Terça-feira, 24 de Outubro de 2023

Prostatite parte 2: sobre escolhas

Manaus_1.jpg

Esta foi uma das fotos que fiz à bordo de uma coisa estranha que voava*.

Ah as escolhas. Uma das poucas certezas da vida é que sempre achamos que fizemos a escolha errada. Porque não tem como apertar a tecla fast foward e avançar nossa história para saber como seria se tivesse feito a outra escolha. Não dá. O cinema até tentou retratar estas condições em filmes como “O Feitiço do Tempo”, “Efeito Borboleta” e o bobinho “Controle Remoto”.

Apesar de a ficção criar formas de avaliar como seria se tivéssemos feito a outra escolha, na vida real não existe essa chance. Escolhas significam renúncias e não adianta se julgar pelas escolhas do passado porque éramos outras pessoas. Só posso garantir que de pouco adianta se perguntar “como seria se eu tivesse feito a outra escolha?”, porque agora estaria fazendo exatamente a mesma pergunta.

Butterflyeffect_poster.jpg

Efeito Borboleta: o personagem do filme só consegue corrigir os erros do passado magoando a pessoa que amava.

Algumas pessoas de elevada grandeza procuram ajuda na hora das escolhas. Outras seguem um instinto e a grande maioria vai no impulso. Sorte quando a escolha pode ser revista e permitir voltar atrás, mas quando a decisão é irreversível o peso da escolha é eterna. Nada retrata mais essa angústia do que o filme genial “A Escolha de Sofia”.

Com o pedido de biópsia nas mãos fui para o posto de saúde agendar o procedimento. Diante de tanta recomendação parecia que eu faria uma cirurgia. É quase isso. O paciente é anestesiado e o médico introduz um tubo com uma agulha na ponta. Ah introduz pelo rabicó mesmo, na falta de outro orifício nas redondezas. Retiram uma porção do tumor que será examinado no laboratório. Como é feito um corte, isso sangra e precisa cicatrizar, porque não tem como enfiar a mão lá dentro (ainda bem) pra costurar.

Por isso o pré e pós procedimento são praticamente iguais aos de uma cirurgia, porém sem a internação. Entra de manhã, leva o ferro, acorda e vai pra casa. Não, não pode ir de moto, nem dirigir. Precisa levar um acompanhante maior de idade e se prepara, porque depois de passar o efeito da anestesia vai doer muito.

Escolhemos ir de Uber porque eu não queria me preocupar com estacionamento, nem voltar dirigindo. Desta vez fui acompanhado da minha mulher, que respeitou minha vontade de não falar sobre o assunto.

Sophie's_Choice.jpg

Nunca a arte retratou tão bem a angústia de uma escolha como no filme A Escolha de Sofia.

No caminho lembrei da minha vasectomia, feita no final dos anos 1980. Já tinha as minhas duas filhas e decidi que seria o procedimento mais eficaz, até porque eu não queria mais ter filhos mesmo. E também é uma cirurgia menos invasiva e bem mais simples do que a laqueadura para a mulher.

Só que eu tinha 30 anos e nenhum médico queria operar um jovem de 30 anos porque, segundo eles, minha vida poderia mudar muito ainda. Um deles até foi irônico:

– Imagine se você se separa, conhece a princesa de Mônaco, ela se apaixona por você, mas só casa se tiver um herdeiro?

De todas estas possibilidades a única que se concretizou é que poucos anos depois eu me separei mesmo. O resto foi devaneio. Mas gostei da possibilidade de casar com a Stéphanie Mari Elisabeth Grimaldi. Eu esconderia o fato de ser vasectomizado até passar a lua de mel, claro.

Sem poder operar nos médicos convencionais apelei para o meu cunhado da época. Pense numa família que tem médico! Ele topou, mas fez a cirurgia no consultório, com ajuda de um anestesista. A cirurgia correu bem, com anestesia local, mas ele não me disse para ir de taxi e fui dirigindo meu Passat sem direção hidráulica.

Na saída do consultório ele me deu uma receita e avisou que, se doesse, era pra tomar aqueles remédios. Saí meio claudicante como quem leva uma baita bolada no saco e fui embora. Assim que pisei na embreagem e engatei a primeira senti uma pontada como se estivessem arrancando minhas bolas.

A dor foi aumentando a ponto de não conseguir mais dirigir. Parei na primeira farmácia, desci e fui quase engatinhando até o balcão. Entreguei a receita pra farmacêutica e fiquei de cócoras implorando para me darem alguma coisa bem forte pra acabar com a dor.

Deram. Uma injeção de qualquer coisa que diminuiu a dor, mas ainda tinha de dirigir aquele Passat duro que nem uma carroça medieval, tentando desviar até de palito de sorvete. Cheguei e capotei no sofá!

Por isso, desta vez, para fazer esta biópsia decidi respeitar todas as regras recomendadas, até porque 27 anos a mais de vida nos deixa um pouco mais experiente.

Fui pra biópsia ainda sem a menor noção do que seria feito. Simplesmente tirei a roupa, vesti um avental que deixa a bunda de fora e deitei numa cama. Uma enfermeira gorda, negra e muito engraçada me levou pro centro cirúrgico perguntando sobre tudo que eu fazia. Foi tipo uma entrevista e isso me deixou bem mais relaxado. Ela explicou o procedimento, mas não prestei atenção porque estava ouvindo a conversa de dois médicos.

Um deles estava literalmente puto da vida porque antes das consultas os pacientes pesquisam no Google e ficavam questionando os diagnósticos. Na verdade eles queriam apenas uma segunda opinião.

Enquanto isso o anestesista já tinha me espetado e aconselhou:

– Pense apenas coisas boas!

Antes de empacotar chamei o médico e aconselhei:

– Doutor, se alguém pesquisar no Google e vier aqui apenas em busca de uma segunda opinião pede pra ele pesquisar no Yahoo!

Apaguei ouvindo o som das risadas no centro cirúrgico.

Apesar de anestesiado senti mexerem no meu corpo até começar a sonhar. Não sei o que colocaram naquela anestesia além de óxido nitroso, porque sonhei que estava numa estrada americana viajando de Harley-Davidson, quando a enfermeira me acordou.

– Ufa, ainda bem que você me acordou, achei que essa sensação dolorida no meu rabo era a vibração de uma Harley!

Dias depois, quando saí daquele mesmo lugar com o resultado positivo para câncer e a palavra "impotência" reverberando no meu cérebro, chegava o momento de fazer uma escolha irreversível: morrer de pau duro ou viver de pau mole?  

Manaus_2.jpg

Eu aumento, mas não invento: estas pernas trêmulas são minhas mesmo, num ultraleve, em direção a uma tempestade manauara! Logo ali embaixo está a fábrica da Honda.

No ar

Nunca saltei de para-quedas, mas tenho vontade. O que me impede é o medo. Só de pensar naquele avião a 4.000 metros, de porta aberta já estremeço. Não gosto muito de coisas que avuam. No entanto, a profissão de jornalista e fotógrafo me obrigou a voar muito. Muito, alto e em coisas que nem eu acredito, como em Manaus (AM), nos anos 1980 que precisei fazer uma foto aérea da fábrica da Honda, numa aeronave tão rudimentar que faria o Demoiselle parecer um jato.

Procurei o aeroclube local mas o preço pra alugar um helicóptero era muito acima do meu apertado orçamento. Um cabra ouviu a conversa, me chamou de lado e soltou:

– Eu posso te levar pela metade do preço!

– Fechado!

Só esqueci de perguntar qual a aeronave. Era um ultraleve. Aberto, sem chão, sem teto, sem janelas porque também não tinha portas. Aquela trapizonga era uma asa delta com motor de Fusca e dois lugares. Sem tempo, nem juízo, aceitei a oferta e nem precisei mais de 30 segundos para me arrepender profundamente.

Manaus_3.jpg

Lindo dia para morrer engolido pela tempestade! Mas não morri!

Até este dia eu achava que tinha sentido medo. Besteira, medo eu tenho de barata. O que passei naquele projeto de coisa que voa (em alemão flugzeug) superou muito o sentimento de medo, desamparo, saudades do colo de mãe. Principalmente quando olhei pra frente e vi uma tempestade se aproximando.

“Por que eu não gastei o dinheiro do cliente e fui de helicóptero? Por que eu faço tantas escolhas erradas?” pensava enquanto tentava fotografar, me contorcendo para manter a máquina fotográfica estabilizada.

Como você pode ver, eu não morri. Mas meu espírito ficou em algum lugar da selva amazônica junto com minha dignidade.

O silêncio da inocente

Escolhas. E se eu simplesmente não operasse a próstata, continuasse sexualmente ativo, esperando que a natureza seguisse seu rumo, até definhar e morrer como aconteceu com Frank Zappa? Tinha de escolher qual procedimento adotar e se eu queria mesmo operar.

A palavra impotência é cruel. Ela cai na nossa cabeça como um sino de catedral. Entra na corrente sanguínea e se aloja no cérebro como um parasita de cisticercose. O diagnóstico de câncer de próstata vem atrelado aos dois principais efeitos colaterais: incontinência urinária e, para ser elegante, disfunção erétil.

Depois de receber o diagnóstico daquela maneira fria e insensível, saí do centro de São Paulo, até a minha casa, na zona sul, tentando me concentrar na pilotagem da moto com as palavras câncer e impotência na minha cabeça. Precisava chegar em casa e contar pessoalmente para a minha mulher. Mas como dar essa notícia? Os médicos e assistentes sociais não nos preparam pra isso. Nem a Igreja, nem a escola, nem os pais. Ninguém nos prepara pra esse momento.

A moto foi sozinha pra casa porque não lembro de nenhum centímetro do percurso. No caminho passava pela minha mente pensamentos que devem ser comuns a todos que recebem essa sentença: por que eu? por que Deus me escolheu? O que fiz de errado pra isso acontecer? Será um castigo divino por eu ter sido tão promíscuo? Não pode ser um erro do cara que fez o laudo? Será que trocaram meu exame no laboratório? E se eu jogar a moto agora desse viaduto e me espatifar lá embaixo pra evitar tudo que virá pela frente?

Confesso que não lembro muito desse dia (devia ter feito um diário), mas entrei em casa e contei o resultado para minha mulher que manteve-se forte e elegante como sempre. Não falamos muito e aí começou o que considero o maior erro de postura que tomei durante anos seguidos: o silêncio!

Existe um provérbio árabe que ensina: o silêncio é pedra; pedra constrói muros e muros separam. Nunca li tanta verdade em uma frase tão curta. Pena que só aprendi isso tarde demais.

Não é minha intenção fazer um livro de auto-ajuda porque não acredito em livros de auto-ajuda, mas aqui fica minha primeira e valiosa dica para quem vive junto: converse! Saiba a hora, o lugar e como conversar. Não vale, por exemplo, depois do sexo, quando a pessoa está encharcada de endorfina, adrenalina, dopamina, ocitocina, vaselina etc um dos dois virar e falar:
– Então, sobre o natal na casa da mamãe...

Não, definitivamente depois do sexo não é hora de conversar. Deixe os hormônios fluírem.

Também não espere uma explosão de sentimentos para conversar, porque é fácil descambar pra discussão. Espere um momento que ambos estejam de boas. E pare de achar que discutir um assunto é uma disputa, na qual se tem necessidade de “ganhar” ou “perder”.

Outro filme genial "A Profecia Celestina" mostra a troca de energias que acontece quando duas pessoas discutem e como essa energia flui de um para o outro. A sensação de vitória ou derrota em uma discussão reduz ou aumenta esse fluxo de energia.

Nossa sociedade – e a mídia tem um papel importante nisso – nos inculcou a ideia de que conversa de casal é discutir a relação, a tal “DR”. Também nos empurrou goela abaixo a mensagem de que é sempre a mulher quem deve puxar assunto, ganhando a pecha de “chata”. As mulheres naturalmente chamam para a conversa porque faz parte da liturgia do cargo. Homens preferem o silêncio, porque não sabem como falar, ou, geralmente, porque preferem manter guardado. Homens escondem os sentimentos porque aprenderam que “homem não chora”.

Outra dica: no caso de um problema de saúde que afete um dos dois, conversem, porque não está em jogo apenas a saúde de um dos cônjuges, mas na verdade o que fica doente é a relação. Na vida do casal, o câncer adoece os dois. Saber como conduzir, procurar ajuda terapêutica, deve ser extensiva ao casal. Mas isto eu não sabia quando cheguei em casa naquela manhã de julho. Por não saber como fazer adotei a pior postura possível: me fechei como uma ostra.

profecia.jpeg

No filme "A Profecia Celestina" a cena mostra a troca de energia quando conversamos

Procedimentos

Mesmo sabendo que minhas células cancerígenas estavam se reproduzindo como taradas no cio, eu não sentia nada de errado. Sim, já tinha percebido que estava difícil fazer xixi e que o jato saía fraco. Mas eu creditei na conta do envelhecimento natural. Quando eu tinha 10 anos olhava para meu avô de menos de 60 anos como se ele fosse um fóssil vivo.

A noção de velhice mudou ao longo da última década. Aos 55 anos eu me achava tão ativo quanto aos 35. Mas a natureza tem formas desonestas de me corrigir. E uma delas era esse xixi fraco, que nunca associei a hiperplasia prostática, até porque nem sabia da existência dessa palavra. Na real, deveria ter começado os exames de PSA aos 45, pelo histórico familiar, mas também não lembrava que meu pai tinha sido operado. No dia da cirurgia dele eu estava viajando a trabalho e quando voltei não tocamos no assunto.

Agora, com o diagnóstico feito, cada xixi era uma testemunha de acusação, como se minha uretra dissesse: “ae, mano, eu te avisei!!!”.

E só um esclarecimento que poucos médicos explicam. Não é só o jato de urina que fica fraco. A ejaculação também! Não sai um jato explosivo como um míssil balístico, mas escorre devagar que nem os chafarizes da piazza Navona. Mas este não é um assunto pra ser gozado.

piazzanavona.jpg

Chafariz da Piazza Navona: fraquiiiinhos...

Por não sentir nada, e até mesmo rejeitar o diagnóstico, demorei para procurar um especialista. Sem plano de saúde, a consulta pelo SUS estava marcada para quase 40 dias depois, como se fosse apenas uma micose de praia. Até que um dia falei com meu irmão e mandei o laudo da biópsia via Whatsapp. Assim que apareceram as duas barrinhas azuis no aplicativo ele me ligou:

– Vem pra cá que o chefe da Urologia quer falar com você. Mas fica tranquilo...

Ah tá. O pica das galáxias da urologia do hospital onde meu irmão trabalhava falou pra eu ir lá no dia seguinte, mas fica tranquilo... Passei a noite tão tranquilo quanto  um sentenciado no corredor da morte, escolhendo qual procedimento menos agressivo!

No dia seguinte de manhã estava sentado na frente do chefe da Urologia, acompanhado de dois outros médicos residentes para saber quais opções eu teria: câmara de gás, fuzilamento ou forca?

(Continua...)

*Fotos originais feitas em Kodak Ektachrome

Para acessar a parte 1 clique AQUI.

publicado por motite às 00:21
link | comentar | ver comentários (2) | favorito
Quinta-feira, 19 de Outubro de 2023

Prostatite: como é a vida pós remoção da próstata (parte1)

ruaaugusta1.png  

Sim, acredite, já acarpetaram uma rua em São Paulo. (Foto: Veja)

Descendo a Rua Augusta numa manhã de julho de 2018 lembrei de várias histórias desta que é uma das mais icônicas ruas de São Paulo. Inspirada nas grandes avenidas fashions da época, já foi berço da moda na capital paulistana, com butiques chiques e marcas renomadas. Todas as novidades no mundo da moda estavam na Rua Augusta.

Também era o point de paquera nos anos 1970/80, com motos, carrões desfilando e  jovens trocando olhares e xaveco mesmo, que hoje seriam considerados assédios. Ronnie Cord cantava “entrei na Rua Augusta a 120 por hora”. Mentira, aqueles carros da época eram instáveis. Se entrasse a 120 km/h meteria o côco num poste! A Rua Augusta é estreita, com um enorme desnível, tendo como cumeeira a Avenida Paulista.

Uma das histórias mais curiosas da Rua Augusta se deu no final de 1973, quando os lojistas tiveram a brilhante ideia de acarpetar um quilômetro da avenida, com placas coloridas, formando um xadrez.

