Quinta-feira, 13 de Fevereiro de 2020

Junto e misturado: Triumph Scrambler 1200

scrambler_terra.jpg

(Estilo único, atraente com destaque para o belíssimo escapamento. Fotos: Tite)

A Triumph Scrambler 1200XE é a soma de tudo que uma aventureira precisa

Texto e fotos: Tite Simões

Ah, no meu tempo... Tem coisa mais chata do que esse discurso? Mas tenho de admitir que no meu tempo as motos eram pura e simplesmente... motos! Não tinha tanta especificidade como hoje em dia. Quem comprava moto tinha de usar na cidade, na estrada, fora da estrada, com garupa, com mochilão de lona nas costas e a vida era bem simples e divertida. Quando começaram a surgir as motos mais específicas para esportividade, off-road, custom etc foram aparecendo as tribos defensoras deste ou aquele estilo.

Aí vem a Triumph e resgata uma das categorias mais charmosas e versáteis de todas: a scrambler! A palavra scrambler em inglês significa justamente isso: misturador, embaralhador, algo que veio para bagunçar os conceitos. Nos anos 1960 as marcas japonesas se apressaram em trazer modelos com esse conceito, com pneus com duplo propósito cidade-campo, suspensões de cursos longos, guidão largo e o mais marcante de tudo que é o escapamento saindo pra cima, passando por baixo da perna do piloto.

scram_escape.jpg

(Esta lindeza de escapamento provoca desconforto nas pernas de quem pilota)

Assim que montei nessa Triumph percebi que não foi feita para pilotos baixos. Com 870 mm de altura do assento ao solo ficou bem difícil para meus 1,68m. Para quem tem mais de 1,75m vai se sentir em casa. Como a ideia foi pegar estrada durante a semana, tive de enfrentar um congestionamento monstro que só os paulistanos sabem o que é. E foi nesse percurso que percebi de cara um enorme abacaxi que vai ser difícil solucionar: o calor do escapamento em contato com a coxa direita é simplesmente insuportável.

Sei que desenvolver um produto é a eterna briga do marketing com a engenharia. Claro que algum engenheiro percebeu que esse escapamento traria problemas e conforto, mas o marketing falou mais alto porque é simplesmente a peça mais bonita da moto. Bonita e insuportável. Não vou alongar muito no tema, porque é um desconforto que aparece somente no trânsito e esta é uma moto feita pra viajar e se divertir.

Como é

O modelo avaliado (XE) é o top da linha, com itens exclusivos e até a geometria diferente, mais alta, feita para uso misto de verdade. Em breve chegará outra versão (XC) mais simples, mais baixa e, claro, mais barata. A versão que tivemos em mãos tem preço (em SP) de R$ 59.990,00. Um pouco alto pelo o que oferece, sobretudo no conforto.

scramb_painel.jpg

(Painel com a tomada de conectividade de periféricos como GoPro) 

Como tudo que a Triumph desenvolve, essa moto tem um acabamento primoroso. Cada parafuso tem tratamento estético, peças de alumínio escovado estão por toda parte, mas o grande destaque é o tanque de gasolina em forma de gota (capacidade de 16 litros), com uma cinta de aço passando pelo centro e o bocal tipo Le Mans imitando os veículos antigos de corrida. Na verdade é só uma capa para esconder a tampa de plástico com chave.

Muito boa a solução na parte traseira, tentando resgatar as motos dos anos 1960, com pequenas setas fazendo as vezes da lanterna traseira. As setas tem dupla função: indicar a direção e de lanterna. A Harley-Davidson usa essa solução em alguns modelos e dá um aspecto bem mais limpo, sem lanternas enormes.

Outra ideia digna de nota são as rodas raiadas, mais fiéis ao estilo vintage. Para permitir a montagem de pneus sem câmara (os ótimos Metzeler Tourance) a Triumph usou a estratégia de raios perimetrais que não atravessam os aros. Solução já adotada pela BMW há décadas. A roda raiada, além de mais adequada ao estilo, tem a vantagem de ser mais confortável do que as rodas de liga leve.

