Quinta-feira, 26 de Fevereiro de 2009

Muito Prazer

 (ATENÇÃO: TEXTO PRODUZIDO ORIGINARIAMENTE EM FEVEREIRO DE 2000)

Já que internautas e blogueiros de todo Brasil se sentem no direito de escanear e publicar artigos publicados em revistas, resolvi usar a mesma estratégia: resgatar meus artigos publicados na revista AutoEsporte. Por ser uma revista de automóveis a moto entrava como um atrativo extra. Além disso os editores me davam total liberdade para elogiar, criticar ou espinafrar as motos. Como avaliávamos só motos acima de 600 (exceção feita à esta Aprilia RS 250), era difícil ser muito crica com os modelos avaliados. Curioso notar o macacão de couro feito especialmente para a revista. Era produção 100% nacional e o cara que tirou as medidas esqueceu que moto se pilotada deitado e o resultado foi um macacão tão apertado que cada vez que eu deitava no tanque nas retas espremia minhas bolas. Só conseguia vestir o macacão com os zíperes das pernas abertos. Uma lástima...
 
Esse teste da RS 250 está em tudo que é site por aí. Quando alguém pesquisa esse modelo no Google acaba dando de cara com ele. Foi uma tarde inesquecível em Interlagos e lembro que virei quase o mesmo tempo que fazia com minha Hondinha RS 125 de corrida com pneus slick! Sem dúvida essa Aprilia 250 foi uma das motos que mais me deu prazer em pilotar e sempre fui fã dela. Por isso o título é...
 
Muito Prazer
 * Fotos: Luca Bassani
 
Conheça a Aprilia RS 250 Replica, esportiva italiana mais apimentada do momento, com motor de 70 cavalos que leva a 208 km/h.
 
VOCÊ JÁ OUVIU FALAR de endorfinas? São substâncias com propriedades semelhantes às morfinas, produzidas em nossa cabeça pelo sistema nervoso. Para liberar endorfinas e ter uma agradável sensação de bem-estar, basta realizar qualquer atividade com muito prazer. E só mesmo a busca pelo êxtase de pilotar pode explicar a existência de uma mota como a italiana Aprilia RS 250 Replica, a esportiva de rua que chegou mais perto de uma mota de corrida!
 
O nascimento da RS 250 seguiu o caminho inverso das superesportivas já ava­liadas por Autoesporte, como a Yamaha YZF 1000 R1 ou a Suzuki GSX-R 750F. Enquanto as japonesas foram projetadas visando o uso estradeiro para depois ingressar nas competições, com a italiana ocorreu o contrário: antes foi feita a moto de corrida, campeã mundial em 1994, 1995, 1996 e 1998, e só depois lançaram a versão de rua.
 
As diferenças entre elas são poucas, o suficiente para permitir que circule nas ruas e estradas. Providências foram tomadas para a redução da potência em nome da maior durabilidade; luzes, espelhos retrovisores, escapamento mais silencioso, discos de freio de aço e outras firulas foram necessárias para ser liberada pelas autoridades de transito da Itália.
 
O motor foi encomendado à Suzuki, que forneceu o motor da RGV 250. Inicialmente a ideia era usar motores Rotax, com vários títulos mundiais em diferentes modalidades e que já equipava a Aprilia 250 do Mundial. Mas a fábrica austríaca não tinha volume suficiente para atender uma moto de rua em larga escala. Por isso recorreram à Suzuki que empacotou e mandou 3.500 motores pra Itália.
 
 
A primeira modificação importante foi na alimentação. Enquanto na moto de corrida ela é controlada por válvula rotativa, na versão "mansa" o controle da mistura é feito por palhetas. As duas versões utilizam dois carburadores, porém com medidas diferentes, sendo de 34 milímetros no modelo de rua, com admissão diretamente no cárter. Outra válvula fica no escapamento, para controlar a saída dos gases.
 
