro tranqüilo, afastado do centro de São Paulo e com poucos moradores. Hoje faz parte da super populosa zona sul, que cresceu de forma exponencial, sem planejamento. Continua um bairro de classe média, Z1 (só para casas), mas não existem mais áreas verdes, parques, campos de futebol. Virou tudo casa, calçada e asfalto.
Quase todos os dias encontro cocô de cachorro na calçada bem em frente ao portão. Ou cocô de gato na minha garagem, no carpete ou no jardim. Só que eu não tenho gato, nem cachorro!
Quem picha uma obra de arte respeita a sociedade?
O mundo mudou muito em 45 anos, algumas coisas para melhor, como a medicina, a eletrônica e a tecnologia; mas outras para pior, como a educação do ser social. E aqui começa a relação entre cocô, política e trânsito.
Em pleno século 21, ano de Olimpíadas, ainda tem gente que vive como se estivesse na Idade Média. Naquela época não havia banheiro nas casas. Usava-se penico, onde os moradores faziam as necessidades, iam até a janela e jogavam aquela sujeira na calçada, bem na frente das casas. Imagine cidades grandes como Paris e Roma com montanhas de fezes e urina nas ruas. Isso provocava um mal cheiro, chamado na época de mal aire, palavra que deu origem ao nome da doença malária.
Passaram-se 1.100 anos e as grandes cidades ganharam redes de esgoto, mas ainda tem gente que joga cocô nas ruas como se vivessem no século 10.
Olha como era o banheiro na Idade Média!
Doença social
Tem nome: chama-se sociopatia. O sociopata é um doente, mas como a maioria dos doentes comportamentais ele não sabe, ou acha que doentes são os outros. O cara que sai de casa com o propósito de pichar uma parede, monumento ou fachada de prédio quer dar o seguinte recado para a sociedade: vocês são tudo um monte de cocô. O sujeito que deixa o cocô do cachorro na porta da casa de alguém acha que esse alguém é menos importante do que meio quilo de cocô.
Se ele age assim com as fezes do seu cachorro, pode até ser que no ambiente de trabalho seja um chefe exemplar, um funcionário dedicado, mas duvido. Essa falta de educação social se reflete em todo relacionamento. Provavelmente são pessoas que se comportam como bons cidadãos até o garçom demorar para trazer seu pedido.
Essa dupla personalidade fica muito evidente no trânsito. O pai, ou mãe, que para em fila dupla na porta da escola para deixar ou buscar o filho está pouco se lixando para os outros motoristas e pedestres. É uma pessoa para a qual os outros valem menos que o cocô de cachorro. O motociclista (ou motoqueiro, que é a mesma coisa) que roda a 90 km/h no corredor entre os carros, tocando a buzina ou acelerando um escape aberto é outro que coloca nos outros a mesmo importância que dá ao cocô do cachorro. Idem o pedestre que decide atravessar por baixo de uma passarela (construída para salvar a vida dele), ou o ciclista que ignora todas as regras de trânsito, que estão nem aí para os outros, quer apenas andar como e onde bem entende.
Aí está a grande dificuldade em trabalhar com mobilidade urbana: cada um quer fazer apenas o que é melhor para si, sem dar a mínima para os outros. Ora os outros, pra eles deixam o cocô do cachorro. Por isso é tão difícil tratar do assunto “educação de trânsito”, quando se tem um público que já não tem nem a educação mais elementar.
E a política?
Uma organização social é pautada em leis. E quanto mais insensata for uma população mais leis serão necessárias. Porque onde impera a sociopatia quem faz o papel de educador social é o poder executivo. Em uma sociedade avançada o papel de educador social é feito pela família, que passa os conceitos como generosidade, respeito e altruísmo de pai para filho como se fosse uma carga genética.
Aqui começa o descontrole quando se trata de países socialmente atrasados. Quem cria e aprova as leis são os políticos eleitos pela população (em uma democracia). São vereadores, deputados estaduais, deputados federais, senadores e até o presidente da república. E quem são essas pessoas? São pessoas comuns, que pode ser um cientista político, com curso superior, pós-graduação, escritor de teses sobre sociedade ou... um cidadão que leva o cachorro para passear e deixa o cocô na porta da casa do vizinho.
Políticos não vem de Marte, não são entidades sobrenaturais, não nascem com super poderes, são pessoas comuns que podem ser talhadas para a vida pública ou apenas o ex-participante de um Big Brother da vida. Porque quem elege também pode ser alguém engajado com as questões sociais ou um sociopata que estaciona em fila dupla.