Ainda olhando a Scrambler XE parada, podemos ressaltar o guidão largo de alumínio, os protetores de mão, a perfeita escolha pelos espelhos retrovisores redondos e o painel que merece ser detalhado. Com tanta tecnologia embarcada o painel se torna multifunção com várias informações extremamente úteis como consumo instantâneo, consumo médio, tempo de viagem, autonomia, além dos modos de pilotagem que variam do “rain” (chuva), que reduz a potência e torna a moto menos agressiva, até o modo “off-road pro”, que elimina todos os controles de tração e ABS.

scramb_raio.jpg

(Detalhe da roda com raios perimetrais. Permite uso do pneu Metzeler sem câmara)

Também devemos destacar o aquecedor de manopla (muito bem vindo no inverno) e o “cruise control” (controle de velocidade de cruzeiro). Em alguns países foi proibido o uso do termo “piloto automático” para essa função por dar margem a múltiplas interpretações. É o cruise control mais simples que já avaliei: basta um toque e está ativado! E, acredite, é um tremendo alívio para viagens. O sistema desativa mexendo no acelerador ou tocando num dos freios.

Tudo nessa moto foi pensado para ser estiloso. De tão bem desenhada é o tipo de moto que merecia ficar guardada na sala de casa!

Como anda

Muito! É uma das motos mais completas do mercado. O motor é um poderoso bicilíndrico de 1.200cc, capaz de desenvolver 90 CV a 7.400 RPM. A potência nem é o mais importante, mas o torque de 11 Kgf.m a apenas 3.950 RPM. Pra quem não gosta muito de interpretar esses números, isso significa que esse motor é extremamente “elástico” *, com retomadas de velocidade vigorosas praticamente desde a marcha lenta.

Em termos práticos é uma moto que exige poucas trocas de marchas e, ao contrário da maioria das motos japonesas, essa inglesa não fica pedindo marchas. No trecho urbano pode-se rodar em segunda e terceira na boa, sem constantes trocas de marchas. Neste caso o indicador de marcha no painel ajuda bastante.

À primeira vista as dimensões podem dar impressão de moto difícil de pilotar no uso urbano, mas tirando o desconforto do escapamento, a moto é bem maneável e até circula bem no caos paulistano. Só mesmo na hora de parar que a coxa encosta na proteção do escape e gera um sufocante contato! Para compensar escolhi um roteiro que teria longo trecho de estrada, duas serras e uma sequencia divertida de fora de estrada.

scramb_tanque.jpg

(Lindo tanque de gasolina com bocal estilo Le Mans: pura nostalgia)

Na primeira parte uma das melhores estradas do Estado, com limite de 120 km/h, velocidade que o motor se mantém a tranquilos 4.000 RPM e ainda tem muito acelerador. Nesta velocidade a moto quase não apresenta vibração e roda muito macio, extremamente silenciosa. Só mesmo quando o motor é levado a mais de 5.500 RPM a dupla de escape emite um ronco esportivo, agradável, mas sem estardalhaço.

Uma das dificuldades enfrentadas pela engenharia para criar uma moto que seja eficiente em todo terreno é proporcionar aderência tanto no asfalto quanto na terra. A primeira boa surpresa foi perceber que isso a Triumph conseguiu total êxito. Boa parte desse sucesso vem dos pneus Metzeler Tourance (90/90-21 na frente e 150/70-17 atrás), com uma curiosidade: o pneu traseiro é radial, fabricado na Alemanha e o dianteiro é diagonal, fabricado no Brasil! Além de garantir boa aderência nas curvas, se mostrou silencioso na rodagem, algo difícil de conseguir em pneus de uso misto.

scramb_suspa.jpg

(Não torça o nariz para a suspensão com dois amortecedores porque é ótima!)

Nos trechos de alta velocidade a Scrambler XE enfrentou as curvas com total segurança e sobra de limite. Pode-se mesmo inclinar sem medo e acelerar com vontade porque o controle de tração garante que não vai dar nenhum susto.

O melhor estaria por vir num trecho de serra muito travado, com curvas de mais de 180º. Para esse teste preferi usar o modo “sport” e o resultado foi a sensação de estar pilotando uma supermotard. Pura diversão!

Fora da estrada

Mas nem tudo é tão bom que não possa melhorar! Confesso que duvidei da eficiência dessa Triumph, mas nada como um teste para derrubar falsas impressões. A estrada de terra estava na melhor condição possível: seca, com areia fofa, erosões e pedras.

Scramb_pedaleira.jpg

(Pedaleira com cobertura de borracha, mas o escape atrapalha a pilotagem em pé)

Já escrevi mais de uma vez que a eficiência de uma moto no fora de estrada depende 80% do piloto. O que independe do fator humano é o bom trabalho do conjunto de suspensão, freios e pneus. No caso dessa Triumph a suspensão é um exemplo de globalização com garfo invertido Showa (japonês) na frente e par de amortecedores Öhlins (suecos) reguláveis na traseira. Esse conjunto é amplamente regulável, mas fica uma dica: se não entender como funciona nem se atreva e mexer porque o número de combinações é exponencial e nossa paciência é bem pequena!

