Pode anotar: temos mais um monstrinho na MotoGP: Brad Binder. (Foto: MotoGP.com)
Primeira vitória da KTM e de Brad Binder na MotoGP
Desde os tempos da faculdade de jornalismo meus professores de rádio e TV me desestimularam a trabalhar na mídia eletrônica. Segundo eles, minha voz era tão ruim que eu precisaria fazer de tudo para ser um bom redator. Fiz mais do que isso: fui um ótimo redator e um excelente fotógrafo. Porém a vida me conduziu até aqui aos 61 anos para fazer comentário justo onde: na televisão!
Logo depois da primeira transmissão a FoxSports me ofereceu os serviços de uma fonoaudióloga por conta da casa. Pobre moça está com uma dura missão de me transformar no William Bonner, pelo menos a voz, porque a cara... Toda semana de corrida ela me chama no zap e ficamos estudando como melhorar minha voz. Desta vez ela aconselhou acordar mais cedo, ingerir muito líquido e fazer gargarejos com água morna. Fiz tudo isso que ela recomendou, por isso tive de sumir da transmissão três vezes na Moto2 para fazer xixi!
Isso é só pra você tentar entender como é fazer transmissão em regime de home office. Além disso eu fico com três computadores ligados na minha frente. Um com a plataforma de reunião virtual. Outro com o site da MotoGP no live timing e um terceiro para acessar o Google e descobrir porque o alemão Pit Beirer estava numa cadeira de rodas no box da KTM. Ainda tenho de ficar com o cursor em cima do botão de silenciar o microfone porque a qualquer momento meus cachorros poderiam acordar e sair latindo freneticamente. E tem gente que reclama dos comentaristas...
Para esta quarta etapa do Mundial de Motovelocidade (terceira da MotoGP) eu consegui acordar uma hora mais tarde porque não teve a MotoE. Obrigado Eric Granado! Por isso dessa vez consegui até tomar café da manhã! Comentar alimentado é muito melhor...
A programação começou com a eletrizante Moto3. É a categoria adrenalina com testosterona. Estudei todos os treinos e dois pilotos se destacaram: Raul Fernandez e Gabriel Rodrigo. Nesta categoria a competitividade é aquela velha briga de foice no elevador com a luz apagada. O pega pra capar começou na largada e logo de cara o argentino deu uma escapada de traseira que minou a confiança. Daí em diante foi ladeira abaixo. Isso não é anormal; o psicológico de um piloto fica realmente afetado depois de um quase tombo. Menos para os super homens que voltam ainda mais rápidos. O que não é o caso do Gabriel.
Magistral: Dennis Foggia dominou a Moto3. (Foto: MotoGP.com)
Desta vez Albert Arenas correu pensando no campeonato e fez a lição de casa direitinho. Pilotou para fazer o maior número de pontos e nem ameaçou a liderança do Dennis Foggia, que foi magistral! Ele teve a corrida o tempo todo sob controle. Às vezes parece que eles estão se matando, mas nesta categoria a troca de vácuo faz muita diferença, por isso alguns pilotos percebem que podem liderar, mas preferem ficar ali no meio do bolo para atacar só no final. Na maioria das vezes dá certo, mas na segunda prova de Jerez o Arenas espirrou da pista porque estava embolado.
O que eu não comentei no ar: que o Albert Arenas é favoritaço ao título e mostrou isso neste domingo ao correr usando mais a cabeça e menos o punho direito. Que o Gabriel Rodrigo me fez queimar a língua de novo!!! Nunca mais aposto neste moleque!
Vitória de ponta a ponta: é raro, mas acontece muito! (Foto MotoGP.com)
Moto2
Mais uma vez estudei todos os tempos de todos os treinos e cravei a vitória no Sam Lowes. Estudei e levei pau. Porque ninguém neste mundo de meu Deus poderia imaginar o que o Enea Bastianini fosse liderar de ponta a ponta. Isso é que nem meteoro: acontece a cada 60 anos. O Sam Lowes veio na toada e conseguiu arrancar um segundo lugar depois de tirar quase dois segundos de diferença e cometer pequenos erros. Experiente (o mais velho dos três primeiros) decidiu colocar a cabeça no lugar e garantir o segundo posto.
