Tudo começou aqui...
Não sei o que me deixou mais indignado: se a manobra da Ferrari para Fernando Alonso vencer o GP da Alemanha de 2010 ou a reação dos meus colegas jornalistas. Os brasileiros, claro, porque os jornalistas espanhóis e italianos se fregaram niente pelo episódio. Fiz questão de olhar a capa dos principais jornais europeus na segunda-feira por meio daquele ótimo site Today’s Front Page. Lá na Espanha campeão mundial de futebol,a principal notícia foi a vitória de um ciclista espanhol na Tour de France, espécie de Copa do Mundo de ciclismo. Nos jornais italianos a única observação triste foi a multa de US$ 100.000 imposta à “rossa”. Ou seja, a choradeira foi brasileira mesmo, como se nunca na história deste País um brasileiro não tivesse sido beneficiado por jogo de equipe!
Acompanho F1 desde antes do Emerson Fittipaldi. Mas naquela época as notícias vinham com três meses de atraso por meio das revistas Quatro Rodas e Auto Esporte. Lembro que os meus desenhos de F1 na infância eram dos carros de Jochen Rindt ou Jackie Stewart. Quando o Emerson ganhou da primeira corrida de F1 em 1970 a notícia foi muito discreta em alguns jornais.
Em 1977 comecei a trabalhar meio sem querer como fotógrafo e com ajuda dos padrinhos Ronaldo e Reginaldo Leme passei a trabalhar em todos os GPs Brasil de F1 até 1989, quando a era das câmeras digitais caríssimas interromperam meu futuro na fotografia. Mesmo assim foram 12 anos acompanhando de perto a principal categoria do automobilismo mundial. Mas antes disso assisti das arquibancadas todos os GPs Brasil desde 1972.
Peguei a fase dos carros ainda com suspensão e pouco down force. Era de arrepiar ver Ronnie Peterson fazer a curva do Laranjinha de lado com a Tyrrell de seis rodas. Ou o Emerson Fittipaldi mergulhar na curva 1 de pé cravado na McLaren. Coisa de macho alpha triboliano (com 3 bolas no saco!). Profissionalmente cheguei na F1 na era dos carros com grande pressão aerodinâmica, além de uma maior ainda pressão econômica por parte dos patrocinadores. Os carros não derrapavam mais e grudavam no chão que nem autorama. Mas ainda era bem romântica e os pilotos ganhavam pouco, comparado com hoje!
Quem está chiando com esse lance do Alonso e Massa não conhece a história da F1 ou está defendendo o ufanismo num ambiente no qual a única bandeira a ser defendida é a da vantagem econômica. Em 2010 o campeonato mundial de pilotos de F1 fez exatos 60 anos. Nos primórdios já havia o espírito de corporativismo nacionalista ao usar cores dos países na pintura dos carros. Os ingleses eram verdes, franceses azuis, italianos vermelhos etc. Ou seja, a equipe sempre foi mais importante do que a pessoa que arriscava o pescoço lá dentro. No período pós-guerra as nações européias viviam uma depressão moral gigantesca quem não resolveria nem colocando Lexotan na comida. Por isso era tão importante enfatizar a glória dos países e não de uma pessoa.
E quem conhece a história da F1 pré-oficial ainda vai se assustar com algumas presepadas do tipo: o carro do primeiro piloto quebrava e a equipe mandava o segundo piloto parar no Box para dar seu carro ao bonitão primeiro-piloto. E ai de quem reclamasse!
No finalzinho da década de 60 o genial Colin Chapman inovou ao mandar uma banana ao patriotismo e pintou seu Lotus de vermelho e dourado, cores da marca de cigarros Gold Leaf (folha dourada) e ainda mudou o nome da equipe para “Gold Leaf Team Lotus”. Pronto, neste dia acabou de vez a ingenuidade da F1 porque abriu um leque de interesses econômicos irreversíveis. Deste momento em diante vencer corridas não dava prestígio apenas ao piloto, ao país ou a uma marca de carro, mas fazia vender mais cigarro! E como se fumava naquela época!