Esqueceram que a época coincidia com a chuvas de verão e carpetes não são exatamente aderentes quando molhados. O resultado é que os carros não conseguiam sair na subida, nem frear na descida, causando alguns pequenos acidentes. Além de arrancar placas de carpete a cada frenagem. Eu mesmo arranquei muitas placas de carpete com o Dodge Dart do meu pai, quando eu tinha 14 anos. Sim, eu dirigia um carro V-8 com 14 anos!

ruaugusta2.png

Olha a traseira do Dodge Dart aí na foto!!! (Foto:Veja)

Alguns anos depois, já na faculdade de jornalismo, frequentava a Rua Augusta para jantar no Spazio Pirandello, cantina que reunia atores, atrizes e intelectuais. Como ficava perto dos teatros, os artistas jantavam lá e a tietagem corria solta. Eu levava as namoradas lá depois da aula para jantar pratos enormes de macarrão ou lasanha. Bons tempos que não existia refluxo gástrico!

Atualmente a Rua Augusta perdeu muito do seu charme. As lojas migraram para a Oscar Freire e o “baixo Augusta” passou a ser frequentado por garotas de programa, traficantes, mas ainda um pouco de artistas e intelectuais. Todos atrás de bebida e balada. Foi nesta rua que saí pela primeira e única vez com uma garota de programa de rua num dos poucos períodos da minha vida que estive solteiro. Ela estava fazendo trottoir, palavra francesa que significa calçada, o que dava um pouco mais de romantismo à atividade.

Era uma mulher de mais de 30 anos, baixa, loira, bonita e muito discreta para a atividade que exercia. Tanto que demorei pra entender que ela não estava pedindo carona. Abaixei o vidro e gostei dela logo de cara. Negociamos o cachê, ela indicou um hotel e, quando pensei que estava resolvido, ela veio com uma surpresa:

– Minha amiga vai ficar aqui sozinha, ela pode ir junto?

A amiga não era tão bonita, mas pelo pacote econômico aceitei e foi uma noite inesquecível.

Tão inesquecível que foi justamente o que veio à minha mente quando passei de moto, naquela manhã de julho de 2018, em direção a um posto médico da Prefeitura para buscar o resultado de uma biópsia da próstata.

Se você, homem, nunca fez uma biópsia de próstata não sabe o que é uma dor lancinante numa das partes mais delicadas do ser masculino. OK, a dor do parto é maior, mas eu nunca dei a luz pra comparar. Felizmente os médicos dão um pouco de anestesia e até sonhei, mas senti alguma coisa fria e comprida entrando pelo furico e uma dor tão angustiante que apaguei!

Pensa que isso é o pior? Não, depois da biópsia o médico fez um monte de advertências e avisou: nada de sexo por 15 dias (nem manualmente) e quando fizer pode doer e sair sangue. O cara sabia bem do que estava falando, porque com 10 dias decidi testar de forma manual e quase enfartei ao ver sair sangue, como se tivesse acabado de menstruar! Fora a dor. Doeu pra c****, literalmente!

A probabilidade de a minha hiperplasia prostática ser um câncer e eu me tornar impotente aos 58 anos era muito real. Queria aproveitar o máximo antes de receber o diagnóstico. Mas ainda doeu e sangrou nas poucas vezes seguintes, já com a participação da minha mulher.

biopsica-de-prostata.jpg

Biópsia de próstata é feita pelo brioco e dói, viu!

Entrei no posto médico tão confiante que simplesmente me dirigi ao balcão dos resultados, tranquilo como quem vai no cartório reconhecer firma. Entregaram o envelope e me encaminharam ao médico com a recomendação de não abrir.

Epa! Por que não podia abrir? Abri. Li e não entendi nada.

O urologista que me recebeu era bem jovem. Alto, bonitão, bronzeado, típico médico de série americana. Ele me atendeu de pé e pediu pra eu sentar. Já passava de meio-dia e, de repente entrou outro médico na sala, igualmente jovem, conversando sobre o almoço como se eu não estivesse lá.

O bonitão abriu o envelope, fez uma cara meio constrangida, mas tentou amenizar o clima me chamando pelo aumentativo:

– É, Geraldão, é câncer!

Juro que foram estas exatas palavras que aquele médico disse. Olhei pro outro, que, quieto, fuçava o celular. Demorei pra entender o que aquilo significava até que perguntei:

– E agora?

Ainda com ar constrangido, sem olhar nos meus olhos, o médico explicou que eu seria encaminhado à assistente social para definir quais os procedimentos. Insisti em saber mais detalhes e perguntei “quais procedimentos”?

– Como ainda é pequeno, aconselho cirurgia para remoção total da próstata. Assim fica livre do problema pra sempre.

– E quais são as consequências desta cirurgia? perguntei já sabendo a resposta.

– Eh, incontinência urinária e impotência.

Ele respondeu exatamente assim. Não usou o eufemismo “disfunção erétil”, falou impotência mesmo. Fiquei imobilizado. Por alguns segundos nada se mexeu naquela sala, até que o outro médico perguntou “e aí, vamos almoçar?”.

Meu chão desapareceu. Minhas pernas bambearam, meu corpo ficou com duas toneladas e meia. Não conseguia me levantar, mas aqueles médicos precisavam almoçar e eu estava atrapalhando.

Com um aperto no estômago saí correndo da sala e fui chorar no banheiro. Estava sozinho. Não levei ninguém comigo porque não esperava aquele diagnóstico. Fiquei andando pelo posto que nem um zumbi. Olhava, mas não via. Escutava, mas não ouvia. Respirava, mas não vivia. Milhões de pensamentos ao mesmo tempo. Precisava dividir aquilo com alguém.

Liguei pra minha mulher que não pôde atender. A segunda pessoa que liguei foi meu sócio Ronaldo. Ele atendeu e dei a notícia. Anos depois ele lembrou deste dia e comentou que ficou com vontade de entrar pelo fio do telefone para me abraçar. E como eu precisava de um abraço! Não lembro o que conversamos.

A assistente social me chamou. Sentei na frente dela e, antes que ela dissesse qualquer coisa reclamei do comportamento do médico. Ela se assustou e, talvez pelo ineditismo da situação, passou a me tratar com muito respeito e sensibilidade e até ofereceu um copo d’água. Ela falou, falou, explicou, escreveu, falou mais um pouco, mas eu não ouvi nada, porque só via a boca se mexendo, não escutava nada porque minha cabeça estava muito longe dali. Só pensava naquela palavra do médico: impotência.

prostato.png

Essa coisinha ridícula é a próstata, mas faz uma falta...

Diagnostica eu

Só decidi fazer o primeiro exame de PSA* aos 55 anos de idade, depois de minha irmã médica insistir muito. Segundo ela minhas chances de câncer eram grandes porque meu pai tinha sido operado aos 71 anos. E a hereditariedade é o fator número um na probabilidade.

– Mas eu tenho só 55! argumentei, mesmo assim ela praticamente me intimou e eu não costumo desobedecer minha irmã.

Picada no braço pra tirar um pouco de sangue e logo no primeiro exame deu alteração. Nada assustador, mas que merecia um olhar mais profundo. Acendeu uma luz amarela. Como eu sempre fui procrastinador (nasci 16 dias depois do previsto), fui adiando a visita ao urologista até que acabei marcando. Tinha plano de saúde que nunca usava e pensei “vou gastar tudo que puder neste plano”.

O médico pediu para refazer o exame de PSA, mas pediu para eu ficar três dias sem pilotar moto, nem bicicleta, algo que pra mim era como dizer “ampute as duas pernas por três dias”. Obedeci e refiz o exame. Deu o mesmo resultado. Não lembro os valores exatos, mas era pra ter algo como 0,3 ou 0,6 e meu exame deu 3,2. Não sei as unidades de grandeza, mas agora acendeu a luz laranja.

Voltei ao médico – claro que sempre com hiatos de 15 a 20 dias porque estamos falando de uma porcaria de plano. Desta vez ele pediu ultrassom, mais alguns exames e, cereja do bolo, o toque retal, que fez ali mesmo, sem qualquer aviso prévio. Não foi traumatizante como exageram, mas ele fez uma cara muito preocupada ao explicar que “a próstata está bem aumentada”. 

exametoc.png

Onde vai com este dedo? Exame de toc não dói nada! 

Com os pedidos do exame nas mãos, aquela frase na cabeça, saí do prédio e quando me aproximei de onde tinha estacionado a moto outro choque: roubaram minha moto! Minha não, da Honda, porque era uma moto de teste. Andando de um lado pro outro, resumi aquela manhã da seguinte forma:

– PQP, hoje o dia promete, são 10 da manhã e já tomei no c* duas vezes!

Quem me socorreu? O sócio e anjo da guarda Ronaldo, que me buscou, me pagou o almoço, levou até em casa e ainda me deu um capacete novo porque o meu estava no baú da moto roubada!

Nesta fase eu ainda nem ventilava a possibilidade de estar desenvolvendo um câncer. Na minha cabeça era só um inchaço provocado pelo excesso de moto, bicicleta e pés na bunda que colecionei ao longo da vida. Levava uma vida normal, nem pensava nisso e, quando comentei com minha irmã que eu iria fazer o ultrassom ela pediu:

– Aproveita e faz outro PSA.

– Karaka, de novo?

Marquei os exames no mesmo dia. Pra fazer o ultrassom eles obrigam a gente a beber quase dois litros de água. Depois fazer xixi até a última gota. Saiu aquele xixi cor amarelo citrino que os médicos adoram.

A enfermeira e a médica eram gatas. Beeeem gatas. Quando me pediram pra deitar na maca e baixar as calças pensei no melhor. Ou melhor, no pior. A enfermeira era morena e bem novinha. Muito bonita mesmo. A médica era loira e linda. Ela me lambuzou com uma meleca e depois ficou passando um treco gelado pra lá e pra cá, bem perto do, do... dele mesmo. Passava tão perto que resvalava na ponta. Ponta que começou a crescer sem minha autorização.

Ô situaçãozinha constrangedora. Tentei pensar em outras coisas, mas não dava e foi ficando meio que indisfarçável. Acho que deve ser normal, porque tanto a enfermeira quanto a médica trocaram olhares e sorriram tipo “viu? eles não resistem”. Saí da sala delas, lambuzado, constrangido, intumescido e fui levar uma picada. De agulha!

Mais um PSA na conta...

Com o resultado dos exames fui marcar o retorno no urologista e... surpresa! Cancelaram meu plano de saúde! Verdade. A Prevent Sênior me deixou sem assistência em meio a um tratamento de possível câncer de próstata. Porque eu tinha esquecido de pagar UMA mensalidade em 10 anos de convênio. Isso mesmo: huma em 10 anos. Não deixei de pagar porque sou sovina, desonesto ou miserável. Não paguei porque confundi com os boletos dos meus pais e esqueci de pagar o meu.

Argumentaram que tentaram me telefonar no número FIXO!!! Como assim? Em 2017 os caras ligam para o telefone FIXO! Eu nem tinha mais a linha telefônica. Os boletos vinham pelo Correio. Era só mandar uma carta, telegrama, um e-mail, um SMS, mas não, ligaram num telefone fixo! Claro que foi intencional, fazem isso porque para reaver o plano eu teria de pagar mais caro, como se tivesse começando um novo plano. Golpistas! Detalhe: eu esqueci de pagar o mês de setembro, mas paguei outubro e novembro. Mesmo assim cancelaram. Vermes oportunistas. 

Sem plano de saúde recorri a um sistema novo na época chamado Dr. Consulta. Marquei urologista. Peguei os exames e quando entrei na sala o médico estava com uma camiseta da Harley-Davidson. Foi a consulta mais longa de todas!

Pela primeira vez um urologista conversou de forma esclarecedora. Não foi o que eu esperava ouvir, mas ele deixou claro que eu deveria fazer uma biópsia porque era uma hiperplasia que poderia ser benigna ou não.

– Mas estou sem plano de saúde! Custa caro? perguntei.

– Faz no particular mesmo, mas faz. Agora não é hora de se preocupar com dinheiro.

Acendeu a luz vermelha. Hora de ver isso com atenção.

Saí do consultório e recorri ao meu irmão médico (sim o raio pode cair duas vezes no mesmo lugar, tenho um casal de irmãos médicos). Ele conseguiu a biópsia pelo SUS e foi assim que eu fui parar naquela manhã de julho, descendo a rua Augusta de moto.

N.d.R - PSA é o exame de antígeno prostático. É feito pelo sangue, com uma rápida agulhada na veia. Não dói e o resultado não significa nada sem o laudo de um urologista. Mas uma dica: se algum parente próximo (pai, irmão, avô, tios) tiveram câncer de próstata comece a fazer o exame a partir de 45 anos, pelo menos uma vez por ano. Não se assuste com os números, fale com um médico. Não se consulte com o Google.

(Continua...)

publicado por motite às 04:32
link | comentar | favorito
Terça-feira, 17 de Outubro de 2023

Segurança é filosofia

motoboy_2.jpg

Pensar, agir e viver de forma segura é questão de hábito

Nos últimos meses o Brasil foi surpreendido por dois acidentes de trabalho e um de trânsito que se tornaram evidentes. A explosão de um cilo de grãos em Palotina, PR, em junho; a explosão da caldeira em uma metalúrgica de Cabreúva, em SP, em setembro e o atropelamento do ator Kayke Britto no Rio de Janeiro, também em setembro. O que estas três ocorrências têm em comum? O conceito de segurança.

Esqueça os acidentes. Pense em filosofia de vida. Encontrar uma filosofia de vida é tão desafiador quanto desvendar o conceito de filosofia. Pode-se gastar milhões de caracteres e palavras sem se chegar a um consenso. Mas resumidamente a ideia de filosofia de qualquer coisa é quando a personalidade do indivíduo é regida por esse conceito. Assim, tem-se a filosofia religiosa, de trabalho, de arte, de esportes e uma pouco praticada por pessoas e empresas que é a filosofia de SEGURANÇA.

Desenvolver o conceito da filosofia de segurança é tão natural como hábitos de higiene. Ninguém precisa dizer para um adulto escovar os dentes, porque esse hábito já está incorporado no comportamento do indivíduo. Com a segurança o desafio é fazer este conceito se tornar um hábito a ponto de não exigir uma regulamentação, nem fiscalização.

Apesar de estar envolvido com várias atividades de risco, sempre levei o conceito da segurança junto comigo. Alguns amigos chegam mesmo a suspeitar de alguma psicose, mas é apenas filosofia de vida. Só para ilustrar, sou do tipo que ao entrar em uma embarcação, por mais prosaica que seja, já procuro pelo salva-vidas. Não tem? Não embarco. Quase morri afogado passeando de caiaque 40 anos atrás.

Outro exemplo: se eu entro em uma cozinha, seja de quem for, e perceber o cabo da panela pra fora do fogão, sem qualquer constrangimento vou lá e empurro o cabo pra parte interna. Se eu não enxergo o fundo do rio, da represa ou mesmo do mar, não me jogo de cabeça. Faz parte da minha personalidade.

Então imagine meu nível de desespero quando vejo pessoas se expondo a risco nas mais diferentes atividades. Mesmo dentro de casa, em atos aparentemente inocentes como subir no vaso sanitário para trocar uma lâmpada. Pouca gente sabe, mas o maior índice de atendimento do SAMU de São Paulo é de acidentes domésticos. A mesma pessoa que sobe no vaso sanitário troca a resistência do chuveiro sem desligar a chave geral!

Trabalhei 18 meses em um hospital. Foi tempo suficiente para entender que o ser humano é potencialmente falível.

motoboy_1.jpg

Motociclistas de aplicativos se sujeitam a riscos em nome de uma remuneração.

Segurança é hábito

O ser humano é um sobrevivente por natureza. Nós só chegamos aqui porque desenvolvemos potencialidades que garantiram a sobrevivência da galera toda. Imagine se nas primeiras pandemias não tivéssemos pessoas estudiosas que encontraram alguma forma de cura? Só de pensar que passamos por uma recente pandemia que praticamente parou o planeta, sem o mesmo grau de letalidade da peste negra ou gripe espanhola dá para entender que a humanidade aprendeu rápido a sobreviver.

E a regra número um da sobrevivência é: não morra! Parece muito óbvio, mas nossa geração passou também pela ameaça da AIDS e quantas vezes ouvi pessoas maduras se recusando usar preservativo. É uma afronta à segurança!

Entrando no nosso mundo das motos, sou de uma geração que não usava capacete. Já existia, eu mesmo tinha dois modelos F1, mas parecia literalmente um marciano, porque era o único que usava aquele penico na cabeça. Naqueles anos 1970 usar capacete era falta de macheza. Um dos caras que mais me zoava por causa do capacete era um ídolo da geração: Carlos “Jacaré” Pavan. Excelente piloto de motovelocidade, que morreu em um acidente ao disputar um racha na rua – sem capacete, porque não convinha à uma pessoa corajosa como ele usar algum equipamento de segurança.