O Joe Roberts é um mistério. Vem de três temporadas medíocres, fez a pole na primeira etapa no Qatar, depois foi 17º nas duas corridas de Jerez e agora fez a pole de novo. Como entender um piloto com mais altos e baixos do que um eletrocardiograma? Dessa vez ele literalmente suou o macacão para se manter em terceiro nas últimas voltas.
O que eu não comentei no ar: o estado deplorável ao final da corrida do vencedor Bastianini e do terceiro colocado, Roberts, enquanto o “véio” Sam Lowes ( faz 30 anos no mês que vem) estava absolutamente inteiro, como se tivesse chegado de um passeio no parque. Lowes é veterano na Moto2, chegou na MotoGP pela claudicante Aprilia e regressou à Moto2 para dar calor nas crianças.
Pol Spargaró foi alvejado por Johan Zarco.(Foto: MotoGP.Com)
MotoGP, hímens rompidos
Mais uma vez apostei no cara errado. Antes da corrida eu joguei todas as fichas no Fabio Quartararo. Porque vinha de duas vitórias convincentes. Mas o que vimos foi a largada perfeita de Franco Morbidelli que fez todos os treinos muito regulares, sempre entre os primeiros. Outro que fez treinos muito consistentes foi o francês Johan Zarco (sim, amigo, se ele é francês a pronúncia correta é Joãn Zarcô, qualquer outra é invenção), de Ducati 2019. Ele esteve sempre dentro do mesmo décimo de segundo do melhor tempo. No treino de classificação encaixou uma volta voadora (pegou vácuo) e fez a pole. Foi a primeira vez que dois franceses ocuparam os dois primeiros lugares na largada da categoria máxima.
Enquanto isso, Brad Binder fazia apenas o sétimo tempo nos treinos... que mineirinho!
Antes da largada o Téo José pergunta a todos os comentaristas qual palpite para o vencedor. O Edgard Mello Filho cravou Quartararo. O Alexandre Barros sugeriu Franco Morbidelli, mas deixou claro que as KTM estavam muito fortes. E eu cravei Quartararo. Veio a largada e o Morbidelli sumiu lá na frente. Zarco não durou nem 200 metros na liderança e ainda cometeu um pequeno erro que o jogou lá pra trás.
Tudo sinalizava para um flag-to-flag do Morbidelli, mas as KTM começavam a aparecer tanto com Binder quanto com Pol Spagaró. Neste bolo o Zarco também perdeu contato e estava se segurando entre os cinco, mas na alça de mira do Pol. Nesta briga o Pol alargou uma curva e quando voltou tentou fechar a porta do Zarco, que de bonzinho não tem nada e acertou o espanhol e mandou lá pra brita.
Quando Binder assumiu a segunda colocação estava a mais de dois segundos do Morbidelli. Diferença que simplesmente pulverizou em três voltas. Era visível que a KTM freava bem mais dentro do que a moto do Franco. Do jeito que chegou, passou e deu um abraço pra galera. Foi um festival de primeiras vezes: primeira vitória de um sul-africano no mundial de motovelocidade; primeira vitória de Binder na MotoGP e primeira vitória da KTM na MotoGP. E olha: se o Zarco não tivesse alvejado o Pol a KTM teria duas motos no pódio. E adivinha quem a KTM quer contratar em 2022? Um tal de Marc Marquez.
Falando nele, que grande, enorme, incomensurável cagada! Querer puxar ferro com uma placa de titânio parafusada no osso é coisa de cabaço no mais alto nível. Claro que a placa não aguentou e obrigou uma segunda cirurgia. Agora esquece 2020 (aliás, o ano que não existiu) e pode pensar em 2021. O mais patético da semana foi o coach Alberto Puig (se pronuncia púichi) vir a público afirmar que MM teve um acidente doméstico ao abrir uma janela! Fala sério, só se ele morar num castelo medieval!
Decepção gigantesca da dupla Honda/Repsol que conseguiram os dois últimos lugares no grid. Comentei no ar que a Honda pagou pelo preço de ter feito uma moto sob medida para o Marc Marquez (como já tinha feito com Casey Stoner). Deu certo por sete anos, mas neste domingo vimos que foi uma aposta arriscada. Tudo bem que o Stefan Bradl não estava familiarizado com a moto, mas Alex Marquez já está desde janeiro treinando e fazer o pior tempo do fim de semana certamente vai mexer com a cabeça do irmãozinho.
