Quarta-feira, 30 de Julho de 2014
Só uma nova ordem mundial para restabelecer o equilíbrio
Contam os historiadores que o primeiro paradigma universal foi o cristianismo, a ponto de dividir a História da humanidade em antes e depois de Cristo. O segundo paradigma de caráter universal foi a percepção de que a Terra é arredondada e que o Sol é o centro do sistema solar.
O conceito de paradigma é um fenômeno - ou conhecimento - que muda radicalmente tudo que se conhecia antes. Dizem os cientistas que estamos prestes a viver o terceiro paradigma universal que é a reprodução humana assexuada, algo que vai tornar esse mundo muito mais sem graça...
Só que existe ainda a suspeita de que um terceiro paradigma está próximo de se revelar e que vai mudar nossa forma de ver o mundo: contato com extra-terrestres! Há quem diga que eles já estão entre nós, mas vamos deixar as suposições e viagens doidonas de lado.
O que tudo isso tem a ver com o trânsito?
Muito simples: só um grande paradigma é capaz de reverter o quadro epidêmico que chegou o comportamento humano sobre rodas. No Brasil são 44.000 mortes em acidentes de trânsito por ano. Cinco por hora. São números inaceitáveis sob qualquer justificativa.
Para ficar só na cidade de São Paulo (região metropolitana) foram 1.152 óbitos em 2013, divididos em 512 pedestres (atropelamentos), 200 com automóveis (motorista+passageiro), 403 motociclistas (e garupa) e 35 ciclistas. A desproporcionalidade de motociclistas chama a atenção, porque a frota de moto é menos de 1/4 da de automóveis.
Sempre que o tema "acidente de trânsito" surge em pauta aparecem explicações que procuram tirar a responsabilidade de ser humano. É um tal de criticar as estradas, os veículos, a educação, etc. Mas por trás de todo acidente está o elemento fundamental causador, que é o fator humano. Apenas cerca de 4% dos acidentes entre veículos são atribuídos a problemas nas vias ou defeito nos veículos.
Alguns dados revelados pelo Relatório Anual de Acidentes do CET de São Paulo ajudam a direcionar a verdadeira responsabilidade. O primeiro dado que salta à vista é com relação aos dias da semana. Sábado e domingo são os dias mais violentos no trânsito da Capital. Para quem trabalha com segurança viária isso não é novidade, porque existe uma velha expressão: "durante a semana as pessoas se acidentam, no fim de semana elas morrem". E o motivo é fácil de acertar: bebida alcoólica e outros alucinógenos.
O segundo dado que passa despercebido pelas autoridades é com relação ao horário dos acidentes. Nos finais de semana eles acontecem com mais frequência das 23:00 às 8:00 horas, ou seja, na volta da balada, já doidão! Já durante os dias de semana o pico de acidentes é às 8:00 horas, o que indica que a vítima estava saindo de casa para o trabalho ou estudo.
Ainda analisando esse estudo, que é enorme, aparece um dado que entristece a todos nós. Os motociclistas que morrem no trânsito estão principalmente na faixa de 20 a 29 anos. Já entre os pedestres - e isso é uma grande surpresa - está acima dos 40 anos. Com relação às profissões, entre os motociclistas a maioria é de estudante e só bem depois aparecem os motoboys, ao contrário do que se imaginava.
Uma análise bem simplificada desses números pode ajudar a reduzir essa guerra civil que virou o trânsito de São Paulo. Em primeiro lugar é urgente que se intensifique a fiscalização, sobretudo nos fins de semana e de madrugada. Hoje só se vê blitz de trânsito até às 18:00 horas, depois parece que encerra o expediente. E também ampliar exponencialmente a figura do agente de trânsito para tirar da polícia militar essa função de tomar conta de motoristas e motociclistas. É preciso criar um policiamento específico para o trânsito, formado por pessoas que tenham treinamento educacional e não repressivo e que seja extensivo aos ciclistas e pedestres. As pessoas não nascem criminosas, elas se tornam por falta de orientação e educação.