Perdi muitos amigos em acidentes de moto, todos por falta do capacete. E hoje ainda tem gente que se recusa a usar o equipamento.

Já perdi a conta de quantas vezes o capacete me salvou a vida. E não foi só na moto! Já me acidentei também de bicicleta, skate e até escalando a Pedra do Baú, em São Bento do Sapucaí, SP. Se estou vivo até hoje devo muito ao hábito de usar capacete em tudo que posso bater a cabeça. Aliás, tenho raiva de mim mesmo quando bato a cabeça em qualquer coisa.

!fake.jpg

Esta foto é "de mentira": eu estou a um metro do chão, mas não parece! O capacete é de verdade!

Para que o uso do capacete se tornasse um hábito na minha vida tive a influência da minha irmã. Quando ganhei minha primeira moto, aos 12 anos, ela dizia que se me pegasse sem capacete faria meu pai vender a moto. Depois de algum tempo eu já não conseguia mais pilotar sem capacete. Vaidoso, não queria ficar com a pele oleosa...

A transformação do conceito de segurança em hábito começa sempre pela obrigatoriedade – do Estado ou da irmã mais velha – para depois se tornar um hábito. Hoje não consigo dar uma volta no quarteirão sem capacete e luvas. Sim, o uso da luva virou quase uma obsessão porque como jornalista eu dependo das mãos para viver. A menos que comece a trabalhar em rádio!

Quando a segurança se transforma em hábito a fiscalização deixa de fazer sentido. É isto que tento mostrar aos profissionais da segurança de trabalho. Os colaboradores de uma empresa precisam fazer do uso dos equipamentos um hábito tão natural como escovar os dentes. Não só equipamento, mas todas as regras de segurança precisam entrar na corrente sanguínea de forma a se tornar natural.

Atitudes como usar o corrimão da escada (outra mania que carrego), andar nas faixas limitadoras, caminhar sem olhar o celular, observar o entorno, devem ser tão naturais como respirar.

Só para aproveitar a deixa, o aparelho celular representa hoje um dos maiores empecilhos para a segurança patrimonial, de trânsito e de trabalho. O uso irracional do aparelho celular chegou a níveis tão preocupantes no mundo que o Japão instituiu multas para quem caminhar na rua olhando para o celular.

Recentemente visitei uma empresa e fiquei aguardando na sala do departamento de segurança de trabalho. Enquanto esperava observei uma moça, com jaleco da CIPA (comissão interna de prevenção de acidente) apoiando o celular no próprio carregador, enquanto carregava a bateria. Qualquer criança sabe que tanto o carregador quanto o aparelho geram calor. Quando colocados juntos a chance de superaquecimento é enorme.

Não acabou aí. O celular tocou e ela começou a conversar, mesmo com o aparelho sendo carregado na tomada, algo que é potencialmente arriscado. Isso tudo dentro de um departamento de segurança do trabalho.

Este exemplo serve para ilustrar a diferença entre a segurança de manual e o hábito da segurança. No meu escritório caseiro uso até um cooler extra para arrefecer o notebook de tanto medo de explodir a bateria!

O desafio da mobilidade segura

Agora sim vou voltar para os acidentes relatados lá no primeiro parágrafo. O primeiro caso, da explosão do cilo de grão, tratava-se de uma grande e muito bem estruturada empresa do setor agrícola. Várias pessoas testemunharam que a empresa tinha uma sólida e verdadeira preocupação com segurança, tratando o tema com absoluta seriedade. Todos os indícios preliminares apontaram para uma falha humana. Sim, por mais mecanizada que seja uma produção, em algum momento tem um ser humano operando. Humanos são falíveis.

Já na siderúrgica de Cabreúva o caso é mais complexo. Numa primeira investigação surgiram evidências de falta de alvarás, que induz a falhas estruturais mais graves. E mais uma vez o ser humano está por trás, não só na operacionalização da empresa, mas na burocracia e adequações às normas de segurança.

E finalmente o acidente com o jovem ator Kayke Britto. Novas imagens de câmeras de segurança mostram o ator em visível estado de embriaguez, pouco antes do acidente. E as imagens do acidente deixam claro que o jovem simplesmente atravessou a rua sem olhar para o lado. O motorista de aplicativo estava abaixo do limite de velocidade, parou, prestou socorro e ficou ao lado até a chegada do resgate. Depois foi submetido ao teste de alcoolemia que não detectou a ingestão de bebida alcoólica.

Mas e a “vítima”? O atropelado? Foi realizado teste de alcoolemia nele? Ele pode ser responsabilizado pelo acidente? Pode ter de indenizar o motorista? Não foi divulgado nenhum teste, porque no Brasil a única vítima de um acidente é quem se feriu. Sim, ele pode ser responsabilizado pelo acidente se ficar provado que estava alcoolizado. E sim pode ser condenado a indenizar o motorista pelos danos e transtornos causados.

No momento que soube do atropelamento comentei que ele iria sair dessa, porque é jovem, saudável e traumatismo craniano não assusta mais ninguém hoje em dia. Ele recebeu alta do hospital, está se recuperando em casa em vai sim voltar a ter sua atividade normal.

Dentro do preceito da filosofia da segurança a “vítima” foi a maior responsável pelo acidente. Mas a sociedade tende a fazer justiça sempre condenando o motorista e inocentando o atropelado. Sobre isso já escrevi um artigo “A outra vítima”, que mostra como a vida de um motorista pode ser impactada pela irresponsabilidade da vítima. E se Kayke tivesse morrido? Este motorista estaria eternamente condenado a viver com essa dor. Mas ninguém pensa nele...

Dentro das palestras que realizo sobre Filosofia da Segurança tento mostrar que muitas pessoas carregam o estigma da vítima. Relevam de tal forma o conceito da segurança que chegam mesmo a “pedir” por um acidente. Basta ver como a maioria dos motociclistas de aplicativos se comportam. Tem situações que parece que estão clamando por um acidente grave. Não pode ser normal o comportamento que adotam. Mas quem se importa?

Os “CEOs” dos apps dormem o sono dos justos, afinal não há vínculo empregatício; o Estado é omisso ao relaxar a fiscalização sob o argumento flácido do “ah, pelo menos estão trabalhando” e cabe ao sistema de saúde arcar com a sobrecarga e custos dos estropiados no trânsito.

Nesta cadeia não passa nem de longe o conceito da Filosofia da Segurança. O município de São Paulo ainda conseguiu implantar as salvadoras faixas azuis. E o que eu vejo nelas? Retardados rodando de moto a 90, 100 km/h cercado por fileiras de carros dos dois lados. O que faltou? Educação e fiscalização.

Estes jovens arriscam a vida porque é assim que a sociedade os trata. Quem pede quer receber logo. Quem vende quer entregar logo. E quem entrega quer ganhar mais. Neste caos a única certeza é que o conceito de segurança ficou lá no meio do caminho.

 

publicado por motite às 15:06
link | comentar | ver comentários (1) | favorito
Sábado, 1 de Julho de 2023

Bike Fest Tiradentes, a festa das mots

abre.jpg

Neste ano as motos big trail dominaram as ruas (Foto: Tite)

 

A 31a edição do Bike Fest de Tiradentes foi um grandioso sucesso

Quando morreu, acusado de conspiração, Joaquim José da Silva Xavier, se tornou o imortal Tiradentes. E deu o nome para a pacata cidade mineira de cerca de 11.000 habitantes, mas que durante cinco noites se transforma no maior encontro de motociclistas do Brasil.

Foi a 31a edição do Bike Fest Tiradentes, evento que começou como um encontro de amigos em 1992 e hoje reuniu mais de 36.000 pessoas nos cinco dias de evento, de 21 a 25 de junho. O segredo deste sucesso todo se deve a um misto de localização privilegiada, com uma organização pensada em agradar todas as tribos.

multidao.jpg

Foram 36.000 pessoas em cinco dias de evento. (Foto: Lilian Cardoso)

A localização é estratégica, ficando entre três das maiores capitais do Brasil: a 480 km de São Paulo, 330 km do Rio de Janeiro e 200 km de Belo Horizonte. Mas a cidade recebe motociclista de 23 Estados do Brasil. São 20.000 motos passando pela região!

Minha primeira vez no Bike Fest foi em 2006, justamente o ano da virada, quando deixou de ser uma reunião entre amigos e se tornou um evento com expositores, bandas de música – notadamente rock – e uma feirinha de artesanato. Nesta ocasião gravei uma parte do documentário Alma Selvagem, já esgotado!

contraste.jpg

O moderno e o antigo se encontram em Tiradentes. (Foto: Tite)

O que mais chamou atenção foi uma mudança no público e na “cara” do evento. O que antes era praticamente um desfile de Harley-Davidson, com as mais diferentes e inusitadas customizações, hoje os modelos que mais se veem nas ruas calçadas com pedras do século 18 são big trail. BMW GS, Triumph Tiger e Honda Africa Twin são as que mais aparecem na estatística.

Esta mudança de perfil se deve não só à natural mudança de proposta do evento, mas também teve ajuda do tipo do tipo de pavimento das ruas da cidade histórica. Feitas com granito e arenito, colocadas por escravos, a pilotagem se torna difícil e arriscada, por isso as motos passam mais tempo paradas do que circulando! Mesmo assim o desfile de motos agrada tanto quem curte motos, quanto os moradores locais, que agradecem aos visitantes pelos cerca de 58 milhões de Reais deixados no comércio da cidade.

Comida.jpg

Ah, a comida mineira no fogão a lenha. (Foto: Tite)

Conhecida pela gastronomia (Tiradentes recebe o Festival de Cultura & Gastronomia no final de agosto), os restaurantes e hotéis comemoraram a “casa cheia”. A ocupação da grande rede hoteleira de Tiradentes e região chegou a 100%.

Um dos destaques do evento é o mini salão de moto organizado em um amplo espaço logo na entrada do centro histórico. Neste ano estiveram presentes BMW, Ducati, Honda, Royal Enfield, Kawasaki, Harley-Davidson, KTM e Triumph. Foram comercializadas 118 motos nos cinco dias de evento.

Neste mesmo salão se apresentaram bandas de música, mas não só rock, mas também jazz e blues da melhor qualidade. Mais um sinal que o público mudou mesmo.

bichinho.jpg

A famosa casa torta de Bicnhinho. (Foto: Lilian Cardoso)

Como tradicionalmente o evento coincide com o Festival Interlagos, algumas pessoas apostam na divisão de interesse. Mas neste ano tive a chance de estar nos dois eventos e posso afirmar que são públicos diferentes. O visitante do Festival Interlagos (antes Duas Rodas) é interessado em moto, o veículo, as novidades do setor. O visitante do Bike Fest é interessado naquilo que a moto oferece, como a sensação de pertencimento a uma tribo. A moto está presente em ambos, mas a abordagem é diferente. Aliás, a julgar pela quantidade de pessoas espremidas no salão de exposição, sinto informar aos céticos que os dias de Salão só estão contados em São Paulo, porque nas demais cidades o público comparece sim e agradece.

bichinho2.jpg

Pilotar sobre pedras é um dos desafios do encontro. (Foto: Tite)

A companheira de viagem

Para a cobertura desse evento, viajei com uma Triumph Tiger 900 GT Pro gentilmente cedida pela Triumph. Trata-se de uma big trail, mas com aro dianteiro de 19 polegadas e pneus de caráter mais esportivo.

Tiger_1.jpg

Ótima companhia de viagem, a Tiger 900 GT Pro tem conforto de sobra para duas pessoas. (Foto: Lilian Cardoso)

Minha última referência de Tiger ainda era a do motor 800, por isso a primeira coisa que me chamou muita atenção foi a eletrônica embarcada. Pode-se fazer absolutamente tudo pelo painel: modo de pilotagem, regulagem de altura, calibragem das suspensões, atuação do freio ABS e mais um monte de coisa. O piloto pode escolher qual melhor tela do painel, além de exibir várias informações que vão desde distância percorrida, média de consumo, velocidade média etc.

Confesso que deixei no modo “estrada” e fui à luta, porque tenho pouca paciência com manuais... Mas adorei saber que tinha aquecedor de manopla e de banco porque a previsão (confirmada) era de frio!

Tira_porta.jpg

O orgulho de ser mineiro nas paredes clássicas do século XVIII. (Foto: Tite)

Logo ao me posicionar percebi que as pedaleiras do piloto ficaram bem menos recuadas como nas 800cc. Agora as pernas não ficam mais tão dobradas, reduzindo o efeito “garrote” da circulação, o que provoca câimbras.

Viajei acompanhado de uma amiga na garupa. E em função de dois acidentes na rodovia Fernão Dias, a viagem demorou mais de oito horas, para uma distância de 560 km. Mas quer saber? Nem percebemos porque esta Tiger é tão confortável que se tivesse mais 200 km não faria a menor diferença.

Tiger_2.jpg

Consumo médio de 19 km/litro para um motor de três cilindros e 95 CV. (Foto: Tite)

Uma dica para quem for a Tiradentes é conhecer o vilarejo vizinho chamado Bichinho, terra de artesãos de primeira qualidade. Só pra ficar no mais tradicional, a Oficina de Agosto, é um grande fornecedor para as lojas de SP, Rio e BH. Só que a estrada de apenas 5 km de Tiradentes a Bichinho é de pedra! Sim aquelas centenárias e desalinhadas.

Neste trecho pude comprovar a eficiência das suspensões. Elas absorvem as irregularidades como se nem percebesse. Mesmo com duas pessoas, a Tiger supera os desafios do off-road com galhardia. O aro dianteiro de 19” e os pneus de uso mais “on” não prejudicam a eficiência no fora-de-estrada. Claro que se a ideia for pegar mais terra do que asfalto, existe a versão Tiger 900 Rally Pro, com aro dianteiro de 21” e rodas raiadas (com pneus sem câmara). Mas sempre defendi a teoria de que no fora de estrada o piloto conta muito mais do que a moto!

IMG_9548.JPG

Valeu, seu Joaquim, obrigado pela coragem. (Foto: Tite)

Outra boa surpresa foi o baixo consumo. Rodando sem a menor preocupação com o consumo, esta Tiger fez média geral de 18,9 km/litro, o que é ótimo para um motor de três cilindros e 95 CV. Na estrada a retomada de velocidade impressiona e ajudou muito nas ultrapassagens. E outro destaque é o câmbio com quick-shift que dispensa o uso da embreagem nas trocas de marcha, tanto na redução, quanto na passagem das marchas.

Muita gente associa o quick-shift às competições, mas a vantagem deste sistema é manter as mãos totalmente firmes nas manoplas quando o motor passa de 9.000 RPM. Falando nisso é um motor que gira baixo, com a potência máxima a 8.750 RPM e a 120 km/h em sexta marcha o conta-giros indica pouco mais de 4.000 RPM.

Só pra esclarecer sobre o quick-shift. Muita gente acredita que ele serve para reduzir o tempo da troca de marcha, mas isso só vale nas motos de competição. Nas big trail o objetivo é manter os cinco dedos na manopla quando o torque entra em ação. Pra acionar a embreagem é preciso aliviar a mão esquerda da manopla e num terreno acidentado a mão pode escapar. Com este sistema basta acionar a alavanca pra cima ou pra baixo que a troca é feita.

Tiger_vermelha.jpg

Uma moto para viajar pelo mundo sem descanso. Na cor vermelha. (Divulgação) 

Realmente não sei porque alguma pessoas compram motos acima de 900cc. Este motor da Tiger, com o maravilhoso ronco dos três cilindros em linha, atende todas as necessidades, faz a moto chegar a 200 km/h e ainda se mostra mais econômico do que os gigantescos 1.200cc. Ah e eu rodei também na cidade. Dando calor em muito motoboy! Falando em calor, a grande reclamação é o calor do motor quando em baixa velocidade. Mas isso é suportável.

Em suma, a Triumph Tiger GT Pro é aquele tipo de moto que atende tanto o uso urbano, quanto estradeiro. Fazia mais de cinco anos que eu não pegava estrada de moto e não senti o menor cansaço. Viajei com um grupo de cinco motos num ritmo muito tranquilo e quando voltamos já comecei a planejar a próxima!

Tiger_4.jpg      

Já pensando na próxima viagem! (Foto:Tite)

publicado por motite às 01:41
link | comentar | ver comentários (2) | favorito
Sexta-feira, 12 de Maio de 2023

Muito além do portão

cursospara_29.jpg

Qualificar é a melhor forma de garantir a saúde dos funcionários motociclistas.

