Segunda-feira, 6 de Novembro de 2023

Prostatite 4: você tem medo de quê?

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Ficar pendurado a 90 metros do chão dá medo?* (Foto: Leandro Montoya)

Quando foi a última vez que você sentiu medo?

O medo é um mistério que filósofos, escritores e poetas já tentaram definir desde que o mundo existe. Como explicar medo e coragem de forma racional? Já tentei algumas vezes em textos intermináveis e modorrentos, mas a melhor explicação vi na série Agente 86. Quando capturado pelos agentes da Kaos, o agente Maxwell Smart, mesmo amarrado, diante dos algozes afirma:

– Sou um agente treinado para resistir todo tipo de tortura e desconheço o significado da palavra medo!

Até que entra o carrasco cheio de aparelhos de tortura e o agente explica:

– Medo significa sensação de ansiedade diante do perigo!

Foi a melhor forma de explicar para as pessoas o que é medo. Poderia substituir por “sensação de ansiedade diante do desconhecido”. Porque nem sempre o medo é reflexo de algum perigo, mas certamente é de algo que não conhecemos, ou não sabemos como vai terminar.

Por mais de 40 anos pratiquei várias atividades que podem matar uma pessoa: corrida de moto (em diferentes modalidades), ciclismo de down hill, escalada e até velejar num barquinho monocasco de 12 pés em plena tempestade no meio do canal de Ilhabela. Fora os anos pilotando moto nas ruas e estradas, aprontando tudo que um adolescente irresponsável poderia fazer. Se minha mãe soubesse metade do que eu fazia perderia o sono pro resto da vida.

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Medo de andar grudado no meio dos pilotos? Não, eu sou o 14! 

Mas especialmente nas corridas de motovelocidade o que mais ouvia era a mesma pergunta:

– Você não tem medo?

Para surpresa do perguntador, que invariavelmente esperava uma resposta do tipo “claro que não”, eu surpreendia com a sinceridade:

– Lógico, eu sou humano, sinto medo como qualquer ser vivo com sistema nervoso central!

Qualquer piloto de corrida, de qualquer modalidade, sente medo. Só existem dois tipos de pessoas que não sentem medo: o louco e o mentiroso. O louco dura pouco nas atividades de alto risco. Mentiroso está cheio. A diferença é que nas pistas os pilotos controlam o medo, porque, ao contrário do que se pensa, tudo é milimetricamente calculado.

É graças ao medo que checamos e conferimos tudo várias vezes antes de entrar na pista. Não dá medo fazer uma curva a 200 km/h com outro piloto colado a poucos centímetros porque os dois se conhecem e sabem muito bem o que o outro vai fazer.

Enquanto há controle o medo fica guardado em algum canto. Mas basta perder o controle para o medo aflorar como um chafariz e inundar nossa corrente sanguínea de adrenalina. Cair de moto a 200 km/h dá muito medo porque demora pra acabar. Durante todo o tempo que o piloto está voando, ralando, esfregando e espetando pelo asfalto como um pino de boliche passa uma eternidade com a mesma dúvida: “como isso vai terminar?”.

Uma vez caí a 200 km/h em Interlagos e enquanto meu corpo deslizava pelo asfalto em direção ao guard-rail eu só pensava “putz, acho que vou me arrebentar todo”. Felizmente só tive uma mínima escoriação no dedinho da mão direita.

Em outra situação, escalando a Pedra do Baú, em São Bento do Sapucaí, caí cerca de 12 metros numa situação inesperada, porque o pedaço de pedra que estava me segurando soltou-se e eu voei de costas, olhando a rocha de afastando e esperando pela pancada fatal. Neste momento eu pensava “putz que sacanagem, vou morrer aqui, dar trabalho para os meus amigos, minha mãe vai sofrer um monte, que merda!”. Como você pode ver, não morri, me ralei muito mais do que naquele tombo de moto e quebrei um dente. Mas o medo que senti foi tão forte que fiquei anos sem voltar a escalar.

Sexo, como é que eu fico sem sexo?

Depois da consulta na qual ficou definido pela cirurgia, voltei pra casa de novo no modo automático. Expliquei pra Maria as três opções e ela não titubeou um décimo de segundo ao sugerir a cirurgia. Muitos anos depois, ela revelou que temia pela minha vida, porque não sabia a extensão do câncer, mas sofreu calada, algo que hoje lamentamos muito. Mas naquele dia – e em todos os outros – ela não demonstrou este medo. Justamente para não colocar mais pressão sobre mim.

Certamente o médico que me atendeu conversou com meu irmão que me ligou no dia seguinte para ir no hospital conhecer o centro cirúrgico. Experiente e sensível, meu irmão achou que isto me acalmaria. A ideia era apresentar as pessoas que cuidariam de mim antes, durante e depois da cirurgia. Achei a ideia muito boa e fui.

O complexo hospitalar incluía maternidade, pronto-socorro, todas as especialidades e meu irmão era (e ainda é) responsável pela UTI. Ele me equipou com as roupas especiais e levou pra conhecer as alas do hospital por onde eu passaria, incluindo a UTI, caso tivesse necessidade. Apresentou médicos, enfermeiras, assistentes, anestesistas a galera toda. Todos extremamente amáveis, atenciosos e procurando levantar o astral.

Quando entramos no elevador estava lotado de enfermeiras. Meu irmão, gaiato por natureza, não sei se por sacanagem ou não, perguntou para uma delas sobre o pai, que tinha passado pela mesma cirurgia de prostatectomia radical. Ela comentou:

– Ele está bem de saúde, mas meio abatido porque mexe muito com a cabeça.

E meu irmão, na gaiatice de sempre, comentou:

– Sim mexe com as DUAS cabeças!

Todas riram e concordaram. Uma delas seria a enfermeira que cuidou de mim depois da cirurgia. Na hora morri de vergonha.

Quando saímos comentei:

– Pow, você queria me acalmar ou me deixar mais nervoso? Estou prestes a ficar impotente e você toca no assunto num elevador cheio de enfermeiras!

– Relaxa, existem outras formas de prazer!

Este é meu irmão!

Minha irmã, que trabalha no mesmo hospital, foi um pouco mais, digamos, profissional, e me acalmou dizendo que daria tudo certo e que eu seria operado pelo professor de urologia.

Mas não foi tão simples assim. Entre o dia do diagnóstico e a cirurgia passaram-se meses. Não sei dizer quanto, fiquei mais de seis meses enrolando, sempre inventando uma desculpa quando a assistente social me ligava para marcar o dia da cirurgia. Primeiro eu dizia que não podia parar naquele período porque a minha empresa precisava de mim presencialmente. Depois inventei que estava com todo tipo de infecção, depois eram as viagens a trabalho e assim fui criando todo tipo de história pra adiar, quando no fundo, no fundo estava era morrendo de medo.

Não da cirurgia, porque eu já tinha sido operado antes, convivi com médicos na família por quase toda a vida e trabalhei em hospital. De cirurgia eu entendia muito, conhecia os riscos e dificuldades, nunca me preocupei. O medo era do que viria depois. Não clinicamente, mas psicologicamente e fisiologicamente, principalmente a palavra que não saída da minha cabeça: impotência!

O sexo começou cedo na minha vida. Muito mais cedo do que o normal. Mais precisamente aos nove anos de idade. Isso mesmo que você leu: 9 anos. Não é fácil falar e escrever sobre o tema, só consegui me abrir agora, em 2023, graças à terapia. Minha iniciação sexual se deu por meio de abuso. Por uma auxiliar da minha escola. Era uma moça de uns 16 anos, bem bonita, de pele muito macia cor de canela, cabelos bem pretos e longos, que colocava a mão por dentro da minha calça, me deixava excitado e me masturbava no ônibus escolar.

A primeira vez que tive aquela sensação de explosão meu corpo todo parecia eletrizado. Era um arrepio bom, seguido de uma felicidade inexplicável e saía um líquido do meu pinto. Eu queria e precisava daquilo todo dia. E passaria o resto da vida em busca dessa sensação, de forma doentia, desequilibrada e que responsável por grandes destruições na minha vida.

Aí eu pergunto: você tem medo de quê? Eu, aos 58 anos, tinha medo de passar o resto da vida sem sexo. Como diz Roger, do Ultraje a Rigor, “Sexo, como é que eu fico sem sexo???”

* Esta foto é uma ilusão, na verdade estou a menos de 1,5 metro do chão, mas parece que está alto! Eu jamais escalaria sem corda!

(Continua...)

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publicado por motite às 23:33
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Quarta-feira, 25 de Junho de 2014

Minhas copas & motos

O futebol perdeu para a paixão por esta moto...

O que eu fiz nestes últimos 50 anos com relação à Copa do Mundo

 Ninguém nasce Tite por acaso. Esse não é meu nome de batismo, mas só fiquei sabendo disso com seis anos de idade, ao entrar na escola. Depois de uma semana reclamei pra minha mãe:

 A professora não fala meu nome na chamada! chama todo mundo, menos eu! Mas tem um tal de Geraldo que nunca vai na escola!

 Esse Geraldo é você, seu nome é Geraldo Simões.

Nunca me recuperei desse choque de me chamar Geraldo.

 O apelido Tite nasceu comigo porque meu pai foi jogador de futebol, na época que futebol era uma paixão. Não teve uma carreira longeva porque num dado momento a vida o colocou diante de uma encruzilhada: ser jogador ou sustentar a família. Naquele tempo o futebol ainda não era uma caixinha de dólares e ele decidiu pela segunda opção. Mas o amigo dele seguiu carreira, se tornou  até uma celebridade no Santos FC e em homenagem a ele eu virei Tite. E filho de um ex-jogador de futebol.

 Já sentiu a carga de responsabilidade?

Cresci vivendo, respirando, almoçando e jantando futebol. Meu pai me levava aos jogos e quando o Corinthians fazia gol ele me jogava pra cima umas três vezes e até hoje lembro do frio na barriga a cada voo. Ganhei dezenas de bolas de futebol. Assistia jogos em estádios desde que me conheço por gente e minha casa era frequentada por jogadores de futebol. O primeiro contrato de publicidade do Pelé foi com uma cachaça! Isso mesmo, a Caninha Pelé e quem redigiu o contrato foi meu pai, então recém-formado em contabilidade.