O que eu não disse no ar: que a KTM abandonou o quadro tubular de treliça e adotou o quadro perimetral. Além disso o motor V-4 é extremamente compacto, o que deixa a moto muito fina. A mudança do quadro + um motor compacto deixaram a moto mais maneável em pistas de média velocidade e deram mais retomada em saída de curva. A frenagem absurda do Binder pode ser creditada ao piloto e à escolha do pneu dianteiro.
Também não comentei o fiasco das Ducati oficiais. No caso do Dovizioso acho que tem grana no meio. Ele sabe que Jorge Lorenzo anda rondando os boxes da Ducati que nem mosca de padaria. Sabe que ele vai pedir um caminhão de dinheiro e que a Ducati pode aceitar. Isso realmente mexe com os intestinos da pessoa e reflete na falta de competitividade. Mas a Ducati de fábrica ver uma equipe satélite fazer pole e ainda chegar em terceiro é um golpe duro.
Para o campeonato não poderia ter sido melhor. Afastou uma possível hegemonia da dupla Yamaha-Quartararo, jogou luz em cima de motos que estavam “esquecidas” e vai prender a atenção até a última etapa, que ninguém sabe onde e quando será.
Deita muito: esta CBR 650R é uma escola de pilotagem! (Foto: Digital da Lata)
Leia com atenção, porque uma delas pode ser sua primeira quatro cilindros
Por ter entrado na faculdade de medicina, em 1976, meu irmão mais velho ganhou como prêmio uma moto nova. Era uma Honda CB 400Four que tinha acabado de ser lançada no Japão e já estava à venda nas concessionárias de São Paulo. Só que você sabe, estudante de medicina não tem tempo nem pra respirar, quanto mais pra andar de moto. Assim, na flor dos meus 17 anos herdei essa moto. Que ficou nas minhas mãos por 10 anos e 160.000 km, até dissolver por excesso de uso e de tombos. Nunca mais tive uma moto quatro cilindros.
O que ela tinha de mais charmoso eram as curvas do escape 4x1. Dizem que essa solução não era estética, mas pragmática: entortaram as curvas para que os mecânicos pudesses trocar o filtro de óleo sem desmontar os escapes. O resultado foi uma das motos mais icônicas da Honda, presente em toda coleção que se preze.
A incrível semelhança entre a CB 400Four de 1976 e a atual CB 650R.
Passados 44 anos a Honda resgatou aqueles escapes curvos na nova linha CB 650R, em duas versões: CB 650R NSC e CBR 650R. E já vou avisando: não se tratam de um facelift da linha 650F. A letra F indicava Fun (diversão), motos para turismo. Agora a letra é R, de Racing, feita pra acelerar mesmo.
A programação começou com a CB 650R que obedece o conceito Neo Sport Café, inaugurado com a CB 1000R. Logo de cara as curvas dos escapamentos chamam a atenção e foi uma sacada genial do pessoal de design. Este projeto é uma tentativa de fazer de uma moto produzida em série algo parecido com uma customização. Por mais estranho que isso pareça, deu certo.
Guidão de secçao variável no melhor estilo customizada na CB 650R. (Foto: Divulgação)
Começando pela traseira. A lanterna fica embutida no banco e o que se parece com um para-lama não passa de uma tira de plástico para pendurar a placa. É a industrialização do eliminador de para-lama. Confesso publicamente que acho horrível motos com eliminador de para-lama, ficam parecidas com um cachorro sem rabo. Tente comprar uma moto usada com o para-lama traseiro original e vai descobrir que esse eliminador é mais do que uma tendência, é uma endemia!
Outro elemento vindo diretamente da customização é o guidão de secção variável, de alumínio, que mantém o corpo do piloto levemente inclinado pra frente, uma posição de pilotagem um pouco mais esportiva se comparada com a CB 650F. Este guidão é um dos primeiros itens que os customizadores buscam.
A traseira é meio estranha, parece um cachorro sem rabo. A da moto também. (Foto: Digital da Lata)
As pedaleiras estão mais elevadas e isso pode complicar a vida de quem tem mais de 1,80m, mas pra mim (com meus enormes 1,68m) serviu como se feita sob encomenda. O que me deixou mais bem impressionado com esta postura é conseguir colocar os dois pés no chão e a sensação de leveza. De fato ela ficou 4 kg mais leve em relação à F, mas não é isso. Foi como se eu tivesse de novo montado na minha querida CB 400Four. Só que a avó dessa 650 tinha apenas 38CV enquanto essa tem 88,4 CV.
