Quarta-feira, 4 de Fevereiro de 2015

A história de um encontro - Final

Tornado2.jpg

 Pontos turísticos: Câmara Comercial de Maceió; São Cristóvão, em Aracaju, a quarta cidade mais antiga do Brasil; Ponta do Seixas.

Terceira e última parte da novela regada a suor, lágrimas e cidra Cereser. Se você perdeu as duas primeiras partes, clique AQUI e AQUI.

Nísia Floresta.

O nome de batismo era Dionísia Gonçalves Pinto, mas ficou conhecida pelo apelido Nísia Floresta Brasileira Augusta. Sim, eu sei que é o primeiro caso de apelido maior e mais esquisito que o nome de batismo, mas, coisas do Nordeste. Esta potiguar nascida em 1810 foi uma espécie de jornalista, pioneira no movimento feminista e seu papel na mudança de comportamento dos padrões rígidos machistas levou à condição de celebridade a ponto de dar nome ao município colado em Natal e por onde eu deveria passar rumo a Maceió.

No meu plano de viagem não passaria por Nísia Floresta, mas a insistência do Klebinho foi tanta que obedeci. E também pra me livrar dele eu faria qualquer coisa. É claro que me perdi, aumentando mais ainda o meu drama, porque quando já me perguntava "o que mais pode dar errado, meu Deus?", imediatamente voltou a chover forte! A ponto de eu ter de comprar um par de galochas porque as botas ficaram encharcadas.

Enquanto estava perdido vi uma van toda decorada de equipe de motocross parada no posto de gasolina, aproveitei que o cabra era do ramo e pedi ajuda. Tudo explicado, mapa guardado trocamos uma rápida conversa sobre motocross e não é que o cabra ela leitor da revista? Sabia meu nome, dos outros jornalistas e até lembrou alguns testes e causos engraçados. Na despedida ele alertou para a condição da estrada. Inclusive se ofereceu para colocar a moto na van e ir de carona, o que recusei, afinal a moto precisava rodar, eu era um profissional, cabra-macho que não afina nem nas piores condições. Como prova de macheza inconteste, levei uma almofada de gel para colocar no banco da Tornado e não destruir minha bunda!

Nosso roteiro tinha uns pontos que era de passagem obrigatória, inclusive com registro fotográfico e um deles era Ponta do Seixas, perto de João Pessoa, por uma estrada péssima e cheia de ponte de madeira. O tempo da viagem aumentou além do esperado e obviamente escureceu quando estava a uns 150 km do destino. Aquela estrada de mão dupla, cheia de caminhão, buracos, acostamento tosco, em obras e sem as faixas refletivas pintadas ficou muito pior com o farolzinho broxante da Tornado.

Nunca na minha vida motociclista eu interrompi uma viagem. Nem nos piores invernos, tempestades, lama, situações ameaçadoras mesmo. Mesmo com a moto falhando, quebrada, com pneu furado, nunca interrompi uma viagem. Mas dessa vez não deu. Para desviar dos buracos os caminhões simplesmente entravam na contramão, invadiam a minha pista e ai de mim se não fugisse pro acostamento!

Em mais de meia dúzia de vezes peguei terreno muito ruim no acostamento e não teve jeito. Parei num posto de gasolina disposto a dormir no chão mesmo porque tinha decidido interromper a viagem. Isso arriscaria todo o cronograma da viagem, porque o jornalista seguinte já estava de passagem comprada e chegaria no dia seguinte a Salvador para fazer o último trecho.

Ah, o destino. Quando estava procurando um canto pra dormir entrou uma van toda decorada de motocross. Identifiquei na hora e pulei na frente dele!

- Aquela oferta de carona ainda está de pé?

E foi assim que meu trecho do teste foi surrupiado em 150 km, mas isso foi revelado na reportagem. Para minha vergonha dormi praticamente toda a viagem e quando chegamos em Maceió, à meia noite, me despedi sem lembrar de pegar um cartão dele. Portanto desculpe por não saber o nome do meu anjo da guarda.

Fala com ela!

Para compensar todo sufoco do dia anterior, Maceió se revelou linda e ensolarada pela janela do meu quarto, à beira-mar. Dei uma rápida volta para conhecer a bela cidade e segui rumo a Salvador.

Foi uma viagem pra lá de tranquila, com quase os mesmo 600 km do dia anterior, mas com céu azul e estrada já melhor. Uma rápida passagem por Aracaju e cheguei em Salvador já a ponto de ver o pôr do sol. Entreguei a moto para o outro jornalista e no dia seguinte estava dentro do avião de volta pra casa!

Nesta época eu estava saindo de um relacionamento bem complicado e não tinha planos de me envolver novamente com ninguém. Apenas curtir a solteirice e, para confirmar esse papo de maktub, meu plano de reveillon era voltar para Maceió. Já tinha reservado hospedagem, voo etc, mas o destino...

Toca o telefone e do outro lado da linha o sotaque inconfundível de Kleber Tinoco. Ligou pra resenhar e eu, como quem não quer nada e pensando em outra coisa, a exemplo do que sempre faço ao telefone, perguntei na maior inocência:

- E aquela loira que trabalha aí com você? Ela é solteira?

- Ah, espera aí que ela mesmo vai responder!

E transferiu a ligação para ela!!!