Percebeu a minha situação? Mas... o futebol não pegou na minha veia. Nunca consegui jogar e até minhas primas jogavam melhor que eu!

Minha primeira Copa do Mundo depois de nascido foi 1962, mas juro que não lembro de nada, só tinha três anos. Depois a de 1966 lembro vagamente do meu pai de orelha colada no rádio de pilha, xingando e gritando. Mas aí veio 1970 e tudo mudou!

Até hoje lembro a alegria ao ver um aparelho de TV Telefunken entrando em casa. Meu pai apertou um botão e... ooohhhh televisão a cores! (eu ainda não sabia do meu probleminha com as cores... só descobri com 12 anos).

Tínhamos TV a cores, uma seleção com jogadores amigos do meu pai em campo e uma euforia deliciosa pelas ruas. Aí sim fui contaminado. Fizemos bandeiras enormes com resto de tecido, enfeitamos o carro, pintamos as ruas, bandeirolas, foguete, festa e o climax: Brasil tri-campeão! Acertei o resultado contra a Itália e ganhei o único bolão da minha vida. Todo dinheiro virou carrinhos Matchbox.

O futebol me pegou com tudo. E acho que toda geração que viveu o Tri foi contaminada.

Pena que durou pouco. Apenas dois anos depois meu pai apareceu com uma novidade que mudaria minha vida: comprou uma moto! uma Suzuki A 50II e o futebol - e todo resto - desapareceu do meu pensamento. Foi amor ao primeiro cheiro de óleo dois tempos. Adiós futebol!

As outras copas

A única coisa que me lembro da Copa de 1974 é que o Pelé não jogou, mas o Rivelino jogou e só sei disso porque ele também era amigo do meu pai. De resto nem sei onde foi realizada.

A de 1978 eu já trabalhava como redator publicitário em uma agência de propaganda. Tinha uma Honda CB 400Four e vida de mauricinho. Nesta copa os jogos eram realizados no horário do expediente, como a de hoje e os chefes nos dispensavam pra ver os jogos, só que tínhamos de voltar.

A partir de 1977 meu interesse por futebol sumiu de vez porque entrou a gasolina

Como eu não fazia a menor questão de ver jogo algum, reparei que uma bela diretora de arte também não saía pra ver os jogos e aproveitava para adiantar o serviço. Eu também tratei de adiantar o meu serviço e descobrimos que tem coisa muito mais legal pra fazer em 90 minutos de folga no trabalho...

Lembro que no jogo do Brasil x Argentina fomos almoçar numa cantina italiana e, claro, só tinha o casal de pombinhos arrulhantes, para desespero dos garçons extremamente mal humorados. Acho que todos cuspiram na minha comida, sem falar em coisa pior, porque, se não me falha a memória, o jogo acabou empatado. E eu fui despedido porque não sabia que a diretora de arte era paquera do dono da agência.

Já a copa de 1982 passou batida mesmo, não lembro nem sequer onde foi, quando foi e quem ganhou. Mas tudo começou a mudar em 1986...

Não, eu não passei a gostar de futebol, mas depois daquela experiência alternativa de 1978 com a diretora de arte comecei a entender que copa do mundo era sinônimo de horas de tranquilidade, vários dias. Essa copa ficou marcada para mim porque a Honda lançou a CBX 750F, a maior moto comercializada no Brasil da época, pelo menos à venda legalmente!

O Brasil iria jogar contra a França já na fase de mata-mata. Olhei pra garagem da editora na qual trabalhava, vi a CBX 750F preta implorando por um passeio e decidi que o dia certo era esse, assim pegaria a estrada vazia e sem polícia! Olhei pro mapa e pensei: "puxa, não conheço Brasília!"...

Graças à minha sorte, o jogo teve prorrogação, disputa de pênaltis, par ou ímpar, batalha naval e demorou uma eternidade pra acabar. Nunca Brasília foi tão perto, tudo por conta daquela velha equação de espaço sobre tempo etc. Se aquele motor não fundiu nesse dia nunca mais. Mas como sempre fui um cara que preza os próprios ovos, quando parava pra abastecer perguntava o placar, assim controlava o quanto teria de estrada livre. Até que um caminhoneiro deu a notícia: o Brasil fôra eliminado. Decidi parar no primeiro hotelzinho e dormir porque sabia que a ressaca seria brava e a estrada estaria cheia de bebuns!

(A título de curiosidade, no dia seguinte o Ayrton Senna venceu o GP dos Estados Unidos de F-1 e para responder aos franceses da Renault exibiu uma bandeira do Brasil após a bandeirada e isso viraria moda em outras modalidades).

E chegou 1990 e mais uma vez dei a mínima pra Copa do Mundo e confesso que nem sei onde foi realizada, mas em épocas de Google fui lá pra saber: foi na Itália. Bella roba!

Até que veio 1994 e algo de mágico aconteceu...

 Interlagos todo meu...

O ano de 1994 foi um marco na minha relação com o futebol. Novamente os jogos foram em um horário que permitia ser despachado pra casa. Eu era editor da revista Duas Rodas e com uma equipe reduzida tinha de me desdobrar para fechar as edições no prazo. Por isso lembrei daquela diretora de arte e eu aproveitava os dias de jogos do Brasil para ficar sossegadão, sozinho, adiantando meu lado, sem telefone tocando nem ninguém pentelhando. Uma beleza.

 Só ficava eu e o diretor de redação, Josias Silveira, outro que estava nem aí pro futebol. Ele sabia que eu estava lá na redação todo tempo, sem TV nem rádio ligado e isso funcionava muito bem.

Além disso, era colaborador da revista Auto Esporte e recebi uma ligação do fotógrafo Luca Bassani, outro futeboless que teve uma ideia genial: precisávamos fotografar uma moto esportiva, a Yamaha R1 e seria ótimo aproveitar a cidade vazia!

Boa, respondi, mas tenho uma ideia melhor: vamos pra Interlagos!

Depois da reforma que reduziu o circuito de Interlagos sobraram algumas curvas do circuito antigo e eu costumava usar esses trechos para as produções de foto. E lá fomos nós!

O dia era 9 de julho, jogo do Brasil x Holanda. Assim que parei no portão do autódromo com a R1 e vestindo o macacão de couro o porteiro quase enfartou:

 Aaaaaaaahhhh não, hoje não! Hoje tem jogo do Brasil.

Fiquei lá argumentando, conversando e o tempo passando e o porteiro desesperado pra ver o jogo. Até que ele pegou a chave do cadeado, me entregou e despediu-se com um:

 Só me faz um grande favor: não morre nessa merda hoje!

Bom, atendi o pedido, mas imagine o que significa receber a chave de Interlagos por duas horas inteiras! Assim que passamos pelo portão o Luca falou:

 Pô, pra que usar a pista velha se estamos sozinhos e com a chave de casa! Vamos usar a pista toda!!!

Olha, eu não morri, claro, mas se você quiser saber como é o paraíso passe duas horas dentro de Interlagos com uma Yamaha R1 debaixo do braço sem ninguém pra lhe aperrear!

As fotos ficaram maravilhosas porque o Luca é artista e louco. Nos tempos da câmera analógica, filmes chromo, sem os mecanismos de gripar máquina como hoje, nós prendíamos o equiipamento usando pedaços de tripés, rolos de silver tape e nenhum juízo. A máquina tinha acionamento por controle remoto e o Luca ia correndo a pé, ao lado do asfalto, disparando as fotos. Uma comédia.

 E eu gastei um par de pneus sem o menor remorso. Cheguei a fazer várias voltas no sentido contrário só pra ver como era. Interlagos todo meu, nunca mais tive isso na vida!

 Mas a grande revolução seria no último jogo, a final do Brasil X Itália. Ali tudo iria mudar... pra sempre!

 Uma das pautas da Duas Rodas era o teste de uma Yamaha TDM 900. E o fim de semana de 16 de julho seria perfeito, porque a previsão de tempo era céu claro, zero de chuva e no domingo seria a final da Copa do Mundo. Ótimo, ninguém nas ruas e estradas...

Peguei a moto com a pretensão de moer a bicha, ver se ela era realmente uma fun-bike e se enfrentaria uma estrada de terra. Monte Verde, na divisa de SP e Minas parecia perfeito porque tinha estradas de asfalto com muitas curvas e uma estradinha de terra honesta.

Como previ, domingo amanheceu  ensolarado, mas estranho. Ninguém nas ruas e o jogo também demorou muito, com prorrogação, pênalti, jogo da velha, dardo etc. Passei o tempo todo rodando de moto e fotografando sem nem uma viv'alma por perto. Quando estava já escurecendo começou a bagunça: o Brasil tinha conquistado o título depois de um jejum de 24 anos. Imagine a festa!

Parei na vila e as pessoas estavam enlouquecidas mesmo! Mas um estava especialmente doidão. Um suíço, dono de um bar, pirou o cabeçote totalmente. No maior pileque do mundo - e devo dizer que donos de bares não devem ficar de pileque - ele beijava todo mundo, chorava de alegria e porque todo bêbado chora. Até que tomou a pior das decisões, subiu numa mesa e gritou com o sotaque alemão:

 Tzô tzanto feliz que agorra é open-bar! Podem beber o que quiserrem, non preziza pagar nada! É tudo por minha conta... e capotou!

Só pra conferir chamei o cabra de lado e perguntei:

– Spinnst du? Alles frei?

 Jaaaaa, mund frei!

Se tem uma palavra que vale a pena saber em vários idiomas é "grátis"...

Desnecessário dizer que foi um dos maiores porres da minha vida. Misturei tudo que era líquido e engarrafado. Acho até que tomei um gole de querosene! De repente me dei conta que não era o mundo que estava girando, mas eu mesmo. Por mais que me agarrava à mesa ela continuava girando que nem um carrossel. E lembrei que a TDM estava lá fora, me esperando pra voltar pro hotel. Mein Gott!

