Sábado, 18 de Outubro de 2014

Se liga nessa parada

frenagem.jpg

(ATENÇÃO: NÃO COPIE E COLE ESSE TEXTO, PUBLIQUE O LINK, SÓ COM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA!) 

 

Como entender a frenagem de motocicletas

É difícil, eu sei, porque a maioria das pessoas tem como primeira referência motorizada o automóvel, um veículo relativamente simples de manejar, tanto que muita gente aprende praticamente sozinho. Uma das facilidades é que existe apenas um pedal de freio. O motorista pisa no pedal e tudo se resolve. Mas na moto não. Tem um comando para o freio dianteiro (não mão direita) e um para o freio traseiro (no pé direito). Você nunca se perguntou porque essa diferença? Por que no carro tem um comando e na moto tem dois?

 

Bom, basicamente os freios de moto e bicicleta são separados porque são veículos que se inclinam nas curvas. Para vencer a inércia, que quer jogar todo corpo em movimento para fora da curva, motos e bicicletas precisam inclinar em relação ao plano vertical, sempre no sentido da curva. Se a curva é para a direita a moto precisa inclinar para a direita e vice-versa. Só por causa dessa inclinação os freios precisam ser isolados, porque em determinados momentos o motociclista não pode acionar o freio dianteiro e em outros não pode usar o freio traseiro.

 

Na curva, por exemplo, no uso estradeiro (ou seja, não em competição), se o motociclista aplica o freio dianteiro com força a moto levanta. É o tal efeito "stand-up" que significa exatamente "levantar" em inglês. E ela levanta porque na curva o ideal é manter a maior parte da energia cinética apoiada no pneu traseiro, que é mais largo e tem muito mais borracha em contato com o asfalto. Ao acionar o freio dianteiro parte da energia se transfere para o pneu dianteiro que é mais fino e "pontudo" que o traseiro e para que ele consiga dissipar essa energia acaba levantando a moto. É uma ocorrência totalmente natural e o piloto quase não tem interferência.

 

Já sei o que você está pensando: "mas e nas corridas"? Bom, primeiro você, leitor, tem de entender esse como um artigo escrito para quem vai pilotar nas ruas e estradas. Se eu for me estender a todas as situações (ah, mas e na terra, e na chuva, e na garagem do meu prédio, e no sítio da minha vó) esse artigo vira um livro e eu não quero escrever um livro. Segundo que em corrida é o próximo assunto para outro artigo.

 

Outro motivo para os freios de moto serem isolados é dar ao piloto a capacidade de isolar e equilibrar o quanto de força quer aplicar em cada roda, de acordo com a situação. Aquela velha equação do 70% na dianteira e 30% na traseiro é um rascunho, porque se fosse uma regra as motos deveriam ter manômetros nas manetes e pedais de freios. Quando chegasse a 70% pára de frear!

 

Tem situações nas quais o freio traseiro deve ser aplicado com mais força:

 

x) Tipo de moto - Nas motos custom e scooters a maior concentração de massa é no eixo traseiro. Logo o melhor balanço da frenagem é aplicar mais intensidade no pedal. Claro que não significa usar SÓ freio traseiro, mas em baixa velocidade, em uma frenagem programada (você sabe onde quer parar) pode até inverter aquela equação e usar 70% do freio traseiro e 30% do dianteiro. Lógico que numa frenagem de emergência quem manda na parada é o freio dianteiro. Mas esse assunto vou tratar depois.

 

y) Carga - Quando estiver com garupa, seja qual tipo de moto, a concentração de massa adicional no eixo traseiro muda completamente a forma de pilotar. Aliás, eu defendo a teoria que motos super esportivas deveriam ser monopostos, sem permitir levar garupa porque desequilibra demais o conjunto, sem falar no desconforto! Imagine uma super esportiva feita para atingir 299 km/h. Os freios foram dimensionados para essa velocidade e com uma pessoa. Ao incluir uma segunda pessoa toda a moto muda e frear em baixa velocidade vai quase arremessar a garupa por cima do piloto. Quando estiver com garupa, use mais intensamente o freio traseiro porque equilibra a distribuição de energia e os miúdos do piloto agradecem, porque ficam ali espremidos contra o tanque... tadinhos! Aqui também pode inverter a equação e mandar ais de 70% pro freio traseiro e 30 no dianteiro.

 

z) Curva - Esqueça o que oskaras falam nas redes sociais e bate-papo de botequim. Se você meter o mãozão no manete do freio dianteiro no meio da curva a moto vai levantar e seguir reto. Tem vários filmes no Youtube mostrando exatamente isso. Depois do começo da curva, se o piloto tiver de reduzir a velocidade deve usar o freio TRASEIRO, porque ele não produz o efeito "stand-up" e ainda ajuda a trazer a moto mais para o interior da curva. Sim, eu sei o que você está se perguntando: "mas o pneu traseiro não derrapa?". Não, porque com a moto inclinada a uns 35º em relação ao eixo vertical, a área de contato do pneu com o solo praticamente triplica e aumenta o nível de aderência. Esse medo de derrapar vem da época das bicicletas, que tinham um pneu mais fino que bilau de recém-nascido. Na bicicleta se usar o freio com violência no meio da curva vai encher os joelhos de Band-Aids.