Desfrutável
Depois que a Honda surpreendeu o mundo com a popularização dos motores quatro-em-linha ao lançar a CB 750Four em 1968, surgiram várias versões com esta configuração. Inclusive uma CB 350Four, mas quem fez o papel de inaugurar muita gente no universo Four foi a minha CBzinha e seus charmosos escapes curvos.
Só a título de curiosidade, nos anos 70/80 as motos 750Four eram o sonho de consumo. E o primeiro acessório instalado (até hoje) era o escape 4x1. Se Soichiro Honda vir a ser canonizado um dia, será pela criação do motor Four em linha transversal. Mas o cara que inventou o escape 4x1 também vai para o céu. A mágica desse ronco vinha de um outro sonho da época: os carros de Fórmula 1. A maioria tinha motor Ford V-8 com duas saídas de escape. Ou seja, era como se fossem dois motores de quatro cilindros, com dois escapes 4x1. O ronco de uma moto com escape 4x1 ficava muito parecido com o de um carro de F-1 e isso mexia com os hormônios daquela geração.
Painel completo com indicador de marchas e velocímetro bem grandes. (Foto: Divulgação)
Assim que comecei a rodar com esta CB 650R veio tudo claro em minha mente. Ela é incrivelmente leve, mesmo tendo quadro perimetral de aço. Assim que começa a rodar essa sensação de leveza fica mais evidente e, sem exagero, lembra uma moto de 300cc. O painel é completo totalmente digital, dentro de um pequeno retângulo. Aliás, pequeno demais. Para sorte dos over 60 o indicador de marchas e o velocímetro tem dígitos grandes, mas o conta-giros só com óculos. Felizmente esse painel conta com shift light, aquela luz que acende quando atinge uma rotação programada. Cada um pode escolher a rotação e para este teste foi marcado 6.000 RPM, o que dava algo por volta de 125 km/h em sexta marcha. Como a velocidade permitida nesta estrada era de 120 km/h a luz ficou mais tempo apagada, porque a esta velocidade o motor se mantém a 5.900 RPM. Na faixa acima de 6.500 RPM dá pra sentir a vibração do motor no guidão e pedaleiras, principalmente nas desacelerações, momento que todo motor vibra mais mesmo. Não chega a incomodar, mas é um pouco exagerado para um motor de quatro cilindros.
Tanto a versão Café quanto a R adotam o mesmo conjunto de suspensões, com bengalas invertidas na dianteira e monoamortecedor traseiro. Sobre esse conjunto vale ressaltar alguns dados. Esta é uma suspensão efetivamente upside-down como foi concebida na origem, com as bengalas fazendo funções diferentes: uma faz o trabalho hidráulico e a outra o mecânico. Como as bengalas estão fixadas na mesma mesa e presas no mesmo eixo, trabalham como se fossem uma peça só.
Suspensão realmente invertida e discos com pinças radiais: herança das pistas. (Foto: divulgação)
Já a suspensão traseira é comandada por um amortecedor bem inclinado, fixado diretamente na balança traseira de alumínio. Não tem links e isso é um atestado de eficiência. Tem regulagem na pré-carga da mola.
As rodas de 17 polegadas estão calçadas com pneus Metzeler 120 na frente e 180 atrás. Para uso civil são mais do que eficientes. Como são pneus radiais transfere um pouco das irregularidades do piso. Não tem muito como escapar disso. Mas nas ruas castigadas do Alto da Lapa, em São Paulo, chegou a incomodar. Graças às pedaleiras altas, passei boa parte do tempo apoiado nas pedaleiras como um jóquei. Não gostei da espuma do banco, muito dura para uma proposta de moto urbana/touring. Acho que a Honda poderia ter usado bancos de densidade diferente nas duas versões.
A única coisa que atrapalha levemente o deslocamento em baixa velocidade é o pouco esterçamento do guidão, por causa do grande radiador. O piloto precisa ficar esperto na hora de manobrar no meio dos carros.
Já na estrada é alegria pura. É uma moto raiz, sem nenhuma proteção aerodinâmica e se o piloto mantiver velocidade alta por muito tempo no final da viagem terá um pescoço de boxeador. Ainda acho um pouco estranho esse estilo com o farol achatado, entre as bengalas. A visão de quem pilota é que a moto não tem cabeça. Fica parecendo um inseto endocéfalo que nem uma barata.