Olhei pra moto e pensei: estou perto do hotel, conheço bem o caminho, acho que dá pra pilotar. Assim que conheci a TDM xucra, porque eu subia de um lado e caía do outro. Num frio de lascar, tremendo, percebi que não teria outro jeito senão voltar a pé, quer dizer, a pé, de joelhos, rastejando, de qualquer forma, mas a moto ficaria ali mesmo, no estacionamento do das boteken!

Não me pergunte como cheguei ao hotel, mas tinha terra até no ouvido. Ainda consegui tomar banho, deitar na cama e... nunca mais acordar!

Pela segunda vez na vida tive aquela sensação da alma saindo do corpo, conversar com Deus, ter visões de minhas vidas passadas etc, mas era só ressaca mesmo. Quando o mundo parou de girar olhei pro relógio: era 13:00 horas da segunda-feira e meu fígado nunca mais esqueceu desse dia... Eu levantava da cama e capotava de novo. Foi assim até as 15:00 horas...

Enquanto isso, na redação da Duas Rodas todo mundo estava preocupadíssimo, porque todos os fanáticos foram trabalhar, menos o agnóstico de futebol. E tinha viajado de moto!

 Morreu, decretou Josias Silveira! Esse FDP morreu na estrada, deve ter rolado um barranco e ninguém viu o corpo. Só vão achar quando ele apodrecer! Como vou avisar a família?

Mais uma vez não morri, mas cheguei bem perto disso, porque viajar 220 km, de moto, com uma ressaca dos infernos é o mais perto que alguém chega da morte. Só apareci na terça-feira, amarelo, com a moto toda suja e quando eu pensava que ia levar o maior esporro o Josias me abraçou, quase me beijou:

 PORRA, VOCÊ ESTÁ VIVO!!!

So what?

Não foi a ressaca, nem a minha experiência de quase morte, nem o Galvão Bueno gritando éééeéé teeeeeeeeeetra, nem a festança que tomou conta do Brasil. O que me fez, depois de 26 anos, voltar a me interessar por futebol foi a alegria das minhas filhas.

Elas acompanharam os jogos, torceram, sofreram e se alegraram e o pai delas estava nem aí, passeando de moto. Não estava sendo justo com elas. Todos os filhos viveram aquela conquista abraçados aos seus pais, como eu vivi em 1970 e meu pai me jogava pra cima a cada gol do Brasil. Não podia tirar das minhas filhas o direito a um pai normal.

E foi assim, no outono de 1994, que passei a gostar de futebol, sem fanatismo, sem exageros, nem conhecimento - até hoje não entendo o impedimento. Procurei cumprir a minha divina função de pai e de filho e passei a acompanhar os jogos só para mostrar o interesse ao meu pai e não podar esse prazer das minhas filhas. Se me pego discutindo futebol é por mera inércia e se até alimento alguma simpatia por um time ou pela seleção brasileira é pouco ou nada a ver com fanatismo ou paixão, mas posso dizer que é simplesmente por amor e respeito às pessoas que gostam.

publicado por motite às 01:41
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Quarta-feira, 14 de Maio de 2014

Imagina na Copa

 

Em homenagem à Copa do Mundo e todos os gringos que baixarão por aqui, uma doce lembrança do Rio de Janeiro nos anos 80. Esta crônica faz parte do livro O Mundo É Uma Roda, que vc pode adquirir comigo mesmo, assinado, autografado e beijado pelo e-mail tite@speedmaster.com.br pela bagatela de R$ 30,00 + frete. Pede logo que estou duro!

 

O Rio de Janeiro continua lindo

 

Histórias de um fotógrafo de Fórmula 1

 

Estava eu, zanzando pelos boxes de Jacarepaguá em 1981 (ou 83, sei lá) quando um grupo de jornalistas alemães brancos como umas bribas chegou na maior cara de pau me pedindo pra levá-los no Maracanã ver jogo de fussball. “Nem f***”, respondi educadamente, porque não curtia futebol naquela época e aqueles caras fediam tanto que jamais entraria num carro com aquele murundum todo. Até que um deles sugeriu “entao vamos ver um sambao” (assim mesmo, sem til nos as). E continuei ajeitando minha Pentax ME Super II sem ligar pros caras até que um deles falou a palavra mágica: “Nós podemos pagar!”.

“Uh, money makes the world go around”, pensei com meus botões e mandei um valor pros caras recusarem: 50 Marcos por cabeça (dava mais de 50 dólares cada). Os caras toparam!

- Ja, gehen vier jezt, leute! – comecei a falar alemão de uma hora pra outra.

Só que eles estavam em seis e eu de moto. Liguei prum cumpadre carioca e disse que tinha 20 pratas (brasileiras, é claro, coisa tipo 50 reais) pra ele emprestar a Rural 1968 por uma tarde. O cara, numa pindaíba de dar gosto, topou na hora e ainda levou o carro até a porta do circuito. Quer dizer, carro é um eufemismo, era uma carroça caindo aos pedaços, sem freio de mão, sem bateria e fedendo a cachorro molhado porque o cara tinha uns 12 vira-latas que usavam a Rural de dormitório. Quando os gringos bateram o olho no carro até ficaram emocionados:

- Que legal, seu amigo coleciona carros antigos?

- É, respondi, tem uma coleção raríssima com várias Kombis, Fuscas, Galaxies e Corcel. Preferi omitir que o cara era atravessador de um ferro-velho, mas afinal, eram carros antigos, não eram?!

A parte do sachê de cachorro molhado foi fácil resolver porque a catinga dos alemães era mais forte do que todo o canil da prefeitura debaixo de chuva. Mas a cada vez que precisava ligar a geringonça os gringos tinham de descer e empurrar. Imagine isso num calor de 40°C com os caras suando mais do que tampa de marmita, e a catinga aumentando.

Lembrei de um negão que trabalhou comigo na produção de um comercial de TV e ele deu a letra de um ensaio perto de nada menos que a subida da Rocinha. Bom, 23 anos atrás favela era ponto turístico e a gringaiada adorava passear pela favela. Quando passava uma criança bixiguenta com o bucho estufado de vermes, os gringos repetiam “Oh, vie süsser kinder” (* que criança fofinha!).

Parei a Rural em frente ao ginásio, já endireitada na descida para facilitar a partida e calcei as rodas com quatro tijolos. Por garantia arranquei o cachimbo da bobina e meti no bolso. Eu já tinha fotografado o carnaval do Rio no tempo da avenida, mas nunca tinha visto um ensaio. Quando a bateria começou a tocar dava pra sentir o bumbo batendo no meu plexo braquial. Os gringos quase choraram de emoção e eu de felicidade.

“Nunca foi tão fácil ganhar 300 dólares”, pensei, já imaginando o destino daquela grana, que equivaleria hoje a algo como 1.500 reais. Como nunca fui muito bom de samba e estava me sentindo mais deslocado do que cebola fatiada em salada mista, acomodei-me de frente para umas mulatas sambistas, abri umas cervejas e não falava nem ouvia nada que os gringos diziam porque tava um batuque lascado. Os alemães pulavam mais do que siri na lata, mas aparentavam inocência.

Tudo bem até que vi um dos gringos colar numa mulata de corpo escultural e pressenti que aquilo cheirava encrenca. O cara chacoalhava molenga que nem minhoca em calçada quente, pensando que estava sambando e a mulata achando que o gringo era autista. A mulata era realmente deslumbrante, por isso achei melhor interceder antes de uma desgraça se consumar. Levantei e um negão com o pescoço da largura de um poste bateu no meu ombro, apontou pro gringo e mandou: “O gringo ali é seu amigo?”

- É, mas vai deixar de ser daqui a pouco!

Nesse segundo de distração escutei um PAF! E meus joelhos já amoleceram. Virei e vi um alemão com a marca de cinco dedos na bochecha, com uma mulata pulando e gritando. Tava feita a cagada.

Gritei pros gringos “Run, seus sonófobitches, schnell, coooooorre” e saí correndo pra mostrar na mais cristalina pantomima que o tempo tinha fechado. Os cariocas nem se esforçaram muito, só fizeram menção de vir atrás, mas chegamos os sete na Rural com o rabinho entre as pernas, enxotados, com os dentes ainda dentro da boca. E cadê que eu lembrava do cachimbo da bobina. Descemos quase toda a favela e nada de a Rural pegar, o cheiro de gasolina, misturado com sovaco de gringo já tava dando náuseas e nada da carroça pegar. Os caras empurraram quase toda zona sul do Rio até que lembrei do cachimbo, mas não tive coragem de contar porque certamente eles fariam abajur com a minha pele. Discretamente, abri o capô, fiquei olhando aqueles seis cilindros em linha um tempão e quando eles saíram de perto meti o cachimbo. Empurraram mais uma vez e, cosp, gasp, tuf... pegou!

Dois anos depois cruzei os alemães de novo na F1, mas desta vez nem sequer mencionaram qualquer passeio. Uma pena, porque meu cumpadre tinha acabado de comprar uma Veraneio 71 novinha em folha, só faltava o assoalho!

 

 

publicado por motite às 14:04
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Quarta-feira, 11 de Dezembro de 2013

A explicação da criação

 Ah, tempos difíceis das máquinas de escrever...

 

Como surgem e são desenvolvidas as ideias.

 

Uma vez um leitor me perguntou: “de onde você tira tantas ideias?” Responder que é da minha cabeça não explica muita coisa, porque é na cabeça mesmo que tudo acontece. Mas essa pergunta me lembrou dos estudos de semiótica, quando passávamos horas desenvolvendo teorias sobre a geração de ideias.

 

Curioso que naquela época já se ouvia todo tipo de teoria, desde poderes mediúnicos, até cósmicos, como a velha frase de algum pensador grego antigo que não lembro o nome: “as ideias estão no ar para quem for capaz de captá-las”, como se algumas pessoas usassem antenas parabólicas.