Sabe aquela sonho de criança, que a gente está pelado no meio do pátio do colégio e todo mundo rindo? Lembra da sensação de angústia, medo e constrangimento? Eu estava assim! Eu não sabia nada sobre aquela mulher, nem fazia idéia do que falar, perguntar, nada. Diante de um alô, tímido, só me ocorreu perguntar:

- Er, hum, uh, é, onde você vai passar o reveillon? As palavras saíram da minha boca, mas minha mente estava a uns 2.500 km de distância.

- Em Florianópolis - ela respondeu.

E, numa das raras vezes que minha boca foi mais rápida que o meu cérebro e deu certo, comentei:

- Puxa, que coincidência, eu também!

Mentira da grossa! Só que não dava mais para desfalar e me vi diante de um tremendo sufoco: cancelar a hospedagem, deixar um monte de gente na mão, pedir reembolso da passagem e, missão impossível: conseguir hospedagem em Florianópolis, uma semana antes do ano novo! Eu já tinha falado e não lembro de mais nenhuma palavra naquele telefonema. Só sabia que estava literalmente ferrado para produzir uma mudança de plano a jato.

Com ajuda de amigos e amigas consegui um quarto em Floripa, capital que eu também não conhecia e decidi ir de carro. De quebra ainda dei carona para duas amigas que estavam no mesmo barco, literalmente.

No período entre o telefonema e a viagem pra Florianópolis, meu brother Klebinho fez a catequese na cabeça da loira. Falou um monte de mentiras a meu respeito: que eu era gente boa, inteligente, bom caráter, mas infelizmente mostrou uma foto minha, velha, quando eu ainda tentava manter meus cabelos a qualquer custo, mesmo que ficasse parecido com o palhaço Bozo, com dois chumaços de pelo em cima das orelhas.

fófis2.jpg

A loira da Potiguar... 

O que Deus uniu...

De São Paulo a Florianópolis são 700 km, por uma estrada boa, com quase 100% de pista dupla, mas tem a porcaria da serra do Bananal que é o purgatório que todo paulista enfrenta para chegar aos paraísos do Sul. Mas, de carro tudo é moleza: som, ar-condicionado e dá até pra comer e beber enquanto dirige. Molezinha!

Depois de alguns telefonemas (bendito seja o celular) marquei o encontro com a loira. Ela estava hospedada na casa da avó (que boa moça) e assim que ela apareceu na porta do prédio meu coração disparou, meu estômago gelou e devo ter feito a maior cara de paspalho babão que o mundo já viu.

Normalmente sou um cara quieto. E tímido, acredite! Sempre fui quieto e, segundo minha mãe, quando era criança eu só falava com ela. Minha primeira professora dizia que levou seis meses para ouvir minha voz. Gosto de ficar quieto e nada é mais torturante do que "criar assunto". Acho que foi isso que fez de mim um escritor, sou melhor escrevendo do que falando.

Em apenas duas situações eu falo muito: quando estou doente ou nervoso. E naquela manhã em Florianópolis eu estava nervoso e doente ao mesmo tempo. Tive pena daquela pobre moça que foi metralhada com umas 20.000 palavras por minuto. Nas raras ocasiões que eu parava de falar reparei como ela era mais linda do que na minha memória. E a boca, meu Deus, quem pode resistir a uma bela boca?

Não lembro de nada do que foi falado, nem por onde passei naquela tarde do dia 30 de dezembro de 2000. Só lembro da boca. Até que num impulso incontrolável fiz qualquer comentário idiota sobre a boca. Meses depois, ela admitiu que me achou bem esquisito, porque ela passara toda a vida ouvindo comentário sobre os lindos olhos verdes e só o doido do paulista falou "orra, meu, meu boca linda!". Ela ainda não sabia, mas eu não vejo o verde nos seus olhos.

E, na falta de assunto, tive coragem de beijar aquela boca.

Foi assim, que o destino fez um roteiro de história de amor. E se eu tivesse sido sorteado com o primeiro ou o terceiro trecho da viagem-teste? E se não tivesse chovido naquela manhã de Natal. E se o Klebinho não estivesse ocupado naquela manhã. E se eu tivesse decidido a passar o reveillon em Maceió? Se, se, se... O destino e o amor não respeitam o condicional. Não conhecem possibilidades. Quando está escrito nada pode impedir. Tudo conspirou para eu ver a loira da Potiguar. E quem há de negar que, em épocas Tinder, todo esse esforço do destino seria em vão se não resultasse em uma história de amor pra toda vida?

peixinhus.jpg

Casal fofinho... 

 

publicado por motite às 02:21
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2 comentários:
De Renato Campestrini a 4 de Fevereiro de 2015
Tite,

Muito legal sua história.

Vivenciei algo parecido com minha Esposa.

Acredito que essas coisas que o universo conspira, torna tudo melhor.

Abraço e felicidades para vocês!


De Victor a 2 de Abril de 2015
Grande Tite!
Faz muito tempo que não entrava mais no seu blog, não sei pq hj me lembrei dele e olhei. Eu sou de Florianópolis, segui o motoline por muito tempo quando vc estava por lá, vc respondia as dúvidas do pessoal, eu adorava ler aquilo! Era muito engraçado e informativo. Uma vez te reconheci e cumprimentei no shopping de floripa, não sei se vai lembrar. Bela história essa de vcs dois. Abração!

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