O impacto dos acidentes de trajeto

Pode conferir. No estacionamento das grandes empresas tem um mar de moto! Sim, porque hoje é inegável o papel da motocicleta na mobilidade urbana. Menor preço de aquisição, baixo consumo, facilidade de deslocamento e de estacionamento são algumas das características que levam à escolha da moto. Por isso algumas empresas chegam a apontar que até 60% do seu quadro de funcionários se deslocam em motos.

Agora imagine uma indústria com a linha de montagem e o diretor industrial é informado que um dos colaboradores não chegou! A linha pronta para entrar em operação e falta um integrante importante. Até conseguirem um substituto esta operação permanecerá parada, causando atraso e prejuízo.

E por que o colaborador não chegou? Porque sofreu um acidente de moto no caminho para a empresa.

Não tem ficção nesta história. Esta é a realidade dos profissionais que trabalham com segurança e saúde no trabalho em todo Brasil. Dependendo da região, calcula-se que de 25% a até 80% do efetivo de mão de obra se deslocam em motos e bicicletas. Uma preocupação para técnicos e engenheiros de segurança.

Todo cuidado com a segurança no ambiente de trabalho pode ser jogado fora quando o colaborador passa do portão pra fora. Um dado coletado por uma das empresas pesquisadas mostrou que o número de usuários de motos e bicicletas era de 25% do total de funcionários motorizados, mas eles respondiam por 78% dos afastamentos de trabalho por acidente de percurso.

Ainda analisando as estatísticas, um estudo denominado Boletim Epidemiológico, do Ministério da Saúde, de 2021, apresentou os seguintes resultados. O perfil das vítimas de motociclistas em lesões no trânsito é predominantemente do sexo masculino (88,1%), adultos jovens com idade entre 20 e 29 anos (30,8%), de escolaridade com 8 a 11 anos de estudo (39,6%) e solteiro (57,3%).

aula_26.jpg

Os cursos podem ser realizados na sede da Abtrans ou na própria empresa.

O início

Se ampliarmos os dados de internações por acidente de moto em todo o Brasil os números são alarmantes: em 2020, das mais de 190.000 internações no Sistema Único de Saúde, por lesões de trânsito, 61,6% eram motociclistas.  O custo destas internações passou de R$ 280 milhões para o SUS.

Mas qual a origem de tanto acidente com motociclistas?

O primeiro dedo deve ser apontado para o Denatran – Departamento Nacional de Trânsito – órgão federal, responsável pela regulamentação, supervisão e educação do trânsito. Desde os anos 1960 o sistema de habilitação de motociclistas é o mesmo: resume-se a um adestramento para executar algumas manobras em baixa velocidade, primeira marcha, sem uso do freio, em local isolado do trânsito. Depois de aprovado nesse adestramento o candidato recebe uma carteira de habilitação categoria A que permite conduzir qualquer tipo de motocicleta em qualquer via pública. Nem precisa ser especialista para perceber que isso não funciona.

Diariamente a ABTRANS, empresa especializada em segurança de motociclistas e ciclistas, recebe mensagens de pessoas que foram aprovadas em exame de habilitação, mas não se sentem à vontade para pilotar nas ruas e estradas. O que é absolutamente normal. Estranho seria se fosse o contrário: sair dessa “escola” preparados para enfrentar uma estrada ou a via Marginal Tietê, em São Paulo, SP.

Quando o recém habilitado tem esse nível de consciência ainda pode procurar cursos como a ATRANS – Academia Brasileira de Trânsito – criada em 2016, voltada para a educação e treinamento de motociclistas e ciclistas. Mas nem todo mundo tem essa visão. Tentam aprender na prática e o resultado pode ser – literalmente – desastroso.

É quando o mundo corporativo entra em cena. Não tem como evitar que um colaborador se desloque em motos ou bicicletas. Não se trata apenas de uma paixão, ou gosto pelos veículos de duas rodas, mas uma necessidade. Mesmo que a empresa ofereça transporte privado, como os ônibus fretados, para muitas pessoas a moto representa a chance de levar o filho para escola, a esposa para o trabalho, dormir uma hora a mais, ou até mesmo usar este tempo para estudar. Além de ser mais barato do que o custo do fretado.

perfil_Tite.jpg

Tite Simões, jornalista, instrutor e especialista em segurança de motociclista.

Outra solução seria simplesmente deixar de contratar funcionários que tenham habilitação categoria A (motociclista). Mas isto fere os estatutos do Ministério do Trabalho e pode acarretar em multa para a empresa contratante.

A verdadeira e efetiva solução para redução dos acidentes de percurso com motociclistas e ciclistas é a qualificação! Por meio de palestras, exibições técnicas e mesmo cursos práticos a empresa terá a oportunidade de oferecer aos seus colaboradores aquilo que o departamento de trânsito não foi capaz de fazer: ensinar de forma adequada. Não existe outra forma. E mais: tem de ser presencial.

Algumas empresas usam o método online para vários tipos de cursos, mas quando envolve segurança de trabalho e execução de manobras não tem como fazer online porque os instrutores precisam acompanhar os exercícios in loco. Da mesma forma que não se aprende atividades como mergulho, salto de paraquedas ou escalada alpina por meio online, não tem como ensinar pilotagem de moto por meio de uma tela.

Não se pode comparar com o treinamento de motorista, porque no caso de um carro, picape ou van, o erro no aprendizado acarreta um arranhão na lataria ou no para-choque. Já na moto o erro leva a um leito hospitalar. Também tem a questão da familiaridade. A maioria das pessoas tem intimidade com carros desde pequenos, enquanto a moto foi um veículo introduzido muitas vezes apenas na vida adulta.

seguranca_31.jpg

Empresas públicas, como o SAMU, também podem se beneficiar do treinamento especializado.

As ferramentas

Dentro do cardápio oferecido pela ABTRANS para o mercado corporativo destacam-se:

Organização de SIPAT – Na tentativa de criar impacto em seus colaboradores, algumas empresas exageram em campanhas que geram mais desconforto do que resultado. Um bom exemplo foi de uma empresa que montou em pontos estratégicos manequins ensanguentados em cima de motos destruídas. “Isto não traz resultado e ainda gera um tremendo mal estar com quem passou por este trauma”, explica Ronaldo Guimarães, sócio da ABTRANS e especialista em equipamentos de proteção. Ele complementa “se esta imagem desse resultado não existiria fumantes no Brasil, porque em cada maço de cigarro tem uma imagem impactante”.

Para isso a ABTRANS orienta, cria e desenvolve campanhas específicas para motociclistas e ciclistas, voltadas para as semanas de prevenção de acidentes de trânsito, com uma linguagem direta, sem traumas.

Palestras educativas – Nem sempre é possível realizar cursos práticos, então um recurso largamente utilizado é a palestra. Porém estudos cognitivos demonstram que a aderência em palestras é muito baixa, raramente passando de 25% de retenção das informações. Por isso a ABTRANS desenvolveu uma nova modalidade que inclui demonstrações.

Palestras demonstrativas – Neste caso, após a palestra, o instrutor convida o público para um espaço aberto e realiza alguns exercícios com a moto. Nesta modalidade a retenção mais do que dobra, porque a informação visual, presencial, reforça tudo que foi explanado na prática. São realizados exercícios de frenagem, desvio, postura, foco etc.

Curso prático – Esta sim a melhor receita para redução e até eliminação dos acidentes de percurso. Sem uma formação adequada, motociclistas e ciclistas desenvolvem vícios difíceis de eliminar. Para piorar muitos influencers postam dicas de pilotagem completamente equivocadas. O curso tem uma capacidade de retenção de 95 a 100% e corrige vários preconceitos ligados à moto e bicicleta. Para a realização do curso é preciso uma área asfaltada (ou cimento) de cerca de 2.000 m2, isolada de veículos. No curso são ministradas técnicas de frenagem de emergência, desvio (contra-esterço), curvas, pilotagem com garupa, postura, manutenção preventiva (com check-list das motos) e muito mais.

direcaoprevent_22.jpg

Os treinamentos simulam as situações reais do dia a dia do motociclista.

Consultoria

A ABTRANS pode ainda elaborar um plano de consultoria que vai além dos cursos. Neste plano criam-se estratégias para o incentivo do uso de equipamentos de segurança, a importância da manutenção preventiva e até comunicados via redes internas ou mídias sociais. O objetivo é manter o foco na prevenção de acidentes, inclusive nos fins de semana, quando entra em cena um componente altamente perigoso que é a ingestão de álcool e drogas.

Para sensibilizar, os especialistas da ABTRANS realizam uma vivência com óculos de simulação de embriaguez. Com estes óculos tem-se a visão de uma pessoa que ingeriu bebida alcoólica.

“Nossa meta é zerar os acidentes de percurso com motos e bicicletas, por meio de uma conscientização dos riscos, pelo amor à vida e à família, o respeito à empresa e implantar uma filosofia de segurança que se estenda por todas as atividades”, conclui Geraldo Tite Simões, responsável didático pelos cursos da ABTRANS.

Para entrar em contato: cursoabtrans@gmail.com ou pelo WhatsApp 11 9 9458-7351

  

  

publicado por motite às 23:24
link | comentar | ver comentários (1) | favorito
Terça-feira, 9 de Maio de 2023

Rita Lee e eu!

ritalee_show.jpg

Rita: Deusa, rainha, musa, diva, sexy, nada serve para descrever o quanto eu a admirava

Como eu transformei um limão em caipirinha

Dia desses lembrei de um dos (muitos) episódios desastrosos na minha vida de fotógrafo. Eu fazia qualquer tipo de foto por qualquer tipo de pagamento. Um dos primeiros jornais formato tablóide, o Shopping News, me contratava para fotografar shows, espetáculos de dança, teatro, etc em troca de uma graninha tosca, mas eu podia entrar sem pagar, conviver com os artistas e ainda ficava no gargarejo vendo tudo de perto.

Assim aprendi a controlar a luz da máquina para se adequar à iluminação do palco, fui ficando bão e pegando mais serviços. Até acontecer o desastre.

Naquela época (começo dos anos 80) eu comprava filmes em rolos grandes e rebobinava nas bobinas pequenas de filmes 35mm (achei um esses dias). Isso economizava muito na compra de filmes. Mas – tem sempre um mas –, era preciso muita atenção – o que não combina com pessoas com TDAH –, porque as bobinas eram reaproveitadas de qualquer tipo de filme. Então podia ser uma bobina de filme colorido, mas a película dentro era P&B e vice-versa. Pra não dar treta eu colava uma etiqueta em cima com a especificação correta do filme que tinha dentro. É como empacotar tênis em caixas de sapatos finos.

filme rebobinado.jpg

Este é um filme rebobinado: o conteúdo não é o mesmo do rótulo.

Eu estava escalado para fotografar um show da Rita Lee no Ibirapuera, que seria apenas uma noite.  Nunca fui muito de idolatrar, mas a Rita Lee foi uma exceção, porque além de linda, era engraçada, sexy, cantava muito e as letras diziam o que minha geração precisava ouvir. Ir no show dela, entrar no backstage e ainda fotografar, era um prêmio de loteria. A foto poderia ser capa do jornal, por isso preparei filmes Ektachrome (slide) e P&B. No meio da preparação aconteceu alguma coisa que me distraiu – qualquer coisa me distrai – e esqueci de colar uma etiqueta no filme cromo colorido.

Fui pro show,  controlei minha tietagem, cheguei perto dela, fiz as fotos (maravilhosas), voltei pro laboratório para revelar os filmes e joguei o filme Ektacrhome no tanque de revelação de filme colorido positivo (C-41). Terminado o processo fui olhar o resultado e... enfartei! Tinha acabado de destruir um trabalho que tinha tudo para ser capa de jornal.

Bateu aquele desespero, dor de barriga, vontade de pegar um avião pro Katmandu, morrer, qualquer coisa para não ter de ligar pro editor e explicar que não tinha foto!

Rebobinador-film.jpg

Isto é um reboninador, de onde saem os filmes rebobinados.

Mas nessa época eu era um ótimo enrolador. Lembrei de um livro de fotografia que ensinava alguns truques de efeitos especiais na época pré-Photoshop. Um deles era revelar filme cromo no processo C-41 que resultava em um efeito craquelê, como se fosse um quebra-cabeça de mil peças.

Liguei pro editor e mandei o 171:

– Cara, eu dei um efeito especial nas fotos que vc vai pirar, parece uma porcelana craquelê, estou indo te mostrar!

Cheguei tremendo na redação, mostrei as fotos pro editor que olhou, olhou várias vezes, chamou o diretor de arte, mostrou pra ele, os dois olharam pra mim (que estava pronto pra fugir) e falaram:

– Du caralho! Mas cadê as fotos normais?

Expliquei, (sempre de olho na saída de emergência), que só tinha preto&branco e essas com efeito especial.

craquele.jpg

Este é um efeito craquelê! 

Resultado: a foto craquelada foi pra capa, salvei minha pele e ainda fotografei por muitos anos. Até acontecer o acidente com o estilete que encerrou minha carreira de fotógrafo, mas eu conto depois!

*PS - as fotos do show eu perdi numa das várias mudanças de endereço na minha vida.

 

ritalle.jpg

Descanse em Paz, Rainha!

publicado por motite às 16:19
link | comentar | ver comentários (2) | favorito (1)
Segunda-feira, 30 de Janeiro de 2023

Curso Abtrans de pilotagem de motos e scooters

daniferst.jpg

Venha aprender a pilotar motos e scooters com os maiores especialistas de São Paulo

Comprou a moto e não se sente seguro para pilotar? Quer tirar habilitação de moto, mas antes aprender a pilotar para chegar na moto-escola mais bem preparado? Comprou um scooter mas não está confiante para pilotar? 
Para tudo isso nós temos a solução: ABTRANS - Academia Brasileira de Trânsito - com sede em São Paulo, zona norte - tem instrutores especializados em iniciantes. As aulas são sempre aos sábados, das 8:00 às 13:00 horas, nos pisos G3 e G4 do estacionamento do Shopping D, zona norte.

frenagem_cbr650.jpeg

CHAMANOZAP.png

Não importa o tamanho nem a potência de sua moto, qualquer categoria ou cilindrada pode fazer o curso, mesmo para quem já teve moto no passado e hoje quer voltar a pilotar na cidade ou na estrada. 

E nem precisa ser habilitado, mas atenção: não somos moto-escola! Para tirar habilitação é necessário procurar uma moto-escola e fazer as aulas normalmente. Nós damos toda atenção para quem ainda vai se habilitar, simulando as situações do exame do Detran. Não precisa ser habilitado.

Para facilitar ainda mais a sua vida, dispomos de todo material necessário: capacete, jaqueta, luvas, além, claro, das motos e scooters de 110 a 250cc.

Os cursos são divididos em dois módulos. O aluno deve escolher qual participar. 

Nível INICIANTE (cinco horas). Para quem não tem NENHUMA experiência com pilotagem de moto. Mesmo que aprovado no exame de habilitação, mas nunca pilotou moto na rua nem engatou a segunda marcha. Este módulo começa testando o equilíbrio na bicicleta!

frenagem_CG.jpeg

CHAMANOZAP.png

Neste módulo as aulas teóricas e práticas apresentam o seguinte conteúdo:

- Conhecimento da moto: controle do peso, a dinâmica, manobra desligada.

- Controle dos principais comandos: manetes, manoplas, pedais.

- Postura, posição das mãos, pés, braços e pernas. Atenção aos vícios posturais.

- Colocando a moto em movimento: saída em primeira marcha, parada e saída. Engatar segunda marcha.

- Controle em baixa velocidade.

- Slalom em segunda marcha.

- Frenagem programada.

- Armadilhas urbanas

- Pontos cegos

- Cruzamentos

- Equipamentos de segurança

20180915_132113(0).jpg

CHAMANOZAP.png

Nível INTERMEDIÁRIO (mesma carga horária de cinco horas e no mesmo dia do Iniciante). Para quem já teve moto ou pilotou moto na rua, engatou todas as marchas.

Neste programa serão ministradas aulas teóricas e práticas com os seguintes temas:

- Postura

- Frenagem programada

- Frenagem de emergência

- Curvas

- Desvio de obstáculo (contra-esterço)

- Focalização

- Armadilhas urbanas

- Importância e uso correto dos equipamento

- Pilotagem com garupa

- Pilotagem na chuva

E muito mais.

asmina.jpg

Os valores individuais para cada módulo são: R$ 380,00 (com a moto do aluno) ou R$ 510,00 com a nossa moto (combustível incluso).

Forma de pagamento: Matrícula (R$ 120) por depósito bancário ou Pix (dados na ficha de inscrição). O restante à vista pelo Pix.

