Sexta-feira, 7 de Outubro de 2011

Dogma e ciência

 

Tu terias coragem de frear esta coisa a 250 km/h??? 

 

Ciência e dogma

 

O conceito de dogma é normalmente associado à religião, porque são aquelas teorias para as quais o argumento mais sólido é o famoso: “é assim porque Deus quer”. Não tem dados estatísticos, comprovação científica, experimentação, nada, apenas uma decisão teocrático e pronto!

 

Felizmente para contrapor aos dogmas e teocratas existe a ciência e os cientistas, que ao longo dos anos criam ou alteram o conhecimento humano à medida que avançam as técnicas de experimentação e observação. Muitas teorias aceitas menos de 50 anos atrás hoje já foram derrubadas ou alteradas. A própria teoria do equilíbrio das motos está sob suspeita. Até hoje acreditava-se que as motos e bicicletas se equilibravam pelo efeito giroscópico provocado pelas duas rodas em movimento. No entanto um recente estudo do professor americano Andy Ruina derrubou essa teoria ao criar uma bicicleta que isola o movimento giroscópico por meio de contra-rotores. E a bicicleta se manteve equilibrada assim mesmo... Segundo o professor, a bicicleta se auto-equilibra pelo contra-esterço automático da roda dianteira, mas isso é um assunto espinhoso que darei o link no final para observação.

 

Como o desenvolvimento científico nunca pára é natural que alguns conceitos que antes pareciam insofismáveis hoje sejam considerados errados. Se isso acontece em matérias tão exatas como astronomia, engenharia e Física, imagine o quão mutante podem ser as teorias menos “estáveis”. Uma das mais aceitas teorias do Einstein, sobre a velocidade da luz ser a maior possível, está em vias de ser derrubada após a descoberta da velocidade dos neutrinos.

 

Nesta categoria de menos estáveis, posso incluir, literalmente, a pilotagem de carros e motos. Recentemente um artigo de minha autoria causou verdadeiro caos na comunidade internética, especialmente nos fóruns, ao derrubar o mito do freio-motor como agente contribuinte nas frenagens de emergência. Até entendo que às vezes um mal entendido pode ser resultado de um mal explicado. Mas na verdade percebi que as críticas mais severas foram redigidas de forma tão grosseira que prefiro acreditar que tenha sido um surto epidêmico de incapacidade de interpretação de texto. Afinal, não podemos ser responsabilizados pelo que as pessoas entendem, mas somente pelo que explicamos.

 

Portanto vou retomar o tema “frenagem” para esclarecer o assunto. Em primeiro lugar é bom que se separe os dois tipos de frenagem: a programada e a de “emergência”. Assim mesmo entre aspas, porque um bom motorista/motociclista não deve se permitir uma situação de emergência. O verdadeiro motociclista/motorista de alto nível se mantém tão antenado a ponto de estar 100% a par de tudo que se passa à sua volta.

 

A frenagem programada já foi detalhada na última coluna, clique para ver. Vou detalhar como funciona a frenagem de emergência, aquela que o motociclista precisa parar no menor espaço possível.

 

Primeiro, saiba que a frenagem é uma aceleração negativa, portanto é um dado exponencial e não absoluto. Se uma moto a 100 km/h freia em 35 metros não significa que a 200 km/h percorrerá 70 metros até parar. A distância certa será por volta de 150 metros, dependendo de uma série de variáveis como atrito, pneu, suspensão etc.

 

Por isso é perigoso achar que vai conseguir frear uma moto em alta velocidade só porque ela tem sistema ABS. Nada disso, o fator velocidade é determinante na hora de frear.

 

Mas a grande confusão ocorre por causa do velho conceito equivocado do freio-motor. Para começar freio é freio e motor é motor, punto e basta! Portanto não existe (em veículos leves) o tal freio motor. O que existe é um leve efeito redutor do conjunto motor-câmbio. A confusão foi provocada lá atrás, nos primórdios dos automóveis, quando os freios eram acionados por travões rígidos e usavam sapatas de lona contra um cilindro, chamado de tambor ou panela. Os freios eram péssimos e aqueciam com facilidade, causando fadiga por calor, chamado de “fade”.