No caso dos atropelamentos de pedestres fica evidente que a idade é um fator contribuinte e o que pode estar gerando essa situação é a falta de investimento nas vias, como a construção de passarelas e semáforos efetivamente inteligentes. Aí sim o poder público tem de trabalhar. Quanto mais idoso, mais lento é o ser humano e um semáforo de pedestres precisa levar isso em conta. O mesmo para passarelas que exigem esforço físico.
Pelo menos um número soa esperançoso: em relação a 2012, o ano de 2013 apresentou uma redução de 8% nas vítimas fatais no trânsito. Mesmo com o aumento da frota. Mas aonde entra o paradigma?
Querer reduzir os números de vítimas fatais no trânsito apenas com medidas burocráticas é um trabalho inócuo. O maior objetivo das campanhas de prevenção de acidentes deve acertar no alvo que é o fator humano. A cada dia que passa vemos uma decadência nas relações humanas, exposta até mesmo nas redes sociais. Parece que existe uma sintonia cósmica que transforma as pessoas em dois grupos: os do contra e os a favor. E com isso desaparece o grupo de pessoas mais necessário nessa missão, que é dos agregadores e cooperadores.
A sociedade está se baseando cada vez mais no conceito maniqueísta de que só pode haver dois lados para tudo: o certo e o errado, mas o problema é o caráter de quem julga. O que é certo ou errado? Está certo dirigir alcoolizado, falando no celular ou usar película escura proibida? Está certo pilotar uma moto a 90 km/h no corredor entre os carros? Está certo pular uma cerca para não ter de andar 200 metros e atravessar pela passarela? Para quem está atrás do volante, do guidão da moto ou a pé o conceito de certo ou errado é muito particular e adaptável à sua comodidade.
Aí que entra a minha esperança em um grande e transformador paradigma universal: só diante das crises o cidadão se mostra solidário. Uma ameaça de extermínio da humanidade, ou uma grande revolução na ordem social podem acabar com esse egoísmo predominante que se aflora no trânsito na forma do "esse veículo é meu, paguei por ele e ninguém vai me dizer como dirijo" (frase lida no vidro de um carro em SP).
Talvez um pequeno cataclismo para lembrar os cidadãos que somos humanos, filhos da mesma raça e que só evoluímos como espécie por meio da cooperação e soma de esforços. Em outras palavras, o que precisamos é de mais gentileza e cordialidade! Que venham os ETs!
Terça-feira, 7 de Abril de 2009
(Racha entre Porsche e motos: da hora, mano, show!)
Durante um jantar na Alemanha dividi a mesa com um casal de ingleses e a mulher se encantou quando afirmei que era brasileiro. Ela tinha acabado de chegar de uma feira de negócios em São Paulo e passara uma semana na capital paulista. Conversamos as amenidades de sempre até que perguntei o que mais a tinha chamado a atenção na minha cidade. A resposta foi bestificante:
- A imensa quantidade de cachorros atropelados nas ruas!
Se alguém tivesse apostado um milhão de euros e me dessem 100 tentativas para acertar a resposta teria errado longe. Jamais imaginei que nossos cachorros atropelados pudessem impressionar um turista.
Quinze dias depois estava eu, em pleno sábado de sol, disposto a passear com minhas filhas e fomos para a cidade mais charmosa da vizinhança, Embu, que fica a 28 km do centro. Foi então que decidi fazer uma estatística sinistra e contei 25 carcaças de cachorros atropelados em 22 km de estrada. E ainda tinha a volta! Foi quando tive a segunda grande revelação daquele período. Minha filha mais velha admitiu, pela primeira vez, que sempre teve pavor da Régis Bittencourt, estrada que liga São Paulo a Embu. E mais: confessou que na infância ela percorria todo esse trecho de olhos fechados com medo de ver os cachorros atropelados.
Neste dia, parte da minha visão crítica foi recuperada e comecei a ficar igualmente indignado diante de cada carcaça de cachorro que putrefaz nas ruas e estradas. E também decidi parar de contar!
Será que houve um tempo que todos nós também ficamos indignados, como a inglesa, ou assustados, como minha filha, diante de um cachorro morto? Acredito que sim. Mas, de alguma forma até bizarra, nos tornamos empedernidos diante desse cenário de horror. Tornou-se tão banal tropeçar em carcaças de cachorros e gatos que nem ligamos mais pra isso. Precisamos de uma estrangeira ou de uma criança para recuperar nossa capacidade de indignação. Ver um cachorro atropelado se tornou tão natural quanto ver o mato crescer na calçada no verão.
