(Zero Bala: "meu negócio é limpo!")
Rolling Stolen, a primeira revista dedicada aos manos que trabalham com mercado paralelo de veículos
Exclusivo: entrevistamos Zero Bala, o mano que puxa as bike mais iradas do mercado.
Encontrei Zero Bala às escuras. Para entrevistá-lo seus assessores me obrigaram a vendar os olhos, tapar o nariz e cobrir os ouvidos. Nem precisava, porque fui transportado em uma Captiva blindada com vidros tão escuros que ao meio-dia pensei estar em pleno eclipse total do sol. Sim, a Captiva era roubada, mas com documento em ordem (!).
Zero Bala mora em uma casa confortável, com três quartos, uma suíte, ampla sala de estar com sofá vermelho, tapete felpudo pink, com um móvel niquelado em tom bege. Certamente ele é daltônico! Ninguém pode ter tanto mal gosto...
Ele me recebeu na cozinha, para um cafezinho, e a geladeira amarela sobre um piso violeta confirmou minhas suspeitas: não conhece cor ou transformou sua casa em um catálogo de Panthone.
Sobre a toalha de mesa grená ele estica a foto de uma moto esportiva. Trata-se de uma BMW R 1000SS, a esportiva mais cobiçada do momento. “Peguei de um palyboy que tava saindo de Interlagos. Não é da hora?”. Acenei que sim, mas comentei que achava estranho puxar uma BMW, porque normalmente os profissionais do setor não gostam da marca bávara. Ele respondeu:
- Pode crer, essa motoca é barva mesmo! Já puxei 290 km/h com ela na marginal!
- Não, Sr. Bala, eu quis dizer bávara, da Alemanha!
- Isso aí, precisa ter as manha pra pilotar, porque é barva mesmo!
- Esquece...
Percebi que a conversa seria longa e dei início a entrevista:
Rolling Stolen – Sr Bala, como começou nesta, hã... profissão?
Zero Bala – Ah, foi logo cedo. Quando eu tinha uns 9 anos via a molecada tudo de bicicleta bacana, dessas montibaique de playboy e eu só de Barra Forte emprestada. Saquei que não era justo e decidi ir à luta...
Rolling Stolen – Foi trabalhar?
ZB – Qué isso, ficou doido? Tá maluco? Trabalhar é pra trouxa, assaltei um caminhão de gás pra comprar meu primeiro instrumento de trabalho: um três-oitão da hora! Aí fiquei só esperando os pleiba saírem na rua com as bike pra pegar uma. Vi que o negócio era fácil e montei um pequeno negócio de magrela bacana, só coisa fina. Nada de Caloi e Sundown, só magrela de responsa.
Rolling Stolen – E a partir daí, quando surgiu o interesse pelas motos?
ZB – Ah, maluco, quando vi a primeira Mobi (n.d.r.: Mobylette) fiquei doido. Sem essa pagação de ficar pedalando, só acelerar e cair na vida. Encostei o cano no mano e só falei: desce da motoca e sai fora, sem olhar pra trás! Moleza...
Rolling Stolen – Naturalmente foi evoluindo nos negócios!
ZB – Claro, véio, assim como tu eu também comecei por baixo e fui pegando as manha pra partir pras grandes. Naquela época as motocas bike eram as Ninja, tá ligado? Aquelas Honda Ninja...
Rolling Stolen – Kawasaki Ninja, o Sr quer dizer...
ZB – Ah, mano, essas nave são tudo parecida. Pra mim era tudo Ninja, hoje já sei algumas diferenças.
Rolling Stolen – Mas o Sr roubava as motos só pra curtir?
ZB – opa, calma lá, véio, não se usa estes termos pesados aqui na comunidade, tá ligado? Eu não roubo, só tomo emprestado mediante educada solicitação. Que nem o Collor fez com a nossa grana: ele pegou só emprestado.
Rolling Stolen – OK, desculpe, que uso o Sr faz das motos?
ZB – Ah, depende da motoca. As bike mesmo a gente usa pra curtir, mas tem as de fuga, tipo Hornet e XT 660 que a gente usa pra trabalho. São as motocas que melhor fogem da poliça. Mas pra alguns serviços menores a gente usa as Twister ou Fazer mesmo.
(Zero Bala no churrasco que organizou na lage)
Rolling Stolen – Que tipo de serviço?
ZB – Aqueles manés que saem do banco cheio da grana, a gente se mistura com os boys e espera o mané sair pra dar o enquadro. Depois a gente passa a grana prum mano que tá numa Hornet ou XT 660 pra vazar com a grana. Enquanto a poliça procura um motoboy de moto pequena a gente já deu linha com as bike maior.
Rolling Stolen – Como é a tática pra pegar as motos grandes, as esportivas.