Macchina brava
Motor dois tempos com válvulas? É isso mesmo, mas não confunda com as usadas nos motores quatro tempos. Nos motores dois tempos elas controlam a entrada de mistura e a saída dos gases fora do conjunto formado por cilindro e cabeçote. A válvula de palhetas fica posicionada entre os carburadores e o cilindro, enquanto a de escape esta localizada entre o cilindro e a curva do escapamento.
 
Chega de conversa complicada e vamos ao melhor da festa: voar, digo, correr! Meu primeiro susto foi com as dimensões da moto. A RS 250 é muito pequena, com apenas 1.360 mm de distância entre eixos. O banco é claramente monoposto e para minha condensada estatura de 1,70 metro ela serviu como uma luva. A posição de pilotagem é um convite a acelerar. O tan­que de gasolina de plástico comporta 19,5 litros e tem curvas para encaixar os joelhos, além de um rebaixo perto do bocal para o piloto apoiar o queixo e esconder a cabeça por trás da pequena carenagem.
 
 
A fim de se adequar aos diferentes tamanhos de piloto existe a possibilidade de regulagem na altura a pedaleira e o braço da alavanca de câmbio pode ser invertido como nas motos de corrida. Assim, a primeira marcha fica para cima e as outras cinco para baixo. Manetes, semi-guidões, banco, tudo pode ser regulado para que o piloto encontre a melhor medida ao seu biótipo. Mesmo assim, os grandalhões terão problemas com os joelhos.
 
Essa belezura de motor com exatos 249,2 cm3 tem "apenas" 70 cavalos, o que representa uma potência específica de 280,89 cv/litro. Já passaram motos bem mais potentes pelas páginas de Autoesporte, mas nenhuma com potência específica tão alta. Soma-se a esta boa média o baixo peso (140 quilos a seco) e temos ainda uma relação peso/potência de 2 para 1, ou seja, cada cavalo tem de se esforçar para carregar apenas 2 quilinhos. Como motos não andam sozinhas, devemos somar aí os 70 quilos de um piloto equipado. Mesmo assim, a média continua boa, com 3 kg por cv. Imagine a versão de corrida que produz 100 cv e pesa só 95 kg!
 
Esses números da RS 250 Replica são o cartão de visita onde se lê: "Abra o gás."
 
E não refuguei, torci o acelerador e pude ter novamente aquela sensação agradável do cérebro encharcado de endorfinas. Para começar, as reações são muito próximas ás de uma mota de corrida. Seus limites estão bem acima do que imaginava e os pneus Dunlop que equipavam a moto testada terá um papel fundamental para mantê-la na trajetória desejada. Outra opção seria comprá-la equipada com os novíssimos pneus Pirelli Dragon Evolution com fibras sintéticas, os mesmos utilizados pelas motos do Mundial de Supersport!
 
Mezzo pazza
Uma das melhores características dessa Aprilia e "aceitar" os erros do piloto. Por exemplo, num momento em que exagerei na frenagem em Interlagos, as pinças duplas dianteiras morderam os dois discos flutuantes com tanta força que a traseira levantou do chão e ameaçou ficar maluca. Bastou aliviar a pressão na frente e pisar de leve no freio posterior para a traseira voltar ao lugar e recuperar a aderência. Você pode até achar que pilotos de teste são todos meio malucos, mas uma de nossas tarefas é provar os limites. No caso dessa Aprilia, posso afirmar: vai ser boa de curva assim lá em Monza, Donington Park, Philip Island, Suzuka ou Jacarepaguá!
 
Como expliquei, a Aprilia produz o quadro todo de alumínio. Mais do que isso, ela desenvolve seus produtos em milhares de quilômetros nas pistas italianas. O resultado é uma moto com a ciclística não apenas eficientíssima, mas muito bonita, misturando partes polidas com outras escovadas. Há uma especial atenção aos detalhes, como as soldas desse quadro, de um capricho tão cuidadoso que da vontade de pendurar na sala de casa como decoração.
 