Para garantir a vaga é necessário fazer a matrícula a quinta-feira anterior ao curso. Este valor é para UM MÓDULO de curso, com cinco horas de duração. Caso o aluno precisar ou quiser fazer um segundo dia de aula os valores são combinados individualmente.

Para fazer a inscrição basta enviar um email para cursoabtrans@gmail.com solicitando a ficha de inscrição. É obrigatório o uso de equipamento básico: capacete, luvas e jaqueta. Na falta de algum item avisar com antecedência. Nós fornecemos o equipamento necessário SEM CUSTO ADICIONAL.

CHAMANOZAP.png

PERGUNTAS MAIS FREQUENTES
Este valor é para uma hora de aula?
Não, o valor corresponde e um módulo de cinco horas. Não pode fracionar, o período mínimo de aula é de 5 horas.
E se precisar fazer mais aulas?
Pode fazer mais aulas, mas sempre o mínimo de cinco horas por dia
Posso fazer os níveis iniciante e intermediário no mesmo dia?
Não, cada nível é feito em datas diferentes
Tem este curso em outras cidades(bairros)?
Não, o curso ABTRANS é realizado exclusivamente no Shopping D, zona norte. Não conhecemos nenhum curso de pilotagem que forneça as motos e todo equipamento em outras cidades/bairros de São Paulo
Tem em outros dias de semana?
Não, exclusivamente aos sábados
Aceita cartão, pode parcelar?
Não trabalhamos com cartão de crédito/débito, mas pode usar o Pix parcelado, consulte seu banco.
Precisa ter motos e equipamentos?
Nós fornecemos as motos, scooters e todo equipamento necessário.
Precisa ser habilitado?
Não, o curso é aberto também para quem não tem CNH
Pode fazer com menos de 18 anos?
Não, só maiores de 18 anos.
Como faço para me inscrever?
Basta enviar um email para cursoabtrans@gmail.com
Se chover o curso é adiado ou cancelado?
Não. Como toda atividade a céu aberto estamos sujeitos ao humor do clima. Mas é muito mais seguro aprender a pilotar no molhado com ajuda de um instrutor do que sozinho no meio do trânsito

IMG_7542.JPG

ABTRANS

Tel/whats (11) 9 9458-7351 

­cursoabtrans@gmail.com

publicado por motite às 23:26
link | comentar | favorito
Sexta-feira, 6 de Janeiro de 2023

Yamaha DT 180 a água? Isso existiu?

DTagua_5.jpg  

Na moto versão "de rua" não se vê o radiador. (Fotos: Mário Bock)

Sim, conheça a rara Yamaha DT 180 com arrefecimento líquido.

Mais uma do fundo do baú. Durante a arrumação dos meus armários achei a revista Duas Rodas de 1984 que inaugurou minha colaboração como jornalista especializado. Foi a minha primeira participação como colaborador, por isso guardei um exemplar. Mas mais do que isso, levei um susto quando li na capa: “teste completo Yamaha DT 180 refrigerada a água”

Já não lembrava mais que isso existiu. Pra dizer a verdade, acho que ninguém nem sabia disso. Mas existiu sim. Uma empresa de São Paulo produzia kits de arrefecimento líquido para a DT 180. Acho que não fez muito sucesso, não sei, porque o teste não foi muito convincente. E logo depois a Yamaha lançaria a DT 200 com arrefecimento líquido.

A propósito cabe uma reparação história: o termo “refrigerada” a água é um erro grave. Conceitualmente, considera-se refrigerar a condição na qual a temperatura da água (ou ar) fica mais baixa do que a temperatura ambiente. Por exemplo, o ar-condicionado refrigera um ambiente. No caso dos motores, o termo correto é ARREFECIMENTO, porque o objetivo é apenas reduzir a temperatura, mas não abaixo da do meio ambiente. Se estiver fazendo 15ºC seria impossível manter um motor a 14ºC. Também não se usa “água”, mas LÍQUIDO, porque aquilo que vai dentro do radiador é uma solução de água + etileno glicol. Mas eu mantive o texto original da época.

Outra curiosidade: a moto com kit de arrefecimento líquido apresentou um rendimento menor do que a moto original. Mas as medições foram feitas separadamente. A original foi medida pelo Gabriel Marazzi, já a “líquida” foi medida pelo pai dele, o Expedito Marazzi, maior e mais pesado. Em uma moto com motor dois tempos a massa faz muita diferença.

Curta essa raridade e aguarde porque vem mais. O texto é de autoria de Gabriel Marazzi, com copydesk de Roberto Araújo. As fotos são do museólogo Mário Bock.

Yamaha DT 180S refrigerada a água

Recurso já disponível no Exterior até em modelos menores. A refrigeração a água – criada pela Draguem em forma de kit para Yamaha DT 180S e para MX 180 – apresenta pelo menos duas vantagens em relação ao sistema convencional: mantém a temperatura do motor no nível ideal e permite melhor preparação.

DTagua_abre.png

O desempenho não alterou nadica de nada.

À primeira vista parece uma Yamaha DT 180S igual às outras. Só que na parte superior do motor monocilíndrico de dois tempos não existem as aletas de refrigeração, e do lado esquerdo nota-se um radiador estreito e alto. Trata-se realmente de uma Yamaha DT 180S, só que com um kit para refrigeração líquida recurso ainda não disponível em qualquer motocicleta de linha produzida no Brasil.

Esse kit, feito pela empresa paulista Draguem, pode ser usado tanto na DT como na Yamaha MX 180 (só que para a MX o radiador é colocado na parte superior das bengalas, no local onde seria o farol). Conta com o cilindro do motor, o cabeçote de alumínio, radiador para a água, mangueiras, anéis, pinos, travas e braçadeiras. Todo o restante de peças é mantido original, inclusive pistão e biela.

A vantagem que esse sistema oferece em relação ao original aparece principalmente em locais de muita lama, onde o motor deve render o máximo e o barro que se junta no motor dificulta a passagem de ar pelas aletas, prejudicando o resfriamento e provocando uma diminuição de potência. Com o kit, além de não haver aletas que acumulam barro, não é o ar que refrigera diretamente o motor, e sim a água que circula por ele internamente. Nesse caso, a preocupação foi a de colocar o radiador a uma altura em que a lama não o atingisse, como na MX, o que para a DT implica na retirada do farol.

Em situações normais, a refrigeração à água não é tão necessária, e o sistema de refrigeração a ar original de fábrica mostra-se adequado para uso na cidade. No trail a utilização do kit para refrigeração líquida é mais vantajosa, porque permite que um motor de pequena capacidade cúbica tenha um melhor aproveitamento, em altas rotações, sem superaquecimento, e é inclusive uma solução que a própria Yamaha Japão utilizou para a sua DT 125 LC.

Motor

Uma característica do conjunto Draguem é a não utilização de bomba para impulsionar a circulação da água, como ocorre na maioria dos motores refrigerados à água de automóveis e de algumas motocicletas. Para refrigerar o motor de dois tempos e 176cc da DT, a água é impulsionada por um fenômeno físico conhecido por "termo-sifão'" e que se torna bem simples de ser aplicado em motores onde o radiador pode se situar a uma maior altura que o motor, como nas motocicletas.

O funcionamento do sistema se baseia no fato de que a água mais quente tem menor densidade que a mesma água mais fria, isto é, o mesmo volume de água quente tem menor peso que a fria. Assim, em um circuito onde há água em parte quente e em parte fria, a água fria, sendo mais pesada, tende a ocupar a parte mais baixa da canalização, enquanto a água quente ocupa a parte mais alta. Isso faz com que a água passe pelo radiador. E essa água, que se aqueceu ao refrigerar o cilindro do motor, esfria ao passar pelos tubos capilares do radiador. Desse modo, completa-se o sistema, havendo a circulação e assegurando a refrigeração do motor.

Ao preparar o kit Draguem, os construtores fizeram alterações nas janelas de admissão e expulsão dos gases que ficou com novos ângulos, o que deixou a moto em boas condições para receber um trabalho de motor (envenenamento), que pode ser feito pelo comprador.

Duas motos com kit Draguem foram cedidas a Duas Rodas. Em uma foi montado o kit na DT 180 Super, movida a gasolina, e sem nenhuma outra modificação em relação às outras DT, sendo que com ela foram feitas as medições para se ter uma idéia do comportamento em relação às outras Yamaha DT 180. A segunda, preparada exclusivamente para o fora-de-estrada, tinha o álcool como combustível, pneus tipo cross, radiador no lugar do farol, "trabalho'" de motor e escape dimensionado, o que alterou bastante o seu comportamento no fora-de-estrada.

Na moto para uso misto, com radiador de água lateral, a mudança de ângulos das janelas a fez passar dos 16,6 HP a 7.000rpm de potência máxima para 18,2 HP a 7.200 rpm. A taxa de compressão, que na DT original é de 6,5:1, passou no kit Draguem a ser de 7,1:1 (na opção para o álcool, a taxa é de 12,0:1). Todas essas informações são dadas pelos fabricantes.

Só que o modelo testado não era uma motocicleta nova, muito menos o kit de cilindro. A moto apresentava, portanto, alguns desgastes que poderiam modificar alguns dos resultados do teste de desempenho. A começar pelos instrumentos, o velocímetro apresentou um erro bastante acentuado na aferição, por volta de 20%, enquanto na DT 180S testada por Duas Rodas na edição nº 91, o maior erro foi de 11,8%, a 40 km/h. Quando o velocímetro da DT a água marcava 120 km/h, a moto rodava a apenas 96,3 km/h. Mas isso mostra apenas como o uso constante pode alterar o funcionamento de componentes. Os números do teste se referem sempre à velocidade real.

DTagua_1.jpg

Pilotando

Ao se ligar o motor, o barulho é o mesmo da DT, uma vez que o escapamento é o original, e as mudanças feitas no motor não são suficientes para haver alguma modificação nesse sentido. Quanto ao desempenho, talvez por algum problema de regulagem, ou acerto da carburação, havia uma falha de funcionamento do motor, que acontecia quando a rotação chegava próximo aos 8.000 rpm, e isso provocou uma perda da velocidade final, assim como a velocidade máxima em cada marcha. Além disso, dessa vez as medições foram realizadas por Expedito Marazzi, 20 quilos mais pesado que Gabriel Marazzi, que realizou as medições da DT 180S na edição nº 91.

Assim, com a DT refrigerada a água, a velocidade máxima foi de 109 km/h na melhor passagem, enquanto na DT original ela foi de 112 km/h, o que permite concluir que com uma melhor regulagem, e o mesmo piloto, a DT refrigerada a água teria uma melhor velocidade final. Por razões semelhantes, a aceleração piorou. A DT original fez de 0 a 100 km/h em 18,12 segundos, enquanto a DT refrigerada a água demorou 22,0 segundos. Já na retomada de velocidade, em algumas faixas, como de 40 a 80 km/h, houve empate em 13,9 segundos.

Usada no fora-de-estrada (teste realizado por Patrick Kiehlmann), a DT equipada com radiador a água sobre o pára-lama dianteiro, pneu tipo cross, e motor movido a álcool mostrou um comportamento muito mais agressivo do que a outra, equipada apenas com refrigeração líquida o que mostra as possibilidades de preparação da motocicleta equipada com refrigeração líquida. Isso mostra também que, colocado lateralmente, o radiador de água não evita o barro, que pode se acumular nele, como aconteceria com as aletas do motor original, além do que fica sujeito a quebra em tombos, ou ao ser atingido por galhos, no trail.

Mercado

Como está se tornando cada vez mais comum, quando as fábricas não sofisticam suas motos com equipamentos que existem nos modelos correspondentes no Exterior, os fabricantes de acessórios se encarregam de fazê-lo. E foi isso o que aconteceu com o kit Draguem para refrigeração a água. E essa empresa não está sozinha disputando essa fatia, já que outros grupos trabalham em projetos semeIhantes, inclusive trocando o sistema de termo-sifão pela bomba d'água. Esse mercado complementar parece, portanto, bastante promissor.

A proposta de comercialização da Draguem não é vender a moto completa, mas apenas o kit, por Cr$ 280.000,00 (preço de março – P.S pode considerar R$ 2.500 na moeda atual). A instalação pode ser feita por mecânicos ou pelo próprio comprador, desde que entenda um pouco de mecânica, com base em um folheto explicativo que acompanha o kit. A produção inicial ainda é pequena100 unidades por mês, mas segundo a empresa deverá crescer em breve.

DTagua_2.jpg 

Na versão cross o radiador fica na frente, no lugar do farol, solução boa, mas feia que dói.

O kit pode ser para motores a gasolina ou a álcool. A taxa de compressão vai variar de acordo com o combustível usado. A escolha do radiador lateral ou frontal deve ser de acordo com o uso: quem pretende principalmente viajar ou andar em cidades, opta pelo radiador lateral, podendo manter o farol principal da moto; quem deseja usar a moto exclusivamente no fora-de-estrada deve escolher o frontal. Quanto à preparação (envenenamento) do motor, esse é um trabalho que fica a critério de cada comprador.

De forma geral, essa opção oferecida pela Draguem atende em parte ao interesse dos motociclistas brasileiros em ter em suas motos soluções técnicas equivalentes às existentes no Exterior, Como a refrigeração líquida. Tecnicamente, este tipo de refrigeração seria restrito a uma utilização muito severa e constante no fora-de-estrada ou em motos muito preparadas. Mas pode atender também ao público que quer apenas "passear'" com uma moto diferente.

DTagua_4.png 

O kit era oferecido para montar em casa.

“Necessário não é. Mas pelo preço...”

Um motor sem aletas não e o que a gente está acostumado a ver pelas ruas brasileiras. Também o radiador é algo visto normalmente só em motos de competição ou de grande cilindrada. Inevitavelmente isso chama a atenção numa Yamaha DT 180S, e quase todos os motociclistas gostam de chamar a atenção. Além disso, tenho dúvidas sobre a real necessidade de se colocar um kit desse na DT 180, a não ser que o motociclista viaje muito frequentemente em alta velocidade ou use a moto num trail ou enduro muito puxado. Existe, porém, uma outra maneira de ver a situação: se levarmos em conta o preço de uma moto nova e o quanto os motociclistas gastam em acessórios, ele não chega a ser caro. Acho que eu colocaria um deles em minha moto.

Carlos Eduardo Guida

DTagua_capa.jpg 

A capa da revista Duas Rodas de 1984.

"O importante é que dá preparação"

Não é muito fácil sentir a diferença entre uma Yamaha DT 180S original e uma equipada com a refrige ração liquida. Ela existe, mas para ser sentida é preciso forçar o motor, exigir muito, usar a motocicleta onde uma DT original ficaria superaquecida, perdendo rendimento. E isso pode acontecer após, digamos, horas forçando a moto. Com a moto vermelha, toda preparada para o fora-de-estrada, a álcool, pneus cross, pude me "divertir" um pouco mais. Já com a preta, que era original e com o radiador colocado lateralmente, fiquei preocupado em cair ou que algum galho acertasse o radiador, danificando-o. O principal, na minha opinião, é que um motor pequeno como O da DT, tendo refrigeração líquida, possa ser muito melhor prepara do para render mais. Essa preparação é necessária para se vencer certos obstáculos só transponíveis com motos maiores. E uma solução, aliás, adotada internacionalmente. Não cheguei a fazer um teste de longa duração, mas acho que a refrigeração líquida permite ao motor trabalhar com temperatura mais uniforme e isso prolonga a vida do pistão e dos anéis, diminuindo a manutenção.

Patrick Kiehlmann

 

publicado por motite às 22:10
link | comentar | favorito
Quinta-feira, 5 de Janeiro de 2023

O que é aventura pra você?

Avent_1.jpg  

A foto de página dupla da abertura mostra a imensidão do deserto diante de dois ingleses corajosos.

Viajar de moto hoje em dia é tão aventureiro quanto 40 anos atrás?

Recentemente recebi uma mensagem pelo Whatsapp sobre uma palestra de um motociclista para ensinar a viajar de moto. Oi? Pensei, as pessoas hoje em dia precisam “aprender” a viajar de moto? Com toda tecnologia ao alcance de um smart phone, mapas, GPS, endereço de hotel, restaurante, borracheiro, oficina, farmácia a pessoa ainda precisa de alguém para dar dicas de como viajar? Hoje? Século 21! estradas perfeitas, guincho à disposição, comida da melhor qualidade pelo caminho. Ah não, né? Pega a moto e vai!