Para esse percurso coloquei o módulo de injeção na posição offroad pro, que desliga todos os controles eletrônicos e tudo fica a cargo do piloto. Dos 850 km que rodei nesse teste foi, de longe, o trecho mais divertido. Como estava sozinho não abusei muito, mas foi o pacote completo: gás no meio da curva, saltos, todas as derrapagens possíveis e frenagens escorregando pra todo lado. Incrível como ela é maneável mesmo com seus quase 220 kg (em ordem de marcha). Mas o grande responsável por esse desempenho versátil são mesmo os pneus. Eles seguraram a onda e a maior surpresa foi sentir as frenagens seguras na terra!

scram_lanterna.jpg

(As setas funcionam como lanternas traseiras.)

Único detalhe contra é mais uma vez os escapamentos que impedem que o pé direito apoie inteiramente na pedaleira quando o piloto fica em pé. Além de esquentar a panturrilha. Já a pedaleira tem uma proteção de borracha que pode ser removida para andar na lama e melhorar a aderência das botas.

De volta pra estrada de asfalto foi hora de fazer o balanço deste produto. Outra falsa impressão é do banco. Feito para parecer vintage, tem um desenho clássico extremamente elegante. Mas por ser fino passa impressão de desconforto. Esquece! Tem alma de gel e permite pilotar por horas seguidas. É a soma do charme com conforto. Só não tem espaço para nenhuma bagagem, nem mesmo uma capa de chuva. Certamente o mercado irá oferecer opções de alforjes e bagageiros.

Presença comum nos carros de luxo, essa Triumph adota a chave por presença. Basta carregar a chave no bolso. Segundo os marqueteiros, é o tipo de item que “agrega valor”. Na prática é um mimo totalmente desnecessário em motos. A velha chave codificada já atende 100% das necessidades. Outra função herdada dos automóveis de luxo é o painel que permite conectividade com smartphone e até câmera de vídeo GoPro. Esta função ainda não está disponível.

Scramb_chave.jpg

(Chave tipo canivete com sensor de presença: um mimo desnecessário em motos)

Realmente o maior trabalho que a Triumph terá pela frente é resolver o desconforto gerado pelo escapamento que também incomoda quem vai na garupa. Existe solução, claro, que pode passar pelo simples revestimento de manta térmica, até algum espaçador mais eficiente. Porque esta Scrambler tem tudo para ser aquele modelo de moto três em um: para usar no dia a dia, pegar estrada e curtir um off-road, com muito charme vintage.

Preços, ficha técnica e revendedores, clique AQUI.

Tite Simões – jornalista especializado, instrutor de pilotagem. Contato: tite@speedmaster.com.br 

* Quando escrevo "motor elástico" significa que tem uma faixa de distribuição de potência e torque bem ampla. No caso dessa moto a potência máxima se dá aos 7.400 RPM e o torque a 3.950 RPM, o que dá uma faixa útil de 3.450 RPM

 

 

publicado por motite às 21:12
link | comentar | favorito

.mais sobre mim


. ver perfil

. seguir perfil

. 14 seguidores

.Procura aqui

.Setembro 2024

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30

.Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

.posts recentes

. A pequena grande Triumph:...

. Prostatite final – Amor e...

. Prostatite parte 10: a vo...

. Prostatite 9: uma separaç...

. Prostatite parte 8 - A f...

. Prostatite parte 7: Começ...

. Prostatite parte 6: a hor...

. Prostatite 5: Sex and the...

. Prostatite 4: você tem me...

. Prostatite 3: então, qual...

.arquivos

. Setembro 2024

. Junho 2024

. Fevereiro 2024

. Janeiro 2024

. Dezembro 2023

. Novembro 2023

. Outubro 2023

. Julho 2023

. Maio 2023

. Janeiro 2023

. Novembro 2022

. Agosto 2022

. Julho 2022

. Junho 2022

. Maio 2022

. Janeiro 2022

. Dezembro 2021

. Novembro 2021

. Outubro 2021

. Agosto 2021

. Julho 2021

. Junho 2021

. Maio 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Fevereiro 2021

. Janeiro 2021

. Dezembro 2020

. Novembro 2020

. Outubro 2020

. Setembro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Maio 2020

. Abril 2020

. Março 2020

. Fevereiro 2020

. Julho 2019

. Junho 2019

. Março 2019

. Junho 2018

. Abril 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Outubro 2017

. Setembro 2017

. Agosto 2017

. Julho 2017

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Novembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

. Agosto 2015

. Julho 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Março 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

.tags

. todas as tags

blogs SAPO

.subscrever feeds