Quarta-feira, 27 de Julho de 2011

Razão & Competição

(Lugar de provar alguma coisa é na pista!)

 

 

 

 

 

A partir dos anos 60, mais especificamente, depois do golpe de Estado, em 1964, o Brasil se distanciou dos padrões europeus e se aproximou muito dos Estados Unidos. Não só comercialmente, mas culturalmente, importando o chamado American way of life, que nada mais é do que o jeito americano de ser. Se você não acredita, basta avaliar o tipo de roupas que vestíamos nos anos 50, com predominância do linho ou algodão e passamos a usar depois dos anos 60, com a chegada das calças de jeans. Criadas nas primeiras décadas do século 20, estas calças eram para ser resistentes ao uso no campo e às baixas temperaturas. Mesmo assim, no Brasil tropical de 40°C nós utilizamos jeans.

 

Voltando aos Estados Unidos, a sociedade americana é extremamente consumista e competitiva. Basta ver o número de modalidades competitivas motorizadas. Tem corrida de tudo que é coisa que se move. Se tem motor, tem corrida. Ao importar o modelo americano de comportamento, acabamos por contrair esta sina competitiva, que não se limita apenas às corridas, nem aos bens materiais, mas sobretudo à constante necessidade de mostrar-se melhor do que o outro. E o modelo americano ensina que não basta vencer, mas aniquilar o suposto rival ou concorrente.

 

Ao longo da vida passamos por uma série de competições, desde a infância dentro da nossa própria casa (o irmão que quer ser mais esperto, o pai que sonha ter um carro melhor do que o do vizinho, a mãe que se orgulha das notas do filho, etc), passando pela escola, onde a competição verdadeira ganha contorno quase programático. Quem não se desesperou ao ver os colegas tirando nota alta. Ou se descabelou quando o professor de educação física elogiou o brutamontes da escola por ter destruído os atacantes do time adversário (e você estava nele). Até em um relacionamento amoroso existe a silenciosa e perene competição pelo poder.

 

Portanto, a vida nos obriga a encarar competições que nunca pedimos para entrar, mas que somos obrigados a participar. Se nosso modelo de comportamento fosse de uma sociedade mais justa, certamente viveríamos de forma menos competitiva e mais cooperativa, com resultados bem diferentes. A título de exemplo, uma escola de São Paulo adota como filosofia pedagógica a total ausência de provas e, conseqüentemente, de notas. O resultado é uma educação mais cooperativa, onde os alunos se ajudam, sem a interferência da competição por notas.

 

No livro “Zen e a Arte de Manutenção de Motocicletas”, o autor, Robert Pirsing, relata sua experiência como professor de inglês, quando aboliu as notas. Ele notou que os alunos bons continuaram bons e aqueles que não conseguiam acompanhar a classe, melhoraram notadamente. Tudo porque a competição foi substituída pela cooperação.

 

O que isso tem a ver com segurança de moto? Muito. Percebi que uma parte dos alunos que se inscrevem no Curso de Pilotagem SpeedMaster, têm como objetivo “dar pau nos caras que viajam nas estradas”. Ou seja, querem competir com os amigos, em viagens pelas estradas.

 

Esta é uma manifestação natural de quem vive numa sociedade que, a todo momento, nos coloca diante de uma competição. O primeiro grande erro que qualquer motociclista pode cometer é desrespeitar seus próprios limites. Em uma turma de amigos existem motociclistas de diferentes níveis de experiência. Obviamente que alguns conseguem rodar em um ritmo mais veloz e outros não. Mas pergunto: qual a necessidade de provar alguma coisa perante os amigos?

 

Uma estrada está sujeita às variáveis incontroláveis, além de representar um ato de desrespeito e irresponsabilidade perante os outros usuários. Existem locais próprios para competir e mostrar que é melhor do que os amigos. São normalmente chamados de autódromos, mas motos também podem entrar. Em alguns Estados já existem movimentos para levar o motociclista que gosta de velocidade para a pista, realizando eventos como o Track Day, ou treinos amadores, em autódromos, especialmente para quem não quer (ou não pode) preparar exageradamente a moto. Sempre afirmo aos alunos que o lugar certo de provar alguma coisa é na pista, onde você pode mostrar que é habilidoso e corajoso não só perante seus amigos, mas a todo público presente na arquibancada.

 

Nosso temperamento competitivo nos leva a outro desvio comportamental: a baixo-estima. Quando alguém se vê obrigado a competir conotra os amigos e, por qualquer razão, “perde”, normalmente vira alvo de gozações. Com a auto-estima abalada, muitas vezes o indivíduo acaba superando seus próprios limites para resgatar o amor próprio e se envolve numa perigosa competição, nem sempre com final glorioso.

 

A moto já nos proporciona inúmeros prazeres, principalmente na estrada. Não se deixe levar por esta necessidade de competir e comprometer a sua segurança e a dos outros motoristas. Se existe alguma coisa a ser provada é apenas uma só: prove que você tem bom senso.

 

Apenas mais uma historinha, para encerrar. Quando fui testar pneus na Espanha percebi que os mecânicos estavam cronometrando as voltas de todos os pilotos e jornalistas. O mais rápido foi o ex-piloto do Mundial de Velocidade e Superbike, o belga Stephane Mertens, ex-campeão mundial de endurance. O segundo mais rápido foi um tímido jornalista alemão, da revista Das Motorrad, apenas dois décimos de segundo mais lento. Quando conversei com ele, perguntei qual a experiência em competições. E ele respondeu: “nenhuma, nunca corri”. E ainda insisti: “mas você pretende correr oficialmente?”. E ele: “eu gosto muito de velocidade e de moto, amo correr de moto, mas detesto competir, porque não preciso provar nada para ninguém”.

publicado por motite às 00:53
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15 comentários:
De Fox a 27 de Julho de 2011
Showww o texto....