Como se vê, tudo gira em torno do ser social e quando esse ser está doente toda a sociedade adoece junto. E é por isso que às vezes a gente acorda e descobre que foi aprovado um projeto de lei completamente maluco, que dificultará muito a sua vida. Quem criou e quem aprovou são pessoas comuns, doentes, que pensam primeiro em si ou na sua corporação e não na maioria.
O mais estranho é que as relações pessoais regrediram na medida direta da evolução tecnológica. Quanto mais as pessoas se comunicam e se expõem pela internet nas redes sociais, tentando passar uma imagem de descolado e antenado, mais vemos casos de pancadões madrugada a dentro, motos com escape direto e motoristas que simplesmente desprezam os sinais de trânsito.
Existe uma preocupação evidente de se mostrar um caráter publicamente, mas praticar outro tipo de comportamento – geralmente pior – no mundo social. Talvez o ser humano tenha desaprendido a viver em sociedade. Enquanto os povos primitivos precisavam viver em sociedade como forma de sobrevivência, hoje parece que as pessoas vivem em sociedade como forma de penitência. “Eu sou obrigado a agüentar esse meu vizinho, mas minha vontade era matar esse desgraçado”. Ou, “esse miserável me impediu de andar mais três metros com meu carro, desgraçado, vou buzinar até ele se sentir atacado”...
Nossa pena maior é saber que essa tendência de incentivar e valorizar o indivíduo acima do social não tem perspectiva de regressão e também não é regional. Ela atinge as sociedades modernas de forma endêmica, sem distinguir religião, etnia, posição social, localização geográfica. OK, tem sociedades onde essa tendência é menos evidente, mas faça uma pesquisa no Youtube e repare que os filmes que trazem situações constrangedoras ou de acidentes superam em muito as visualizações quando comparados com filmes que mostram qualidades humanas dignificantes.
Como melhorar os índices de acidente de trânsito se o principal agente modificador está piorando? Participei de uma palestra com o espanhol Jesus Gonzalez, da Fundación Mapfre, que mostrou um dado estatístico já conhecido de qualquer especialista: o fator contribuinte para o acidente de trânsito é o comportamento, com 75%.
Segundo o especialista, o que ajudou a reduzir enormemente o número de acidentes na Espanha foi uma soma de medidas, sendo que em primeiro lugar veio a educação e mais 144 medidas de ordem técnica e comportamental. Em suma, não existe UMA medida milagrosa, como a redução pura e simples da velocidade nas vias, por exemplo, mas uma enorme quantidade de medidas que sejam criadas em conjunto com vários setores da sociedade. Uma delas, (que por sinal defendo há 15 anos), foi incentivar as empresas a incluírem no desenvolvimento do profissional, como ferramenta de recurso humano, a disciplina “Comportamento no Trânsito”, que inclui todos os atores, desde pedestre, passando por ciclistas, até motociclistas, motoristas e caminhoneiros.
Mas quando vou a uma empresa propor uma ação de conscientização de segurança no trânsito sou recebido como um marginal vendedor de droga a fim de tomar uma grana deles!
Para que isso dê resultado o elemento chave ainda é o ser humano. Mas enquanto tivermos na sociedade um número cada vez maior de gente que trata o outro como se fosse apenas uma calçada suja de cocô não há esperança.
* Nota: Os números de acidentes com vítimas caiu nos últimos dois anos, aqui no Brasil, especialmente em São Paulo. Alguém poderia acreditar que foi reflexo de algumas medidas técnicas incluindo a redução da velocidade. Mas na verdade é um efeito colateral da crise financeira: a venda de veículos novos caiu em média 30% no período e muitos brasileiros trocaram o carro pelo transporte público ou simplesmente não tem grana pra comprar um carro ou uma moto. Quando mal interpretada, a estatística é uma ficção matemática
Devido ao caráter viral que se tornou o meu texto "O tigre, o menino e o trânsito", inesperado e até assustador, confesso, estourou a capacidade de comentários no provedor português Sapo. Por isso abri esse espaço extra para responder os tópicos mais comentados, pedir desculpas por não me apresentar, contar um pouco da minha atividade de convidar os leitores a ler os outros textos e até meu livro.
Pela ordem de chamada!