Quando foi a última vez que alguém deu dicas de “como viajar de carro”? A pessoa faz 18 anos, tira habilitação, pega o carro, abastece, calibra os pneus e tchau! Por que pra viajar de moto precisa ter um “professor”? Menos, pessoal, menos. A humanidade evoluiu a ponto de hoje em dia ter tutorial até pra abrir tubo de pasta de dente!

 Na minha infância motociclística não existia revistas de moto no Brasil. Se eu quisesse ler alguma coisa sobre motos tinha de ir no Aeroporto de Congonhas e comprar revistas gringas, de preferência italianas ou francesas que eu conseguia ler alguma frase inteira. A parte que eu mais gostava era dos relatos de viagens. Tremendas aventuras pela África, Ásia, norte da Europa, sempre com roubadas cinematográficas, risco de todo tipo, conflitos armados, assaltos, doenças etc.

 Então, em 1975 surgiu a primeira revista brasileira de motos, a Duas Rodas e uma das editorias era “Aventura”, nome que se mantém até hoje. Nela eu li relatos de viagens – em português, viva! – que reforçaram minha vontade de ser um desses aventureiros.

 Quis o destino que um dia eu estaria sentado na redação da revista Duas Rodas, recebendo e escrevendo os relatos de viagens desses aventureiros. Algumas memoráveis, como a de um senhor que, em 1966, saiu de São Paulo e foi até a Bolívia, numa Jawa 175cc dois tempos, só porque não acreditou quando a professora disse que a água do lago Titicaca era salgada! Nunca mais esqueci desse homem, porque ele, já idoso, foi pessoalmente na redação me contar essa história, ilustrada por fotos coloridas feitas em Ecktachrome (slide).

Avent_2 (1).jpg

A segunda página da dupla de abertura.

Estes dias, pensando nisso, achei uma das primeiras Duas Rodas, mais precisamente número 18, de outubro de 1976, com uma aventura marcante: dois ingleses foram da cidade do Cabo, África do Sul, até a Inglaterra, passando pela África e Índia, em um roteiro de sete meses. Sem GPS, acampando no meio do nada, passando por conflitos armados, enfrentando um inferno de burocracia em cada fronteira, doenças e mal chegaram já embarcaram em outra aventura. Não precisaram de tutorial, nem de “aulas” de como viajar de moto. Montaram nas motos e foram. Trocaram pneus, abriram motor, rebocaram a moto, mas não desistiram.

O jornalismo naquela época era diferente. As pessoas queriam mais ler e menos ver. Os textos eram enormes: 32.000 caracteres hoje em dia é livro! Mas a leitura é imparável. Quase nenhuma foto, porque naquela época dava-se a volta ao mundo e tudo era registrado em 40 ou 50 fotos. Hoje a pessoa vai até a padaria e faz 125 fotos. Depois desta, pretendo resgatar outras aventuras de verdade para fazer você levantar dessa cadeira, subir na moto e pegar a estrada. Boa leitura.

* Importante: o texto foi mantido integralmente, apenas algumas correções de ortografia. Os valores estão em Cruzeiros, para converter para Real multilique por 25,3%.

aventmapa.jpg

 O mundo é pequeno para quem sonha grande.

De moto através da Índia, Paquistão, Afeganistão, Turquia, até a Europa

A incrível viagem de Rodney Fors e John Carter, com uma Honda 350 e Triumph 650, através de desertos, guerrilheiros, calor...

Rodney For e John conheceram-se na Cidade do Cabo – África do Sul – numa companhia de construções, onde trabalhavam como engenheiros. Nenhum dos dois tinha moto. Mas Rod vivia falando de uma viagem que queria fazer até a Inglaterra, quando seu contrato terminasse. John já fizera uma viagem semelhante – da Inglaterra à Cidade do Cabo – num jipe Land Rover, e não queria voltar pelo mesmo caminho. Depois de muita conversa, ficou decidido que comprariam as motos. Rod comprou uma Honda CB350,1971, usada, e John uma Triumph 650, também 71 e usada.

Em seguida, decidiram o roteiro. Sairiam da Cidade do Cabo e iriam até a Inglaterra através da Índia, Paquistão, Afeganistão, Turquia e finalmente a Europa, antes que o inverno começasse. A viagem durou sete meses até a casa de John, em Coventry, uma cidadezinha da Inglaterra. A quilometragem total não é exata: "talvez uns 30.000 km" diz Rod, sem se preocupar muito com este detalhe uma vez que, depois da Inglaterra e de um telefonema internacional para o Canadá, onde moram os pais de Rod, os dois combinaram vir do Canadá para a América do Sul, com duas Norton 850, novinhas.

Rod e John chegaram a São Paulo, no começo de junho, depois de seis meses de viagem, onde estão descansando e trabalhando, para logo em seguida, eles sabem quando, saírem para um novo roteiro "talvez até Manaus". O relato da viagem pela Índia, Paquistão e Afeganistão até a Inglaterra é feito por Rod. Começou num domingo, 14 de março de 1973:

Tínhamos duas mochilas e duas caixas de metal na traseira das motos; numa levávamos peças e ferramentas e na outra comida. Saímos da Cidade do Cabo em direção a Johannesburg. Precisávamos ir primeiro para Botswana pois os documentos das motos, tirados na África do Sul, não serviam para os países da África do Oeste. A viagem durou uma semana em estrada pavimentada, sem nenhum problema mecânico ou de abastecimento. As estradas, de cascalho e areia, que atravessam Botswana, (cerca de 400/km) eram muito difíceis para andar com as motos. Assim que nos acostumamos com a pavimentação, depois de um tombo cada um podíamos andar a 80 km/h. Atravessamos vilarejos e duas pequenas cidades. Os nativos tratavam-nos entre curiosos e amigáveis e estavam sempre prontos para dar qualquer tipo de ajuda.

De Botswana à Rodésia levamos apenas meio dia. O primeiro vilarejo chamava-se Bullawan e possuía estradas muito largas, devido ao grande número de carros de bois cada uma tinha parelhas de até 8 bois que precisavam de espaço para fazer retornos ou virar para alguma estrada. A pé demorávamos quase cinco minutos para atravessá-las. Ficamos dois dias e seguimos para Salisbury, a capital, uma boa cidade com grandes árvores jacarandás – dentro da cidade. Passamos uma semana acampando e admirando grandes montanhas de pedras. Era interessante admirar pedras enormes "balançando-se" sobre outras. De Salisbury precisávamos ir até Malawi, mas para isso tínhamos de atravessar o norte de Moçambique que, nesta época, estava tentando sua emancipação de Portugal.

Para atravessarmos 200 km, levamos cinco dias. Um dia da fronteira até Tete – a cidade mais velha da África – considerada a capital do Norte de Moçambique - onde existe uma hidroelétrica imensa. Fomos escoltados pelo exército até Tete, onde esperamos dois dias por um outro comboio que nos escoltaria até a fronteira do Malawi. Esses comboios eram necessários devido ao grande número de guerrilheiros que controlavam determinadas regiões, fora das cidades que eram controladas pelos portugueses.

Na viagem até a fronteira do Malawi, a estrada era muito ruim, pois era impossível o governo mantê-las em bom estado devido aos constantes ataques dos guerrilheiros da Frelino que, durante a noite, minavam toda a estrada. Assim, pessoas iam na frente, a pé, com detectores, durante os 80 km que faltavam. Tínhamos de andar entre 6/8 km/h, o que nos deixava um pouco preocupados com o motor, pois o calor era muito forte.

Depois de meio dia de viagem, o carro militar, que ia a uns 100 metros à frente, passou sobre uma mina e explodiu. Tivemos muito medo, mas não saímos dos nossos lugares pois se afastássemos um centímetro da trilha feita pelos carros, que já havia sido detectada, talvez pisássemos noutra mina. Depois do estouro, que destruiu totalmente o veículo, tivemos de dormir na estrada pois, para desimpedi-la, demoraram mais de três horas. Às cinco horas da manhã, o comboio a avançar e viajamos até as sete horas da noite para chegarmos na fronteira de Malawi Cinco quilômetros antes começou a chover e logo tínhamos quase 30 centímetros de lama para vencer e 30 colinas, atrás de uma fileira de caminhões, com constantes falhas na minha Honda que tinha as velas molhadas com a chuva.

Depois de atravessar o território entre Moçambique e Malawi, tivemos que trocar as placas e os documentos das motos pois, acima de Malawi, ninguém mais iria aceitar os documentos da África do Sul. Com tudo trocado, preparávamo-nos para ir até a próxima cidade quando o fiscal da imigração nos chamou a um canto: Seus cabelos estão muito compridos.

Tivemos que cortá-los porque é contra a lei em Malawi, país governado por puritanos, onde as mulheres não podem usar calças compridas e vestidos curtos. Segundo eles, isto ajuda a manter a país tranquilo e longe dos hippies que pretendem se dirigir para lá. Com a luz da moto, pois não havia luz elétrica, e uma pequena tesoura, cortamos nossos cabelos.

Depois de cinco quilômetros, numa estrada totalmente escura, avistamos uma placa. Bar, e bem ao longe um pequeno ponto de luz. Dirigimo-nos para lá e encontramos uma casa de família com uma boa sala de estar, excelente cerveja, e onde os viajantes podiam ficar à vontade. Depois das cervejas armamos nossa barraca ao lado da casa e dormimos até às 10 horas da manhã seguinte, quando saímos rumo a Blantyre, que não é capital, mas é a maior cidade de Malawi, e onde estão localizadas muitas fábricas de tecidos. Em Blantyre aproveitamos para fazer turismo em volta da cidade, cercada de plantações de cânhamo. Ficamos hospedados em casas e apartamentos, construídos pelo governo em vários pontos do país para turistas, pagando em média 10 cruzeiros (duas pessoas) por pernoite.

De Blantyre fomos para Zamba, capital do Malawi, no centro do país, uma pequena cidade onde fica a residência do presidente e dos ministros. Perto de Zomba atravessamos um planalto 1.000 metros acima da capital, durante a noite, onde vimos muitos leopardos atravessando as tortuosas estradas 3 ou 4 metros distantes de nós. Em Zomba, John teve um pequeno problema. Quando passeava pelo mercado municipal foi parado por um policial que, discretamente chamou-o de lado e o levou para a prefeitura. O oficial pediu para que ele cortasse os cabelos, mas John não entendeu por que teria que fazê-lo novamente. "Aqui - disse o oficial - é necessário o corte; senão deixe o país imediatamente". John dirigiu-se ao barbeiro- que existem em grandes quantidades, lado a lado, no mercado e cortou-os tão rentes que mal dava para perceber que ele os tinha na cabeça.

Depois de Zomba fomos para Lake Malawi, 300 Km adiante, um lago imenso e uma pequena vila. Até agora, as motos tinham se comportado muito bem. Encontramos alguns americanos que viajavam de carona e tinham feito amizade com nativos. À noite, nos divertíamos alimentando hipopótamos, que saíam do lago e chegavam até ao lado do hotel onde estávamos acampados. Durante o dia, íamos ver uma infinidade de peixes tropicais no lago e que podiam ser vistos da superfície com diferentes tamanhos e cores. Passamos uma semana na tranquila no lago e seguimos para Zâmbia, numa viagem sem problemas, em estradas pavimentada até a capital, Usaka, onde no acampa.
mento encontramos um jipe Land-Rover com seis pessoas que estavam vindo da Africa do Sul e se dirigiam à Inglaterra. Ficaram muito assustados quando dissemos que também íamos para lá, de motocicleta. Dizíamos que não tínhamos medo, mas não dissemos que percebemos que eles estavam ficando irritados, entre eles, e que estavam mais assustados que nós com seis pessoas apertadas dentro de um jeep.

Em Usaka, tive o primeiro problema com minha moto: a articulação da balança traseira se gastara e fazia a moto balançar muito. Tive sorte em encontrar a peça, pois em Usaka não existiam peças para motos acima de 350 cc. Depois da troca, nos preparamos para enfrentar 1.000 Km, sem postos de gasolina, até a fronteira da Tanzânia. Procuramos latas de óleo com capacidade para cinco litros em firmas de petróleo e conseguimos oito latas. Nosso problema agora era trocar os passaportes pois o que tínhamos era da Africa do Sul e este também não servia nos países da África do Leste. Troquei meu passaporte no Consulado do Canadá, pois John já havia trocado o seu em Botswana. Saindo de Usaka, fomos até o último posto da estrada, a 100 Km, e enchemos as latas.

Na primeira noite, descobrimos que duas latas estavam vazando: perdemos 10 litros de gasolina. No dia seguinte chegamos a outro posto e enchemos os tanques. No terceiro dia foi a vez dos abutres. Estávamos com fome e resolvi come-los. Acelerei a moto a uns 80 Km/h e saí em perseguição do bando. Consegui matar um com uma capacetada mas, infelizmente não consegui comê-lo pois a chuva que começou a cair não deixava acender o fogo, John ria o tempo todo.

No quarto dia atravessamos a fronteira com a Tanzânia, sem problemas, com a gasolina quase no fim e sem perspectiva de encontrar um posto por perto. Depois de trinta quilômetros acaba a gasolina de John e eu segui mais uns vinte km para achar gasolina. O problema no vilarejo onde encontrei gasolina foi como pagá-la, uma vez que ninguém conhecia o dinheiro chamado dólar. Depois de muita conversa consegui trocá-lo numa das lojas da vila. John, que esperava perto de uma ferrovia que estava sendo construída por chineses, foi confundido por eles como espião. Através de um nativo, ele conseguiu se explicar e os chineses levaram-no até um posto oficial onde lhe arranjaram um pouco de gasolina. O problema agora era que os chineses não tinham lata apenas uma bateia rasa que, quando cheia precisava de muito malabarismo para despejar a gasolina no tanque. Mas, assim mesmo, quase toda a gasolina era derramada sobre a moto e muito pouco ia para o tanque.

Continuamos até a capital da Tanzânia, Dar El Salam por uma estrada de terra conhecida como "Estrada do Inferno”, que ligava o porto até Usaka, sem nenhuma variante, onde durante 24 horas por dia o trânsito era de caminhões pesados. Os motoristas dos caminhões causavam muitos acidentes esta época pois segundo seus contratos com ss companhias, quanto mais trabalhavam mais ganhavam. A estrada era quase toda pavimentada e havia muitos problemas políticos entre a Rodésia e Zâmbia: a fronteira estava fechada e o trânsito era intenso, com muitos caminhões carregados de cobre vindos de Zâmbia. De vez em quando apareciam grandes buracos na pista que deixaram as molas traseiras das motos mais fracas ainda, pois tínhamos muito peso nas bagagens.

avent_3.1.jpg

O incrível Taj Mahal 

A estrada atravessava uma reserva florestal com muitos animais desde elefantes e girafas até tigres e leões. Resolvemos acampar no parque pois soubemos que chovia muito adiante. Fizemos fogo para o jantar e dormimos. Durante a noite acordamos com um barulho, provavelmente de um leão, arranhando uma das caixas da motocicleta onde havia comida. Ficamos quietos com medo de que o leão descobrisse que dentro da barraca havia comida melhor.

O animal, no entanto, conseguiu abrir a caixa e nossa barraca não estava totalmente fechada havia apenas uma tela, para proteção contra insetos, de onde pudemos vê-lo, na penumbra, passar três ou quatro vezes na nossa frente. Segurávamos as nossas facas, prontos para defender do ataque, pois estávamos seguros de que o faria, mas ele virou-se e foi embora. Não dormimos mais aquela noite, nem abandonamos nossas facas.

De manhã, descobrimos que não era um leão e sim uma hiena que, na realidade, é animal muito mais perigoso. E de nada nos adiantava uma arma de fogo pois teríamos que atravessar muitas fronteiras e se fossemos descobertos armados, certamente seríamos presos como contrabandistas ou guerrilheiros.

Chegamos a Dar El Salam. onde acampamos numa praia muito bonita, a 20 quilômetros, ao Norte da cidade. Encontramos novamente os dois Americanos que viajavam de carona e passamos, os quatro, muitas noites perto do porto onde havia muitos marinheiros, prostitutas a 50 e cerveja a três cruzeiros o litro. Quando cansamos deste programa resolvemos partir rumo ao Kilimanjaro, distante dois dias. Nessa parte da África existem muitas tribos de negros Masai, considerados, antigamente, como os melhores guerreiros africanos, com altura média em torno de dois metros. Avistei três deles na estrada e parei a moto para fotografá-los. Depois eles vieram e queriam cobrar, com o que não concordei. Tive que sair acelerando o máximo que podia, embaixo de uma chuva de pedras. Chegamos numa aldeia aos pés do Kilimanjaro e por três dias fizemos os preparativos para a subida. A aldeia ficava a 2.000 metros, a estrada ia até os 3 mil e a montanha até os 7 mil e tanto.

