(Este é o Birigui, em 1983...)
Para que serve, afinal, um marronzinho?
Nos anos 80 surgiu um grande piloto de motovelocidade, chamado José Xavier Soares Neto, mais conhecido como Birigui, nome de sua cidade natal, interior de São Paulo, tradicional pólo de fabricação de calçados. Nós morávamos perto, no Planalto Paulista, bairro bacana de São Paulo, onde também morava outro excelente piloto – de carro – Maurizio Sala. Lembro que aos sábados nos reuníamos na casa do Maurizinho para olhar os karts e falar de corrida.
O Birigui teve um momento herói na pré-adolescência que lhe rendeu uma medalha de bravura por parte da comunidade de escoteiros da qual participava. Com 12 ou 13 anos, mais ou menos, ele viu que havia quebrado o semáforo em um cruzamento de grande movimento lá perto de casa. Percebeu que os motoristas brigavam e agiam como todo paulistano no trânsito: cada um cuida do próprio umbigo e danem-se os outros. Vestido com uniforme de escoteiro e munido de um apito o projeto de gente foi lá e começou a organizar aquela bagunça. Quando o DSV chegou na esquina já estava tudo em paz, com os motoristas respeitando um pirralho uniformizado. Esta história virou notícia de jornal e Birigui recebeu a tal medalha, motivo de muita zuação dos amigos, claro!
(Birigui na F-400. Foto: Tite)
Chegamos no século 21, anos 10 (+ 2000) e o que mudou desde que o pequeno Birigui recebeu a medalha de honra ao mérito? Os motoristas paulistanos continuam egoístas, aumentou desmesuradamente o número de motociclistas, e o caos só aumentou. Ah, mas teve uma mudança radical: os agentes organizadores do trânsito, a cargo da CET – Companhia de Engenharia de Tráfego – receberam o cargo adicional de fiscalizadores. Leia-se MULTADORES. Ah, sim, a polícia militar também ganhou seus bloquinhos de multas! E já se fala em transferir à Guarda Civil Metropolitana a atribuição também de multar! Antes, o DSV (atual Detran-SP) fazia o papel de punir e o CET era o organizador. Hoje é todo mundo multador.
Note, são três corporações diferentes com a função de multar e NENHUMA com a função de EDUCAR. Isso explica parte do problema de trânsito nas grandes cidades. E por que não existe mais um órgão exclusivamente dedicado a educar e organizar o trânsito? Porque na ótica simplista dos especialistas em trânsito a multa tem o efeito educativo pretendido. Por isso os valores das multas foram aumentados exponencialmente.
Qualquer adestrador de cães sabe que castigo atrasado não funciona como ato educativo, serve apenas para criar medo no animal. Hoje os motoristas não respeitam as leis de trânsito por educação ou cidadania, mas por puro medo da multa.
Quando foi a última vez que você, leitor (a) viu um agente de trânsito conversando com motorista/motociclista ou orientando pedestres? No meu tempo de criança, (faz tempo), lembro de um policial que trabalhava na Praça São João, ao lado do extinto Mappin. Era um policial super engraçado, cheio de gestos e com um humor inabalável. Quando um pedestre atravessava fora da faixa ele sacava uma caveirinha do bolso e mostrava para a pessoa sem dizer nada, mas indicando algo como “quer morrer?”.
Eu ficava na calçada vendo aquele policial e queria que todo mundo fosse daquele jeito. E ainda demoraria muito para eu ser um ser motorizado... (para saber mais sobre este policial, clique aqui)
O policial de trânsito de hoje tem como principal meio de educação o talão de multa. Recentemente foi inaugurado um corredor de ônibus aqui perto de casa, na avenida Vicente Rao. Havia nada menos do que 16 (isso mesmo DEZESSEIS) anos que esta obra começou. Coincidentemente foi terminada na véspera das eleições...
Nela foram colocados mais semáforos do que já existia. Na primeira semana deixaram alguns fiscais de trânsito – que em São Paulo são chamamos de marronzinhos – para organizar o trânsito, afinal mudou o número de faixas e foram criadas a faixa exclusiva de ônibus e algumas faixas de pedestres. Sabe qual era a ação “organizadora” destes fiscais? Multar! Isso mesmo, eles ficavam com o bloquinho só gastando tinta de caneta. Quando passei com minha moto um pedestre atravessou com o farol fechado para ele bem na fuça do marronzinho e este multador não fez nada! Nem sequer chamou a atenção do pedestre, como fazia o policial do Mappin.
Amigo(a) leitor(a) como mostrei com a história do meu amigo Birigui, até uma criança de 12 anos é capaz de organizar o trânsito e educar as pessoas. Infelizmente nossas autoridades não gostam de educar – a começar pelo presidente! Educação de trânsito custa caro, obriga a contratar profissionais (se bem que até escoteiros já servem!) e dá uma trabalheira do inferno. E se tem uma coisa que burocratas detestam é trabalhar.
Aí o senhor, a senhora, liga a televisão e ouve aquele velho boletim do trânsito com congestionamentos enormes e pensa “onde vamos parar?”. A pergunta certa seria “Quando vamos parar?” porque um dia vai parar tudo!
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