Escolha estradas com muitas curvas e divirta-se. (Foto: Digital da Lata)
Pista, pista e mais pista
Durante a viagem até o Haras Tuiuti passamos por uma estradinha cheia de curvas, lombadas e até trechos de terra. Foi a chance de avaliar o controle de tração e os freios ABS. Vou dizer: o cabra só vai se acidentar com essa moto se caprichar bastante na cagada. Depois vou explicar mais um pouco sobre o ABS e o controle de tração.
Hora da treta: na pista a CBR 650R é pura diversão até para iniciantes. (Foto: Digital da Lata)
Juntando o roteiro cidade+estrada posso atestar que nenhum motociclista precisa mais do que isso. Sempre defendi que motos de 1.000 ou acima disso não passam de exibicionismo equestre: o cara quer mostrar que tem mais cavalo que o vizinho. Uma moto na faixa de 600/750 oferece desempenho, conforto e estabilidade em dose certa para curtir e não ir a falência por excesso de multa nem consumir gasolina como um carro. Não é a toa que a Hornet 600 foi, por muitos meses, a moto mais vendida em vários países europeus. A mais vendida geral, incluindo as pequenas.
Chegou o momento mais esperado que era o teste da versão R desta 650. Visualmente me agradou muito mais essa versão carenada. Mas uma coisa não consigo engolir que é esta traseira cotó. Na versão NSC até combinou, mas na esportiva ficou parecendo que o desenhista ficou com preguiça e parou de desenhar a moto no meio.
A velocidade máxima fica por volta de 220 km/h. Está de bom tamanho! (Foto Digital da Lata)
Em compensação a sacada de deixar uma “janela” na carenagem para expor as curvas do escapamento foi sensacional. Além de ajudar a arrefecer as curvas. A parte dianteira é uma clara inspiração na CBR 1000 Fireblade. Ficou simplesmente fantástica. O farol, a exemplo da versão “mansa” é full LED e permitiu criar um desenho mais fino com se fossem olhos amendoados de um monstro sanguinário.
A posição de pilotagem obviamente é 100% esportiva e pode avisar lá em casa que essa garupa é só pra dizer que existe. A CB 650 até aceita o passageiro sem muito estresse, mas a “R” recebe essa letra porque é uma alusão à RACING e você já viu moto de corrida com duas pessoas em cima?
Dentro da pista a ideia é acelerar e depois de alguns anos de abstinência de pista eu parecia criança em parque de diversões. Simplesmente não conseguia mais parar. Conheço bem essa pista porque dei muita aula nela, por isso depois de duas voltas pra aquecer os Dunlop baixou o caboclo aceleradô e fui testar se o controle de tração funciona mesmo. Pra minha sorte funciona sim. É quase imperceptível e não chega a fazer o motor “falhar”. O sistema até é mais permissivo do que eu gostaria porque ele deixa a moto escorregar bem de leve e depois atua, quando o piloto já está quase enfartando.
Saí da pista com o acelerador a pleno e fui salvo pelo controle de tração: arigatô! (Foto: Digital da Lata)
O mesmo vale para os freios ABS. Na frente dois enormes discos com pinças radiais e na traseira o disquinho sem surpresas. O bom desse sistema é que só atua bem no limite mesmo e ainda permite frear até o meio da curva com a moto inclinada. O pessoal que for disputar a Copa CBR 650R vai se divertir demais!
Uma novidade do sistema de freios é um sistema batizado de ESS que faz as luzes da seta piscarem quando o piloto alicata os freios com vontade. A partir de 56 km/h se o acelerômetro percebe que a moto apresentou uma aceleração negativa acima de 2,5 m/s2 dispara um aviso para as luzes piscarem.
Falando em setas, tanto a 650 naked quanto a carenada trazem uma novidade em se tratando de moto nacional: as setas dianteiras permanecem acesas junto com o farol. Isso já é lei em alguns países e tem como objetivo mostrar para o motorista que aquela luz atrás dele é de uma moto e não a metade de um carro. É muito útil principalmente nos corredores à noite. Deveria se tornar obrigatório também no Brasil.