Subimos os 3 mil metros, por uma estrada ruim e cheia de pedras grandes, e deixamos as motos numa pequena aldeia. Fomos até o último refúgio a 5 500 metros de altura, em três dias, e a cada passo a escalada ficava pior por causa do frio e das constantes dores de cabeça, provocadas pela altitude e pela rarefação do ar. Do último refúgio até o topo foram mais cinco horas de caminhada difícil, enfrentando constantes quedas de barreiras. Somente John conseguiu chegar ao topo, pois eu parei na metade do caminho com fortes dores de cabeça. Depois de um belíssimo nascer do sol, demoramos dois dias para descer e mais duas semanas no vilarejo, para recuperar o fôlego.

Havíamos subido com nossas mochilas, roupas e comida, mas é possível alugar guias e carregadores para fazer esse serviço. Encontramos um guia que já havia subido 125 vezes até o topo. Mas nós fomos sozinhos pois as trilhas são muito fáceis de serem encontradas e nenhum momento fogem aos pés. Os carregadores chegam a levar 40 quilos de bagagem na cabeça, até o último refúgio, e nunca se sentem cansados de fazê-lo.

Neste vilarejo, aos pés do Kilimanjaro, encontramos novamente as seis pessoas que viajavam no Land Rover. Deixamo-los seguimos para Nairobi, com quatro ou cinco dias de viagem sem ter nenhum problema até 30 km antes de chegar: furou o pneu de minha moto. Consegui consertá-lo e enchê-lo com uma bomba e, depois de 10 km. furou novamente. Consertei e depois de 10 km furou novamente. John não aguentou mais ficar me esperando consertar pneu e seguiu adiante para arrumar acampamento. Cheguei às 9 horas da noite e depois de alguns problemas com o trânsito, estava no acampamento conseguido por John, num grande parque de Nairobi, parecido com o Ibirapuera, onde havia muitos viajantes acampados e diversos veículos: ônibus, jipes, Volkswagen e nossas duas motos. Estavam ali também os dois americanos que viajavam de carona e as seis pessoas do Land-Rover.

Ficamos ali um bom tempo, trocando informações sobre estradas com nossos amigos viajantes. Tentei comprar um par de amortecedores para minha moto, mas desisti, quando me pediram 50 dólares por um par. Consegui então, mais barato, um par de amortecedores e molas de uma Triumph 650, por 40 dólares. A suspensão era mais dura, mas com o peso da bagagem ela logo ficou boa. Ficamos duas semanas em Nairobi. Havíamos saído da Cidade do Cabo com 3 500 dólares – eu com 1 500 e John com 2.000 – e recebi mais 1 500 vindos do
Canadá, porque já não tinha mais um centavo.

Depois de dois dias de viagem, saindo de Nairobi, chegamos a Mombassa, no litoral do Quênia, uma cidade repleta de histórias da civilização africana. Havia muitos turistas alemães, italianos e portugueses por lá. Procuramos um lugar para acampar e só conseguimos depois de um dia de procura. Os campings na África são muito bons e cobram uma diária de cerca de 6 cruzeiros por estada. Nosso camping ficava num lugar chamado Kanami – com muitos trailers e barracas – pertencente ao World Churchil Organization, a uns 20 quilômetros ao Norte de Mombassa, perto de uma vila de pescadores. Do outro lado, a 1.500 metros da praia onde estávamos, ficava o hotel onde havia excelente cerveja. O local era muito agradável, gramado, com muitos coqueiros, de onde víamos, quando a maré baixara, mais de 2.000 metros de coral. Um viveiro enorme de espécimes marinhas. Passamos três semanas acampados, esperando um barco que nos levaria para Bombaim, na Índia.

O barco chamava-se State of Haryana e a única comida que se poderia encontrar nele, durante os oito dias de travessia, era curry, uma comida típica, servida duas vezes por dia. Os turistas que desembarcaram em Mombassa nos aconselharam a levar comida diferente, pois o curry é muito forte e, fatalmente, não iriamos aguentar. Levamos cocos, queijos e biscoitos. Pagamos um total de 170 dólares pela passagem e tivemos que nos acomodar nos bancos que ficavam ao lado do barco, junto com umas 1.500 pessoas. A maioria era hindus, que voltavam da África onde tinham ido visitar parentes. Não havia muitos banheiros, uns quinze talvez, de maneira que quando tínhamos que tomar banho havia pelo menos cem pessoas juntas.

Por oito dias não fizemos absolutamente nada. Havia só uma única diversão: frequentar o bar onde, pelo menos, podíamos beber cerveja. No quinto dia vimos um eclipse da lua. Chegamos em Bombaim no dia 2 de julho, durante as monções, época em que chovia tanto que não dava para acreditar. Passamos pela alfândega e pegamos um táxi para o hotel, que custava cerca de 7 cruzeiros a diária, sem refeição. Tivemos três dias de muito trabalho com papéis e documentos para retirar as motos, o que só conseguimos depois de mais de 100 carimbos e conversar com umas 40 pessoas. Demorei para fazer a moto pegar, enquanto a Triumph de John pegou na primeira. Em Bombaim pensei em trocar os pneus de minha moto, que eram muito estreitos, por outros mais largos. 300 x 18, mas não consegui, uma vez que na Índia não existe importação de motocicletas. Existem apenas duas marcas de motos: Jawa e Royal Enfield. Tive que viajar toda a Ásia com os pneus estreitos mesmo.

Na última noite em Bombaim, caí de cama: fui tantas vezes ao banheiro que não tinha mais nada para deixar lá. De manhã estava muito fraco, mas seguimos assim mesmo porque não aguentávamos mais ver chuva. No primeiro dia chegamos a Poona, no outro dia Sholapur e no terceiro, Hyderbad. As estradas eram pavimentadas mais muito estreitas e cheias de caminhões, que retardavam e impediam que fossemos mais rápidos. Íamos devagar, com medo dos motoristas loucos que mal sabiam onde estava a direção do caminhão. Hyderbad fica no planalto central da Índia, onde não chovia há três anos. O lugar era bem ruim, com um povo muito miserável. Lá discutimos o caminho que iriamos tomar. John queria ir para o Ceilão, mas eu estava mais preocupado com a distância entre Hyderbad a Inglaterra, pois estávamos no meio de julho e eu não queria chegar à Europa durante o inverno.

Viramos à esquerda, rumo Norte. Os primeiros dias foram bons, sem muito calor e sem chuva, mas depois de três ou quatro dias tivemos que atravessar três afluentes do rio Yamuna, normalmente quase secos, mas que naquela época estavam transbordando. A ponte do primeiro afluente estava submersa meio metro. Quando chegamos, vimos um ônibus atravessando e resolvemos fazer o mesmo, seguindo seu caminho. John foi primeiro, acelerando bastante a moto para que a água não entrasse no cano de escape. Na metade da ponte, como a correnteza estava muito forte, a moto de John parou com água no sistema elétrico. John desceu e foi empurrando, e eu resolvi fazer o mesmo enquanto esperava John fazer a moto pegar, o rio subiu mais uns 30 centímetros.

O segundo rio não tinha ponte e tivemos que proceder da mesma maneira, empurrando. O terceiro passava dentro de uma cidadezinha e também
não tinha ponte por que normalmente estava seco. John novamente foi na frente, empurrando, mas num lugar bem fundo. Vendo o seu esforço, desci uns 30 metros pela margem procurando um lugar mais raso. O fundo era cheio de pedras escorregadias e quando cheguei ao meio, a correnteza começou a empurrar violentamente. Nunca fiz tanta força na vida, mas, consegui chegar ao outro lado, onde John, calmamente, observava todo meu esforço. Às suas costas uma multidão de pessoas simplesmente olhava, de braços cruzados.

avent_3.2.jpg

O meio de transporte mais usado na África naquela época.

Quanto a isso, a Índia é diferente da África, onde as pessoas sentiam um grande prazer em nos ajudar. Nesta noite chegamos a Jhansi, completamente cansados e molhados e onde passamos dois dias descansando e secando. De lá fomos para Agra, onde durante quatro dias visitamos o mais famoso monumento hindu, o Taj Mahal, construído para ser um túmulo de um grande sultão. O monumento demorou vinte anos para ser construído e nele trabalharam mais de vinte mil pessoas. Sobre o caixão do sultão há uma tampa de mármore, de uns quinze centímetros de espessura, que fica transparente quando se coloca uma luz embaixo. Visitamos o Taj Mahal num dia de lua cheia e, embaixo de toda aquela luminosidade, é a coisa mais impressionante que se pode ver em qualquer lugar do mundo.

Em Agra trocamos alguns travellers-cheek por rúpias, moeda nacional. A transação demorou um dia inteiro e por isso achamos os hindus os mestres
da burocracia internacional. Saímos para Delhi, capital da Índia, em meio dia, acampando dentro da cidade. Fizemos a manutenção da moto e John aproveitou para pegar novos travellers-check, uma vez que os seus haviam sido roubados. Essa transação demorou dois dias. Em Delhi encontramos muitos europeus pedindo esmolas nas ruas para poder comprar drogas, que na Índia são baratas e fáceis de encontrar. Durante mais ou menos uma semana, em Delhi. o tempo esteve bom e quando começou a ameaçar chuva partimos para Panipat, 90 quilômetros adiante. Passamos aí a noite e na manhã seguinte seguimos para Chandigarh, uma cidade previamente projetada, como Brasília. Um contraste dentro da India. Não gostamos da cidade e resolvemos seguir para Kashmir que, politicamente, pertence à Índia, mas seu povo diz pertencer ao Paquistão. Isto tem causado muitas brigas.

No segundo dia, depois de Chandigarh e depois de viajar por estradas tortuosas nas montanhas, passamos através de um túnel de 3.000 metros, completamente escuro. Mesmo com o farol aceso não conseguíamos ver quase nada. Saímos do túnel e demos de frente com o vale de Kashmir, um lugar tão impressionante quanto o Taj Mahal, um verdadeiro horizonte perdido. Entramos no vale e depois de uma hora chegamos a Srinigar, capital do Kashmir. Sabíamos que havia um camping municipal e fomos procurá-lo. Em Srinigar, os turistas procuram sempre as casas, que ficam sob barcos para alugar e que custam, com criados e dois quartos, cerca de 60 cruzeiros por dia. Essas casas são muito procuradas, de maneira que, quando fomos pedir informação sobre o camping, eles sempre queriam alugar uma dessas casas. Certa hora paramos numa esquina e, de repente, havia mais de trinta pessoas a nossa volta gritando preços de casas de todos os tipos, chegando a causar um pequeno congestionamento na cidade. Por coincidência depois de rodarmos a cidade em todos os sentidos, achamos o tal camping. Ficamos dez dias visitando o vale, que é muito fértil, cheio de canais onde plantam arroz. Os muitos lagos não passavam de dois metros de profundidade. Na parte baixa das montanhas, que cercam o vale, ficam os pomares com várias qualidades de frutas. Entre as montanhas, vales escarpados e ovelhas pastando. Mais acima, os picos cobertos de neve.

Pretendíamos sair de Kashmir diretamente para o Paquistão, através de uma boa estrada, mas não deu porque, com os problemas existentes entre os dois países, a fronteira estava fechada. Voltamos então para Amritsar e atravessamos a fronteira até Lahore. Na fronteira encontramos um americano que havia feito uma viagem pelos EUA, alguns anos atrás, com uma Harley Davidson: tinha gostado da experiência, mas não podia falar o mesmo da moto, que havia tido muitos problemas.

Gostamos mais do Paquistão que da Índia, pois é um país mais moderno e nos parecia mais familiar. Havia uma boa variedade de motos e carros e as pessoas eram mais amigáveis. Os hindus são curiosos, mas não gostam de perguntas ou conversas.

De Lahore seguimos para Rawalpindi, onde passamos a noite num hotel que cobrava seis cruzeiros a diária, por duas pessoas. Os quartos eram bem pequenos, as paredes não iam até o teto. Mas, por este preço era melhor que qualquer Holliday Inn. A cerveja, entretanto, era cara demais, cerca de 14 cruzeiros, porque os paquistaneses são muçulmanos e a religião não permite a bebida no país. No dia seguinte estávamos em Peshawar, tentando conseguir vistos de entrada para o Afeganistão, mas foi muito difícil consegui-los porque o país estava atravessando uma revolução. Conseguimos os vistos depois de dois dias. O calor era muito forte, apesar do tempo úmido. Qualquer movimento mais exagerado e desprendíamos suor em abundância. A primeira cidade que chegamos foi Kabul, depois de passarmos por Khyber Pass, um lugar famoso no país por ser um centro histórico cheio de fortificações inglesas.

Esse era o único caminho possível para se atravessar a fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão. As outras regiões são de desertos e ninguém se aventura atravessá-los. Nessa passagem, cerca de 20 km, existem muitos bandidos de tocaia e a travessia só pode ser feita durante o dia, pois à noite a passagem é fechada pelo exército, que também não se atreve atravessá-lo. Os monumentos al não são muito impressionantes, mas, logo depois, encontra-se o desfiladeiro de Kabul, onde a estrada sobe em zigue-zague pela montanha, uma visão deslumbrante pois o caminho passa quase por cima de si mesmo, durante cerca de 25 quilômetros mais ou menos.

Kabul é a capital do Afeganistão que, nesta época, estava cheia de militares por causa da revolução e do governo que tinha acabado de ser constituído. Não tivemos problemas com eles e fomos bem recebidos pela população. Em Kabul, comemos nosso primeiro bife de carne de vaca desde que havíamos entrado na Índia, pelo qual pagamos 20 cruzeiros. Durante todo esse tempo havíamos comido só curry (peixe, frango ou carne de ovelha arroz). Tivemos muita vontade de comprar roupas típicas, mas não pudemos porque nosso dinheiro dava só para a gasolina, talvez uns 500 dólares. Passamos três dias em Kabul e saímos rumo a Kandahar, no Sul, onde chegamos em um dia. De Lahore, fronteira da Índia com o Paquistão, até a fronteira da Turquia, as estradas são boas, a maioria pavimentada, e podíamos andar em qualquer velocidade.

Perto de Kandahar passamos o Deserto da Morte onde, devido ao calor intenso e ao clima seco, colocamos casacos, capacetes, óculos e um pano amarrado no rosto para poder atravessá-lo, porque quando se anda a mais do 80 km/h o vento e o calor provocam rachaduras na pele. Parecia-nos ridículos andar com toda aquela roupa num deserto, mas essa é a melhor maneira para enfrentá-lo. De Kandahar pretendíamos chegar a Herat, 500 km adiante. Saímos bem cedo e, às 11 horas da manhã, estávamos numa pequena vila no meio do deserto, Farah, onde paramos, pois seguir viagem depois desse horário é morte certa. É impossível descrever o calor que fazia. De nada adiantava pararmos em oásis no meio do caminho e bebermos dois litros de água porque, depois de meia hora embaixo daquele sol, estávamos sedentos novamente. Paramos num hotel em Farah para almoçar e aproveitamos para beber chá quente, que nos fazia suar muito mas depois nos dava uma boa sensação de frio. No meio dessa vila havia um edifício de quatro andares, um hotel com piscina pagamos quatro cruzeiros e ficamos até as cinco da tarde dentro d'água.

Saímos às cinco, rumo a Herat, pois queríamos chegar no mesmo dia, uma vez que é muito perigoso acampar no meio do caminho, por causa dos bandidos. As nove estávamos em Herat, acampados perto de um motel. No dia seguinte estávamos em Mashad, no Irã. Entre Herat e a fronteira iraniana são 150 km de muito calor, o que nos fez levar três horas para percorrê-lo, pois o pneu da moto de John furou duas vezes. Demorou mais uma hora para atravessar a fronteira e eu comecei a me sentir mal. Paramos num restaurante para bebermos uma Coca-Cola e notamos que o termômetro marcava 35 graus, o que nos fez supor que do lado de fora estivesse além dos 40. Em Mashad, encontramos um grupo de trinta pessoas, viajando em dois caminhões do exército inglês, que tinham vindo do Canadá. Fizemos amizade e nos encontramos mais umas quatro vezes pelo caminho. De Mashad, onde ficamos três dias, seguimos para Teerã, a capital, depois de dois dias de viagem e de muito calor.