 

Mas existe sim uma espécie de sequência que explica didaticamente como as ideias se formam em nossas cabeças. Essa descoberta veio da fusão de alguns conceitos da filosofia com a semiótica. Segundo essa linha, digamos, construtivista, as ideias são formadas por meio de um processo de três etapas: a centelha, ou como dizem os publicitários, o insight; a concepção, ou materialização e finalmente o desenvolvimento. É mais ou menos assim:

 

A centelha – é uma sensação que parece mesmo mediúnica, porque surge literalmente do nada. Este texto que você está lendo (se teve saco de chegar até aqui), surgiu enquanto eu caminhava na praia de Ilhéus. Eu comparo essa sensação como a de algo que você pega, mas não consegue decifrar o que é. Por exemplo, imagine que você vai mexer em um vaso no quintal e quando coloca a mão sente algo gosmento e gelado. Ou ainda, quando você dorme fora de casa, acorda no meio da noite e sabe que algo de muito estranho está rolando, sem entender. Esse é o insight, o primeiro pipoco lá nos miolos que fará algo de novo nascer. Os teóricos da comunicação chama de “primariedade”.

 

A concepção – é a materialização da ideia, a tradução da centelha. Usando o exemplo do vaso, é aquele momento desesperador que você se dá conta que a coisa gosmenta e gelada pode ser uma lesma. Ou ainda quando passa aquela sensação esquisita e você se dá conta que aquele espaço não é o seu quarto, mas ainda não sabe onde está. No campo das ideias é o momento em que se define o que fazer com aquela faísca que surgiu: se vai virar apenas um pensamento enquanto caminha na praia, se pode se tornar um artigo, uma crônica, um post no Facebook, um filme ou qualquer coisa. Os teóricos chama de “secundariedade” (gênios!).

 

O desenvolvimento – finalmente é a hora de concretizar a ideia e tomar a atitude. É a hora que a gente joga o vaso no chão e sai correndo pra lavar a mão. Ou quando se dá conta que está no hotel, na casa de algum amigo, no hospital e tudo volta na memória. Ou, para jornalistas e escritores, é o momento que a gente fica mentalizando o texto enquanto o garçom do restaurante pergunta pela terceira vez o que vamos beber, ou a esposa (ou namorada) faz a famigerada pergunta “o que você está pensando, hein?”. Os teóricos chama de "terceiridade" (definitivamente, gênios)

 

Essa fase do desenvolvimento é o que chamo de “o parto”, porque é um trabalho, intelectual e cansativo de ordenar as ideias e colocar no papel (ou na tela). Especialmente se a redação for longa. Por isso eu adoro crônicas: são curtas! Pode parecer uma piada, mas o ato de digitar ainda é o processo mais chato de toda operação de escrever. E olha que já foi pior!

 

Sou do tempo da máquina de escrever e do papel. Imagine que cada letra errada era um inferno para voltar o carro da máquina, apagar com uma borracha dura, voltar e rebater por cima. Ou simplesmente encher de “x” por cima do trecho errado e escrever do lado. Era tão chato, mas tão chato que os jornalistas e escritores usavam muito o rascunho! Primeiro faziam uma espécie de sequência de tópicos e depois desenvolviam. Escreviam uma primeira versão, revisavam e só depois batiam a versão definitiva – um saco!

 

Sempre fui um preguiçoso renitente. E sempre detestei datilografar – imagine o sofrimento nestes 30 anos –, tão pouco gostava de fazer rascunhos, por isso eu fazia uma espécie de rascunho mental. Ficava pensando horas, imaginando o começo, o meio e o fim, a ordem dos parágrafos, os depoimentos etc, até me sentar na frente de máquina e metralhar a quantidade de texto para o espaço determinado. Quando o editor pedia pra acrescentar alguma coisa a gente editava as páginas como se fosse um filme mesmo: cortava o pedaço da lauda (a folha de 20 linhas e 70 toques) com tesoura, enxertava o pedaço que estava faltando e depois colava com durex. Manual mesmo.

 

Também por falta de paciência com a datilografia, eu esperava até o horário limite para entregar o texto, assim, por pura pressão do prazo, o editor mexia menos e mandava pra gráfica sem pedir para acrescentar mais nada! Eu ficava horas enrolando, rabiscando papéis, telefonando e quando faltava coisa de uma hora e meia para o prazo mandava bala na Olivetti!

 

Graças a essa preguiça editorial, desenvolvi duas técnicas de sobrevivência: pensar muito antes de escrever e digitar em uma velocidade supersônica! Dentro de uma redação, ouvir uma máquina de escrever fazendo tic-tac-tac-tic-trim-zum sem parar produz um ótimo efeito calmante no chefe.

 

E se existe um componente que transforma nossa criatividade em algo perto da de um Nobel da Literatura, se chama PRAZO! Basta alguém cobrar o texto que ele se materializa em questão de minutos. A maioria dos textos que você lê no meu blog e nos veículos que colaboro não demoram mais de uma hora para ficar pronto, mas faço questão de entregar no desespero do prazo de fechamento. Só por maldade mesmo.

 

O segredo é passar o tempo todo rascunhando o texto na cabeça, ter um bom banco de memória e a experiência de editar o texto enquanto digita. Hoje em dia com o computador isso ficou tão mais fácil que escrever deixou de ser um ofício e se tornou um hobby anti-stress. Por exemplo, este conteúdo eu digitei só porque precisava fazer hora para sair com meu carro depois do horário de rodízio...

 

Nos próximos episódios vou contar como se desenvolvem os textos conforme os estilos: reportagem, crônicas, poesias, contos, romance bla-bla-bla...

publicado por motite às 21:08
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Quarta-feira, 27 de Fevereiro de 2013

O lobo, a galinha e o escorpião

(As galinhas pira!)

Era uma manhã bem agradável de primavera e decidi ajudar meu grande amigo Daniel Rosa a preparar uma nova área de escalada em Socorro, cerca de 140 km de São Paulo. Tínhamos de roçar o mato e abrir uma trilha que permitisse o acesso às vias. O capim gordura é nojento, porque deixa a gente todo melecado como se tivesse mesmo saído de um pote de manteiga.

Sempre que trabalho na roça vou preparado para qualquer situação de emergência, com rádio, botinas, luvas, óculos, muita água etc. Quando percebi uma laca solta na parede de granito decidi arrancar porque é mais seguro e no lugar fica uma agarra perfeita para escalar. Assim que tirei observei uns bichinhos amarelinhos que nem barata, mas sem meu óculos de aproximação chamei o Daniel que olhou de longe e fez apenas um comentário bem relaxado: "ah, são escorpiões!".

Putz, achei o máximo! Nunca tinha visto um escorpião antes e tinha encontrado logo seis de uma vez. Afastei os cinco e decidi levar um comigo pra mostrar pra minha filha bióloga. Esvaziei o pote de magnésio, coloquei o escorpião dentro, joguei dentro da mochila e continuei carpindo e limpando a via com a maior calma do mundo.

À noite voltei pra São Paulo de moto, com o escorpião na mochila, no meio de toda a tralha de escalada. Era uma agradável e estrelada noite de sábado!

Assim que cheguei em casa peguei uma caixa de madeira, enchi de terra, coloquei uns pedaços de telha, soltei o escorpião lá dentro e fui chamar minha filha. Ficamos observando o cara por um tempão, vendo se ele conseguia fugir da caixa. Sim, conseguia escalar fácil a parede de madeira e eu usava uma velha pinça cirúrgica para colocá-lo de volta. Passamos o domingo brincando com ele e tive de esperar até segunda-feira pra levar ao Butantan e descobrir mais informações sobre meu novo pet.

Já estava tão íntimo dele que coloquei de volta no pote, joguei na mochila e toquei pro Butantan, de moto, como sempre. Assim que cheguei na ala dos peçonhentos de casca falei pro estagiário:

- Achei um escorpião na área que costumo escalar e queria saber se ele é venenoso.

Coloquei o pote em cima de um balcão. O jovem examinou e sem olhar pra minha cara explicou:

- É um Tityus serrulatus, conhecido como escorpião amarelo.

- Que simpático, pensei, Tityus e Tite, podemos formar uma dupla sertaneja!

Mas o biólogo interrompeu meu devaneio:

- É o mais venenoso que existe!   

Dei um passo pra trás do balcão e perguntei:

- Como assim o mais venenoso que existe? Você quer dizer o mais venenoso que existe em cima deste balcão? O mais venenoso que existe na minha mochila? O mais venenoso que existe nesta sala?

- Não, ele é o mais venenoso que existe no mundo! Quanto menores as pinças mais venenosos eles são!

- No mundo todo? Até na África? Na China? Nos Estados Unidos???

- Sim, mais venenoso que existe no sistema solar!

Deu vontade de sair pulando, comemorando essa conquista nacional, afinal tínhamos o escorpião mais venenoso do mundo bem diante de mim e saído de dentro da minha mochila! Se eu soubesse que era uma celebridade no mundo da peçonha teria reverenciado mais o campeão.

O jovem deu uma aula de escorpião, inclusive a cada vez que reforçava o grau de toxicidade do veneno eu lembrava de quanto tempo fiquei cutucando o bicho sem luva nem nada. Segundo ele não havia inseticida que desse conta de acabar com o escorpião, que é um dos animais* mais antigos do planeta, da época dos dinossauros, e que se alimenta de baratas. Mas tinha um predador que era muito mais eficiente que qualquer inseticida: galinha! O escorpião está para a galinha assim como a lagosta está para nós. Bastava encher a casa de galinha e nunca mais se preocupar.

Bom, se debaixo de uma laca eu tinha achado seis escorpiões - e deixado cinco vivos e livres - dava para imaginar que aquele lugar estava infestado. Achei melhor tomar uma atitude e voltei na semana seguinte munido de uma gaiola.

Passei na casa rural e comprei duas galinhas lindas, branquinhas, dessas de granja. O homem achou que eu iria comer as galinhas (no sentido digestivo) e escolheu duas bem saradas. Soquei na gaiola, amarrei na moto e subimos a estrada de terra largando pena pra todo lado.