Deixa eu me apresentar: meu nome de batismo é Geraldo Simões, mas fui desde o nascimento rebatizado com o apelido Tite, por recomendação do meu pai, porque achava simplesmente Geraldo um nome grande demais para um ser tão pequeno. Tenho 55 anos, sou jornalista desde os 20, motociclista desde os 12 e viciado em escrever desde a época das Olivetti Lettera 32. Fui fotógrafo, redator, editor, revisor, professor de Redação e Língua Portuguesa na Fundação Cásper Líbero e desde 1999 me dedico a ministrar cursos de pilotagem para motociclistas. Tenho duas filhas do primeiro casamento, ambas com dupla nacionalidade (brasileira e alemã), que viveram a experiência de morar na Alemanha. Por causa delas mudei totalmente o meu conceito sobre educação, ensino, respeito e amor.
Os pontos mais comentados do texto foram:
- Quem sou eu pra escrever com tanta propriedade? Está respondido lá em cima, mas queria dizer que não sou especialista em ensino, mas estudei muito o tema porque vi-me dando aula para alunos que tinham quase a minha idade, acompanhei muito de perto o vida escolar das minhas filhas, fui casado com uma professora especialista em educação infantil, tive uma família equilibrada e meus pais vivem até hoje. Agradeço aos especialistas que me escreveram corrigindo alguns aspectos e conceitos a respeito de educação e ensino e lamento não poder responder a todos.
A exemplo da maioria dos meus textos eu escrevi este em pouco mais de meia hora e não aprofundei em nenhum conceito específico, porque para meus leitores habituais esses temas são exaustivamente conhecidos.
- O julgamento: queria deixar muito bem explicado que em momento algum me ocorreu julgar, mas apenas usar o "acidente" como exemplo do comportamento humano. Mesmo assim me assustei com a reação quase natural de as pessoas julgarem e sentenciarem os envolvidos. Esta é uma faceta do comportamento moderno criado a partir do excesso de exposição às redes sociais: a necessidade quase vital de achar um culpado. Como jornalista, conheço a ética da profissão que nos impede de julgar até um réu confesso antes de um juiz proferir a sentença. Por isso você lê sempre nos jornais que Fulano é SUSPEITO de...
- Patriotismo x conhecimento: também fui alvo de algumas demonstrações de todo tipo de preconceito. Se eu citei em vários pontos a expressão "os brasileiros" é porque vivo aqui, convivo diariamente com brasileiros e estudo o comportamento de motoristas há mais de 30 anos. Gosto do Brasil, mas tenho muita ressalva com relação ao comportamento social dos brasileiros. Não morei no exterior, mas como jornalista já visitei mais de 30 países e participo regularmente de fóruns e trabalhos sobre mobilidade urbana, que tem como ponto crucial o comportamento humano. Os exemplos que dei sobre EUA e Áustria não me contaram, eu vi pessoalmente e foi apenas dois exemplos. Claro que em todo lugar do mundo existe gente mal intencionada, mas o que pretendo chamar a atenção é que no Brasil estes estão aumentando exponencialmente e temos de encontrar a raiz desse crescimento, combatê-la e reverter essa tendência. Para mim o foco principal é na formação do caráter, que é um conceito que vem de casa e não apenas da escola.
- Alguns comentários eu simplesmente rapei fora porque eram ofensivos, preconceituosos, sem-noção ou apenas tinham a intenção de causar polêmica. Fui chamado até de nazista!!!
- A Bíblia, Adão, Eva e a religião: não sou um religioso praticante, mas cresci em uma família católica. Na minha primeira faculdade estudei Teologia e gostei tanto que depois continuei por conta própria. Alguns teólogos mais experientes corrigiram o texto e agradeço a todos pela disposição. Aos fanáticos e mais exaltados queria lembrar que Adão e Eva não existiram, assim como Papai Noel e Saci Pererê, portanto não percam seus preciosos tempos comentando o que eles fizeram ou quiseram fazer porque a própria Bíblia é uma grande ficção e recebeu várias interpretações, foi escrita cheia de questionamentos éticos e se eu fosse o editor teria cortado pelo menos 70% de texto!