A julgar pelo que leio nas comunidades de motociclistas do Orkut e pelos vídeos postados no Youtube começo a acreditar que a morte de motociclistas em acidentes de trânsito já adquiriu esse status de banal. A mídia explora por algumas horas, os posts se acumulam no Orkut por alguns dias, mas depois tudo desaparece como a mancha de sangue lavada do asfalto na primeira chuva. A última vez que vi um motoboy morto na avenida 23 de maio pensei imediatamente na família dele e deu aquele conhecido nó na garganta. O motoqueiro na minha frente gesticulava como se quisesse brigar com algum culpado imaginário, mas as pessoas passavam, as motos passavam e tudo seguia o rumo natural de mais um dia.
Não quero esperar uma futura viagem ao exterior para ser novamente surpreendido por um gringo ao me revelar que ficou assombrado com a quantidade de motociclistas mortos em São Paulo. Ou descobrir em um breve futuro que meu neto terá de rodar de olhos fechados pelas ruas com medo de ver um motociclista morto.
Preciso recuperar minha capacidade de indignação AGORA.
O recente acidente na rodovia Anhanguera, no qual três motociclistas em altíssima velocidade se chocaram contra policiais que socorriam outra vítima de acidente foi exemplar. Poucos dias antes foi colocado um vídeo no Youtube que mostra um Porsche tirando racha com duas motos esportivas a mais de 200 km/h. Não precisa ser muito observador para identificar a mesma rodovia Anhanguera que foi palco do recente acidente. Um mês atrás a demonstração de irresponsabilidade do motorista do Porsche rendeu mais de 60.000 acessos no Youtube e muitas observações enaltecendo a qualidade dos pilotos. Agora, que temos mais um cadáver produzido por esses “super-pilotos” domingueiros vejo várias manifestações de pesar no Orkut. Ué, mas não era legal? Não é da hora tirar racha na Anhanguera? Os manos do Porsche e das motos não pilotam muito? Então porque chorar por um cadáver que era casado e tinha três filhos. É só mais um corpo na estrada. Mais um cachorro atropelado.
Há 10 anos ministro cursos de pilotagem que têm como principal objetivo formar motociclistas mais seguros. E quando saio em busca de patrocínio para dar continuidade a este trabalho sou recebido nas empresas como se fosse um traficante, seqüestrador ou vendedor de arma. Sempre que procuro empresas do setor motociclístico para dar suporte e continuar este trabalho tenho a clara impressão de que o profissional de marketing me olha como se eu estivesse querendo arrancar um dinheiro fácil. Para estas empresas, preservar a vida não é uma boa ferramenta de marketing.
Até mais um corpo ser jogado na cara da opinião pública e aí parece que todo mundo decide ficar indignado!
Vou continuar ministrando cursos de pilotagem, com ou sem ajuda do setor, porque se a morte é a única certeza da vida quero continuar me sensibilizando quando ocorrer de forma irresponsável. Para mim, pilotar motos na estrada sempre será a natureza da vida.
(mais uma morte na Anhanguera: agora ninguém gosta do show!)
Sábado, 22 de Novembro de 2008
(Olha nóis pelos olhos deles)
Quando fui estudar jornalismo (debaixo de porrada), já havia a eterna discussão sobre a validade do diploma. Os “diplomistas” alegavam que a faculdade dava uma base científica para evitar que os futuros escribas cometessem erros graves de senso-comum. Por causa desta briga toda fui obrigado a estudar textos de sociologia, antropologia, metodologia científica, pesquisa, análise de dados, estatística e um inferno de matérias. Tudo isso para não sair por aí escrevendo batatadas sem base científica.
E aprendi que conclusões sem base científica se tornam senso-comum e terminam no preconceito. O preconceito nada mais é do que formar uma idéia pré-concebida sobre um assunto sem a devida análise com base científica.
É como sair por aí afirmando que negros são potencialmente criminosos porque a população carcerária brasileira é formada por mais de 60% de negros e mulatos, enquanto no universo da população eles representam 18%, por isso mesmo são chamados pelos sociólogos de minoria.