Segundo o biólogo, a galinha tinha uma tática pra comer escorpião. Ela pegava pelo rabo, perto do ferrão. Chacoalhava até arrancar o ferrão, cuspia e depois mandava o lagostim pro bucho. Quis ver isso de perto, claro!

Fui á caça de um Tityus Serrulatus, mas desta vez de luva, casaco de couro, bota, pinça e um SBP por garantia. Foi só puxar mais uma laca e lá estavam eles, enroladinhos, dormindo como anjinhos peçonhentos. Peguei o mais gorducho e voltei para testar as galinhas.

Pena que não foi filmado, porque seria um desafio aos olhos humanos. Joguei o escorpião bem no meio das duas. Antes de tocar no chão já tinha sumido! Fiquei olhando estupefato, achando que o escorpião tinha caído na barra da minha calça, que estava dentro da minha bota, sei lá, mas a verdade é que a galinha foi tão rápida que eu tive a impressão clara de que o escorpião tinha simplesmente evaporado.

Pronto! Galinha neles!

Voltei para São Paulo feliz da vida por ter encontrado uma solução ecologicamente correta para acabar com os escorpiões. Passei a semana morrendo de curiosidade e não via a hora de voltar e avaliar o resultado de tão inegável contribuição para o equilíbrio da natureza. Já me imaginei dando palestras, recebendo prêmios da SOS Mata Escorpião, sendo entrevistado no Jô Soares e mais famoso que ex-BBB.

Mal o dia raiou no sábado, montei na moto e fui conferir o extermínio dos escorpiões em todo município. Estranhei o silêncio ao chegar na casa do caseiro, porque galinha é um bicho barulhento e saltitante. Fui falar com o caseiro e descobri, estarrecido que elas tinham sumido!

- Já sei, os escorpiões se uniram e deram fim delas?

- Não, foi o lobo!

- Ah, tá e a que horas chega a Chapeuzinho Vermelho?

- Verdade, seu Tite, o lobo comeu das duas galinhas na mesma noite que elas chegaram! Elas eram muito bobas... Ah e eu achei isso pro senhor!

E me entregou um pote de vidro com dois escorpiões dentro.

- Estavam dentro de casa...

Agora a natureza tinha me colocado em uma verdadeira cilada. Escorpião come barata, mas é comido por galinhas que foram devoradas pelo lobo. Cadê esse desgraçado???

Desencantado com a crueldade da mãe natureza, voltei pro trabalho de roçar e carpir, pensando em como dar cabo do lobo, sem ser preso, nem deixar vestígios. Descendo pela trilha, encostada em uma região de mata nativa preservada era comum a gente deparar com macaco bugio, veados, araras, mas lobo eu nunca tinha visto, apesar de saber de várias histórias, inclusive de matança por parte dos granjeiros vizinhos.

Eu jamais mataria qualquer animal, mal consigo matar um escorpião por pura questão filosófica: só os predadores podem matar, a gente, no máximo, pode comer!

No meio desse devaneio senti um cheiro forte de amônia, misturado com cachorro molhado. Vi de longe um cachorro enorme, mas grande mesmo, certamente o maior que tinha visto na vida e já preparei a enxada pra me defender. Mas aos poucos fui focando a visão e percebi que era muito grande e fedorento pra ser um cachorro, tinha um focinho curto e as patas longas e finas demais. Ele estava imóvel me olhando. Eu estava imóvel me borrando. Por uma fração de segundo nenhum dos dois se mexeu e alguma coisa na minha carga genética dizia para eu desaparecer dali, me volatizar, me teletransportar pro colo da minha mãe.

Quando o caseiro se aproximou o animal desceu a trilha e sumiu na mata, lentamente como se estivesse em casa. Perguntei pra ele:

- Você viu aquele cachorro??? Era muito grande!

 O caseiro riu e falou com a maior naturalidade do mundo:

 - Hahaha, cachorro nada, era o lobo! o mesmo que comeu as galinhas!

 Na minha imagem de conto de fadas, lobos eram um pouco maior que um cocker spaniel, com um focinho longo, pelos longos e alaranjados, patas curtas etc etc... Foi então que descobri que passei a vida inteira confundindo lobo com raposa!

Pensei quão raro era encontrar um lobo guará assim tão perto e neste momento me achei um cara de sorte. O caseiro contou que eles se acostumaram com as pessoas e rondavam as casas atrás das galinhas comedoras de escorpiões e que isso estava provocando o fim deles, porque os sitiantes caçavam com muita facilidade. Bateu uma tristeza profunda porque eu vi nos olhos do lobo séculos de solidão.

 - Pô, os caras matam um lobo por causa de meia dúzia de galinhas?

 - É, matam e mandam a gente matar!

Naquela noite voltei pra casa mais triste, porque sabia que aquele lobo não duraria muito tempo. Com a cabeça enfiada no capacete, pilotando a moto no modo automático senti vergonha de ser gente e fazer parte da espécie mais predadora do planeta.

Na moeda corrente da espécie humana a vida de um lobo vale menos que uma galinha.

* Atendendo a pedidos: escorpião não é um inseto, é um artrópode! 

 

 

 

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Segunda-feira, 21 de Janeiro de 2013

Bola no pé... errado!

 

Quis o destino que eu nascesse no Brasil. E bem entre as duas primeiras conquistas da Copa do Mundo de Futebol entre 1958 e 1962. Nasci no momento mais futebolístico do País. E ainda vi a Copa de 1970 inteira, com transmissão ao vivo e em cores! Foi uma explosão de alegria tão contagiante que só conseguia me imaginar sendo jogador de futebol.

 

Minha carreira não deslanchou pelo motivo mais elementar possível: eu jamais consegui jogar futebol. Até tentei, afinal era uma instituição nacional e vivíamos o momento de maior ufanismo da história. Pra frente Brasil, salve a Seleção!

 

Hoje se alguém cantar "Noventa milhões em ação" já vão desconfiar que é desvio de verba e acabar em CPI.

 

- Senhores, acabamos de descobrir que foram desviados 90 milhões!

 

- Como? Verba de campanha?

 

- Não, parece que foi em ações ao portador...

 

Cresci na fase de ouro do futebol brasileiro, mas sempre fui uma verdadeira negação neste esporte. Para complicar nasci corintiano na época que o time passou 23 anos sem conquistar um título. Quando eu tinha entre 6 e 12 anos de idade a frase que eu mais odiava a ponto de querer matar era "Ah, você nunca viu seu time ser campeão"... culpa do Santos e do Pelé!

 

Até frequentei estádios, vi jogos ao vivo, conheci jogadores porque meu pai, ex-jogador, conhecia todo mundo. A gente chegava nos estádios e os porteiros cumprimentavam, deixavam entrar sem pagar e ainda descolavam um lugar especial. Vi treinos no Parque São Jorge, fui sócio do Corinthians, mas não conseguia jogar futebol nem por mágica.

 

Para minha sorte, em 1972, o Emerson Fittipaldi foi campeão mundial de Fórmula 1 e o automobilismo entrou para o cardápio de paixão nacional. Eu estava a salvo! Podia falar de outro assunto que não tivesse bola no meio e nunca mais assisti um jogo de futebol no estádio.

 

Na escola ainda era um inferno, porque os meninos eram praticamente obrigados a jogar futebol. Eu tinha vontade de gritar "eu odeio futebol!!!", mas isso soaria pior que comunismo. E olha que a época era especialmente perigosa nos temas políticos.

 

Era constrangedor me ver jogando. Eu corria de um lado pra outro rezando pra ninguém me passar a bola e se por acaso ela aparecesse na minha frente dava um chute de bico e mandava pro espaço. Como todo jogador sem jeito, minha sina era ir para o gol, o que piorava ainda mais. Jogando bola eu era tão ajeitadinho quanto uma casa de taipa. Até que o professor de educação física decidiu me tirar do time antes que eu acabasse morto e levou para a equipe de salto.

 

Magro como um maratonista etíope, até que fui bem nos saltos triplos e consegui me livrar pra sempre do futebol!

 

Quer dizer, não totalmente, porque na faculdade surgiu essa ideia idiota de jogar futebol. Eu queria dizer que não gostava, mas era como um americano subir no Empire State e gritar que odeia basebol ou basquete!

 

Depois de muita insistência fui jogar uma "partidinha só de brincadeira, entre amigos, colegas da classe, sem pressão, bla-bla-bla...". Saí do jogo com três dedos do pé direito quebrados! E só tinha amigos... jurei nunca mais jogar futebol.

 

Muitos anos se passaram, mas muitos mesmo, até que descobri na escalada o esporte da minha vida. Durante a semana escalava na academia e fins de semana na rocha. Em pleno século 21 as pessoas deixaram de tratar o futebol como o único esporte do mundo e no universo de escaladores menos ainda.

 

Até que surgiu alguém com a proposta de jogar futebol society uma vez por semana. Como era quase todo mundo ruim de bola, alguns péssimos e outros piores ainda, o futebol virou muito mais uma diversão do que um jogo. Também uma forma de não virar monoesportista só vivendo de escalada.

 

Tudo bem, tínhamos alguns ótimos jogadores, até com passagem por times oficiais e algumas mulheres - isso mesmo, mulheres, nosso futebol era misto - que jogavam tão bem que as outras quadras paravam para vê-las.

 

Depois íamos para uma lanchonete repor todas - e mais algumas - calorias gastas e rir muito das jogadas desengonçadas de pessoas com uma relação muito estranha com as bolas.

 

Péssimo como sempre, eu ainda jogava com um monitor de frequência cardíaca, regulado para apitar com 180 batimentos por minuto, por recomendação médica. Toda vez que meu relógio apitava os outros jogadores gritavam:

 

- Pára todo mundo que o tiozinho vai morrer!!!

 

Muito engraçados...

 

Não morri, mas ninguém me passava a bola porque sabiam que seria um desastre, mesmo assim levei a sério e comprei chuteiras, meias, camisa, caneleira tudo oficial. Antes dos jogos, durante o aquecimento, meus amigos tentavam me ensinar a chutar, driblar, correr com a bola, mas tudo em vão. Cachorro velho não aprende truque novo.