- A passividade das testemunhas: um dos itens mais comentados foi com relação ao rapaz que fez a filmagem e o motivo de ele não ter interrompido a ação do garoto, chamado a atenção etc. Bom, aqui mais uma vez eu chamo a atenção para a inversão de valores que estamos vivendo, especialmente no Brasil. Por que no Brasil? Primeiro vou contar como funcionava na Alemanha, durante a época que minhas filhas moraram lá. Cada cidadão adulto se preocupa consigo e com quem está em volta, seja no trânsito, na empresa, na escola etc. Se uma criança se coloca em risco, o adulto mais próximo intervém, independentemente da reação do pai ou tutor mais próximo. O mesmo ocorre com relação aos idosos, sempre tem alguém ajudando e orientando, mesmo quando ninguém pede ajuda. Eu vivi isso pessoalmente e posso atestar que esse comportamento é reflexo de uma história de 2.000 anos vida em sociedade. No Brasil a vida em sociedade existe há pouco mais de 100 anos, sendo que nos últimos 50 deu um salto quantitativo exponencial. Ainda engatinhamos nessa coisa de viver em sociedade e é natural que surjam problemas. Um deles é o egoísmo expresso nas atitudes mais simples e que aparece muito mais claramente no trânsito. Nos mais de 30 países que visitei - a trabalho - nunca vi um adesivo no carro com frases como "Deus deu a vida para que cada um cuide da sua"; ou "Este carro é meu, foi pago por mim e ninguém vai me dizer como dirigir(sic)". Estas frases explicam o que eu quis dizer com a deterioração da vida em sociedade.
Por isso eu entendo a reação das pessoas. Existe um medo natural de alguém simplesmente ser agredido se chamar atenção ou até usar a força para impedir que uma criança se acidente. Eu tenho certeza que esta seria a reação da maioria dos pais, por causa dessa inversão total de valores.
Em suma, nos países com uma longa história de relação social existe uma espécie de auto-regulamentação, um cuida do outro, e isso não é motivo de briga. Enquanto no Brasil uma simples advertência pode acabar em crime, porque não se admite a interferência externa. Já escrevi sobre isso aqui mesmo e uma simples busca por palavras-chave como paradigma, educação, trânsito pode resultar em vários textos sobre o tema.
Recentemente um ciclista filmou a reação agressiva de um motorista que estacionou de forma irregular na ciclovia. Foi um exemplo de como a convivência social está ruindo e isto tem um nome: sociopatia, uma reação quase doentia em relação à sociedade, como se o mundo todo conspirasse contra aquele indivíduo.
Muito conceito escrito naquele artigo foram citados superficialmente, claro, porque é uma coluna publicada em alguns sites e a internet hoje exige textos curtos (mais um resultado dos tempos atuais: ninguém tem saco de ler nada com mais de 5.000 caracteres). Não é uma tese de doutorado. Portanto não cobre aprofundamento deste ou daquele conceito. Neste blog - que teve 150.000 visitantes pela primeira vez! - tem mais de 1.000 artigos. Fique à vontade para pesquisar os temas, ler e discutir quanto quiser. Recomendo alguns:
http://motite.blogs.sapo.pt/o-medico-e-o-monstro-109333
http://motite.blogs.sapo.pt/a-criminalizacao-da-vitima-108940
http://motite.blogs.sapo.pt/106621.html
E se você gosta de moto e quiser adquirir meu livro O Mundo É Uma Roda, basta escrever para tite@speedmaster.com.br aqui mesmo tem várias crônicas do livro.
Obrigado pelos comentários
Tite
Como um acidente pode explicar o comportamento humano*
O Brasil ficou chocado nos últimos dias de julho quando um garoto de 11 anos teve o braço direito dilacerado por um tigre. O "acidente" ocorreu em um zoológico de Cascavel, PR, quando o garoto, incentivado pelo pai, pulou uma cerca de proteção, ignorou os avisos de manter-se afastado e provocou primeiro um leão e depois o tigre. O desfecho todo mundo viu: teve o braço amputado na altura do ombro e terá a vida inteira para refletir sobre esse ato "corajoso". Esse acidente é exemplar, em todos os sentidos.
Quem acompanha minhas colunas sabe que há décadas eu insisto no declínio na qualidade do ser humano em sociedade. Especialmente no Brasil, país que parece caminhar ladeira abaixo no campo das relações humanas.
Felizmente alguém filmou e mostrou uma imagem que retrata o que vem acontecendo em uma sociedade desacostumada a respeitar uma autoridade. O garoto ficou por cerca de seis minutos atiçando dois felinos de grande porte, conhecidos por qualquer ser vivente como predadores. Até as pedras sabem que esses animais se alimentam de outros animais desde que o mundo é mundo. Tudo sob o olhar do pai.