Aí alguém aparece com a melhor das pérolas “em São Paulo é muito maior o número de acidentes com motos, proporcionalmente ao número de carros”. É outra afirmação do senso comum, pois enxerga apenas um número e não a base científica que está por trás dos números, uma vez que não são realizadas perícias para levantar as causas destes acidentes. Volto ao exemplo dos negros: se analisarmos apenas os números, a conclusão falaciosa é que negros são mais propensos ao crime e vamos reinventar o “homem lombrosiano”.
(Até na Itália, cáspita!)
Os meios de comunicação estão caindo de pau em cima das motos. O porta-voz desta ignorante campanha chama-se Heródoto Barbeiro, âncora do jornal da rádio CBN e ironicamente meu ex-professor de história da faculdade. Preconceituoso, dogmático e ignorante total no assunto, Heródoto faz questão de falar mal de motos diariamente, sem entrevistar os verdadeiros especialistas no assunto, mas apenas os burocratas que fazem do trânsito um trampolim para conquistas políticas.
O pior mesmo é o preconceito. Motos não são perigosas, mas a forma como são conduzidas é que traz perigo. Logo depois que Henry Ford popularizou o automóvel com o lançamento do Ford-T, inevitavelmente começaram os acidentes, alguns fatais. Um jornalista (sempre eles) meteu o microfone na fuça do empresário americano e disparou:
– Sr. Ford, o sr. não se sente responsável pelos acidentes que acontecem com os carros que levam o seu nome?
E Henry Ford respondeu com uma frase que deveria entrar para a história como uma das mais perfeitas e realistas da humanidade:
– Meu caro, acidentes não acontecem, eles são provocados!
E são provocados sabe por quem? Por pessoas, não por veículos. Por trás de todo acidente tem pessoas que cometem algum tipo de erro. Até mesmo nas chamadas falhas mecânicas ou problemas na pista tem uma pessoa por trás. Se o administrador da obra não tivesse embolsado uma grana, o asfalto teria 8 camadas e não 4. Se um engenheiro não mandasse soldar uma luva na barra de direção de um Williams, como se um carro de Fórmula 1 fosse uma caixa d’água, não teríamos lamentado o 1º de maio de 1994. Pessoas, meu amigo, pessoas é que são perigosas!
(Essa é do Peru!)
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O papel da imprensa
A moto virou a Geni do trânsito. Pra quem não conhece essa obra, Geni era a personagem da ópera do Malandro, na versão brasileira de Chico Buarque. Ela, na verdade ele, é um travesti sempre odiado e rechaçado pela população, mas quando a cidade se viu ameaçada por um invasor lá foi a Geni oferecer seus serviços em troca da salvação do povo. Enfim, uma mártir!
Ironicamente a moto é odiada pela imprensa e boa parte da população como uma praga que circula entre carros. Mas quando a mesma população quer a pizza quentinha, o remédio pra dor de cabeça, o talão de cheque, o exame de fezes, o atestado de qualquer coisa mas não está a fim de tirar o carro da garagem para enfrentar o trânsito a quem essa gente recorre? À Geni! Aos motoqueiros, motoboys, motofretistas, cachorros-loucos, expressinhos da morte e outros nomes pouco honrados.
(Que bela primeira página...)
Essa imprensa ladina e ardilosa precisa de um culpado para todas as “questões sociais” e a questão do trânsito já tem um culpado: a moto! Não sobra para os administradores que passam anos empurrando o mandato com a barriga, sobra para quem rala sob sol e chuva. Esta mesma imprensa não tem pudores em aceitar anúncios das fábricas e lojas de motos, afinal o dinheiro amansa. Também aceita publicidade de empresas de entregas que usam os serviços de motoboys.
Essa mesma imprensa adora veicular com todo destaque os acidentes com motociclista, principalmente quando há um corpo coberto por jornal, que ajuda a revelar um dos importantes papéis da mídia impressa: embrulhar as pessoas!