Já eu... sou fan por competições, não para mostrar ou provar algo para os outros, mais sim para procurar me superar cada vez mais... é como se fosse uma busca sem fim para a perfeição!

Atéééé sábado.
De dagoberto a 27 de Julho de 2011
START YOUR ENGINES !!!!
De Tiago a 27 de Julho de 2011
Tite tem que ser presidente!!

Mais um excelente texto...

Lembro desse texto dos pneus, eram os Michelin Power Pure não?!
Vi comentários sobre o ego inflamado dos jornalistas, que gostariam de "provar" que eram os melhores e mais rápidos, que não erravam e coisa e tal.
E num texto seu mesmo vc disse que quando tem testes de várias revistas/empresas de comunicação onde há vários jornalistas, sempre há uma enorme competição, desde a indumentária até a pilotagem.
Mas Tite, acho que isso não acontece apenas na cultura americana, acho que é intrínseco do Homem, já que nos remotos tempos dos homens das cavernas a competição era um dos pilares da sobrevivência, onde ser melhor que o outro significava viver mais alguns dias (e melhor) que o outro. Já o bom senso não era (nem nunca foi) lá uma característica muito marcante dos Homens, em todas as épocas, principalmente na do homem das cavernas.
De Tiago a 27 de Julho de 2011
opa:
*Vi comentários sobre o ego inflado dos jornalistas...
De Luiz Felipe Del Rio a 27 de Julho de 2011
se superou Doc, melhor texto seu que li até hj....

parabens!!!
De Anderson Sartori a 29 de Julho de 2011
Excelente texto Tite. Acompanho quase sempre seu blog, mas é a primeira vez que comento

A 'historinha no final fechou com chave de ouro.

Parabéns mesmo!
De douglas a 30 de Julho de 2011
tenho curiosidade de saber se durante o curso as pessoas querem competir ou se mostrar.
Gostaria de participar do curso mas sei que não tenho habilidade(sou lerdo mesmo) para acompanhar um grupo de pessoas que so quer competir ou se mostrar.
Graças a esta conciencia ando de moto ha 20 anos sem grandes problemas,devagar e sempre com muita atenção ao redor.
Voce poderia organizar um curso para tiozinhos ou pessoas mais lerdinhas...

Obrigado

Douglas
De Eduardo a 30 de Julho de 2011
Olá Douglas!

Eu não fiz o curso, mas acredito que isso seja até proibido em cursos de pilotagem.
Pode fazer que dizem ser muito tranquilo!!! O pessoal respeita muito.
De motite a 31 de Julho de 2011
Douglas
No curso eu mantenho o espírito de cooperação e não de competição. E tenho obtido muito sucesso na parte disciplinar. São poucos casos de exibicionismos. Sim, temos espaço para tiozinhos de qualquer idade...

Qualquer informação sobre o curso o contato deve ser pelo info@speedmaster.com.br
De Eduardo a 30 de Julho de 2011
Parabéns pelo texto Tite!

Esse tipo de texto é muito importante e acredito que muitos acordem.

Fico muito feliz de encontrar esse blog, muitas informações boas e educativas.

Ainda não tive oportunidade, mas quero muito participar de um curso ministrado por você.

Abraços e mais uma vez, parabéns!



De elias a 1 de Agosto de 2011
Muito bom o texto, já tinha por costume não acelerar em retas, vou continuar deixando me ultrapassar. Nas curvas, vou repensar se deixo.
Só que o espírito competitivo é uma herança dos ocidentais, já que os orientais são mais pelo lado da cooperação, como traço mais marcante.
De André Coelho a 1 de Agosto de 2011
“eu gosto muito de velocidade e de moto, amo correr de moto, mas detesto competir, porque não preciso provar nada para ninguém”.

Sensacional!
De Roger a 2 de Agosto de 2011

Essa historia final, só com alemão mesmo.
Quem anda de moto pelo Brasil vê histórias bem diferentes, algumas que já vi por aí:

-Um conhecido proprietário de uma GSX R 1000 me disse certa vez que não sai com o seu motoclube para alguns trechos de serra, porque ele comprou uma 1000 pra chegar na frente e onde tem muita curva ele chega depois 600. E ainda exclamava: " que m... comprei uma 1000 justamente pq anda mais já que eu não tenho muita prática".

- Um grupo de amigos da minha cidade buscou em um outro moto clube um cidadão já conhecido no meio por ser muito rápido ( na verdade um enloquecido que quase morreu várias vezes). Tudo para servir de "coelho" e forçar o ritmo para que eles se acostumassem a andar rápido e não ficar pra trás de outros grupos. (afinal, não compraram "a última R1", ou a "nova BMW" pra ficar pra trás)

Nesse mesmo grupo do "coelho", quem chegava por último pagava a cerveja. Quando em um encontro falei pra um destes individuos que eles "iam se matar", ele respondeu: "é só uma latinha cada um, não dá nada, só uma brincadeira"

E por fim o mais assusador: O grupo é formado por cidadãos graduados, pós graduados, empresários, profissionais liberais e diretores de empresa. E a maioria pais de família. Isso sim é pra se preocupar.
De Mauricio Fernandes a 4 de Agosto de 2011
Muito bom o texto Tite, ego é uma coisa complicada, ainda mais quando se mistura com a adrenalina de andar de moto.

Grande abraço!!!

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