 

Até que uma noite houve um milagre.

 

Tudo começou com um escanteio pela direita. Meu colega fez sinal para eu correr para a área e obedeci. Ele jogou a bola que veio direto na direção da minha cabeça, bateu na minha testa e entrou no gol. Gol? Goooooooool...

 

Meu time explodiu... de rir! Até o goleiro adversário ajoelhou porque não conseguia parar de rir. Na verdade não foi um gol, foi uma encaçapada, porque usaram minha cabeça de tabela.

 

Quando conseguiram parar de rir reiniciaram o jogo. No segundo tempo eu estava parado quietinho na ponta direita, esperando meu batimento cardíaco diminuir e a bola apareceu bem na minha frente. Corri com ela pra perto da área, vi que o goleiro estava meio adiantado e chutei, de bico, entre ele e a trave. Gooooooooool, de novo!!!

 

Saí pulando pra comemorar, mas vi que os jogadores adversários estavam rindo de novo. E brigando com o goleiro:

 

- Pô, Minhoca, isso é hora de falar no celular???

 

- Ah, quando celular tocou vi que a bola estava com o Tite e atendi. Nunca imaginei que ele fosse chutar, muito menos acertar!

 

Desmoralizado com meu segundo gol acidental continuei correndo de um lado pro outro e tomamos um gol de empate. Faltava pouco para acabar e fui para o meio de campo dar a saída. Coloquei a bola no círculo central e falei pro meu companheiro:

 

- Só rola a bola...

 

Vi que o goleiro estava totalmente desatento e adiantado e mandei um bico na bola com toda raiva do mundo. Aconteceu o milagre. Ela fez uma parábola, uma curva totalmente doida, o goleiro se esticou todo mas a bola  entrou no gol bem no ângulo. Ninguém se mexeu. Silêncio total. Fiquei mudo só refazendo mentalmente o que tinha acabado de acontecer. Alguém correu pra mim aos berros:

 

- Golaaaaaaaaaaaço, gênio!!! Nem Pelé conseguiu isso!

 

Passado o susto de ter feito um gol de verdade tive uma crise histérica de riso e delirei imaginando que o mundo tinha perdido um grande jogador. De qubra meu time ganhou de virada.

 

Foram os únicos três gols da minha carreira como jogador. Nunca tinha feito nem um gol sequer e foram logo três em uma partida. Continuamos jogando por mais alguns meses até que algumas brigas por conta do calor da disputa acabou com nossas peladas. Pelo menos não passei pela vida sem fazer meu gol do meio do campo! Nem Pelé fez...

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Sexta-feira, 18 de Janeiro de 2013

Por um plus a menos

 (Ah a simplicidade de um cachorro quente com apenas pão, salsicha e mostarda!)

 

Não existe povo que mais capricha do que o brasileiro. Brasileiro coloca queijo na pipoca pensando que vai dar um gostinho especial e deixa com cheiro de meia suja. A pizza foi inventada para ser uma massa redonda de pão com recheios simples e de fácil digestão como molho de tomate, mussarela e uma singela folha de manjerona. Ah, mas brasileiro não aceita ser simples nem singelo. Brasileiro instala aerofólio em Chevette e precisa sofisticar a pizza que vem com oito tipos de queijos - que não combinam, lógico - uma boa porção de picanha, salpicada de coentro, maionese e o cliente ainda acrescenta mostarda e catchup.

 

Juro que não sei a origem dessa mania de querer sofisticar as coisas. Talvez esteja no sangue, tipo a genética do puxadinho. Começa com uma casa simples e termina cheia de puxadinhos por todos os lados como uma ilustração do Maurits Escher.

 

Já virou mania incluir cream cheese no sushi com peixe. Desde o milagre da multiplicação dos pães e peixes se sabe que peixe nunca combinou com queijo. Não harmonizam, que nem chantilly com costela de porco. Peixe combina muito bem com o arroz especial de sushi e alga. Mas aí veio a sofisticação brasileira e acrescentou primeiro a maionese, depois o maior dos sacrilégios: um temaki de atum com cream cheese, maionese, cebolinha, salpicado de gergelim. Só falta o catchup e mostarda.

 

Aliás, os portugueses e espanhóis morreram para buscar especiarias em rústicas embarcações no século 15, só para disfarçar o gosto de podre das carnes que eram mal conservadas sem a geladeira de hoje. O tempero nasceu para disfarçar o gosto. Se o cozinheiro errar a mão do tempero tudo fica com gosto de... tempero! Acrescentar queijo fundido em peixe cru faz o temaki virar um grande X-tudo!

 

Experimente pedir uma Coca-Cola em qualquer cidade do Brasil e o garçom em vez de virar as costas e buscar o refrigerante pergunta "gelo e limão?". Mesmo que responda em voz clara, alta e com a fonética perfeita que NÃO, seu copo chegará com uma rodela de limão dentro. Porque é mania nacional sofisticar o que é simples. É o plus a mais do refrigerante. Limão é um dos mais poderosos aromatizantes da natureza. Uma gota de limão em 25 quilos de mashmallow vai fazer tudo parecer torta de limão. Assim mesmo, por mais que implore, seu copo virá com a rodela de limão porque isso já se tornou uma instituição nacional. Aqui, Coca-Cola só é servida com uma rodela de limão e guaraná com uma de laranja. Não tente lutar contra.

 

Talvez seja uma herança da indústria automobilística que inventou os assustadores "opcionais". A título de customização, a loja oferece um carro pelado e vai anotando o que o cliente deseja. Na primeira vez que comprei um carro zero km na vida, lá no final dos anos 70, a vendedora mostrou as opções e escolhi o modelo mais simples porque a ideia era transportar kart, ferramentas, pneus e seria uma oficina ambulante. Aí começou:

- Vai querer rádio?

 

- Não!

 

- Vai querer tapetes?

 

- Não!

 

- Vai querer rodas?

 

- Bom, se eu não quisesse rodas compraria uma lancha!

 

- Eu quis dizer rodas opcionais!

 

- Pode ser essas originais mesmo, redondas, com três parafusos. E se vierem acompanhadas dos respectivos pneus seria melhor ainda. Bem simples como o resto do carro.

 

Finalmente ela entendeu e eu saí feliz com a versão mais pé-de-boi de uma Belina II 1978. Zero km!  

 

Em qualquer lugar do mundo o cachorro quente, hot-dog, sempre foi pão, salsicha e mostarda. Simples como bicicleta Caloi Barra Forte. Uma salsicha dentro do pão e pronto. Mas aqui no Brasil nada pode ser simples e começou a sofisticação: batata palha, purê de batata, molho vinagrete, queijo fundido, maionese, lascas de arenque defumado da Normandia, fatias de trufas brancas do norte da Escócia, champignons da Aix en Provence e um cream cheese de leite de iaque da Letônia. Simples assim!

 

Curioso é a cara de espanto quando viro para o dono do trailer e digo "Apenas pão e salsicha". É mais fácil acreditar que tem um disco voador descendo atrás dele do que um cliente pedir um hot dog com apenas pão e salsicha. Sempre vem acompanhado de um "nem batata frita? nem vinagrete? nem um purêzinho?".

 

O olhar de decepção é o melhor de tudo...

 

Parece que existe uma competição nacional pelo cachorro quente com mais recheios variados ou a pizza com a maior quantidade de ingredientes jamais assada no mundo. Eu defendo ferozmente a volta da simplicidade do cachorro quente. Nada além de um pão, uma gorda salsicha de qualidade e mostarda igualmente de ótima qualidade e fresca. Nada mais, nem menos. Como a vida deveria ser: simples, sem purê, nem milho cozido, ervilhas, nada. Com a mesma simplicidade que a vida merece ser tratada.

 

publicado por motite às 17:24
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Quarta-feira, 16 de Janeiro de 2013

Mentiras verdaderias

 Você confiaria nesse médico?

Não é de hoje que existem hoaxes

Acreditar em hoax, ou embuste, em inglês, não é privilégio dos frequentadores de redes sociais de hoje. Muito antes de Orkut e Facebook a gente chamava isso de mentira mesmo, ou lendas urbanas, como a loira do banheiro, as agulhas infectadas com vírus da AIDS em telefone público e outras inverossímeis como novela. No tempo dos meus pais a gente ouvia dizer que manga com leite era fatal e nunca demos a menor importância a tudo isso. Servia apenas para ter assunto nas rodas de amigos.

 Algumas dessas lendas vinham acompanhadas de comprovação científica por doutores de instituições sempre de locais tão distantes quanto desconhecidos como a Universidade de Ciências Intestinais de Zirl, na Áustria.

 Nos anos 80 a informação caminhava na velocidade dos jornais, rádios e TVs. Foi nessa época que uma amiga muito querida recebeu a notícia que estava com um enorme câncer no útero. Mesmo depois de retirar o útero as células já tinham espalhado e sua sobrevivência dependia de doses desumanas de químio e radioterapia.

 Foi um choque para todos porque ela era uma espécie de líder da turma. A mais velha, mais bonita, inteligente e com um componente que mexia com a cabeça dos homens: pilotava aviões. Enquanto viajávamos de ônibus, carro ou moto para a Ilhabela, litoral norte de São Paulo, ela chegava de avião! Chique, sexy e refinada.

 Ninguém queria acreditar que ela estivesse sofrendo daquela forma. A quimioterapia provocava enjôos cruéis e ela passava muito tempo comendo e vomitando. Aquilo acabava com a alegria de todo mundo.

 Foi então que li na conceituada revista Veja uma notícia na editoria de Ciência que prometia mudar aquela situação. Pesquisadores de uma universidade no interior dos Estados Unidos descobriram que a maconha cortava o enjôo da quimioterapia e que essa experiência havia aberto a discussão pela aprovação do uso medicinal da maconha.