O controle de tração pode ser desligado por um comando no dedo, mas não faça isso! (Foto: Divulgação)
Desfrutável
Mais uma vez colocaram o shift light para acender a 6.000 RPM. Santa inocência. Para um motor que tem potência máxima a 11.500 RPM e torque a 8.000 RPM. Deixar a luz indicativa a 6.000 foi só pra mantê-la acesa o tempo todo. Nas primeiras voltas eu ainda usava a quarta marcha, mas depois de uma conversa com o piloto e embaixador da categoria 650, Rafael Paschoalin, ele disse pra eu andar apenas em segunda e terceira. Aí nunca mais essa luzinha apagou.
Mas mesmo com este visual esportivo a ideia da Honda sempre foi produzir motos o mais desfrutável possível. De fato, fiz aquele famoso teste da retomada em última marcha, quando deixo a rotação cair até praticamente a marcha lenta, a 1.800 RPM, então giro o acelerador até o fim para ver a reação. No tempo das carburadas a moto apagava. Hoje, com toda eletrônica, o motor responde de forma linear, sem engasgo. Na prática isso se traduz numa moto que não exige tantas trocas de marchas. Fiz outro teste: rodar na pista inteira apenas em sexta marcha e mesmo nos trechos de subida ela respondeu sem pestanejar.
Nunca foi muito a minha preocupação com consumo. Afinal, quem quer gastar pouca gasolina pode escolher uma moto 150cc. Mesmo assim no painel o pão duro pode controlar o consumo por meio de dois trip com indicador de consumo instantâneo e médio. Pelos meus cálculos a média numa pilotagem normal civilizada deve ficar por volta de 18 km/litro, podendo passar de 20 com facilidade.
Um dos grandes desafios dos projetos que serão vendidos no Brasil é conciliar desempenho com as rigorosas normas de emissões do Promot 5. Principalmente no que diz respeito ao ruído. Uma moto com motor Four tem um ronco que é música para ouvidos sensíveis. Mas com tanta restrição fica parecendo um cantor de forró fanhoso. Mas acredite, a Honda conseguiu o que parece impossível: em regimes até 6.500 RPM o ronco do motor é bem baixo, mas a partir daí ela solta a garganta e pode-se ouvir o verdadeiro som da emoção. Bem parecido com o que já acontece com a CBR 1000RR Fireblade.
Nesta foto podemos ver dois birutas! (Foto: Digital da Lata)
E, claro, a pergunta que todo mundo gosta de fazer: qual a velocidade máxima? Nunca fui muito de dar importância a isso e nem fui testar, mas pode acreditar em algo perto de 220 km/h como sendo normal para as duas versões.
A outra pergunta que recebi pelas mídias sociais – que no meu caso é minúscula perto dos verdadeiros influencers: vale a compra? Pelo prazer de pilotar e estilo sim, vale muito. Acredito que essas 650 são a escada natural de quem sai das 300, 400 ou 500 de dois cilindros e pretende entrar no universo sem volta das quatro cilindros. Em termos de concorrência, a Yamaha aposta nos dois cilindros da MT-07 (R$ 39.300 e 74 CV), que até tem uma pegada esportiva, mas tem dois cilindros, né. O mesmo vale para a Kawasaki Ninja 650 (R$ 33.000 e 68 CV), mas o que pode embaçar é a Suzuki GSX-S750, com motor quatro cilindros de 114 CV a R$ 45.000, enquanto a CBR 650R está sendo lançada a R$ 41.080 e a CB 650R a R$ 39.416. Além de um número bem maior de concessionárias, o pacote comercial da Honda inclui garantia de 3 anos e assistência 24 horas pelo mesmo período. Quanto às cores, no caso da CB 650R elas são três: cinza jamais me escolha, azul bacana e vinho obrigatório. Já na CBR 650R são duas: cinza vergonhoso e vermelho necessário.
Pode escolher uma das duas e ser feliz! (Foto: Divulgação)
Para encerrar, o já mundialmente conhecido IPM – Índice de Pegação de Mina (ou mano). O banco não é muito amigável para quem vai na garupa, mas o estilo moderno garante um valor de 8,0. Não foi possível testar a skateabilidade porque dessa vez não levei o skate, mas a falta de lugar para prender um simples elástico já derruba a nota neste quesito. Depois que a Yamaha tirou de linha a honesta XJ6, quem quiser ingressar no mundo Four tem aqui duas ótimas opções.
Para ver a ficha Técnica, valores, rede de concessionárias e outros papos chatos, clique AQUI.
Cruz credo: tem uma cruz dentro da minha moto!