Gosto de visitar um site que mostra os principais jornais do mundo, o Todays Front Page, (http://www.newseum.org/todaysfrontpages/flash/) onde posso fazer o jornalismo comparado no Brasil e no mundo. Essa atração pela morte é mundial. Já vi várias primeiras páginas de jornais com um acidente de moto em destaque. Acidentes são ótimos argumentos de venda em jornais, porque desde o império Romano as pessoas gostam de ver sangue jorrando. Dos outros, claro!
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Patrocínio, este desconhecido
O que aborrece – na falta de uma palavra menos educada – é perceber que há mais de 20 anos luto para obter um patrocínio para ajudar a manter meu curso de pilotagem. Este curso tem a finalidade de ajudar a reduzir os acidentes nas ruas e estradas, ou seja, tem uma função social das mais honradas. Mas cada vez que visito uma empresa para apresentar uma proposta de patrocínio tenho a impressão de estar oferecendo cocaína! Sinto-me como se fosse um marginal querendo roubar o dinheiro da empresa.
Não consigo entender esse mercado. Quando os empresários estão faturando alto não querem investir em patrocínio porque “já estamos vendendo mais do que conseguimos produzir”, mas assim que surge o fantasma de uma crise no horizonte o mesmo empresário justifica o corte de investimento porque “não estamos vendendo, então é melhor conter a verba de publicidade”. Algum PhD em marketing pode me explicar?
Decidi investir em um novo negócio: levar o conceito de segurança a motociclistas de todo Brasil. Ainda estou finalizando o pacote de serviços, mas lá vou eu de novo, pastinha embaixo do braço, bater na porta das empresas em busca do patrocínio. Só na primeira sondagem já ouvi vários nhe-nhe-nhéns do tipo “estamos parados, cortamos tudo por causa da crise” e outras conversas-moles-pra-boi-dormir. Em breve você saberá se terei sucesso ou não.
Muitos anos atrás encontrei o Alexandre Barros em um evento e ele reclamava a falta de patrocinadores brasileiros. Ele me contou que visitava cerca de 50 empresas por ano e não conseguia um centavo. Meio brincando ele comentou “às vezes tenho vontade de fazer uma lista com o nome de todas estas empresas pra você publicar e o público ficar sabendo qual realmente dá valor ao motociclismo brasileiro”. Na hora eu disse que eu publicaria sem medo nenhum. Pena que ficou só na ameaça.
Pois vocês me conhecem. E faço aqui a mesma promessa: se não conseguir obter ajuda para levar este projeto adiante prometo revelar aqui o nome de todas as empresas que recusaram apoiar uma ação que visa a segurança do motociclista. Depois você fica à vontade se quer continuar consumindo dessas empresas, ou não!
Segunda-feira, 29 de Setembro de 2008
(Correr é uma arte, cair faz parte, heheh. Foto: www.cafefotos.com.br)
Sempre que percebo o brilho nos olhos de motociclistas que sonham em ser pilotos de motovelocidade eu jogo água na fervura e pergunto: “OK, mas você está preparado para sofrer um grave acidente?” De repente aquele brilho vai sumindo...
Mais do que broxar o candidato a piloto, esta advertência serve para lembrar a todos que a vida de piloto pode ser cheia de glamour, prazer, exposição na mídia, vitórias, ultrapassagens e até sedução. Sim, as mulheres adoram homens que se arriscam, é biológico! As mulheres vêem o homem que se expõe a riscos como excelente protetor e reprodutor (hummm). Só que a vida corrida também é cheia de hematomas, arranhões, ossos quebrados, fisioterapia, distensões ou coisas piores, resultado de prováveis e inevitáveis acidentes.
Entre os pilotos falar em acidente é um tabu. Ninguém gosta de lembrar dessa realidade que está ali à nossa espera em cada curva. Mas é bom enfrentar abertamente porque só existem dois tipos de piloto: o que já se acidentou e o que ainda vai se estabacar. Quanto mais perto do limite o piloto vive, maiores as chances de ver o asfalto bem perto do nariz. Como dizem os americanos “quem vive na beira do abismo uma hora escorrega”.
Por quê?