 Liguei para um amigo, grande consumidor da planta boliviana, e contei da necessidade. Como a maioria dos homens da turma, ele era apaixonado pela nossa amiga doente e rapidamente reuniu os amigos mais chegados para providenciar o medicamento. Conseguiu uma quantidade absurda do remédio 100% natural. Entregou nas minhas mãos um pacote prensado que devia ter cerca de meio quilo.

 - Não precisa tudo isso! argumentei

 - Ah, não sabemos quanto tempo vai levar o tratamento e uma parte você usa para subornar médicos e enfermeiros! Esses caras são tudo doidão, dããã...

 - Sei não, mas pela maresia que está no seu apartamento prefiro acreditar que minha vida não depende de tantos doidões.

 Surgiu o impasse: quem transportaria o medicamento, entraria no controladíssimo Hospital dos Servidores Públicos e ministraria a dose à paciente? Foi quando todos os olhos se viraram para mim!

- Mas por que eu??? Protestei.
- Porque você é o único careta da turma e ninguém vai desconfiar! qualquer outro que entrar naquele hospital vai estar escrito na testa "sim eu fumo maconha, e daí"...

 Tínhamos de arquitetar um plano para transportar, não ser pego pela polícia com meio quilo de maconha, entrar no hospital em dia e horário proibido às visitas, enrolar o medicamento, acender, fazer a paciente fumar, analisar os efeitos, sair e tudo isso sem ser preso. Coube a mim... como sempre!

 

Você desconfiaria dessa moto?

Primeiro desafio: transportar a mercadoria. Eu tinha uma Honda CB 400Four que era o meio de transporte mais indicado para a operação Cannabis es Medicum. Analisei a moto de eixo a eixo e não conseguia imaginar onde esconder o remédio. Abri o banco e quando olhei pro filtro de ar veio a resposta. O pacote tinha exatamente o tamanho do filtro de ar. Retirei a peça, entreguei pro meu amigo e coloquei o pacote de maconha na caixa do filtro de ar, com o cuidado de deixar espaço para o motor "respirar". Encaixou perfeitamente.

 Segundo desfio: entrar no hospital. Eu já tinha trabalhado em hospital e sabia o grau de esculhambação de gente entrando e saindo. Conhecia bem aquela rotina. Peguei um jaleco branco, surrupiei a malinha de médica da minha irmã, com crachá e tudo, colei minha foto com um baita cabelo de cantor de rock e lá fui pro hospital.

 No caminho senti que a moto estava falhando, mas atribuí ao pouco ar que estava chegando aos carburadores. Fui girando apenas um tiquinho do acelerador para não estourar o saco e a maconha entupir os quatro carburadores e seus giclês. Fiquei imaginando aquela erva toda entrando pro motor, sendo queimada junto com a gasolina e eu passando ao lado de um carro da polícia com a fumaça de maconha saindo pelo escapamento que nem um defumador. É claro que nessas horas a gente vê um carro de polícia a cada 50 metros.

 Consegui chegar no estacionamento do hospital, coloquei o medicamento dentro da malinha de médico, coloquei o estetoscópio em volta do pescoço como fazem todos os médicos. Amarrei o cabelo pra trás e enchi de gumex pra parecer um doutor yuppie e não um traficante colombiano. Fiz o ar superior de médico e fui passando por todas as portarias com meu coração quase saindo pela boca.

 Subi o elevador e fui andando pelos corredores rezando alto para nenhuma enfermeira me agarrar pelo braço e gritar "doutor é uma emergência, tem um paciente precisando um cateterismo agora!!!". Se alguma enfermeira me olhasse eu jogava o estetoscópio na cara dela e sairia correndo.

 Com um tremendo alívio cheguei no quarto. Fechei a porta atrás de mim, ela me olhou, desatou numa crise de riso nervosa e perguntou:

 - O que você fez com o seu cabelo???

 Nem se deu conta que eu estava vestido de médico, com uma mala de médico cheia de maconha e um estetoscópio no pescoço.

 - Vim te medicar... e pára de rir antes que entre alguém!

 Obviamente que ela não sabia do plano Cannabis es Medicum, mas expliquei do se tratava, citando a reportagem da Veja e convenci a fazer o teste. Assim que joguei o pacote em cima da cama ela gritou, deu um pulo e me agarrou pelo pescoço. Uma aranha preta, enorme, saiu de dentro da maconha e nós dois subimos na outra cama, um agarrado no outro, um gritando pro outro:

 - MATA ELA, MATA ELA!!!

 Matei. E fui enrolar um baseado.

 As portas de hospitais não tem chave. E aquele remédio exalava muita fumaça. Por isso escorei uma cadeira na porta, tampei todos os vãos com toalhas molhadas e entreguei o remédio na forma de um baseado. Seria nosso primeiro medicamento via oral em forma de fumaça. Não conseguíamos parar de rir um segundo o que tornava tudo mais difícil e demorado. Por garantia deixei o balde do lado. Ela acendeu, tragou, tossiu e... vomitou que nem um chafariz da piazza Navona.

 - Aqueles filhos da puta de americanos queriam mesmo é legalizar a marijuana! Filosofei em voz alta.

 Não funcionou. O enjôo foi pior ainda.

 - Talvez se fizesse um chá? argumentei

 A resposta dela foi outro jato no balde. Achei melhor não tocar mais no assunto.

 Aproveitei que já estava ali, me ajeitei na cama do lado e cochilei, vestido de médico, com um baseado jazendo no cinzeiro.

 Claro que nada é tão ruim que não possa piorar. Ainda mais comigo envolvido. Mal entrei em REM e a porta se abriu, a cadeira caiu e um médico de verdade entrou. Fingi que continuava dormindo e abri o olho bem pouquinho só pra ter a dimensão da tragédia.

 - Quem é esse médico? Perguntou o médico verdadeiro, apontando pra mim, o falso.

 - Ah, um amigo, ele deu plantão e capotou... respondeu minha santa amiga, enquanto empurrava o travesseiro pra cima do cinzeiro.

 - Mas e essa cadeira, essa toalha...

 - Voooosssshhhh!!!

 Nada melhor para interromper um interrogatório do que um vomitão no chão!

 Passado o susto, o médico de verdade saiu, me recuperei, peguei a malinha de médico e dei o fora antes que eu mesmo fosse internado para um cateterismo!

 O resto do medicamento boliviano foi devidamente doado para os amigos, que aceitaram de imediato. Descobrimos pelo método mais empírico possível que maconha não tirava o enjôo da quimioterapia e minha amiga ainda vomitaria muito. Até morrer 18 meses depois aos 33 anos.

 No dia do velório, assim que cheguei, encontrei os amigos que tiveram participação naquela operação Cannabis. Tentamos não lembrar detalhes para não correr o risco de uma gargalhada fora de hora. O irmão dela cobrou meu sumiço nos últimos meses. Inventei uma desculpa qualquer. Mas no fundo eu não queria admitir que evitei vê-la definhando, sofrendo, porque eu gostava muito dela. Era um misto de admiração, com respeito, amor, paixão, e eu guardava todo esse sentimento escondido, porque, tímido que sempre fui, nunca tive coragem de dizer para ninguém o quanto eu gostava dela. Foi então que abracei uma tia que me confessou:

 - Nossa, Tite, ela gostava tanto de você!

 Por nunca ter dito nada, continuei sem dizer nada.

publicado por motite às 12:38
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Terça-feira, 15 de Janeiro de 2013

O que nos leva para a estrada

(Pode ser até com garupa... Foto: Hugo Yamamoto)

 

Muita gente nem precisa, mas alguns motivos pra apenas viajar de moto

 

No dia 1º de maio de 1994, logo após a batida forte do Ayrton Senna no muro de Imola, percebi que a situação era grave. Assim que pediram o helicóptero tive certeza que era grave. Vi a corrida até o fim com os olhos na TV e os ouvidos na Rádio Jovem Pan, foi quando realmente soube que o desfecho caminhava para algo terrível. Da mesma forma que uma criança esconde o rosto e acha que ficou invisível, pensei que se desligasse todos os meios de comunicação a notícia não me atingiria. E a única forma de fazer isso foi sair de moto.

 

Peguei a moto e fui pra estrada sem rumo e longe de qualquer notícia, queria curtir as curvas do interior de São Paulo para não pensar em mais nada, apenas sentir o vento no corpo. Logo em seguida descobri que muitos motociclistas usam a moto com o propósito de rodar a esmo, sem direção, nem objetivo, só esvaziar a alma. Percebi ainda que existem vários motivos que nos leva à essa função desestressante da moto. Algo como um divã de analista, mas com várias vantagens como menor custo (apenas a gasolina), mais gostoso (não precisa chorar bem ficar deitado e ninguém culpa tua mãe) e muito, mas muito mais divertido!

 

Por isso enumerei alguns motivos que podem levar um motociclista à estrada com a finalidade exclusiva de relaxar a mente e esquecer a vida. Veja se você já não passou por isso:

 

1)    Você gastou 1.500 reais em um capacete importado super style e uma semana depois a loja começou uma liquidação e vendeu o mesmo capacete por 500 reais!

 

2)     Para impressionar a gatita que acabou de conhecer você oferece a ela o capacete caríssimo que acabou de comprar. E ela deixa cair bem na quina da calçada.

 

 

3)    Finalmente você conseguiu poupar a grana pra comprar a moto do seus sonhos, e um mês depois a fábrica lança uma versão muito melhor, mais avançada, linda e pelo mesmo preço!

 

4)    Você encontra uma caixa de pílula anticoncepcional e entrega à sua esposa, mas ela esclarece que não é dela. E a única outra mulher da casa é sua filhinha de 17 anos querida do seu coração, que ainda ontem você carregava no colo.

 

5)    Você foi promovido para um cargo de muito mais responsabilidade, mais trabalho, com 10 estagiários sob sua gerência, mas o salário continuou o mesmo.

 

6)    Sua esposa acabou de bater o carro, mas felizmente tem seguro. Mas descobre que a habilitação de motorista dela está vencida há dois meses!

 

7)    Sua filha querida do coração passa a noite fora, alegando que dormiu na casa da Marcelinha, a mesma amiga que ligou às duas da manhã perguntando pela sua filha!