ZB – As bikes? Essas dá trabalho, mas é maomenos o seguinte. A gente bota um moleque de rádio nas pontes na entrada e saída de São Paulo. Na Ayrton Senna, Anhanguera, Bandeirantes principalmente. Sábado e domingo de manhã os playboy vão tudo pra estrada pagar de piloto, tudo de equipo zero, capacete da hora, macacão, tudo zero bala! Aí a gente tem os manos que ficam de Hornet rodando ali pelas imediações, ligado no rádio. Quando o moleque dá a letra da motoca já diz se tá sozinho, se tem mais trouxa junto. Aí é só encostar e apontar o canhão. Já desço na moral: “se tiver alarme nessa porra volto pra te fazer, playboy filhodaputa!”. Haha, os caras se cagam todo e entregam até a cueca (risos).
Rolling Stolen – E se o cara acelerar? Uma 1000 esportiva anda mais que a Hornet!
ZB – He He, pode andar mais que a Hornet, mas não anda mais que um pipoco de 9 mm, tá ligado. Se o cara ama a vida pára na hora. Eu oriento meus bródis pra não fazer ninguém, mas as vezes acontece. Na adrena o neguinho fica sangue nos zóio e perde a cabeça mesmo, atira primeiro pra evitar fuga e finalizar o mané.
Rolling Stolen – Vc já fez alguém?
ZB – Eu não, meu papo é outro. Hoje em dia não gosto de cano. Sou mais profissa, tá ligado, só na inteligência.
Rolling Stolen – Como funciona?
ZB – Fico sacando o playboy alguns dias. Estudo o trajeto, onde mora, onde trabalha etc. Se vacilar no farol, eu encosto e pulo da garupa gritando “perdeu, perdeu, desce filho da puta”. O cara tá tão adrenado que pula rapidinho, deixando a bike até ligada. Só depois vai se ligar que nem apontei arma nenhuma! Meu companheiro fica esperto porque se alguém tentar reagir já apresenta o canhão. Mas eu mesmo nunca fiz ninguém, sou da paz, tá ligado?
Rolling Stolen – E pra onde vão estas motos?
ZB – Então, se liga, véio, já expliquei: algumas a gente fica pra zuar na comunidade, tá ligado? Pegar a mina e zuar mesmo. Outras a gente pica e leva pros manos do comércio que vendem as peças na loja ou pela internet. E outras vão pros playboy correr em Interlagos. O cara nem sabe, mas pode comprar a moto que era dele mesmo, tá ligado?
Rolling Stolen – E os equipamentos?
ZB – Tá falando das coisas dos playboy? Alguma coisa a gente fica, né! Capacete, casaco da hora, mochila, essas coisas. Macacão a gente vende na internet. Dá pra vender tudo na Internet, nesses mercados livres que tem. Tá cheio de capacete, bota, macacão, tudo. A gente deixa o playboy de cueca na estrada (risos). Ae, avisa seus amigos pra não sair de cueca furada na estrada porque pode passar vergonha na delegacia (risos). E nada de pegar a calcinha da patroa (muitos risos). Já pensou, mano, o cara vai fazer o B.O. de calcinha enfiadinha no rabo (morre de rir). Dois metros de macho e de calcinha...
Rolling Stolen – E sempre dá certo?
ZB – Não, né mano! As vez o playboy escapa. Se o cara é braço consegue vazar. Mas tem companheiro que fica puto e vai atrás até deitar o playboy. Acontece de não dar certo, como qualquer trabalho, né?
Rolling Stolen – Quando você começou, como sua família reagiu?
ZB – Que pergunta escrota! Ae, papo de família não tem aqui. Meu pai nem sei quem é. Minha mãe não reclamava porque eu trazia as coisas pra casa. Todo mundo não diz que ser mãe é podis crer no paraíso?
Rolling Stolen – Padecer!
ZB – É isso aí mesmo!
Rolling Stolen – É verdade que uma CG roubada é vendida a 200 reais?
ZB – Ae, esse papo de CG não é minha praia. Meu negócio é bike. Mas é por aí. O problema são os nóia, tá ligado? Os nóia do pó e do crack pegam qualquer coisa e vendem por qualquer grana pra comprar pedra. Esses caras tão fodendo nosso mercado (com o perdão da palavra). São eles que atiram e matam sem dó. O cara quando tá noiado não quer ouvir conversa triste, quer a moto e pronto. Se o mané começa com choro “pow, é minha moto de trabalho”, essas merdas, o nóia prega fogo mesmo! Eu sou contra a violência porque suja a imagem da catigoria, tá ligado? Mas a culpa é de quem vai lá nas bocas e compra um motor zero pra colocar na moto. Só tem comércio de peça roubada porque tem quem compra. Que nem essas merda de pó e crack. Não conseguem acabar porque se o doutorzinho acabar com o tráfico ele também fica sem o braite pra dar pras vagabundas dele, tá ligado? O playboy reclama que roubaram a motoca dele, mas depois vai nas bocas pegar cinco pinos de pó pra se conformar. É o tal circo virtuoso!