 

pneus_impronta.jpg

 (A imagem esquerda mostra o quanto de borracha do pneu dianteiro encosta no asfalto com a moto em linha reta. Na direita o mesmo pneu em curva, repare como aumenta a área de borracha com o asfalto)

Inclinado.png

 (Esta imagem mostra como o pneu deforma na curva e aumenta a área em contato com o asfalto, por isso pode usar o freio traseiro em curva)

 

Emergência é a mãe!

Basicamente existem dois tipos de frenagem de qualquer veículo: a programada e a de emergência. A programada é a mais simples, porque a pessoa já sabe que precisar parar, onde vai parar e só vai modulando os freios e o câmbio para chegar no ponto programado completamente imóvel. Na frenagem programada o motociclista pode reduzir gradativamente as marchas (sempre uma de cada vez porque câmbio de moto é sequencial!), até parar com a primeira marcha engatada. Neste caso o câmbio pode ser usado como AUXILIAR, apenas para manter a rotação do motor, mas não tem a finalidade de ajudar a moto parar, que fique bem claro! (depois vou comentar sobre o "freio-motor").

 

A de emergência é a cabeluda e que gera muita confusão. Pra começar se você teve de frear de emergência é porque não prestou atenção em alguma coisa. Motociclistas não podem se permitir passar por uma situação de emergência, é quase um atestado de distraído!

 

Em segundo lugar saiba que a frenagem que visa imobilizar o veículo no menor espaço possível é diferente daquela programada que escrevi lá em cima. Aqui você esquece o câmbio e a embreagem e foca nos freios! Existem dois medos no momento da frenagem forte: o de forçar demais o freio dianteiro e a moto capotar ou o de exagerar no freio traseiro e a moto derrapar. Como se vê, motociclista é bicho medroso à toa, porque se fizer tudo certo nem vai capotar nem vai derrapar.

 

O medo de capotar vem da bicicleta, que realmente capotava e essa descoberta marcou a memória e a pele de muita gente. Mas lembre que as bicicletas eram muito leves, não tinham suspensão e a gente ficava lá no alto do selim. Totalmente diferente da moto.

 

Vou dissecar essa coisa toda. Começando pela derrapagem da traseira. Na verdade é fruto do EXCESSO do freio dianteiro. Como você aprendeu aquela equação dos 70% na frente vai lá e alicata a manete de freio com fervor. A frente afunda, a traseira levanta e nessa hora, se pensar em pisar no pedal do freio traseiro a roda trava mesmo. Portanto, ou você começa pelo freio traseiro e depois dianteiro ou os dois ao mesmo tempo. Se juntar no dianteiro primeiro vai dar caca. Se perceber que a roda traseira começou a travar solte o freio traseiro e mantenha a frenagem só no dianteiro.

 

Quanto à capotagem, só rola mesmo se a moto tiver muito poder frenante ou se jogar 100% da carga no freio dianteiro com a fúria de um rottweiler esfomeado. Se usar os dois ao mesmo tempo ou começar pelo freio traseiro a chance de algo de errado não dar certo é menor.

 

Ou uma coisa ou outra.

Outra diferença com os carros é que graças aos sistemas anti travamento ABS é possível frear e desviar ao mesmo tempo sem perder o controle. No carro... que maravilha. E nas motos?

 

Quando você freia em linha reta, a resultante da energia frenante cai diretamente no pneu dianteiro. Mas se frear e inclinar a moto - pra desviar - ao mesmo tempo, a resultante da energia sai da linha do pneu dianteiro e a chance de a roda dianteira perder aderência é muito grande. Além disso, ao jogar carga na roda dianteira a moto perde capacidade de inclinação (o tal stand-up). Portanto, mesmo nas motos com ABS o piloto precisa pensar e agir rápido: ou freia ou desvia, porque as duas coisas ao mesmo tempo não funciona!

 

freiareto.jpg

 (Freando com a moto em pé a energia coincide com o pneu dianteiro)

freiainclinado.jpg

 (Com a moto inclinada a resultante cai fora da linha do pneu e a frente vai embora...) 

  

IMPORTANTE: Seja qual for a situação - lombada, buraco, animal - se perceber que não vai conseguir parar antes do obstáculo solte os freios, levante um pouco do banco da moto e espere a pancada! Quando a moto freia a suspensão dianteira afunda e o curso vai quase a zero. Nesse momento, se a roda dianteira impactar num buraco ou lombada, não haverá curso de suspensão para dissipar a energia e a pancada na roda dianteira vai ser desastrosa a ponto de até quebrar a roda.