Imediatamente após a divulgação das imagens começaram os julgamentos, principalmente os do "contra" e "a favor", seja do tigre, do garoto, do pai, do zoológico, de Deus etc. No atual modus operandi social de palpitar sobre tudo houve a esperada distribuição de culpa para todos os envolvidos, alguns até tentando amenizar o lado do garoto sob a alegação de que era "incapaz" de avaliar os riscos. Será? Com 11 anos alguém nesse mundo não sabe a diferença de um gato para um tigre?
Deixando um pouco o tigre de lado, vamos lembrar um pouco das histórias da Bíblia. Sem a menor conotação católico-cristã, mas apenas como exemplo. Muita gente atribui o pecado original ao sexo, fazendo uma analogia direta da mordida na maçã com rala e rola entre Adão e Eva. Mas Deus não poderia castigar o sexo, senão inviabilizaria a reprodução humana e jogaria por terra o famoso "crescei e multiplicai".
O pecado original que condenou Eva e seu amasio ao mundo terreno foi a DESOBEDIÊNCIA. Deus deixou bem claro: não coma a fruta dessa árvore! Simplesmente porque era a fonte do conhecimento. E quando Ele virou as costas lá foi ela e nhoc! Não tinha uma placa na macieira do tipo "fique longe, não coma". Por trás da desobediência está o conceito que quero chegar: o desrespeito!
Voltando ao zoológico, qual o padrão de comportamento dos visitantes: enfiar o braço na jaula ou manter-se afastado? Se uma criança violou o padrão é preciso olhar para esse caso isolado e tentar entender melhor de onde vem o comportamento tão prepotente.
Hoje em dia existe uma enorme confusão aqui em terras brasileiras com relação à educação. Também já escrevi sobre isso. E é um tal de pais entregarem seus filhos às escolas na crença cega de que o pimpolho sairá de lá um lorde inglês e com conhecimento de filósofo alemão. Mas em casa o filho faz o que quer, passa o dia no videogame, desobedece os pais e eventualmente despreza a autoridade dos empregados.
Educação é aquele conjunto de regras transmitidos de pais para filhos como uma carga genética. O que a escola transmite é ensino ou conhecimento. Portanto, escola não educa, quem educa é o convívio familiar. Já defendi mais de um milhão de vezes a mudança do nome de ministério da Educação para ministério do Ensino.
Pergunto, que tipo de pai pode gerar um filho tão incapaz de entender a regra mais elementar, bíblica e basilar da educação que é a obediência? Que tipo de exemplo esse garoto tem em casa para ignorar tão descaradamente os perigos que envolvem o enfrentamento de um animal feroz? Uma criança que atiça descaradamente um animal selvagem como o tigre respeita seus professores? Obedece seus pais? Será um adulto educado ou um sociopata?
É o reflexo da falta de cuidado na educação, não da escola, mas aquela da formação do caráter. Quem enfrenta um tigre é corajoso – como escreveram alguns – ou simplesmente desobediente?
Chamou-me a atenção o comentário de vários jornalistas que reforçaram o fato de no momento do acidente não ter nenhum vigia, embora o zoológico tenha se defendido alegando que a área é monitorada por quatro fiscais.
Ora, jornalistas são pessoas esclarecidas, viajam e normalmente voltam do exterior sempre com uma história de civilidade na ponta da língua. Ficam impressionados que nos museus americanos o visitante deposita o valor em uma caixa que fica ali, ao alcance de qualquer um, mas ninguém pega. Contam – impressionados – que na Áustria as padarias deixam o leite fora e as pessoas pegam e depositam as moedas em um pote, sem ninguém vigiando.
Mas cobram o fato de naquele local do zoo não haver um vigilante. É ISTO que quero chamar a atenção: educação não é um comportamento expresso diante de fiscalização, o nome disso é obediência. Educação é o comportamento do indivíduo quando não tem NINGUÉM olhando!
Por isso a Prefeitura de SP instalou mais uma centena de radares e câmeras de vigilância, porque o motorista só consegue se manter educado sob constante fiscalização. Porque não foi educado. Os motoristas/motociclistas mal e porcamente foram instruídos, quando foram... E os ciclistas nem isso!
Pela visão do jornalismo sensacionalista podemos perder a esperança em trânsito solidário sem que haja uma fiscalização opressiva e constante, como no zoológico. Não basta uma placa de proibido estacionar, precisa ter um fiscal. Não basta investir em passarela ou ciclovia, tem de fiscalizar. Não basta avisar que o leão é bravo, precisa colocar o braço lá dentro!
