Nada de anormal, quando se completa 18 anos e o pai dá um carro de presente para o filho. Só que não tenho 18 anos, nem 20, nem 30... tenho 53 anos e acabo de ganhar um carro do meu pai. Tudo bem, não é um Porsche, mas é um carro: um VW Gol 1000 ano 2004 com 50.000 km rodados.
O que isso tem a ver com moto? Calma, já chego lá.
Aos 80 anos, meu pai não tem a menor paciência para vender carros. Aliás, nunca teve. Muitos anos atrás, mas muitos mesmo, ele já dizia: “brasileiro não conhece bem de uso, tudo é moeda de troca”. Ele ficava furioso porque no Brasil dos anos 60, 70 e 80 existiam pessoas que viviam de comprar e vender linha telefônica! Mais ainda: como podiam alugar linha telefônica por um valor que, se fosse atualizado, hoje poder-se-ia alugar um apartamento!!! E olha que estou me referindo a eventos de 30 anos atrás!
Ele nunca entendeu como um sujeito podia comprar um carro, rodar um ano ou mais e depois querer vender por quase o mesmo valor, ou mais, do que pagou ao adquirir. Além disso, costumava ter discussões homéricas com comerciantes quando queria trocar o carro por um novo e descobrir a enorme defasagem entre os preços pagos aos veículos usados e bem cuidados.
- Estes caras querem ganhar todo dinheiro do mês na venda de UM carro! Costumava esbravejar o dr. Simões.
Como administrador, também não entendia – e não entende até hoje – como uma pessoa em pleno século 21 ainda não aprendeu o significado do bem de uso. Segundo ele, um cara compra um carro e não percebe que está pagando pelo benefício do uso; aquilo não é um investimento, como um pedaço de terreno que passa 20 anos crescendo mato para ser vendido depois com a alta do mercado provocada pela especulação imobiliária. Carro é um bem de uso, como a linha telefônica hoje em dia.
Por isso ele decidiu não mais vender os carros usados. Passou a doar para os filhos, netos ou netas. Ele liga e fala assim: “vem buscar o carro, mas passa pro seu nome porque não quero saber de multas!” A gente obedece e agradece!
Já ganhei alguns carros dele, como um Opala 1979, que foi meu único clássico, mas eu tinha 25 anos! Depois de “adulto” ganhei este Golzinho por qual estou apaixonado pelo baixo consumo e desempenho até honesto para um 1000. Só sinto falta mesmo é da direção hidráulica.
E olhe que coisa curiosa: nos últimos dias fiz três viagens, uma de moto (com a BMW F 650GS) e duas com o Golzinho. Nas três levei quase o mesmo tempo, gastei só um pouco mais de gasolina no carro, mas não precisei parar nos pedágios. E o mais importante: choveu MUITO nas três vezes!!! Adivinha se fiquei com saudades da moto???
Já estou de olho no próximo carro candidato à doação: o Ford Escort Hobby 1997 da minha mãe que tem 35.000 km e só trocou os pneus porque ficaram rachados! Toda vez que saio com ele encontro uma proposta de compra no limpador de pára-brisa.
Meu irmão também era assim. Comprava uma moto, usava um tempo e depois mandava eu buscar. Não tinha a menor paciência com essa tarefa realmente inglória de vender um carro ou moto usados. Aliás, avaliando bem, nessa minha família nunca vendemos ou compramos carros ou motos entre nós. Só muda de nome... gente esquisita!
Sim, mas o que isso tem a ver com as motos?
Há décadas venho dando consultorias – gratuitas – aos leitores que buscam uma nova moto. Perguntam sobre desempenho, consumo, reposição de peças, pós venda etc. Só tem uma questão que faço questão de não responder nem debaixo de tapa: o valor de revenda! Porque me irrita mais que velha fumando e motorista na faixa da esquerda!
Herdei do meu pai essa aversão por quem trata bem de uso como moeda de troca. Alguma vez você ouviu alguém perguntar se determinada geladeira tem bom valor de revenda? Ou um notebook que desvalorize pouco? Tenta imaginar o sujeito na loja de eletrodomésticos:
- Gostei desse aspirador de pó, mas será que é fácil de vender? Vou perder muito dinheiro?
Por que esta preocupação com veículos? É uma característica tipicamente brasileira? Parece que é comum aos países em desenvolvimento (um eufemismo para pouco desenvolvido).
Desde os 14 anos de idade, quando passei a me interessar “cientificamente” pelas motos, comecei a buscar literatura específica. Naquela época não havia revista brasileira e a saída era comprar as européias e americanas na banca de revistas do aeroporto de Congonhas, única que recebia as publicações com dois meses de atraso. Li dezenas de testes em revistas italianas, francesas, americanas, mas não lembro de jamais ter reparado na questão do valor de revenda.
Os testes detalhavam as motos cirurgicamente, a ponto de desmontarem quase tudo, mas nada de comentar sobre o quanto o modelo poderia “perder” de valor em um ou dois anos. Uma das revistas especializadas mais antigas do mundo, a Moto & Tecnica, italiana, já colocava as motos em dinamômetros nos anos 80!!!
Aqui no Brasil (e acho que outros sul americanos) existe esta preocupação com o quanto ganhar ou perder com a escolha de uma moto. Quer dizer, para alguns, porque eu continuei a deixar essa questão de lado ao analisar uma compra. Já fui até abordado por pessoas que compraram uma moto aconselhadas por mim e depois reclamaram da desvalorização. E sempre saio com a mesma reposta: você queria usar a moto ou começar um comércio?
Uma boa dica é adquirir motos semi-novas, porque já tem a desvalorização normal do bem usado e a defasagem entre compra e venda fica amortizada parcialmente. Só que estamos vivendo um momento curioso do mercado. Está mais fácil comprar motos zero km do que usadas! O ano de 2012 começou com um crescimento menor do que 2011 e as fábricas estão empurrando motos para os concessionários para esvaziar os estoques.
Ao mesmo tempo os bancos baixaram as taxas de juros, mas recrudesceram na exigência ao crédito. Com as fábricas empurrando motos goela abaixo dos concessionários e os bancos segurando a grana, os revendedores se viram obrigados a reduzir as margens para colocar produtos nas ruas. Resultado: os preços das motos novas estão baixos e as promoções estão em alta.
Aí já não vale mais a pena pensar em uma semi-nova e a boa dica passa a ser: corra comprar uma zero km, se possível à vista. E não perca tempo calculando quanto vai “perder” de dinheiro e pense mais em quanto vai ganhar em satisfação, tempo e qualidade de vida.
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