 

8)    Duas gatas maravilhosas mudam para a casa geminada à sua e na primeira oportunidade que você se aproxima descobre que elas namoram. Entre elas! E uma delas ainda te convida pro futebolzinho de quarta no time no qual ela joga de zagueira.

 

9)    Seu pai, aos 84 anos, decide deixar tudo que tem para os filhos: um monte de conta atrasada!

 

10) Sua namorada te troca por um cara mais novo, mais forte, mais rico, mais bonito e com uma moto bem maior que a sua!

 

11) Aquela sua prima do interior, gatíssima, safada, sósia da Xuxa avisa que vai passar uns dias na sua casa. E traz o namorado junto.

 

12) Seu filho chega em casa saltitante e diz que teve a primeira experiência sexual. Animado, você diz “senta aí e conta como foi!”. E ele responde: “pô, pai, só que não tô conseguindo sentar!”

 

13) Você esquece o Messenger aberto e foi tomar banho. Sua esposa aproveitou e mandou apenas um “oi” para uma tal Vanessexy. Quando saiu do banho viu a tela do PC partida ao meio.

 

14) É seu primeiro dia de trabalho em uma multinacional e você pergunta para uma secretária “quem é aquele cara ridículo de terno xadrez?” e ela revela: “é seu gerente e meu namorado!”

 

15) Finalmente aquela gata mega sexy aceita o convite pra passar o fim de semana no seu apê na praia. E ela está “naqueles dias”!

 

16) O São Paulo está na final da copa Libertadores da América contra um time argentino e bem na hora do Rogério Ceni cobrar a falta acaba a luz no seu bairro, sem previsão de restabelecer.

 

17) A sua colega de pós-graduação diz que você é um coroa charmoso, em ótima forma e vai te apresentar alguém muito especial: a mãe dela!

 

18) Cede seu lugar no metrô a uma moça fofinha e ainda explica todo simpático “as grávidas têm prioridade”, e ela amarra a cara e diz “mas eu não estou grávida”!

 

19) Resolve gastar uma nota preta num salão de beleza masculino para ficar com a cara do Gianecchini e sai com a cara do Renato Aragão.

 

20) Paga uma de gatinho, calça justa e camiseta descolada em uma rave e encontra seus três filhos e todos os amigos dele!

 

21) Move mundos e fundos para conseguir uma credencial para o GP Brasil de Fórmula 1 na ala vip e acorda domingo com uma tremenda gastroenterocolite (popular diarréia).

 

22) Encontra seu chefe na praia e comenta “que gracinha a sua filha” e descobre que é a amante dele.

 

23) Reencontra seu chefe algumas semanas depois em uma festa da empresa e comenta “nossa como sua mãe é conservada” e descobre que é a ESPOSA dele.

 

24) Depois de perder o emprego você descobre que sua ex-empresa foi fechada porque não depositava o fundo de garantia dos empregados, inclusive o seu.

 

25) Acorda num domingo de sol radiante e decide levar sua namorada para um agradável passeio de moto, mas a chama pelo nome da sua ex.

 

26) Os pais de sua namorada te convidam para um almoço de domingo e servem dobradinha. E você odeia dobradinha!

 

27) Para diminuir o mal estar seu sogro te convida para ver o jogo de futebol na TV e você explica que odeia futebol, que é tudo marmelada, com resultados arranjados e só então descobre que o sogrão é juiz de futebol dos quadros da FIFA.

 

28) Você acorda de manhã e descobre que seu rothweiller devorou os alforjes de couro caríssimos de sua Harley idem.

 

29) Na hora de colocar o cachorro de castigo descobre que suas botas de couro de jacaré também foram dilaceradas.

 

30) O cachorro morre de indigestão!

 

31) Você vota no PMDB para prefeitura da sua cidade, mas quem assume é um histérico do PFL e não faz diferença nenhuma, porque quem manda na cidade é o PCC.

 

32) Esquece o dia do aniversário de casamento. Pela última vez!

 

 

publicado por motite às 13:44
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Sexta-feira, 12 de Junho de 2009

Minhas Motos

(A primeira: tudo começou com ela - Suzuki A 50II. Foto:Pai)

 

 

Minhas motos
 
Graças à um post no Orkutinsson ocorreu a idéia de escrever sobre “As minhas motos”. Toda vez que tento lembrar quantas motos eu já tive acabo percebendo que alguma ficou fora da lista. Só de XL/XLX 250 foram quatro!!! Por isso – e para poupar meus neurônios da estafante missão de lembrar coisas – fiz um relatório das motos que já tive por categorias. Vamos lá:
 
A primeira moto: Suzuki A 50II (1972~1973) – Na verdade a moto era do meu irmão mais velho. Eu só tinha 12 anos e mal alcançava os pés no chão. Era linda e eu a colocava na sala de casa pra ficar olhando até pegar no sono. Com ela aprendi a gostar de velocidade e levei o primeiro tombo em cima de um canteiro de espinhos! O fim dela foi triste: um bêbado passou o farol vermelho e pegou bem na roda dianteira. O cara tentou fugir e arrastou a moto presa ao pára-choque do Fusca por uns 60 metros. Eu escapei por milagre porque naquela época não usávamos capacetes. Mas a moto foi vendida como sucata!
 
A mais querida: Honda CB 400Four (1976~1986) – Também foi comprada para o meu irmão, mas essa eu roubei mesmo, na cara dura. Rodei mais de 120.000 km em 10 anos. Nos últimos anos eu poupava a velhinha porque já tinha outra moto. Com a 400Four eu viajei muito, namorei muito, caí muito e corri tanto que é admirável ainda estar vivo! Depois de ficar alguns anos guardada na casa dos meus pais, criando poeira e teia de aranha foi vendida por US$ 1.000 e hoje me arrepende demais de tê-la vendido!
 
(CB 400Four n versão tuning. Não repare no terno, eu era executivo! Foto M.Bock)
 
A primeira fora-de-estrada: Yamaha DT 180S (1982~1983) – Foi minha professora de off-road. Fiz a Rio-Santos várias vezes (na época pré-asfalto); viajei pelo interior de Minas, passei o maior frio da minha vida na Serra do Mar e gostei tanto dela que logo depois comprei mais uma! Essa segunda está com o Felipe Passarella até hoje!
 
A mais perigosa: Yamaha RD 350LC (1988~1990) – Nuca tive nada mais rápido na vida. E a mais arisca também. Comprei exclusivamente pra correr, porque tinha uma Hondinha 125 pra usar no dia a dia. O motor foi feito pelo Gaeta, os escapamentos eram originais por fora e tudo alterado por dentro. As suspensões eram jóias preciosas e numa medição feita no litoral ela chegou a 222 km/h de velocidade máxima. Decidi vender depois de levar um tremendo susto voltando pra casa. A história dessa RD continuou porque vendi pra um garoto sardento que achei não duraria nem três meses com a moto. O resto dessa história eu conto outro dia.
 
A mais chocante: Agrale SXT 27.5 Explorer (1990~1992) – Quando achei que iria morrer com a RD decidi voltar pro fora-de-estrada e comecei a disputar provas de enduro de regularidade e velocidade. Consegui patrocínio da Agrale e tinha como ofício desenvolver e moto e passar tudo pra fábrica. Novamente com ajuda do Gaeta e mudamos tudo na moto, da suspensão às manetes, escapamento, tudo! A parte chocante é que num Enduro das Montanhas instalei um Compass e tivemos de improvisar uma bateria (a Explorer não vinha com bateria), mas alguém esqueceu de ligar um fio terra. No primeiro dia de prova fiquei em primeiro na categoria. No segundo dia choveu e cada vez que eu passava em poça d’água levava choque nas mãos! A moto era tão boa que meu amigo Ralph Theil herdou essa Explorer pra correr no Paulista de Velocidade, entrou na metade do campeonato, ganhou três corridas e foi campeão!!!
 
A melhor: Yamaha XT 600 Ténéré 1988 (1993~1994) – O critério “melhor” tem muito a ver com aquilo que cada um julga importante. Essa moto é uma “journey-bike” feita para quem quiser rodar milhares de quilômetros. Com ela fiz algumas das minhas melhores viagens como a inesquecível estrada de dunas de areia fofa para Jericoacoara, CE. Vendi só para comprar uma moto zero km, que viria a ser a pior de todas!
 
A pior de todas: Cagiva W16 (1994) – Provavelmente a Cagiva mandou essas motos pro Brasil pra se livrar do mico. A Agrale era representante e fez uma venda com super desconto aos jornalistas. Comprei uma e só tive dor de cabeça. Nunca funcionou direito e nenhuma concessionária conseguia resolver o problema. Quando quis vender a moto de volta na concessionária a segunda surpresa: os caras desvalorizaram quase 50% o valor da moto com TRÊS meses de vida!!! Justificativa do concessionário: “a moto era muito ruim”. Só que depois eles revenderam a moto pelo dobro do preço!!!
 
(Honda RS 125 - a mais divertida! Foto: Donini)
 
A mais divertida: Honda RS 125 (1997~2007) – Com essa moto corri os campeonatos brasileiros de 1997 a 1999. Com motor 125cc, dois tempos, cerca de 45 CV era muito difícil de pilotar, mas uma delícia! Depois da última etapa guardei-a na sala de casa e ficou lá repousada até meu velho amigo Alexandre Simões Zaninotto arrematá-la para guardar em seu museu particular. Aliás, só vendi porque ele prometeu mantê-la intacta!
 
A atual: Suzuki DR 650 RE (2001 ~ ?) – Na verdade tive duas dessas (uma 1996 e a atual 2000). Uma das motos mais versáteis que conheci: enfrentou longas viagens, encarou trilhas com pneu off-road, rodou milhares de quilômetros de congestionamento paulistano e tem uma incrível capacidade de entrar e sair do asfalto e da terra sem necessidade de nenhuma regulagem. Um trator. Pena que as peças sejam tão caras e o vazamento de óleo no cabeçote seja incurável.

 

publicado por motite às 21:58
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