 
Mas não basta ser boa para fazer curvas, e preciso sair delas com rapidez. Com o gerenciamento eletrônico da ignição e a válvula do escapamento, a RS 250 pula da curva como uma perereca, saindo de 8.500 rpm para 11.000 rpm num átimo. Com o auxílio do excelente quadro, a frente se mantém firme, dispensando até mesmo o amortecedor de direção - equipamento opcional, ausente no modelo avaliado.
 
Quando chego na reta dos boxes, fico de olho do velocímetro digital. No ponto de frenagem para o “S do Senna” ele indica 198 km/h, mas a velocidade máxima e um pouco maior, chegando a 208 km/h reais. A versão de corrida é mais veloz: 270,7 km/h no GP da França, em Paul Ricard. Para não detonar o motor, recomenda-se gasolina de alta octanagem (Premium) para alimentar essa beberrona com motor muito comprimido. A taxa de compressão e de 13,2:1, enquanto a versão speed tem taxa de 17:1.
 
Passado o efeito das endorfinas, começo a reparar nos detalhes. O painel e um dos mais completos atualmente. Tem dois displays de cristal líquido: o da es­querda inclui velocímetro, hodômetros parcial e total, além de armazenar informações como velocidades máxima e mínima atingidas no trecho e a media horária. No visor da direita há informações sobre carga da bateria, temperatura da água, relógio e cronômetro.
 
 
Esse último item é uma exclusividade da moto, diretamente derivada da versão de corrida: podem-se registrar os tempos de volta acionando o cronômetro no punho esquerdo. Assim, o piloto controla seus tempos sem necessitar ler placas nos boxes. O computador de bordo armazena até 40 voltas. Depois basta selecionar a função "memória" e ver todos os tempos. Entre os dois displays está o conta-giros analógico, com uma luz amarela indicando a rotação máxima. Esta pode ser programada pelo piloto, conforme o nível de preparação do motor ou durante o período de amaciamento. Em nosso teste ela estava regulada para se acender a 12.000 rpm, 500 rpm além do limite de potência máxima, e ela se acendeu varias vezes.
 
Buona in cittá
Para não restringir essa avaliação ao usa esportivo, também rodei com a mota nas ruas de São Paulo, estrategicamente esco­lhidas para senti-la em várias situações. Mesmo com uma posição de pilotagem bem agressiva ela não cansa muito, mas esterça pouco, dificultando as manobras no trânsito carregado. Além disso, o motor trabalha na faixa de 65°C, transmitindo calor para as pernas. Garupa, nem pensar. Até que existe uma camada de borracha para cobrir a rabeta, servindo de banco, mas esqueça. Levar alguém ali é certeza de perder a amizade, ou algo mais.
 
A partida é somente no pedal. Alguns podem achar isso um retrocesso, mas se­ria criminoso aumentar o peso só para ter um pouco de conforto. O motor pega muito fácil e pode-se ate ligá-la com a mão. Mas o melhor mesmo seria viajar por estradas bem sinuosas e sem garupa!
 
Só falta o preço. Bem, após os últimos loopings de nossa economia, ela estava sendo vendida a US$ 11.500, um valor al­to com o dólar a cerca de R$ 1,87. Desde que o Real ganhou a estabilidade de uma velha Kombi, não podemos garantir qual era a política mantida pelo fabricante. Pe­cado, a Aprilia chegou ao Brasil e logo ficou de coração apertado.  
 
Ficha Técnica
Motor: 2 cilindros em "V", 2 tempos, 2 carburadores, arrefecimento líquido, 249,2 cc. Gasolina+óleo 2T
Potência: 70 cv a 11.500 rpm
Transmissão: corrente, câmbio de seis marchas
Susp. Dianteira: Garfo invertido
Sus. Traseira: Monoamortecida regulável
Freio Dianteiro: Duplo disco flutuante
Freio Traseiro: Disco simples
Pneu Diant.: 120/60-17
Pneu Traseiro: 150/60-17
Comprimento: 1.980 mm
Largura: 710mm
Entreeixos: 1.365 mm
Altura do assento: 810mm
Peso 140 kg
Tanque 19,5litros 
 

 

 

 

publicado por motite às 14:11
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