Sexta-feira, 11 de Março de 2011

Desculpe, engano!

Recentemente tive uma bela e bem argumentada discussão on-line com um grande, respeitado e importante jornalista brasileiro. Ele citava um estudo realizado nos Estados Unidos para defender o uso de telefone celular por motoristas brasileiros. Sei que minha coluna é sobre motos, mas os motociclistas são envolvidos nesta questão delicada do uso de celular ao volante (ou guidão).

 

Desde que comecei a estudar o assunto segurança veicular, em 1983, condeno toda e qualquer conclusão baseada em estudos feitos fora do Brasil, especialmente nos Estados Unidos. As pessoas lá são diferentes, a educação é diferente, as punições são rigorosas, os carros são automáticos, as estradas são boas e bem sinalizadas e eles estão geográfica e socialmente em outro mundo. Ponto final. Poderia parar o texto aqui, mas como tenho de digitar mais uns 4.000 caracteres vamos aprofundar o tema.

 

O maior engano que se comete neste caso é confundir o falar com o operar um telefone celular. Claro que qualquer pessoa minimamente adestrada pode dirigir e falar ao mesmo tempo, senão os taxistas e as mulheres já estariam extintos. Não é o ato de falar – e naturalmente ouvir – que atrapalha o motorista mas toda operação que envolve o falar ao celular (estamos deixando de lado sistemas de viva-voz e auricular).

 

Vamos lá. Quando toca o telefone o motorista:

 

a)    Localiza o telefone

b)    Se for celular deslizante ou com flip precisa primeiro acessar o teclado

c)    Procurar uma tecla verdinha de 10 mm e apertar

d)    Falar, ouvir e dirigir com apenas uma mão

e)    Desligar o celular

f)     Guardá-lo em local seguro pra não sair voando pela janela

 

Agora deixa o celular de lado e pense na frenagem. Um carro pequeno, tipo Gol, a 60 km/h percorre em média 24 metros para parar. Este número é baseado em teste de frenagem feito com carro novo e dirigido por piloto experiente. Quando se fala em frenagem de motoristas normais, existe um dado muitas vezes esquecido chamado “tempo de reação”. Este tempo é composto de:

 

a)    Identificar o problema

b)    O cérebro mandar uma ação para os membros

c)    O pé sair do pedal do acelerador e pisar no do freio

d)    O curso do pedal do freio

e)    Retirar a folga das pastilhas/lonas até entrar em atrito

 

Esse tempo, em um motorista adestrado (note que não escrevi “experiente”), faixa etária de 25 a 35 anos, saudável e com carro em boas condições é de um segundo em média. Mas pode chegar até a 2,5 segundos se for acima de 50 anos, sedentário ou inábil.

 

Agora volte a olhar aquela operação de atender o telefone e tente imaginar que um cara muito hábil consiga fazer os itens a, b e c em um segundo! Então pense num telefone tocando na hora de frear! Serão dois segundos até o carro começar a frear. A 60 km/h o carro percorrerá 33.2 metros antes de o freio entrar em ação. É quase metade de um quarteirão.

 

O melhor motorista que conheço um dia apareceu com a frente do carro amassada e confessou: foi o celular. Mas explicou: ao atender, o telefone caiu da mão e ele abaixou pra pegar. Neste momento o carro da frente freou! Pumba! E se fosse um pedestre? Um motociclista?

 

Os dois tipos

Especialistas em trânsito defendem que existem dois tipos de motoristas: os que se envolvem em acidente e os que PROVOCAM acidente. Geralmente no segundo grupo estão muitos motoristas novatos ou inábeis, sem adestramento, que esquecem de sinalizar mudança de faixa, se distraem ao mudar a estação do rádio, diminuem a velocidade ou param de vez ao atender o celular. E quem está em volta é que se acidenta. E os motoristas causadores do acidente nem percebem o que aconteceu.

 

A cada vez que o motorista desvia o foco para qualquer operação, ele estará percorrendo uma enorme distância sem controle da situação. Pode ser 15, 20, 30 ou 40 metros por segundo, dependendo da velocidade. A maioria das pessoas se esquece que a equação espaço sobre tempo é insofismável. Só para complementar, durante o ofuscamento, o motorista pode levar dois segundos para recuperar a acuidade visual. Se estiver a 120 km/h serão 66,6 metros de vôo cego.

 

São estes dados que devem ser estudados ao defender um estudo ou análise sobre segurança veicular. E jamais aceitar um estudo que tenha sido feito fora das condições de piso, manutenção, educação e fiscalização brasileiros. Carros americanos são automáticos e dificilmente se vê um motorista por lá dirigindo sem alguma coisa na mão, desde celular até hambúrguer, refrigerante, secador de cabelo (eu já vi!!!) etc.

 

E posso encerrar afirmando que pessoas são diferentes. Eu me considero um ótimo motorista, mas sou o primeiro a admitir que não consigo dirigir falando ao celular. Aliás, até desligo o rádio em algumas situações que exigem atenção extra. Da mesma forma que tem gente que consegue digitar mensagem de texto, dirigir, mudar de estação, desviar de um cachorro e assobiar o Hino Nacional. Claro que as leis não são feitas para essas pessoas super dotadas, mas são pensadas em pessoas normais como eu e minha desligada irmã.

