Calma, não precisa ajoelhar...
Marca ou religião
Um dos estudos mais interessantes da comunicação é sobre os símbolos, ou ícones. Existem vários ótimos livros a respeito da natureza dos símbolos, desde as inscrições rupestres até hoje. Meu trabalho de conclusão de curso de comunicação social foi sobre simbologia e iconografia. Infelizmente foi redigido na época pré-computador e o original perdeu-se com tantas outras coisas.
Quando analisamos a religião por meio dos símbolos aí começamos a entender muito do que somos atualmente. Até o mais cético dos ateus se rende a um ou outro “graças a Deus”, ou “se Deus quiser”. Por ser essencialmente dogmática, religião é algo que não se explica, nem vale a pena tentar decifrar. Cada um tem a sua e vive – ou morre – com ela como bem entende.
Mesmo inaceitável é compreensível, porque desde a evolução da primeira bactéria em ser humano convivemos com algum tipo de religião. E a base da religião são os ícones, as imagens. Seja um crucifixo, uma estrela de seis pontas, um Buda gorducho, os santos, são infinitas imagens atreladas às religiões. Portanto é natural que um religioso carregue e defenda uma imagem como quem defende tudo que está por trás da imagem.
O que não é natural e menos compreensível é ver pessoas aparentemente esclarecidas defendendo uma marca ou produto com o mesmo fervor que professa a fé religiosa. É mais fácil entender e analisar o fanatismo por algum time de futebol (incluindo a Portuguesa e o América do Rio) do que explicar a defesa cega de uma marca de moto, carro, eletrodoméstico, cerveja etc.
Já escrevi várias vezes que o maior censor do trabalho dos jornalistas especializados não é o departamento de comunicação das montadoras, mas os donos dos carros e motos. Em resumo, funciona assim: se um jornalista elogia um produto, o produto é bom; se o jornalista critica o produto, o jornalista é ruim!
Da mesma forma que ninguém admite que sua religião é fajuta, dificilmente se vê usuário admitindo que comprou um veículo ruim.
Quer exemplos? Basta criticar marcas como BMW e Harley Davidson para o jornalista virar alvo de linchamento público. Não existe nenhuma sólida argumentação técnica sequer que justifique a adoração a qualquer modelo da Harley-Davidson, pelo contrário, é um produto tão prosaicamente simples que só recentemente recebeu injeção eletrônica. Mesmo assim, para os donos, é um alvo de adoração dogmática. E ai de quem criticar uma HD! Vai arder no fogo do inferno.
O caso das Harley é parcialmente justificável pelo retrospecto histórico da marca. Eu já escrevi a história dela algumas vezes: quando completou 90, 95 e 100 anos (e os 110 estão vindo aí!). Por ser um dos poucos produtos americanos ainda fabricado nos Estados Unidos, revela-se um lado ufanista por trás desta adoração. Ter uma Harley nos Estados Unidos faz qualquer pessoa, por mais mau caráter que seja, ser considerada como “um verdadeiro americano”. O departamento de marketing sabe disso e reforça essa característica.
Por todos os percalços que passou, quase fechando as portas, a marca recebeu um valor emocional que supera qualquer análise do produto em si. Pude comprovar este fenômeno em 1997 quando comprei um isqueiro Zippo (outro ícone americano) com o logotipo HD e eu nem sequer fumo! Pra disfarçar comprei uma toalha da Coca-Cola também!
Por isso os mais diferentes analistas do mercado afirmam que ninguém compra uma Harley pelo que oferece mecanicamente, mas pelo que ela significa em termos de estilo de vida. Assim como a religião, não se encontra uma explicação minimamente sensata para esta adoração a não ser fazer parte da uma turma, de uma fé.
Com outras marcas centenárias como BMW ou Ducati esta adoração se repete em escalas diferentes. Como um motociclista tradicional, eu passei a vida olhando para a marca BMW como um objetivo a ser alcançado. Sem levar em conta aspectos secundários como estilo de vida, status etc, minha ambição visava somente a qualidade do produto.
Mas... tempos modernos! A economia deu reviravoltas no mundo e quem tinha grana está penhorando até as calças, enquanto quem era duro já conseguiu atingir seus objetivos. Essa mudança forçou a BMW a produzir modelos mais acessíveis, além de aumentar a produção e fabricar em outros países, como a China e agora, Brasil.
Reflexo deste crescimento, ou não, a marca que recebia o status de campeã de qualidade já mostra o peso da maior escala de produção. Constantes recalls e defeitos persistentes tem deixado os donos de BMW frustrados com a marca. Eu mesmo estou enfrentando um calvário com a F 650GS que de longe foi a moto mais problemática da minha longa carreira motociclística!
Mesmo assim, quando se observa a série K 1300 ou a nova S 1000RR percebe-se que existe uma preocupação com acabamento e tecnologia que ratificam a fé na marca.
Então como entender pessoas que defendem marcas menos “nobres” como Suzuki, Kawasaki, Honda ou Yamaha como se fossem os mais elevados símbolos de fé e devoção? Definitivamente não consigo entender os “marquistas”, pessoas que de tanto admirar uma marca a defendem à beira da violência física. Lembra o fanatismo religioso que faz um sujeito amarrar 10 kg de explosivo no corpo e se arrebentar no meio da multidão só porque prometeram o reino dos céus, além de sete virgens.
Depois de passar 25 anos testando motos, confesso que não consigo ver uma diferença entre as grandes japonesas que justifique essa síndrome de fidelidade cega às marcas. Todas elas têm bons produtos e outros nem tanto. Juro por Deus (olha aí...) que não existe análise estritamente técnica e fria que coloque uma delas em evidência quando se avaliam exclusivamente os produtos.
Atualmente o que mais diferencia as marcas é o quanto de investimento podem fazer em divulgação. Quem aparece mais vende mais, aumenta o faturamento, investe mais em propaganda, torna-se mais vista, vende mais e assim por diante. Neste papel de “aparecer mais” está incluída a necessidade de expandir os pontos de venda.
Mesmo assim tem os marquistas que julgam uma marca de moto com a mesma flacidez científica que se avalia uma religião. Aliás, a religião é o melhor exemplo, porque podemos encontrar religiosos que adotam uma fé e vivem assim tranquilamente e aqueles que não se conformam apenas em professar a sua fé, mas insistem e brigam para convencer que a dele é melhor que a dos outros e que todo mundo tem de adotá-la. Daí as intermináveis guerras em nome da religião em pleno século 21.
Amigo(a) leitor(a), da próxima vez que entrar em uma discussão, seja pessoalmente ou pela internet, para defender a “tua” marca, pense na religião: você pode estar prestes a entrar em uma cruzada totalmente sem sentido!
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