Fake News do além: A mais bizarra fake News envolvendo motos
Uma noite escura e chuvosa em Manaus. Raios iluminam a enfermaria de um hospital onde um homem delira em febre. Ele balbucia palavras desconexas, sem sentido, tais como “minha culpa”, “vendi minha alma”, “tirem a cruz invertida da CG”. Enfermeiros aplicam morfina, vitamina, gasolina e nada adianta. O homem só acalma quando mostram uma pequena peça de plástico, como se fosse uma cruz apoiada num pedestal. Ele a segura nas mãos e suspira: “consegui, aumentei as vendas da CG”...
Claro que essa estória é mentira. Mas eu não inventei! Não sou tão criativo assim. Esse é o primeiro parágrafo de uma crônica que comecei a escrever uns anos atrás e teve como inspiração uma das maiores e delirantes fake news envolvendo motos: A MALDIÇÃO DA CRUZ DA CG!
O caso ficou famoso no Brasil inteiro por volta de 2006 e tudo porque algum lesado da cabeça ao desmontar o farol da Honda CG Titan 150 encontrou uma peça (batizada oficialmente de Clamp H25) que tinha a função de manter o chicote elétrico alinhado e facilitar a montagem da moto na linha de produção. Como a mente do cidadão brasileiro desocupado viaja mais que representante comercial, logo apareceu um maluco creditando a peça a um pacto sinistro com o demonho!
Neste época eu era editor do site Motonline e a parte mais divertida era responder carta dos leitores. Quando assumi a edição, o Motonline tinha cerca de 500 visitas/dia e era só uma espécie de experiência do meu grande amigo Ryo Harada, que foi um dos primeiros a acreditar na Web. Ele ocupava os espaços com notícias sobre o mercado, dando um grande suporte aos fabricantes e à Abraciclo.
Quando deixei a redação da Revista MOTO! o Harada me chamou pra incrementar o conteúdo com alguns testes. Mais do que isso, inventei um personagem, o Doctor Tite (eu ainda assinava como Geraldo Simões), um velho italiano ranzinza (bem eu mesmo) que não tinha a menor paciência pra responder cartas, mas respondia!
Era um festival de patadas e o mais estranho é que os leitores adoraram! Alguns mandavam mensagens bem esdrúxulas só pra serem sacaneados. E o inesperado aconteceu: foi um tremendo sucesso! As visitas foram crescendo, crescendo e lembro que comemoramos a cifra de 1.500 visitas num dia! Daí em diante todo mundo viu o resultado: em pouco tempo o Motonline se tornou o mais importante site de conteúdos sobre motocicleta do mercado.
A vida me conduziu para outros caminhos, mas ficou a lembrança dessa fase super divertida de falar diretamente com os leitores, o que na mídia impressa era muito mais complicado. E o mais engraçado foi a aceitação desse personagem ranzinza Doctor Tite, título esse que nunca mais me livrei, e nem quero!
Melhor explicação sobre diferentes tipos de cruzes.
O pacto sinistro
Foi justamente nesse período que surgiu o papo maluco da cruz na CG. No começo não demos muita bola, mas foi ganhando vulto porque tinha componentes muito atraentes a algumas pessoas: religião, mistério e satanismo!