*(Devido ao número de acessos, não é possível mais publicar comentários neste post, se quiser pode fazer nesta sequência)
* Desculpem-me não me apresentar, mas este blog foi criado para artigos que não publico na imprensa aberta. Como era reservado mais aos amigos, nem sequer me dei ao trabalho de assinar, meu nome é Geraldo Tite Simões - Jornalista, escritor, especialista em segurança viária, duas filhas (bem educadas, eu acho...).
Escola não é a resposta para tudo!
A eterna luta para descobrir como melhorar a convivência no trânsito.
Ainda persiste o conceito equivocado que educação de trânsito dever ser matéria nas escolas desde o primeiro grau. Parece que a civilização moderna decidiu que a escola deve substituir toda ação educacional vinda da família e da sociedade. Como se colocar os filhos na escola resolvesse todos os problemas de formação, tanto intelectual quanto de caráter.
Em uma conversa sobre trânsito percebi que as pessoas ainda confundem conceitos elementares e isso pode explicar porque tanto se discute, mas nada muda. Portanto, antes de mais nada vamos rever alguns destes conceitos, pura e simplesmente no sentido científico e sem dar a mínima para o que se lê nas redes sociais, verdadeiras difusoras de preconceitos.
A começar pela Cultura – certamente é o conceito que gera a maior das confusões porque ganhou um significado distorcido. É comum ouvir nossas tias comentando “ah, fulano é uma pessoa cheia de cultura...” e assim o verbete “cultura” virou sinônimo de conhecimento, mas não é! Cultura é toda forma de expressão que uma sociedade lança mão para interpretar, mudar e se adaptar ao meio em que vive. Quando se fala em “cultura primitiva”, isso significa as pinturas rupestres, os utensílios, vestimenta etc. Hoje em dia cultura pode ser entendida como as manifestações artísticas, a moda, literatura, etc. Ou seja, não existe alguém com mais ou menos cultura do que ninguém! Cultura não é um conceito mensurável pelo sistema métrico. Até animais tem cultura!
A confusão se dá com o conceito de “conhecimento”, que esse sim é individual e depende exclusivamente do interesse que cada um tem em saber mais sobre o mundo que o cerca. Mas que também independe da formação ou grau de instrução, como escrevem nas fichas cadastrais. Pode-se encontrar pessoas com uma enorme bagagem de conhecimento e que jamais sentaram em um banco de escola. Da mesma forma que conheço catedráticos incapazes de conhecer a realidade que está um centímetro ao lado do seu ramo de atividade.
A formação da personalidade também depende do conceito de Inteligência. É mais uma característica que causa a maior confusão, porque se confunde com cultura e conhecimento. A inteligência é a capacidade individual de resolver problemas. Tem uma grande carga genética, mas também sofre influência do meio onde se vive. A inteligência sim, pode ser medida por meio de testes, que determinam o quociente de inteligência, famoso Q.I. e pode ser melhorado por meio de exercícios. Da mesma forma que atletas melhoram o desempenho por meio de treinos, a inteligência também pode ser melhorada com o treinamento constante do pensamento.
Uma das formas de melhorar a inteligência é estudando e aí entra a formação. Esta sim está ligada ao tempo e a qualidade dedicada aos estudos, que pode ser o estudo formal, os cursos pós-graduação ou o interesse pessoal. Também pode aumentar com o estudo frequente. Os verdadeiros sábios não param de estudar. Outra das confusões conceituais que se pratica é substituir formação por educação.
O conceito de educação pode ter nada a ver com frequentar escolas. Falar em educação alimentar, por exemplo, não remete à ideia de uma escola de gastronomia. Educar é sinônimo de seguir uma orientação, um regime. Infelizmente tornou-se sinônimo de ensino a ponto de hoje existir um ministério da Educação, quando na verdade dever-se-ia chamar ministério do Ensino. É graças a essa confusão que hoje a sociedade acha mesmo que a escola é a resposta para todos os males existenciais. Violência é falta de escola. Trânsito agressivo é falta de escola. Desemprego é falta de escola. Corrupção é falta de escola. Mas não é!
Escola não resolve os problemas de falta de educação, porque educação, como dizia minha vó portuguesa, vem de berço. Educação se aprende em casa, no convívio social. Vou dar um exemplo bem simples: um dos meus vizinhos deixa os filhos a maior parte do dia com as empregadas domésticas, que tem histórias de vida, formação e a educação delas. Elas gritam diariamente uma com a outra e eu ouço claramente as crianças imitando esse comportamento entre elas. Que tipo de adultos estas crianças serão?