São basicamente quatro os fatores que levam a um acidente:
a) Erro do piloto
b) Erro de algum (ou alguns) outro(s) piloto(s)
c) Problema no equipamento (quebra de alguma peça, erro na regulagem)
d) Defeito na pista
Qualquer outro motivo é invenção da mente embaralhada de quem caiu e precisa urgentemente achar uma desculpa. O item “a” é o principal de todos, porque o fator humano sempre encabeçou a lista de qualquer tipo de acidente com motos, seja em corridas ou fora delas. Lembre-se sempre da diferença entre “atividade de risco” e “comportamento de risco”. Uma atividade de risco torna-se extremamente segura se os praticantes adotarem a segurança como filosofia de vida. E um simples atravessar de rua pode tornar-se um tremendo sufoco se o pedestre for um irresponsável, inconseqüente.
O segundo elemento na estatística é o item “b”. Às vezes quando um piloto erra acaba levando um inocente junto. Saber identificar os pilotos kamikazes e ficar longe deles é a melhor forma de sair fora dessa lista.
Em 22 anos como piloto nunca fui vítima de um acidente causado por quebra do equipamento (item “c”). E posso adiantar que, apesar de muito real, é uma possibilidade cada vez mais remota se a equipe tem o fator segurança como essencial. Eu mesmo fazia a checagem do equipamento antes de entrar na pista. Mas, como dizem os mesmos americanos “shit happens...”
Por fim, sim o item “d” é real. Já caí feio a mais de 180 km/h, em Interlagos, por causa de uma ondulação na pista. Está certo,a ondulação estava ali no mesmo lugar para todo mundo e já tinha decorado a localização. Mas para conseguir uma volta rápida era preciso passar entre a faixa branca e a zebra, um espaço de uns 15 cm. Um piloto mais lento atrapalhou a entrada dessa curva e acabei pegando a ondulação, que fez a frente pular e eu sair voando!
Quando?
Curiosamente (na verdade, cientificamente explicado) os pilotos novatos são os que menos sofrem acidentes. Porque sabem que ainda estão aprendendo. Já os experientes têm a sensação de já saber de tudo e ficam mais expostos. Além disso, existe o fator medo que também já dediquei algumas linhas a respeito. Sempre que iniciamos uma nova atividade é natural a presença do medo que traduzo como um respeito ao desconhecido. Depois de assimilar a maioria das situações da nova atividade o medo, aos poucos, vai sendo substituído por um controle melhor as emoções e torna-se aquela margem de responsabilidade que existe dentro de cada cabeça.
A melhor forma de evitar acidentes é não se deixar levar pelo pânico. A pior coisa que pode acontecer a um piloto, seja lá qual for o veículo que pilote, é ser dominado pelo pânico. Vejo essa situação frequentemente durante meu curso de pilotagem. Depois de explicar várias vezes um exercício e repeti-lo até que o aluno consiga assimilar, basta deixá-lo praticar livremente e ao primeiro sinal de perda de controle o pânico toma conta e ele esquece tudo que aprendeu.
Imagine se o piloto de jato de caça, ao perceber que seu avião está caindo a uma razão de 8.000 pés/minuto, for tomado pelo pânico e esquecer de puxar a alavanca do assento ejetável? Ou então, apavorado pela possibilidade da queda, decide puxar a alavanca sem olhar para o horizonte artificial e acaba sendo ejetado do avião com a cabine voltada pro solo! Ele vai aumentar ainda mais a porrada contra o chão!
Uma das características de motos esportivas ou sport-touring é a ação do freio dianteiro. Quando o piloto entra na curva e aciona o freio dianteiro a reação da moto é ficar “em pé”. Durante o curso eu e os instrutores insistimos para que os alunos aprendam a usar o freio traseiro durante as curvas e repetimos vários exercícios. Mas basta o aluno entrar um pouco mais forte na curva e lá vai ele meter os dedos na manete do freio dianteiro! Aprender a controlar este pânico é a ÚNICA forma de evitar um acidente.
Onde?
Raramente se vê um acidente de moto nas retas. Normalmente o tombo acontece durante a preparação, contorno e saída de curva. Na preparação por um erro da avaliação na frenagem. O piloto pode ter freado muito tarde e forçou os freios com a moto muito inclinada. A moto pode ser freada até quase metade da curva, mas para garantir uma curva equilibrada, segura e com a saída mais forte é melhor frear um pouco antes, com a moto menos inclinada e acelerar mais cedo.