 

Freio-motor que diabéisso?

Antes de mais nada vamos esclarecer as coisas. Motor é motor; freio é freio e eles tem finalidades bem diferentes. Freio não é feito para acelerar e motor não foi feito pra frear.

 

Quando se escreve (ou fala) de forma técnica sobre um assunto é preciso tirar da frente as crendices populares e o achismo. Por exemplo, se eu disser numa roda de amigos que a Terra é redonda ninguém questiona; mas se eu entrar em uma sala de aula de astronomia ou astrofísica e falar que a Terra é redonda eu serei jogado pela janela. Porque não é! Ela tem o formato geóide, quase elíptico. Essa é a diferença entre conversar na rua e dar aula, é preciso dar os nomes certos às coisas e fenômenos.

 

Já escrevi várias vezes que não existe o "freio-motor", porque essa expressão está ERRADA! É o mesmo que classificar a terra como redonda! Só que muito cabeça de pudim saiu por aí escrevendo que o "professor falou que não existe freio-motor, que retardadinho...".

 

Portanto vamos esclarecer esse trem duma vez. A expressão freio-motor é usada por caminhoneiros, pelo nossos avós, pelo motorista do trator, pelo motorista do ônibus etc. Mas em veículos leves (motos inclusas) o termo correto é EFEITO REDUTOR. Que pode ser resultado do motor e câmbio atuando ao mesmo tempo. Se você quiser continuar chamando de freio-motor, vai fundo, todo mundo diz que a Terra é redonda e tá vivo até hoje, só não venha escrever por aí que isso está certo!!!

 

Explicando mais fundo: tudo gira em torno dos significados de cada ação. Frear está implícita a idéia de parar, imobilizar. Quando o economista afirma que vai frear a evasão de divisas, não quis dizer que vai diminuir, mas parar mesmo! Já a expressão reduzir está implícito o conceito de diminuir, desacelerar. Se o objetivo for PARAR não adianta reduzir marcha, porque só aumenta o espaço de frenagem. Se a idéia for DIMINUIR a velocidade aí sim, a redução de marcha ajuda.

 

Já sei o que você está pensando: "mas o Valentino Rossi disse que usa o freio-motor pra frear lá dentro da curva". Ah é? ele disse isso mesmo em português? Ou em italiano que foi traduzido pro inglês e depois pro português? A reduzida de marcha em competição não tem objetivo de parar a moto, mas de auxiliar na frenagem, mas acima de tudo dar rotação para o motor na saída da curva. Motores de competição usam sistemas eletrônicos que controlam a atuação da embreagem na hora das reduções. Imagine um motor daqueles, de mais de 300 CV, com taxa de compressão altíssima, se o piloto acelerar tudo e tirar a mão do acelerador de uma vez a roda traseira até trava (como nas clássicas Honda CB 750Four dos anos 70).

 

Para evitar esse travamento a embreagem desliza mais ou menos, ao gosto do freguês para atuar na redução. E aprendam uma coisa, caras-pálidas, nem tudo que funciona em motores de competição dá certo na rua!

 

Ainda sobre o EFEITO REDUTOR eu costumo fazer um desafio no curso SpeedMaster: convido os alunos a darem uma volta inteira na pista sem encostar nos freios, usando só o motor e câmbio. É um sufoco danado, mas ajuda a curar uma doença chamada "frenite aguda" que é a mania de usar exageradamente os freios. O divertido é perceber o ar de surpresa ao descobrir que dá certo!

 

Portanto, se ouvir que a moto tem três freios: o dianteiro, o traseiro e o freio-motor, cuidado, porque esse terceiro só reduz, ele não pára!

 

Nos Estados Unidos, onde se usam carros com câmbio automático há séculos, eles tem uma explicação simples para esquecer essa bobagem de "freio-motor". Segundo eles, é muito mais barato, simples e rápido trocar as pastilhas de freio do que os anéis do pistão, então por que cazzo usar o motor pra frear?

 

Só recapitulando, a frenagem de emergência, que visa IMOBILIZAR o veículo no menor espaço, deve ser feita acionando os dois freios ao mesmo tempo (ou começando pelo traseiro, depois o dianteiro), sem reduzir marcha e só acionando a embreagem no finalzinho para o motor não apagar.

 

É importante acionar a embreagem no final porque se o motor morrer quem pode morrer junto é o motociclista. Imagine uma via de tráfego intenso e de repente um carro pára. A moto consegue parar, mas o motor apagou e quando o motociclista olha pelo espelho percebe a frente de um carro crescendo rapidamente e fumaça branca saindo pelos pneus! Se o motor continuar funcionando é só acelerar e sair da frente do doido!

 

No próximo episódio vou detalhar a frenagem no modo "racing", inclusive acabando com outro tabu: o do freio traseiro nas pistas!

 

 

publicado por motite às 23:53
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