Quando se fala em trânsito, as autoridades tem uma dificuldade quase irracional em entender que não passa de um convívio social. Como tal, a convivência saudável dependerá muito mais dos conceitos de educação e inteligência do que ensino e formação. Então por que raios insistem em enfiar “educação de trânsito” no currículo escolar? É uma BURRICE! Decorar leis só vai resolver UMA das necessidades que é a formação, mas não desenvolve a EDUCAÇÃO! Essa quem promove são os pais e o convívio social.
Quem chuta a cabeça de uma pessoa desmaiada na arquibancada de um estádio de futebol não precisa de formação, precisa de reeducação social. Quem dirige embriagado não precisa decorar os artigos do Código Brasileiro de Trânsito, precisa de reeducação social. E quem vai promover essa reeducação social? Não será a escola, porque esta já nem dá conta de garantir a formação acadêmica e os professores perderam há muito tempo o status de admiráveis. A única forma de promover a reeducação social é valorizar o ser humano. É parar de incentivar personalidades pífias como ex-BBB e começar a enobrecer o caráter. É parar de divulgar os salários milionários de atletas semianalfabetos ou apresentadoras sexys e cobrar da sociedade a volta do ser humano ao pedestal de animal racional – e ser social.
É desanimador ver que as pessoas continuam dirigindo falando no celular, porque a sociedade deixou de se importar com o todo e o Homem voltou a ser o centro do universo. Enquanto os pais continuarem a entregar a educação dos filhos à escola e aos empregados, sem olhar o que acontece debaixo do próprio teto, vamos caminhar felizes rumo ao abismo social. E ainda tem gente que perde tempo em fóruns de “como melhorar o trânsito”... Parem de querer melhorar o trânsito e comecem a trabalhar para melhorar o ser humano!
Todos os dias eu abro a porta de casa e dou de cara com cocô de cachorro na calçada. O bairro é residencial, de classe média-alta, zona sul de São Paulo. Cheio de casas acima de um milhão de reais e condomínios de luxo. Mas o cocô é a mais eficiente forma de nivelar qualquer sociedade, porque é sempre igual seja qual for o padrão.
Cansado de recolher essa porcaria decidi montar campana e ficar à espreita do cachorro sujão e consegui! Abri a porta e jamais esperava por tamanha surpresa. Imaginei de tudo, cachorro solto, esses “dogwalker” (nome afrescalhado de quem cobra pra levar os cachorros dos outros pra passear), criança, empregada doméstica, pensei em várias possibilidades, menos na real: uma dupla de pai e filho, cada um com seu cachorro, passeando e literalmente c**** e andando para o mundo.
Até pensei em chamar a atenção, levar um saco plástico de presente, fazer alguma coisa, mas os dois eram tão descaradamente brutamontes que pensei na possibilidade de ainda apanhar deles por querer que não sujassem minha calçada (sim, minha porque está no IPTU).
Essa cena explica muita coisa. Quando um pai dá este tipo de exemplo, ele está dizendo para o filho: “olha, meu filho, as outras pessoas são menos importantes para nós do que esse cocô de cachorro!”.
O que isso tem a ver com segurança de motociclista? Tudo! Hoje existe uma discussão interminável e inconclusiva sobre as atitudes que podem resultar na redução das vítimas de trânsito. Já se pensou de tudo: recrudescimento das leis de trânsito, aumento da fiscalização, alteração das vias etc. Mas pouco se faz no sentido de mudar o comportamento das pessoas.
Não é novidade e já publicamos várias vezes que a educação tem um papel fundamental e isto só o Estado não consegue perceber. Mas a educação como ferramenta de formação de motoristas e motociclistas mais bem preparados não é uma unanimidade. Hoje especialistas em educação de trânsito já derrubaram essa tese com a argumentação de que a escola fundamental mal consegue dar conta do currículo regular.
A grande esperança por uma mudança de comportamento estaria na família. Os pais deveriam ser os primeiros professores dos novos cidadãos. Especialistas apontam a cidade de Amsterdã, na Holanda, como o maior exemplo de educação de trânsito. Os pais dedicam horas a levar seus filhos em passeios de bicicleta, devidamente equipados e ensinando todos os detalhes como os limites de cada veículo, como funcionam os semáforos, as cores das faixas conforme o sentido de direção etc.
