(É isso aí, Truta, não seja um peixe fora d'água! Foto: Tite)
Você já reparou no discurso de quem volta da Europa? É sempre a mesma lenga-lenga:
- Nooooossa! Você precisa ver! As ruas são limpinhas, tudo organizado, as pessoas respeitam a faixa de pedestre, os motoristas respeitam as ciclofaixas, ninguém fura a fila (n.d.r: claro que essa pessoa não passou por Paris), os trens, ônibus e bondes são pontuais e... bla, bla, bla!
O diálogo segue as mesmas observações de sempre, enaltecendo as belezas e a cidadania do provo europeu e reservando aos brasileiros os piores adjetivos como “preguiçoso, sujo, mal educado, ignorante” etc e tal.
Sempre que ouço essa conversinha faço questão de comentar:
- Você precisava conhecer a Europa na Idade Média! As pessoas cagavam e andavam (literalmente) pra cidadania porque as casas nem sequer tinham banheiro! E os penicos eram esvaziados pela janela!!!
Guardadas as devidas proporções, como o Brasil tem pouco mais de 500 anos, ainda não dá pra cobrar as mesmas regras sociais de países com 20 séculos de história! Socialmente falando nem sequer entramos na adolescência, enquanto a Europa já é uma senhora de meia-idade.
Porém tem um aspecto que deve ser muito observado e, sempre que possível, repetido à exaustão: o efeito cardume! Já notou como as sardinhas se comportam em cardumes? Sempre estão juntas, naquela organização esquisita que só peixe mesmo consegue entender. Se a maioria vai pra esquerda é melhor ir também, porque se a sardinha ficar sozinha vira almoço de atum rapidinho.
Com pessoas o efeito cardume é mais ou menos o seguinte: quando um brasileiro chega à Europa e percebe que as estações são limpas, que os motoristas respeitam a faixa de pedestre, que as pessoas são gentis e os policiais corteses, esse cidadão que era quase um selvagem acaba se enquadrando nos padrões locais.
Em São Paulo eu acho admirável a limpeza do metrô. Dá pra pagar um prêmio pra quem achar um papel no chão, ou bituca de cigarro, cocô de cachorro etc. É o lado positivo do efeito cardume, porque ao chegar a um local sempre limpo e organizado ninguém tem coragem de ser o pentelho que jogará um pacote vazio de Doritos no chão.
Por outro lado, o efeito cardume também se manifesta para o mal. Se alguém jogar um sofá velho na calçada numa noite, logo depois terá uma montanha de entulho no lugar, para alegria de ratos e baratas.
Ou ainda, se algum carro estaciona em local proibido, em poucos minutos terá uma fila atrás dele. É o pior aspecto da cidadania solidária: “se ele pode fazer errado eu também posso!”.
No nosso mundo em duas rodas cada vez mais eu vejo o efeito cardume. Os motoclubes viajam em grupos para encontros, o que facilita o desenvolvimento de arquétipos, ou seja, modelos de comportamento. Se o comportamento for positivo, beleza, porque é o lado positivo do efeito cardume. O problema é quando o efeito cardume leva um dos integrantes diretamente para a boca do atum.
Metáforas à parte, isso significa que nem todo mundo é igual, tem o mesmo nível de experiência, as mesmas habilidades e a mesma carga genética. Semanalmente recebo notícia de acidentes nas estradas envolvendo alguém que estava viajando em grupo e saiu reto numa curva. Cabe ao grupo identificar quem é sardinha e quem é peixe-espada. Ou para usar outra metáfora do reino animal, quais são as aves de mesma plumagem. (Isso está parecendo um estudo zôo-social do comportamento motociclista).
O problema está justamente no comportamento social. Desde os primórdios da análise comportamental, sabe-se que os adolescentes precisam viver em grupo. E fazem qualquer coisa para serem aceitos no grupo, inclusive se submeter a trotes humilhantes ao entrar na faculdade. Só que nem todo dono de moto são exatamente jovens cheios de perebas no rosto.
Aí entra em cena outro aspecto desse perfil psicológico: ao comprar uma moto de 170 cavalos que chega a 300 km/h o adulto aparentemente equilibrado volta à adolescência e fará qualquer coisa para ser aceito no grupo, inclusive pilotar a 160 km/h sem estar preparado. Se o líder vai à frente a 200 km/h, o novo integrante segue atrás para ser aprovado no teste que o levará ao elevado status de integrante do grupo.
Com motoboys repete-se o mesmo arquétipo. Ninguém quer ser o “rolha de corredor”, ou o salame que respeita a faixa de pedestre ou o babaca que pára no farol vermelho. Todo mundo quer ser aceito pelo grupo, mesmo que tenha de rodar sempre em alta velocidade, buzinar sistematicamente, invadir a calçada, furar o farol etc. Isso é tão necessário para sua existência quanto respirar. E enquanto a maioria apresentar o mesmo padrão de comportamento o resto do cardume vai atrás.
Enquanto a maioria agir da forma errada dificilmente o cardume mudará de comportamento. Eventualmente uma ou outra sardinha é engolida pelos atuns do trânsito, mas o cardume segue em frente!