No contorno da curva, quando o piloto ignora as mensagens que os pneus mandam sobre o limite de inclinação. O limite de inclinação das motos é determinado pelos PNEUS. Um bom piloto é capaz de sentir quando os pneus atingiram o limite de aderência. Mas nem sempre o piloto é um bom intérprete destes sinais...
E na saída de curva, quando o piloto acelera antes da hora, com a moto ainda muito inclinada. É preciso colocar a moto em pé o mais rápido possível para começar a acelerar forte. Nem sempre o piloto respeita essa regra a acaba acelerando um tiquinho antes da hora. Destas três situações a pior de todas é na saída de curva, porque a moto arremessa o piloto longe (Jorge Lorenzo que o diga!), com maior probabilidade de lesões sérias.
Sofrer acidentes faz parte da atividade de pilotagem esportiva. Quem não gosta de saber disso precisa escolher outra atividade. Sofri poucos acidentes, mas cada um deles trouxe uma nova lição. Como já escrevi antes, a filosofia chinesa ensina que a sabedoria vem da experiência e a experiência vem dos erros que cometemos.
No mundo corporativo ninguém está imune a acidentes. A falência de uma empresa é conseqüência de um acidente de graves proporções! A perda da liderança do mercado, queda de produção, desfalques no caixa, propinas são exemplos de acidentes que os executivos estão expostos. Geralmente os motivos que levam a um acidente empresarial são os mesmos que os pilotos estão expostos: erro de avaliação, problema de equipamento (aqui poderia citar a falta de comunicação como o principal erro) ou defeito da pista, que poderia ser considerado a conjuntura econômica desfavorável.
Seja qual for a área de atuação, toda empresa precisa saber que os acidentes estão diretamente ligados ao comportamento de risco. Da mesma forma que pilotos usam equipamentos para se proteger das conseqüências dos acidentes, as empresas também podem contar com equipamentos para se blindar contra as lesões do mercado. A mais importante delas é a INFORMAÇÃO. Posso estar comentando a coisa mais óbvia do planeta, mas ainda vejo empresários que simplesmente ignoram novas formas de comunicação.
Recentemente vivi a experiência de lançar uma revista nova no mercado. Antes mesmo de o contrato estar firmado a principal revista concorrente ficou sabendo dos planos e imediatamente promoveu alterações no produto. Essa velocidade de informação é uma excelente forma de evitar um acidente no mercado. Na melhor das hipóteses, evita a ultrapassagem!
Por outro lado, passei uma temporada no principal título das publicações de moto e percebi, espantado, que as ferramentas de informação da Internet simplesmente NÃO eram usadas a favor da revista. O site estava abandonado e não havia interação com os leitores. Bastou contratar um especialista em web (indicado por mim!) que tanto o site quanto a comunidade do Orkut cresceram a uma velocidade exponencial.
É com a maior surpresa do mundo que percebo certa refração com relação às comunidades de Orkut. Não sei explicar os motivos que fazem do Orkut uma febre tipicamente brasileira, mas sei que, se bem usado, pode dar às empresas um panorama muito fiel da aceitação do produto. Creio que por ser diretamente associado aos adolescentes, muitos executivos não dão importância, mas deveria ser considerado como MAIS UMA forma de obter informação, nunca a ÚNICA.
Enquanto uma empresa gasta fortunas para desenvolver e produzir uma pesquisa de mercado (facilmente enganada pelos entrevistados), as comunidades do Orkut oferecem uma boa visão do público, funciona como geradora de tendências e como análise do perfil consumidor. Sem falar no aspecto viral das comunidades.
Nem mesmo a Internet ainda é eficientemente usada por alguns empresários que sofrem de miopia mercadológica. Ironicamente o mercado se apóia tanto na mídia de papel que não é capaz de ver o verdadeiro papel da mídia!
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(Blackbird or YellowBird? que dúvida!)
Decidi escolher uma moto quatro cilindros pra comprar. Na minha busca achei esta Honda CBR 1100 XX BlackBird amarela, mas não lembro de ter visto uma XX amarela, muito menos nessa versão XXX
(Oh que dúvida, qual comprar?)