Domingo, 6 de Maio de 2012

A vida em perigo (parte 1)

(Insensatez na rede: mas... e se a TUA velocidade matar alguém? vai continuar sorrindo?)

 

Uma vez li um artigo escrito por uma psicóloga que tentava desvendar o que atraía tantos jovens a correr de Fórmula 1. Era meados dos anos 80, uma época na qual os carros de F-1 eram tão rápidos quanto hoje, mas extremamente frágeis. Entre os anos 70 e 80 foi o período de maior fatalidade na categoria máxima do automobilismo e a mídia já começava a questionar se aquilo era verdadeiramente necessário. Pilotos campeões como Emerson Fittipaldi e Jackie Stewart afirmavam que já começavam a temporada cientes de que pelo menos três colegas não estariam vivos até o final do ano.

 

Lembro que o artigo, publicado em uma revista inglesa, relacionava algumas suposições, tais como a herança genética masculina. Segundo a autora, o homem sempre foi o responsável pelas atividades de risco da família desde os primórdios da civilização. Eram os homens, geralmente, que caçavam para alimentar, que lutavam em guerras para aumentar suas fronteiras, enfrentavam todo tipo de perigo para prover e manter a família. Quando chegou a era moderna, essa falta de uma atividade de risco empurrou os homens para os chamados “esportes radicais”, incluindo automobilismo, motociclismo, escaladas, surf, asa delta, pára-quedismo etc. Até faz algum sentido!

 

Mas a autora continuou: segundo ela os pilotos de F-1 eram também infantilizados, porque cresceram cultivando algum tipo de super-herói e acabavam buscando como ideal de vida a própria transformação em um herói. Isso Platão já tinha descrito quatro séculos antes de Cristo, ao afirmar que todo homem sonha ser herói. Não parou aí, segundo ela – que infelizmente não lembro o nome – ainda havia a questão da sexualidade reprimida, ou impotência disfarçada, porque o homem tem um prazer latente de mostrar que é mais potente que o outro. Na impossibilidade de matar o adversário, usava as competições motorizadas para mostrar seu status quo de viril. Inclusive ela chegava a comparar o jorro do champanhe a uma ejaculação masculina. Aí a doutora começou a pirar na batatinha e preferi não ler o resto.

 


(Fórmula 1 nos anos 70: muitas mortes em nome da paixão pela velocidade)

 

Lembrei deste artigo porque no período de um mês tive notícia de três motociclistas que morreram em condições semelhantes: correndo em altíssima velocidade na estrada com motos esportivas. Não poderia relatar como aconteceram os acidentes, porque isso não foi divulgado. É interessante como os motociclistas lidam com a morte de um colega. Até pouco tempo atrás este assunto era tabu, mas hoje com o aumento das ocorrências a morte passou a fazer parte das conversas. Porém, sempre como uma fatalidade, um azar.

 

A morte ainda não é tratada com o devido foco. Vejo na internet, especialmente nas redes sociais e de compartilhamento de vídeos, centenas de filmes com motociclistas em motos esportivas acelerando na estrada em velocidades bem acima de 250 km/h, expondo essa imagem como um troféu. Geralmente acompanhadas de comentários elogiosos à coragem ou à moto ou mesmo a qualidade do filme. Aí quando vem a notícia da morte de um destes motociclistas os comentários são sempre em tom de fatalidade, falta de sorte, mensagens aos familiares, manifestações de dores profundas, mas ninguém se pergunta: por que ele estava na estrada a mais de 250 km/h?

 

Não vou entrar na mesma vibe despirocada da psicóloga inglesa de tentar analisar estas atitudes sob o ponto de vista psicológico. Não tenho paciência nem PhD para isso. Mas posso tentar desvendar um pouco dessa necessidade quase vital por emoção e risco porque eu mesmo disputei competições motorizadas em várias categorias por 22 anos. Também já corri nas estradas e passei por vários sufocos que ninguém imagina.