Aí deparamos com um pai que ensina ao filho que deixar sujeira de cachorro na calçada é o padrão certo de comportamento e recolher com saco plástico é para trouxas. Que tipo de convivência social podemos esperar dessa família?
O papel multiplicador da família ainda é o caminho mais reto e curto para a educação formal. Se estamos vivendo uma crise moral sem precedentes não podemos jogar a responsabilidade na escola, como querem os administradores de trânsito, mas na formação individual do caráter, papel estritamente do convívio familiar.
Moto, não!
Periodicamente são divulgadas estatísticas sobre acidentes envolvendo motociclistas. Uma delas mostra que nos últimos 15 anos aumentou em 800% o número de vítimas em motocicletas. Já vi todo tipo de manipulação de dados, mas este foi campeão! Aposto que em 1930 o aumento no número de acidentes de trânsito deve ter crescido em uma progressão geométrica muito maior! Afinal, foi em 1929 que os automóveis começaram a ser produzidos em escala industrial.
Já ouvimos todo tipo de bobagem envolvendo segurança de motociclista. Algumas preconceituosas e tendenciosas como a proibição de transportar passageiro e recentemente a idéia absurda de colar o número da placa da moto no capacete do motociclista. Em todo o Brasil a preocupação (atrasada) com estas vítimas tem resultado em medidas das mais absurdas – como simplesmente fazer de conta que não existe – até sugestões como a proibição de circulação das motos entre os carros.
Como a administração pública precisa correr atrás da cura para uma doença que ela mesma deixou se espalhar, o sonho de cada prefeito seria pura e simplesmente proibir a venda e circulação de motos. Imagine a felicidade que um prefeito, vereador ou deputado teria em anunciar que foi o responsável pelo fim dos acidentes envolvendo motociclistas.
O trânsito é uma competência municipal, baseado no Código Brasileiro de Trânsito. Prefeituras têm poder de criar ou vetar leis que regulamentam o trânsito de forma a garantir a segurança dos seus cidadãos ou aumentar a arrecadação. A grande imprensa já mostrou várias reportagens denunciando a indústria da multa. Já gravaram conversas entre as empresas fornecedoras dos radares com prefeitos e secretários nas quais eram revelados os dados estatísticos que garantiam o aumento na arrecadação em mais de 30% da noite pro dia.
Hoje temos uma situação bem clara de busca de arrecadação por meio das multas. Dinheiro que tem livre aplicação e pode servir até mesmo para sustentar campanhas políticas, já que em mais uma distorção típica do Brasil o trânsito é uma atribuição administrada por políticos. Diretores de detrans e ciretrans são nomeados por políticos e isso já exclui qualquer possibilidade de uma administração honesta e competente.
Veja, por exemplo, as enormes dificuldades que um cidadão comum tem para transferir um documento. Tudo para evitar fraudes, embora a cada ano cresça o número de veículos roubados.
Portanto estamos diante de uma realidade de difícil gerenciamento. De um lado temos os dados de acidentes envolvendo motociclistas. Do outro lado temos a incapacidade de gerenciamento do trânsito por ser uma atribuição política e não técnica. Junto a isso tudo temos pessoas com comportamento cada vez menos social e mais individual, tratando o bem público como privada. E a pressão da União pela redução das vítimas que oneram o sistema de saúde pública.
Você acredita mesmo que tem solução? Aquela idéia estapafúrdia de proibir a produção, venda e circulação de motos começa a não ser tão absurda assim! Aposto que este é o sonho do ministro da Saúde e de muito prefeito!
(neste estranho país tudo é ao contrário...)
Os meus leitores conheceram o Lisarb, país no qual tudo é ao contrário. Mas a cada dia surgem novas leis, comportamentos e manias que levam a crer que um dia Lisarb será oficial e Brasil será o estranho. Quer uma prova? O Brasil ficou chocado com a notícia da modelo Ana Carolina Reston, que morreu de magreza aos 21 anos, em 2006. Nem na Etiópia uma pessoa com aquele corpo seria considerada gorda, mas no mundo da moda o bonito é ser cadavérico. Sem o cheiro, por favor, só a aparência! A mídia – num excelente exemplo de necrofilia – estampou a foto da menina – com 40 kg! – nas primeiras páginas de várias publicações.
(Ana Carolina, tão jovem, tão linda e tão magra...)
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