Emerson no Lotus 72
Se é segundo é porque não é primeiro!
Dãããã, nada mais óbvio, só para os jornalistas brasileiros essa lógica tão cartesiana parece complexa demais. Então deixa eu refrescar a memória dos colegas de Lisarb. O Emerson Fittipaldi só ganhou sua primeira corrida na F1 em 1970 porque o primeiro piloto da equipe, meu ídolo Jochen Rindt tinha morrido e deixou um Lotus 72 novinho, com a revolucionária frente em cunha, acertadinho pronto pro brasileiro sentar e acelerar. Porque se Rindt não tivesse dado a castimbada no treino do GP da Itália, em Monza, Emerson teria corrido com o velho Lotus 49C de 1969 em forma de charuto com rodas e esperaria muito tempo para ser primeiro piloto.
Primeiros e segundos pilotos existem em qualquer modalidade desde a época jurássica do automobilismo. Não me perguntem o porquê, mas no motociclismo essa coisa de primeiro piloto nunca existiu, ou se existia eles têm uma forma muito estranha de camaradagem porque os pilotos de uma mesma equipe disputavam e disputam até hoje a vitória como se fosse briga de foice no elevador.
Voltando à F1, a mesma equipe Lotus foi acusada de ingenuidade em 1973 quando deu liberdade a seus dois pilotos Emerson Fittipaldi e Ronnie Peterson de se estapearem à vontade dentro das pistas. No final do ano Emerson reclamou barbaridade porque Peterson teria “roubado” pontos preciosos que impediram o brasileiro de papar o bi-campeonato. Sorte do Jackie Stewart que ganhou o terceiro título mundial.
Com jeito de quem aprendeu a lição, Chapman decidiu botar ordem no galinheiro e em 1978 convidou o ítalo-americano Mario Andretti para pilotar o moderníssimo carro asa. Mario aceitou com a condição de Peterson (de novo) se mantivesse como segundo piloto e jamais o ultrapassasse. Apesar de ser visivelmente mais rápido, Peterson teve de aceitar o papel de segundão e escoltou Andretti em várias vitórias que culminaram com o título do americano. Peterson não teve tempo de ver a promessa de ser primeiro piloto ser cumprida, porque morreu no GP de Monza do mesmo ano depois de uma porrada geral na largada.
A história da F1 mostra muitos mais casos de equipes nas quais havia uma determinação contratual de primeiro e segundo piloto do que equipes que liberaram a briga entre seus contratados. Os brasileiros não gostam de lembrar de certas coisas, mas nossos grandes pilotos como Emerson, Piquet e Senna vetaram vários companheiros de equipe e exigiram que a equipe trabalhasse só para eles. Mesmo assim houve brigas homéricas entre Piquet e Mansell na Williams e a famosa pancadaria verbal e efetiva entre Senna e Prost, além da já citada Emerson x Peterson. Mas os jornalistas brasileiros não escreviam textos indignados sobre o favorecimento aos pilotos da pátria amada. É mais ou menos assim: o Luis Fabiano pode ajeitar a bola com o braço para fazer o gol do Brasil, o Ayrton Senna pode vetar a contratação do Martin Brundle, mas o Alonso não pode exigir ser primeiro piloto... e ainda escrevem páginas e mais páginas evocando a falta de ética na F1, até citando o episódio de Rubens Barrichello em 2002!
Se tudo isso acontecia em uma época que as cifras de patrocínio eram ainda comedidas, imagine hoje, com a avalanche de dólares que cada equipe recebe por cada centímetro quadrado de publicidade em seus carros! Podem ter certeza que o salário do Alonso é beeeeeeeem maior do que o do Felipe, porque o brasileiro só foi campeão mundial por 20 segundos em 2008. Alonso foi campeão mundial duas vezes, levou um contêiner de dinheiro do banco espanhol Santander à Ferrari e por isso ele é o primeiro piloto e ponto final! É pra ele ser campeão mundial e Felipe terá de trabalhar para isso ou pedir demissão e correr na Lotus, Hispania ou Virgin, qual você acha a opção mais sensata?