 

 

 

(Também já fiz testes em estradas, mas parei em 1992. Depois disso só com a estrada fechada para fotos)

 

Quando finalmente os portos brasileiros foram abertos aos veículos importados, em 1992, chegaram as motos esportivas de alto desempenho e eu era piloto de teste. Lembro com extrema clareza do dia que decidi não fazer mais testes na estrada depois de levar um susto a 245 km/h, em uma estrada que parecia vazia até surgir uma Kombi do meio do mato. A partir deste dia passei a usar os dados oficiais dos fabricantes que já não eram bestas de declarar valores mascarados por causa dos órgãos de defesa do consumidor. Depois desta experiência defendi o fim dos testes em estrada, embora muitos jornalistas continuem praticando até hoje.

 

(Continua na próxima semana)

publicado por motite às 17:28
link | comentar | favorito
10 comentários:
De Leonardo a 6 de Maio de 2012
Bom, por excesso de velocidade não morro, pois minha XLinha mal chega a 100km/h! :P Brincadeiras à parte, ótimo texto e estou no aguardo das continuações.
De Daniel a 6 de Maio de 2012
Tite, só um porém. Isso reflete a falta de educação do nosso povo, além da certeza da impunidade.

Dois videos divulgados este mês na internet, mostrando uma moto no Canadá a 240 e outra nos EUA a quase 300, levaram a prisão dos pilotos e apreensão das motos. Pois é, a polícia de ambos os países investigou até descobrir quem eram... Igualzinho aqui.

Outra coisa que me impressionou, é que os vídeos tinham milhares de "dislikes", com a maioria dos americanos e canadenses postando comentários condenando o "feito".

Já no Brasil, vídeos assim recebem milhares de likes, com frases do tipo "nossa, pilota muito" ou "só 250? Já dei 300 aí."
De Stenio a 7 de Maio de 2012
O problema não é a 'falta de educação do brasileiro'. Brasileiro é tão educado quanto um europeu ou americano. A grande diferença é que nos EUA ou na Europa, qualquer ato fora da lei é punido. Por aqui a punição inexiste. Em todos os graus e níveis. A certeza da impunidade é o maior motivador para que se faça essas coisas.
Até o meio do século passado não era incomum andar nas principais cidades da europa e encontrar excrementos humanos nos cantos, sujeira pelas ruas, e coisas do gênero. Bastou fazerem leis e punirem os infratores para isso começar a desaparecer.
Claro que também tem o fator da conscientização, mas isso existe tanto aqui quanto lá. A diferença é que os conscientes por aqui nada podem fazer contra os infratores. Já por lá, os infratores nada podem fazer contra os conscientes.
De Marcos Spínola a 7 de Maio de 2012
Cara, nos falta educação. Nossa educação não é como a dos americanos nem como a dos europeus. Claro, você tem razão, lá há punição para atos como esses, mas nossa educação formal, do berço, de trânsito... é muito deficitária.
De Stênio Campos a 7 de Maio de 2012
A diferença básica é que por lá se educa assim: "não faça isso se não vc será punido". Por aqui é assim: "tudo bem, ninguém viu mesmo e, se ver, não vai acontecer nada."
De Daniel a 21 de Maio de 2012
Falta de educação sim. Um povo educado não faz algo com medo de punição, e sim porque sabe a diferença entre o certo ou errado.

Se fosse só medo de punição, ninguém pagaria passagem de ônibus na Europa já que não há fiscalização em vários países. Mesmo sem cobrador, todo mundo vai lá e paga a tarifa direitinho...

De Carlos a 6 de Maio de 2012
Eu não sei pra quê chegar a 250km/h em cima de uma moto! Outro dia eu passei dos 120km/h em cima da minha singela Yamaha YS250 Fazer e achei uma loucura!!!
De Daniel Ribeiro a 7 de Maio de 2012
Eu particularmente acho que esta é a decisão mais sensata. Realmente, testar a moto "no limite" em um local fechado é muito mais seguro, além de não ser ilegal.