A história original era pra lá de sinistra, mal redigida, cheia de lacunas, mas dizia algo como um técnico brasileiro especializado em mecatrônica foi trabalhar na Honda do Japão, onde fez engenharia na universidade Goiake Kadani. O nipo-brasileiro sonhou que uma santa chegava nele com um papo pra lá de sinistro. Leia a íntegra (preservei o texto original cheio de erros e sem pontuação):
“em dezembro de 2004 tive um sonho que aparecia uma santa dizendo pra mim procurar um centro espírita pois ela tinha uma mensagem importante para me dizer, sem acreditar muito nessas coisas pois eu sempre fui budista, eu fui a um centro, foi muito difícil encontrar um mas consegui, chegando lá falei de todos os meus problemas, e fui atendido em uma sexta-feira a meia noite, recebi uma proposta de mudança de vida, de dois exus, e aceitei mesmo sem acreditar muito nisso, fiz um pacto de sangue, onde são cortados os dois dedos mínimos e oferecidos com sangue de animais sagrados para os exus, eu também tive que tomar e fizeram em minha testa uma cruz de ponta cabeça com sangue, todo o ritual foi assistido por imagens e pessoas que faziam parte daquela comunidade espírita. Do ano ainda em 2004 recebi uma visita dos exus, eles pediam algo em troca por tudo o que ele haviam me dado inclusive o sucesso e a fama da moto, eles pediram a mim que antes do inicio da fabricação das TITANS 2005 eu deveria fazer uma peça cujo o desenho eles iriam me mostrar e se eu Aceitasse as motos iria vender cada vez mais e mais, com muita ganância eu aceitei sem ver o desenho da peça, pois eu já confiava neles, então me mostraram uma cruz no calvário e pediram para eu fizesse esta peça o mais parecido com a imagem que eu havia visto e que eu colocasse a cruz de ponta cabeça em algum lugar da moto, escondido mas tinha que ser uma peça que não tivesse serventia para nada, como as vendas estavam indo muito bem”
A coisa era tão delirante que misturava diferentes religiões, sem qualquer vestígio de sanidade. E o incrível aconteceu: essa obra de ficção viralizou e aí sim transformou a vida dos mecânicos num verdadeiro inferno. Recebi fotos de caixas e caixas desta pecinha retiradas das motos. Os mecânicos tinham de agendar para atender a retirada da maldita cruz. Logo começaram a faturar e pregar cartazes na porta com a mensagem “livramos sua moto da maldição da cruz por apenas R$ 50,00”.
O brasileiro precisa mesmo ser estudado!
A tal cruz invertida nada mais era do que um organizador do chicote, mas isso mexeu com a imaginação das pessoas de pouca inteligência a ponto de a Honda ter de mudar o desenho da peça e ainda soltar um comunicado afirmando que não havia pacto demoníaco nenhum. Eu fico só imaginando a reunião para elaborar esse texto!!!
O demonho bem que avisou!
Lendo esse texto hoje, o caso da cruz da CG parece uma comédia, mas naquela época fake news ainda era novidade e o povo acreditava em qualquer texto minimamente convincente publicado na séria internet. Pior era ler textos envolvendo temas como manutenção e pilotagem com a mesma capacidade fictícia, mas compartilhados como se fossem verdades absolutas.
Esse assunto foi parar nas mídias “de verdade”, causou estragos na vida de muita gente e mostrou o quão perigosa é a manipulação de informação. Ouvi relatos de mecânicos que falavam até de ameaças de divórcio se o marido não tirasse a cruz invertida de dentro do farol. Donos de concessionários Honda foram hostilizados nas igrejas, ameaçados de linchamento e o diab... ops, e mais um monte de coisa ruim. Houve filas e tumultos nas portas de igrejas em busca de benção para as CGs "encapetadas".
Mas pensa que acabou?
Pneu encapetado
Quando todo mundo achava que a cruz da CG já tinha ficado no passado veio o mundo mostrar que nada é tão ruim que não possa piorar e foi a vez de a Pirelli sofrer as consequências de uma civilização cada vez mais imbecilizada. Desta vez a vítima foram os pneus batizados de City Demon! Pronto, lá vem demonho de novo.
Desde o finalzinho dos anos 90 a Pirelli lançou alguns pneus batizados como nomes como Diablo e Demon. Nada a ver com o tinhoso, mas na gíria inglesa “demon” tem a ver com habilidoso, corajoso, tipo “o cara é um demônio nas pistas”. O mesmo vale para Diablo em espanhol. Mas... o poder das fake news falou mais alto e surgiu – de novo! – um texto atribuindo os nomes Demon e Diablo a pactos sinistros. Curioso é que esses pneus são vendidos no mundo todo e apenas aqui no Brasil cismaram com isso!
A caça às bruxas chegou também nos pneus.
Mais uma vez uma empresa séria teve de publicar uma nota afirmando que os nomes Demon e Diablo não tinham qualquer conotação anti-religiosa, que nenhum engenheiro formado na Università del Bugiardo Incazzato de Milano fez pacto com o demonho e que vão bater uma laje, ao invés de encher a cabeça com essas paranoias! E novamente fico tentando imaginar a reunião de gestão de crise para decidir o que fazer! Queria estar lá!
Angel GT, pneu do bem!
Não se sabe se motivado por essa turba de anencéfalos, ou coincidência, os novos – e ótimos, por sinal – pneus que a Pirelli lançou para motos touring recebeu o nome de Angel GT! Quero ver alguém criar uma história falsa para um produto com nome tão “bonzinho”!!!
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