Também não entendo a indignação dos torcedores brasileiros, pessoas que na vida corporativa são obrigadas a engolir sapos muito mais gordos, espinhosos e peludos do que correr na Ferrari e ganhar milhões de dólares por isso! Inclusive os colegas jornalistas! Quantas vezes um editor não foi lá e mexeu no texto a ponto de mudar até a opinião final e teve de aceitar ou procurar outra empresa? No mundo corporativo quantas vezes um gerente vai pro sacrifício em nome da empresa? Quem acompanha minha série de artigos “vida corrida” sabe que uma equipe de F1 em nada se diferencia de uma empresa ou exército. É um por todos e todos pela equipe!
Quem não gosta de ver este tipo de jogo de equipe tem a opção de mudar de modalidade. Na MotoGP, por exemplo, as equipes deixam seus pilotos literalmente se engalfinharem dentro da pista a ponto de formar duas equipes separadas dentro do mesmo time. Na MotoGP já se viu até uma moto da equipe correr com uma marca de pneu e a outra moto usar outra marca por pura exigência dos pilotos e se o patrocinador ficar ofendido que vá procurar outra equipe! Alguém consegue imaginar o Valentino Rossi deixando o Jorge Lorenzo vencer só pra ajudar a equipe? Nem por todo dinheiro do mundo!
Os jornalistas brasileiros precisam enfiar uma coisa na cabeça: Fórmula 1, GP2, Fórmula Fiat, Stock-Cars, F-Truck, motovelocidade, MotoCross e qualquer competição motorizada não é esporte. É negócio, business, sempre foi assim desde que Colin Chapman colou o adesivo Gold Leaf e cobriu o verde da Inglaterra com o vermelho e dourado da Gold Leaf. Se Fórmula 1 fosse esporte já deveria estar nas Olimpíadas! Esporte é uma atividade HUMANA, realizado por pessoas. O máximo que se permite de mecanização é a bicicleta e o barco à vela, porque não têm motor. Existe alguma modalidade olímpica movida a motor? Tá bom, tem o hipismo, mas sem cavaleiro o cavalo não participa!
Tenho vergonha quando vejo jornalistas-torcedores defendendo um piloto só porque traz no passaporte a nacionalidade brasileira, independentemente de resultados. Esse nacionalismo fora de moda atrapalha quem assiste uma competição pelo puro prazer de ver a DISPUTA, sem torcer especificamente para piloto ou equipe. Caso os jornalistas não saibam, existe gente que gosta de futebol sem torcer pra time nenhum! Eu vejo corrida de carro e moto pela emoção das disputas e tem mais gente que pensa assim no mundo. A F1 não vai perder um torcedor por causa de marmelada. Nada foi pior do que a presepada da Renault no GP de Cingapura de 2008, envolvendo um BRASILEIRO e a categoria resistiu, sem perder audiência por causa disso.
Se alguém ainda não percebeu isso, recomendo procurar uma atividade menos estressante do que o jornalismo. Ah, por favor, parem com essa bobagem de boicotar os patrocinadores e a própria Ferrari. Até parece que alguém deixará de comprar uma Ferrari F 360 Modena só porque “tiraram” a vitória de Felipe Massa na Alemanha!
Já escrevi centenas de vezes que piloto “bonzinho” não sobrevive. O mundo das corridas só tem lugar para quem tem colhão. Falando nisso, os três últimos grandes escândalos da F1 – espionagem da McLaren em 2007; manipulação do resultado do GP de Cingapura em 2008 pela Renault e manipulação do resultado do GP da Alemanha pela Ferrari em 2010 – tiveram como ator coadjuvante o mesmo piloto: Fernando Alonso! Hay que tener cojones...
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