Rolling Stolen – Círculo vicioso!
ZB – É isso aí mesmo!
Rolling Stolen – E qual dica que você daria pra não ter a moto roubada?
ZB – Que mané dica, cê tá louco? Eu quero mais é que os otário percam suas motos. Não vou dar dica nenhuma. Só entrega logo a bike senão toma pipoco.
Rolling Stolen – O Sr comentou sobre um esquema mais “limpo” de trabalho, como funciona.
ZB – Ae, maluco, não vai publicar hein? Se os outros descobrem podem copiar. É o seguinte: eu visto uma beca bem bacana, tipo casaco de responsa, calça social, sapato brilhante e fico numa loja grande, no sábado, só ligado. Quando saco que alguém vai fazer cadastro colo e decoro o endereço. O vendedor é burro e fala que a bike vai chegar em tantos dias. Espero o prazo e fico pela região. O cara é trouxa e tá louco pra mostrar a bike pros amigos. Aí é só esperar o otário sair de casa pra pegar uma bike zero bala. Por isso meu apelido é Zero Bala, só pego moto zerada e sem dar nenhum tiro! Zero Bala: moto nova e sem bala, hahahaha, muito boa! Sacou o trocadinho?
Rolling Stolen – Trocadilho!
ZB – É isso aí mesmo!
Rolling Stolen – E como você se informa sobre as bikes? Qual a sua preferida?
ZB – Ah, maluco, eu vejo na internet, leio nas revistas. Eu gosto muito das marcas mais da hora, como Honda, Yamaha, Suzuki e Kawasaki. As Srad são os mais fáceis de passar pra frente. Agora tem essas novas Kawasaki Ninja. Tem até 250, pra quem quiser começar na profissão de ladrão (risos). Mas eu não tenho nenhuma preferida. É como se diz “cavalo dado não se escova os dentes”...
Rolling Stolen – Olha... não se olha...
ZB – Olha o que?
Rolling Stolen – Nada, deixa pra lá. E você já foi preso?
ZB – Já me pegaram, mas a gente tem os esquemas. Como eu só tenho 155 (n.d.r: furto, subtração, sem emprego de arma) nem puxei cana. E eu só vou na certeza de que o otário não é da poliça. Fazer bike de poliça é sujeira pesada. Aí os caras vem pra cima e detona tudo. Tem esses nóias que saem pra fazer qualquer bike, sem estudar, sem inteligência e acabam pegando um poliça. Aí ou tombam mesmo, com um pipoco no meio das idéias, ou alguém acaba dedurando e o neguinho termina furado do mesmo jeito. Quando me pegaram dei um trocadilho pros gambé...
Rolling Stolen – Trocadinho!
ZB – Porra, que saco, mano, uma hora é trocadilho, outro hora é trocadinho, qualé? Quer me zuar?
Rolling Stolen – OK, deixa pra lá. E que conselho você daria pra quem começar na profissão?
ZB – Seje inteligente. Estude o otário e comece por baixo, pegando Twister, Fazer, essa Kawasaki nova Ninja 250, ou aquela 650 Ninja carenada. Depois parte pras bike da hora mesmo. Não fica de bandeira com a motoca e se for pra uso mesmo, pra zuar na comunidade, trate de esquentar logo a cabrita. A gente tem os mano de responsa que pina chassi e faz a documentação com papel lá do Detran mesmo, tudo limpo, na maior responsa. Se for pra picar já corre pro mano e entrega logo a bike. O melhor horário é depois das cinco da tarde, porque tá maior muvuca no trânsito e não tem comando da poliça. Das cinco da tarde até as oito horas da noite é sussa. Os gambé já tão tudo indo pra casa e a cidade fica liberada! E presta atenção nessas câmeras de filmar que tem em tudo que é esquina. Não adianta pegar uma moto e depois sua cara tá lá na TV pra todo mundo ver. Se liga, e se tiver aquelas câmeras por perto espera até ficar longe!
Rolling Stolen – Ok, Sr Bala, muito obrigado pela entrevista, vou só fazer umas fotos e... ué, alguém viu a máquina fotográfica que estava aqui?
ZB – Vacilão...
* Esta obra é ficção (ah vá!) qualquer semelhança com pessoas ou fatos da vida real terá sido um tremendo azar. Aos adevogados de plantão, promotores, juízes, policiais, delegados etc que se sentirem ofendidos, saibam que é ofendido que me senti nas duas vezes que fui assaltado a mão armada. Portanto, não encham meu saco, apenas trabalhem... (Geraldo Simões)
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