Teerã é uma cidade muito interessante e com muito dinheiro, por causa do petróleo e da sua cultura, muito diferente dos demais países pelos quais havíamos passado. Comecei a ter problemas com a corrente de comando de minha moto, com o esticador funcionando muito mal; e, não poderia substituí-lo, pois só na Grécia existem peças para Honda. Viajando rapidamente, pois o dinheiro estava acabando e estávamos quase no fim de agosto, chegamos a Tabriz. Passamos a fronteira com a Turquia e subimos até a cidade de Trabzon, porto no mar Negro, para pegarmos um barco até Istambul, pois fiquei com medo que a corrente de comando não aguentasse atravessar as montanhas da Turquia e a viagem por barco sairia bem mais barata. Colocamos todas as nossas roupas para enfrentar o frio da serra antes de Trabzon, onde chegamos às 10 horas da noite, cansados e molhados. Nessa noite, o fiscal do camping nos convidou para dormir num barracão no meio dos sacos de coco, cereais, talvez com pena da gente por causa do frio que fazia

aventcapa.jpg

A capa da revista Duas Rodas de outubro de 1976

Esperamos o barco por três dias. A viagem demorou mais cinco, pois o barco fazia escalas com uma hora de parada, em vários portos do Mar Negro. Enquanto ele estava parado, descíamos e aproveitávamos para visitar as cidades, sempre muito pitorescas. No quinto dia atravessamos o Estreito de Bósforo, onde, de um lado avistávamos a Ásia e do outro, a Europa. Descemos do barco e acampamos no velho continente por cinco dias, num camping perto de Istambul. Enquanto isso John procurava um pneu novo, e eu tentava conseguir uma peça para a corrente de comando, que nesta altura, estava bem ruim. Mas não consegui.

Saímos de Istambul por uma pequena cidade na costa turca, Izmir, para tomarmos um ferry boat até Atenas. Ficamos lá uma semana acampados, pude desmontar o motor de minha moto, tentando consertar o esticador da corrente. Tive que fabricar a peça, que não existia em Atenas, assim partimos para Viena, sendo que, depois de uns 50 km o esticador quebrou de vez. Com uma corda, John me rebocou até uma pequena vila, na fronteira com a Iugoslávia onde embarquei a moto num trem para Belgrado. John seguiu com a Triumph pela costa do país até Viena, demorando quatro dias para chegar. Em Belgrado, embarquei com a moto para Viena, pois tive muita dificuldade com a língua e, além do mais, estava sem dinheiro. Encontrei John em Viena, também sem dinheiro, e ficamos esperando que o banco de John mandasse mais algum. Em Viena consegui a peça que faltava e consertei o esticador de corrente.

Depois de duas semanas estávamos em Munique e depois Frankfurt, onde passamos mais uma semana em casa de um amigo que havíamos encontrado no barco entre a África e a Índia. Quando não podíamos mais comer e beber, saímos de Frankfurt e em um dia estávamos na Bélgica. Fazia muito frio no final de setembro o tempo andava bem úmido. Ficamos 5 horas numa cidade chamada Ostende, esperando um ferry boat que nos levaria à Inglaterra. Chegamos a Dover às seis horas da manhã embaixo de chuva, porque afinal de contas, aquela era a Inglaterra. De Dover seguimos para Coventry onde moram os pais de John e onde terminou nossa viagem depois de sete meses

A primeira coisa que fiz, antes de ir para o Canadá, foi dar a Honda de presente para um amigo. Um dia, dois anos depois, em minha casa no Canadá, John liga da Inglaterra me convida para uma viagem pela América do Sul. Tínhamos terminado nossos trabalhos e respondi: "tudo bem". No começo de dezembro de 1975, eu e John, com duas Norton 850, novinhas, partimos pela América do Sul afora. No começo de junho de 76 estávamos entrando em São Paulo.

 

publicado por motite às 13:03
link | comentar | ver comentários (2) | favorito
Quinta-feira, 3 de Novembro de 2022

O bom ficou melhor: nova Honda PCX 160

PCX_midias.jpg

Honda apresenta a PCX 160 com novo motor, controle de tração e mais confortável

Esqueça aquela bobagem de “em time que está ganhando não se mexe”. Isso não funciona nem no futebol! Por isso a terceira geração da PCX ficou ainda melhor. O motor passou para 160 (156,9 cm3, pra ser mais exato), com comando simples e cabeçote de quatro válvulas, e potência aumentada para 16 CV a 8.500 RPM. O que isso quer dizer? Vamos entender logo mais.

Deve ser difícil escolher um local para os testes de produtos pela imprensa. Mas a Honda acertou na mosca ao optar pela cidade balneária de Santos, a 60 km de São Paulo. Apelidada de “a pérola do Atlântico”, Santos fez muito sucesso nos anos 60. A vizinha Ilha Porchat, em São Vicente, que chegou a ter cassinos era a escolhida pelos recém casados em lua de mel. Pra mim foi ainda mais especial porque é minha segunda cidade e tive a chance de passar dias de turista e não de morador.

PCX_noite.jpg

Novo conjunto ótico para ver e ser visto. (Fotos: Digital da Lata)

Hoje a baixada santista vive cada vez menos do turismo e a população fixa passa de 1,8 milhão de habitantes. Uma das características mais marcantes da região é o grande número de scooters, especialmente conduzido por mulheres de todas as idades. Além disso Santos carrega o título de a cidade com o menor índice de acidentes por usuário de motos.

Portanto, a escolha foi mais do que acertada porque muitos paulistanos ainda não conhecem a modernização que Santos está vivendo com a recuperação do centro histórico e a balneabilidade de suas praias. Num dos meus passeios pela praia vi mariscos e tatuís, que são os primeiros que desaparecem na poluição! Sem falar em um belo parque de esportes na Divisa, com pista de skate. Neste cenário tivemos a chance de rodar com a PCX dia e noite.

painel.jpg

Painel moderno e mais "automobilizado".

Boas novas

Só para esclarecer: trata-se de uma nova scooter. Por mais que preserve muito da aparência da segunda geração, esta 160 é totalmente nova. Dentre as novidades destaco as seguintes:

– Motor: tudo novo! Agora com maior capacidade volumétrica (pop. cilindrada), comando simples de quatro válvulas, nova relação diâmetroxcurso do pistão, potência de 16 CV e torque de 1,5 Kgf.m a 6.500 RPM. Com mais diâmetro (60 mm) do que curso (55,5mm) este motor se aproxima mais das motos esportivas, com ênfase no desempenho em alta rotação. Para não perder torque em baixa o escapamento foi totalmente desenhado para manter pressão de saída.

– Suspensão: os amortecedores traseiros são novos e estão posicionados em um ângulo mais reto. A ideia é afastar da linha da coluna do piloto a resultante dos impactos vindos da roda traseira. Aqui uma questão complexa, porque desde sempre a posição do amortecedor mais inclinado suaviza a transferência de impacto para o motociclista. Mas como o scooter tem muita massa concentrada na traseira, ai inclinar o amortecedor o movimento se afasta da coluna do piloto. Na verdade a melhor forma de suavizar a suspensão de um scooter seria adotar o monoamortecedor, aproveitando o motor como balança.

escape.jpg

Amortecedores, rodas, pneus e escapamento tudo novo!

– Pneus: agora são Pirelli Diablo Rosso Scooter e com novas medidas. O traseiro ficou mais largo, passando de 120/70 para 130/70 e a roda traseira mudou de 14 para 13 polegadas. E o pneu dianteiro também aumentou, passando de 100/80 para 110/70. A característica principal desses pneus é o rendimento em piso molhado e maior durabilidade.

– Quadro: continua tubular, com o tanque de gasolina no piso. Para compensar o pequeno aumento de peso do motor o quadro ficou mais leve.

– Controle de tração: novidade que deve chegar também à futura ADV 160, atende um requisito de segurança, especialmente no molhado. Pode ser desligado por meio de comandos no painel.

– Painel: totalmente novo, mais moderno, incrivelmente bem desenhado e mais próximo aos dos automóveis. Destaque para as luzes da seta!

– Chave presencial: agora em todas as três versões. Guarde o código como se fosse sua vida, porque a perda dessa chave vai causar um baita prejuízo.

– Porta-luvas: está maior, mais largo e com entrada USB de verdade e não mais aquela gambiarra em forma de acendedor de cigarro. Eu testei e funcionou.

portatreco.jpg

Porta luvas com entrada USB.

– Porta-volume: também ficou maior porque o perímetro total do conjunto roda/pneu traseiro ficou um pouco menor. Agora cabe os capacetes fechados sem forçar o banco.

– Novo grupo ótico: já era full LED, mas agora mudou o desenho tanto dos faróis e setas, quando da lanterna traseira.

– Carenagens e banco: receberam pequenas mudanças para um ar mais moderno e o banco foi revisto para aumentar a capacidade do porta-volume. A maior mudança foi na parte frontal, com uma bolha menor.

Vamos pra rua

Em uma decisão inédita, a Honda começou nosso teste à noite! E foi uma escolha sábia porque pudemos atestar que o conjunto ótico ficou ainda mais luminoso, as lanternas traseiras são visíveis mesmo à distância e o painel realmente ficou muito bonito.

Logo de cara o que mais impressionou foi a resposta do novo motor. Não precisei mais do que 30 metros pra sentir uma enorme diferença. Tive um PCX 150 por um ano e realmente o ganho de potência e torque fez o PCX ficar muito mais esperto e próximo ao desempenho de uma moto da mesma categoria.

curvao.jpg

Pneus esportivos para curvas mais ousadas.

Aliás, vale ressaltar que os scooters com túnel central (chamados também de “jet”) são mais parecidos com uma moto do que os scooters de fundo plano (ou motonetas). Com os novos pneus Pirelli Diablo Rosso Scooter essa semelhança com motos ficou reforçada. Na manhã seguinte seria a vez de avaliar outros itens.

Nosso roteiro passou por pontos turísticos, mas também um trecho de rodovia. Neste caminho pegamos as ruas de paralelepípedos do centro velho, passando pela antiga Bolsa do Café e confesso que não senti tanta diferença nos novos amortecedores. O ideal seria confrontar com a versão anterior nas mesmas condições. Mas foi perfeitamente possível perceber que os novos pneus ajudaram muito não só no conforto, mas nas frenagens e nas curvas.

A posição de pilotagem mudou tão pouco que seria exagero fazer qualquer análise, mas continua sendo um scooter com as características de todos eles: não gostam muito de pisos irregulares. Se for pegar muito caminho ruim é melhor partir pro ADV. O que reforça a sensação de “dureza” dos scooters na verdade está ligado ao tipo de veículo. Nos scooters o piloto se posiciona sentado e não montado como numa moto. Isso impede as pernas de atuarem como extensão dos amortecedores.

lanternatras.jpg

Lanterna traseira maior e mais visível.

Surpresa mesmo foi a chegada na rodovia, felizmente com radares muito bem sinalizados, porque consegui chegar a 122km/h de velocidade no velocímetro. Segundo os testes feitos pelo Instituto Falcon Bauer, a velocidade máxima foi de 111 km/h. Pelo aplicativo do celular da colega Suzane Carvalho alcançamos 119 km/h.

Mais do que a velocidade anotada o importante foi perceber que o novo motor permite ultrapassar caminhões com mais segurança e até manter uma velocidade de cruzeiro de 100 km/h sem forçar muito. Ou seja, este motor deu muito mais tranquilidade para ultrapassagens em longos trechos de subida, sem perder desempenho.

ponte.jpg

Boa na estrada e muito boa na cidade.

Em termos de consumo, o painel tem um computador de bordo, mas nem dei muita atenção porque nosso ritmo de teste foi pouco civilizado. Mas pode acreditar que o motor “maior” não comprometeu o consumo que neste scooter passa facilmente dos 40 km/litro.

Confesso que não gosto do sistema “idling stop”, que desliga o motor quando a PCX para por mais de dois segundos. Tanto que na minha PCX eu mantinha desativado. Segundo a Honda chega a melhorar o consumo em 5%. Sinceramente acho que esse número é exagerado, mas o melhor deste sistema é zerar as emissões enquanto fica parado no semáforo, por exemplo. A Greta Thunberg agradece.

freiodiant.jpg

Freio dianteiro a disco com ABS.

Já que não me deixaram entrar na praia do Gonzaga, procurei por um trecho de areia pra testar o controle de tração. Que apareceu logo depois de atravessar a ponte pênsil na Praia Grande. Funciona! Pode girar o acelerador na areia que o sensor entra em ação impedindo a derrapagem. O maior benefício desse sistema será em piso molhado, porque o novo motor acelera muito!

Por outro lado o novo PCX continua com ABS apenas na roda dianteira. É um tema polêmico, eu sei, porque a principal concorrente, Yamaha NMax 160, tem ABS de dois canais. Mas posso atestar que é muito difícil travar a roda traseira do PCX porque além de o peso estar mais concentrado no eixo traseiro, se o piloto frear certo (os dois ao mesmo tempo) dificilmente a roda trava mesmo no molhado.

CBS.jpg

Versão CBS com freio traseiro a tambor.

Já fiz várias simulações de frenagens e realmente precisa errar muito pra travar a roda traseira, principalmente pelo pneu mais largo e macio. Freio ABS de dois canais em motos pequenas e leves é mais um apelo de marketing do que eficiência. O freio combinado em motos leves é mais eficiente. Por isso a Honda ainda manteve a versão CBS com freio traseiro a tambor e frenagem combinada. Nas versões ABS e DLX ABS os freios são a disco nas duas rodas.

Muita gente me cobra um comparativo com a Yamaha NMax 160. Mas eu sou contra comparativos feitos separadamente. A última vez que pilotei uma NMax foi no lançamento trocentos anos atrás. Para um comparativo ser efetivo tem de ser feito no mesmo dia, local e com as versões mais atuais. Como a Yamaha me boicota como jornalista então não tem chance.

Em suma, a PCX que já era boa, confirmada pela liderança absoluta do mercado, ficou melhor, mais confortável e segura. Continuo não gostando de chave presencial em motos e scooters. Essa necessidade de “automobilizar” motos e scooters é uma tentativa de atrair os donos de carros. Além de desnecessário, a perda de uma chave dessa acarreta um inferno na vida do usuário. Uma chave simples codificada já funciona muito bem e dificulta o furto. Nada impede, mas dificulta.

branca.jpg

Versão branca CBS. 

Se já era um produto ajustado para o uso urbano, como veículo versátil e econômico, agora com o motor mais forte já dá para pensar em voos mais altos como viagens por estradas de limites mais altos de velocidade. Com uma curva de torque mais suave, reduziu a vibração nas manoplas, o que permite pilotar por mais tempo.

A parte chata sempre é comentar preço. Ainda mais em uma época de mercado maluco no mundo inteiro. Mas variam de R$ 15.460 na versão CBS, R$ 17.000 na versão ABS e R$ 17.400 na ABS DLX. Todas têm três anos de garantia e sete trocas de óleo. As cores são a tradicional branco perolizado que nunca sai de moda, cinza metálico e a questionável azul fosco. Pintura fosca está na moda até nos carros de F-1, mas um produto caro como esse foi feito pra brilhar.

Ficha técnica, cores e preços clique AQUI.

praia.jpg

Santos!!!

publicado por motite às 01:34
link | comentar | favorito

.mais sobre mim


. ver perfil

. seguir perfil

. 14 seguidores

.Procura aqui

.Setembro 2024

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30

.Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

.posts recentes

. A pequena grande Triumph:...

. Prostatite final – Amor e...

. Prostatite parte 10: a vo...

. Prostatite 9: uma separaç...

. Prostatite parte 8 - A f...

. Prostatite parte 7: Começ...

. Prostatite parte 6: a hor...

. Prostatite 5: Sex and the...

. Prostatite 4: você tem me...

. Prostatite 3: então, qual...

.arquivos

. Setembro 2024

. Junho 2024

. Fevereiro 2024

. Janeiro 2024

. Dezembro 2023

. Novembro 2023

. Outubro 2023

. Julho 2023

. Maio 2023

. Janeiro 2023

. Novembro 2022

. Agosto 2022

. Julho 2022

. Junho 2022

. Maio 2022

. Janeiro 2022

. Dezembro 2021

. Novembro 2021

. Outubro 2021

. Agosto 2021

. Julho 2021

. Junho 2021

. Maio 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Fevereiro 2021

. Janeiro 2021

. Dezembro 2020

. Novembro 2020

. Outubro 2020

. Setembro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Maio 2020

. Abril 2020

. Março 2020

. Fevereiro 2020

. Julho 2019

. Junho 2019

. Março 2019

. Junho 2018

. Abril 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Outubro 2017

. Setembro 2017

. Agosto 2017

. Julho 2017

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Novembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

. Agosto 2015

. Julho 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Março 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

.tags

. todas as tags

blogs SAPO

.subscrever feeds