 

Para enfrentar longas descidas, alguns veículos pesados contavam com uma caixa redutora de marchas para que o motor ajudasse a segurar a velocidade das rodas. Nos carros com motor dois tempos – sim, existia carro 2T – havia um sistema batizado de “roda presa” que servia como auxiliar nas descidas, pois o motor 2T tem baixa taxa de compressão e o motor não conseguia conter a velocidade só pela redução.

 

Hoje em dia os modernos caminhões contam com sistemas eletrônicos de auxílio de frenagem, não existe mais carro 2T nas linhas de produção e o câmbio automático se popularizou, limitando a ação redutora do motor/câmbio. Em compensação os freios são hidráulicos, a disco, com sistema anti-travamento e sistemas eletrônicos de controle de pressão.

 

Em suma: se os veículos mudaram – para melhor – é aceitável que as técnicas de pilotagem também mudem. Pena que as pessoas não mudaram e continuam acreditando em velhos conceitos.

 

No caso das motos, especialmente as esportivas que chegam a mais de 16.000 rpm no motor, falar em freio-motor é um retrocesso. Não se usa o motor para frear em uma situação de parada no menor espaço. Se o motociclista tentar frear reduzindo marchas a roda traseira travará facilmente iniciando a derrapagem. Além disso, com o motor a 9.000 rpm não há como reduzir a velocidade da roda traseira, que em vez de frear a moto vai acabar empurrando. Tem mais: o câmbio de moto é sequencial e não seletivo. Para reduzir da quinta marcha para a terceira é preciso passar pela quarta. Imagine uma moto a 120 km/h, em sexta marcha, aí na hora de frear o motociclista precisa: acionar a embreagem, reduzir para quinta, soltar a embreagem, acionar de novo, reduzir para quarta, soltar, acionar de novo... até chegar na primeira marcha!!!

 

Por outro lado, se o motociclista “matar” o motor acionando a embreagem, ele só faz duas operações: apertar a embreagem e frear!

 

O jeito certo de parar uma moto (e carro) no menor espaço possível é acionar a embreagem e comandar os freios, começando pelo traseiro e passando para o dianteiro. Pronto. E desafio qualquer pessoa a frear no menor espaço possível reduzindo as marchas enquanto freia.

 

Para perceber o quanto o motor atrapalha a frenagem, faça uma experiência bem simples. Engate a primeira marcha e solte a embreagem no plano. Deixe a moto (ou carro) ganhar velocidade sem usar o acelerador. Depois tente frear sem usar a embreagem. O motor “empurra” a roda e não deixa o veículo parar. Basta apertar a embreagem que o veículo pára imediatamente.

 

Quando explico isso no curso SpeedMaster de Pilotagem sempre aparece alguém que pergunta: “mas professor, porque nas corridas os pilotos reduzem as marchas na hora de frear? Não é para melhorar a eficiência da frenagem?”.

 

Não, não é. Os pilotos não param as motos antes de cada curva, eles PROGRAMAM a frenagem e só reduzem a marcha para que o motor tenha rotação na saída de curva. Tem nada a ver com a eficiência da frenagem.

 

Uma observação: nos scooters, equipados com câmbio automático CVT (por polia variável), quando se solta o acelerador nas frenagens a embreagem “desacopla” e deixa como se o motor estivesse em marcha-lenta. Por isso é preciso forçar mais os freios e consome mais pastilhas e lonas. O mesmo que se repete nos carros automáticos.

 

Por fim queria lembrar que os artigos levam em conta a maioria das motos atuais, que usam freios comuns, com ou sem sistema ABS, e sistemas separados de freio. Não adianta me escrever afirmando “é, mas nas motos com dual-CBS funciona diferente”. Sim, funciona, porque o sistema “pensa” e faz tudo sozinho, mas eu não posso especificar cada modelo de moto produzido no mundo sob risco de passar o resto da vida escrevendo!

 

A explicação para a bicicleta sem efeito giroscópico está aqui: http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=bicicleta-sem-ciclista-teoria-equilibrio

publicado por motite às 20:26
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