 

Também gostaria de pedir muita atenção a estudos sobre trânsito. Lembro de dois testes feitos no Brasil envolvendo consumo de bebida alcoólica. Um com motorista e outro com motociclista. Nos dois casos o resultado surpreendeu a todos porque após as duas primeiras doses de bebida destilada o desempenho dos motoristas melhorou!!! Desconfiados de que o problema era a repetição do roteiro, que permitia decorar as dificuldades, nos dois casos os roteiros foram alterados e mesmo assim o resultado foi o mesmo, ou seja, num primeiro momento o álcool deixava o motorista mais “ligado”. Quando os cobaias já estavam quase cambaleando aí sim, foi um desastre total.

 

Mas ninguém leu este resultado nos meios de comunicação por uma razão óbvia: ninguém de bom senso seria capaz de defender que o álcool melhora a pilotagem de carro/moto. Por isso só foi divulgada a parte ruim.

 

Talvez o estudo americano sobre celulares seja um caso parecido. Quem tiver curiosidade para ler o estudo completo está aqui.

 

Preciso lembrar todo mundo que os Estados Unidos é aquele país no qual não é obrigatório usar capacete, mas os óculos sim. Pela legislação americana se alguém quiser estourar os miolos na rua, tudo bem, ele é dono do próprio nariz e faz o que bem entende. Mas por que a obrigatoriedade dos óculos? Porque se entrar um cisco no olho do motociclista, ele fechar os olhos e atropelar alguém, aí sim, ele se torna uma grande ameaça à coletividade.

 

O que está em jogo no caso do celular não é o que pode acontecer com o motorista tagarela, mas o que ele pode PROVOCAR às outras pessoas! 

 

 

tags:
publicado por motite às 16:44
link | favorito
De Roger a 11 de Março de 2011

Os 3 ultimos post foram ótimos, colocam vários pontos da questão de segurança.
Lembrando do post "morrem porque querem", eu completaria com "90% morrem por que querem". Os outros 10% morrem por culpa dos outros.
Tenho certeza que todos os leitores tem um ou mais amigos ou conhecidos que perderam a vida sobre uma moto. Eu conheço 2 que tinham experiencia , andavam com responsabilidade, mas morreram por causa de outros. Um caiu numa poça de óleo e acertou um guard rail, outro encontrou um carro na contramão no meio de uma curva.
De modo que me convenci que motociclista tem que viver com a possibilidade da morte. Não entendo nada de escalada, mas imagino que neste esporte se vc for treinado e prudente, os riscos são minimos. Já o motociclista ta sempre correndo o risco de achar um sujeito distraido no celular, ultrapassando em local proibido e assim vai.
É nestas que decidi aposentar minha moto. Como a paixão é grande, ia fazer isto até os filhos crescerem pra depois fazer os devidos treinamentos e partir para autodromos. Mas seu post anterior e outros acidentes em autodromos que vi parecem mostrar que nem a pista é segura.
Como um motociclista experiente e grande conhecedor do assunto, gostaria se saber se vc consegue botar a dona Tita na garupa e botar o pe na estrada tranquilo. Eu fazia isto, mas nas estradas do Lisarb não consigo mais.
: Sentimentos sobre seu amigo...
Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.

.mais sobre mim


. ver perfil

. seguir perfil

. 14 seguidores

.Procura aqui

.Fevereiro 2024

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
22
23
24
25
26
27
28
29

.Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

.posts recentes

. Prostatite parte 10: a vo...

. Prostatite 9: uma separaç...

. Prostatite parte 8 - A f...

. Prostatite parte 7: Começ...

. Prostatite parte 6: a hor...

. Prostatite 5: Sex and the...

. Prostatite 4: você tem me...

. Prostatite 3: então, qual...

. Prostatite parte 2: sobre...

. Prostatite: como é a vida...

.arquivos

. Fevereiro 2024

. Janeiro 2024

. Dezembro 2023

. Novembro 2023

. Outubro 2023

. Julho 2023

. Maio 2023

. Janeiro 2023

. Novembro 2022

. Agosto 2022

. Julho 2022

. Junho 2022

. Maio 2022

. Janeiro 2022

. Dezembro 2021

. Novembro 2021

. Outubro 2021

. Agosto 2021

. Julho 2021

. Junho 2021

. Maio 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Fevereiro 2021

. Janeiro 2021

. Dezembro 2020

. Novembro 2020

. Outubro 2020

. Setembro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Maio 2020

. Abril 2020

. Março 2020

. Fevereiro 2020

. Julho 2019

. Junho 2019

. Março 2019

. Junho 2018

. Abril 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Outubro 2017

. Setembro 2017

. Agosto 2017

. Julho 2017

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Novembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

. Agosto 2015

. Julho 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Março 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

.tags

. todas as tags

blogs SAPO

.subscrever feeds