Mas o que eu sinto atualmente na imprensa especializada é que eles estão muito distantes da "realidade". O povo que compra essas motos raramente vai para autódromo, e o desempenho da moto, apesar de ser o mesmo, chama pouco a atenção. Eu acho que uma matéria ilustrada com fotos "reais", na estrada, junto de outras motos e os obstáculos que são comuns nas vias acabam atraindo mais a atenção do leitor, que se identifica mais com o que está lendo.

É o que eu acho né... Mas eu nem me lembro quando foi a última vez que li uma matéria assim.
De Claudio a 7 de Maio de 2012
Gostei muito do texto e espero a continuação, Tite.Em meados dos 80, na capital-sp, a Av Sumaré não tinha sinalização, radares e muito menos cruzamentos a cada 100 metros como hoje. O povo que tinha $$$ abusava muito com seus porsches, os v8, opalas, Ninja e as 2 tempos. Tive a experiencia de abusar da velocidade com uma TZ350 de corrida, quando ao lado de uma Ninja 900, passei das 140 milhas, isso dentro da cidade e de madrugada. Por muita sorte estou vivo, mas até hoje não sei dizer o que me levou a arriscar a vida dessa forma. No momento da empolgação, na frente "da galera", o poder de ter uma maquina domável por poucos, a sensação da impunidade. Seja o que for, incontrolável desejo de andar muito " forte". Hoje em dia, lembro de todos os conhecidos fatalizados por abuso da velocidade, sem o menor preparo. Pois acredito que quem se prepara, já muda de visão. Piloto que é piloto corre na pista. Mas demora muito para a cultura do Brasil absorver este pensamento. Acho que o esporte deveria ser mais popular por aqui, como na Espanha e Italia (e lá mesmo assim as tragédias aconteçem).
De Tiago a 8 de Maio de 2012
Um problema é local onde acelerar, pois, como o texto nos mostra, é intrínseco do homem aventurar-se a arriscar a vida para ter prazer. Mas não são todas as cidades que possuem autódromos, e não são todos que podem pagar para andar em autódromos quando há um na sua cidade. Aqui em Foz por exemplo, tem um kartódromo, pequeno, mas é onde eu me sinto pilotlo. Não preciso pagar para entrar na pista pois organizo campeonatos de kart amador e sou bem chegado do dono do kartódromo, mas não dá pra por nem 4ª marcha! hahaha Mas é onde eu me divirto de moto. Se todos tivessem como fazer isso, talvez teríamos menos maníacos nas estradas. Ou talvez teríamos mais...

Comentar post

.mais sobre mim


. ver perfil

. seguir perfil

. 14 seguidores

.Procura aqui

.Setembro 2024

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30

.Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

.posts recentes

. A pequena grande Triumph:...

. Prostatite final – Amor e...

. Prostatite parte 10: a vo...

. Prostatite 9: uma separaç...

. Prostatite parte 8 - A f...

. Prostatite parte 7: Começ...

. Prostatite parte 6: a hor...

. Prostatite 5: Sex and the...

. Prostatite 4: você tem me...

. Prostatite 3: então, qual...

.arquivos

. Setembro 2024

. Junho 2024

. Fevereiro 2024

. Janeiro 2024

. Dezembro 2023

. Novembro 2023

. Outubro 2023

. Julho 2023

. Maio 2023

. Janeiro 2023

. Novembro 2022

. Agosto 2022

. Julho 2022

. Junho 2022

. Maio 2022

. Janeiro 2022

. Dezembro 2021

. Novembro 2021

. Outubro 2021

. Agosto 2021

. Julho 2021

. Junho 2021

. Maio 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Fevereiro 2021

. Janeiro 2021

. Dezembro 2020

. Novembro 2020

. Outubro 2020

. Setembro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Maio 2020

. Abril 2020

. Março 2020

. Fevereiro 2020

. Julho 2019

. Junho 2019

. Março 2019

. Junho 2018

. Abril 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Outubro 2017

. Setembro 2017

. Agosto 2017

. Julho 2017

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Novembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

. Agosto 2015

. Julho 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Março 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

.tags

. todas as tags

blogs SAPO

.subscrever feeds