(Moto, sol, curvas e montanha, tudo di bão! Foto: Tite)
Um fim de semana perfeito começa na sexta-feira com a previsão do tempo anunciando sol e temperatura amena nos dias seguintes. Entenda-se por amena, em maio, algo em torno de 6 a 15 °C. Ótimo para escalar montanhas de rocha, bom para curtir o friozinho da serra, mas bem desconfortável para quem pretende viajar à noite... de moto!
Foi com a temperatura descendo que nem elevador que preparei todo o equipamento de escalada, mais saco de dormir, ajeitei tudo na BMW F 650GS (a de dois cilindros, viu?) e me mandei pra São Bento do Sapucaí, na divisa entre São Paulo e Minas Gerais. Peguei a estrada à noite e o vento a 140 km/h provocava a sensação térmica de um freezer, com direito a pingüim e tudo.
No meio da Carvalho Pinto, parado na cabine do pedágio, percebi que a mocinha tremia de frio. Falei pra ela: “pega aqui” e ela obedeceu, sem cerimônia. Pegou delicadamente (percebi que ela tinha uma aliança na mão esquerda) e fez “ahh, que delícia”. Tudo bem, era só a manopla aquecida da BMW. Saí da cabine pensando quanto sofri na minha infância motociclística, entre 15 e 18 anos, quando viajava à noite, por estradinhas de terra, evitando a fiscalização, sob um frio congelante sem um décimo de equipamento que dispomos hoje. Roupa térmica por baixo, balaclava, casacos de material sintético, botas, luvas e até manopla aquecida.
Quando viajei de moto na Itália, em pleno outono, descobri que frio é uma sensação relativa. Tudo depende da qualidade e quantidade de equipamento colocado sobre o corpo. Fico feliz de ter à disposição uma bela quantidade de bons equipamentos e penso como meu avô sofria pilotando moto nos anos 50 com casaco de couro, bota de equitação, capacete aberto e cachecol de lã! E olha que nem existia o aquecimento global!
O fim de semana perfeito continua com um céu tão estrelado que perde-se a conta da quantidade de estrelas cadentes. Pouca gente gosta de viajar de moto à noite. Eu não me importo, desde que tenha uma ótima viseira de capacete, através da qual posso olhar mais o céu do que o asfalto. Viajo a 100/120 km/h para poder olhar o máximo possível as estrelas, sem a menor pressa de chegar. Evito parar e uso a velha e conhecida almofada de gel para a bunda não reclamar dos 220 km apoiado nela sem refresco. Graças à esta almofada pode-se viajar horas a fio sem massacrar a coluna.
Para deixar o final de semana ainda mais perfeito, a estrada precisa ter curvas. Muitas! Com asfalto bom e sem tráfego. Foi assim que encontrei a serra de Campos de Jordão e depois a estradinha com mais curvas que um intestino delgado que liga Santo Antônio do Pinhal a São Bento do Sapucaí. Curvas e mais curvas, com visibilidade perfeita, pneus bons e nada de guarda!!!
(Aquele pico ao fundo é o Bau. Eu estou na Ana Chata. Foto: Belê)
A arte do auto-controle
A idéia era escalar sábado à tarde e domingo de manhã para conseguir voltar a São Paulo antes do pôr do sol. Saiu tudo exatamente à perfeição. O tempo ideal, com sol forte, temperatura média de 19°C, uma bela rocha de sólido granito de uns 180 metros e a companhia de ninguém menos que André Berezoski, mais conhecido por Belezinha, campeão brasileiro de escalada esportiva e um dos melhores escaladores do Brasil. Escalada é como jogar tênis: quanto melhor for seu parceiro, mais se evolui no esporte. Escalar com um campeão é como um curso grátis! Para lembrar uma história envolvendo esse atleta clique aqui.
(O campeão e mestre André Berezoski, Belezinha. Foto: Tite)
Ao contrário do que se imagina, a escalada não tem tantos riscos, desde que obedecidas as normas de segurança, claro. Neste aspecto sou tão xiita quanto na moto e faço até back-up do back-up nos itens de segurança.
Escalar é uma atividade que exige absoluta concentração. A subida é feita usando apenas as mãos e pés, protegido por uma corda de 60 metros com 9,5 mm de diâmetro. Durante a escalada não dá pra pensar em mais nada além dos movimentos e aderência. É uma relação peso x potência semelhante à das motos. Se o escalador é pesado tem de ser forte. Se não tiver tanta força é essencial ser leve. Os escaladores esportivos são como as motos esportivas: leves e potentes. Eu estou no meio termo entre quase magro e quase forte, por isso consigo subir sem tanto esforço, curtindo cada segundo, cada metro de paisagem, a vegetação, os insetos e lagartos e até o cheiro do líquen da rocha, que fica impregnado no equipamento por dias seguidos. Um verdadeiro perfume! Comparando com as motos, sou como uma big trail, pesada, com torque em baixa, mas não muito veloz.
(Na parada, esperando o Belê. Foto: Belê!)
O complexo do Baú é uma grande formação rochosa na divisa dos municípios de São Bento do Sapucaí e Campos do Jordão. É composto por três picos: Bauzinho, Baú e Ana Chata. Fizemos a via Peter Pan, na Ana Chata, considerada fácil, especial para iniciantes, para terminar cedo e conseguir realizar outro dos grandes prazeres do fim de semana: comida mineira! Essa via tem aproximadamente 150 metros, com ótimas agarras. Só que tem uma caminhada de aproximação que fica íngreme e cansativa nos últimos 30 minutos de um total de 90.
De volta do cume da Ana Chata conseguimos ainda pegar o terceiro grande prazer do escalador (o primeiro é atingir o cume e segundo é tirar a apertada sapatilha): o terceiro é comer! Muito!!! O nosso restaurante favorito é o Taipa que serve a tradicional comida mineira, mantida em forno de lenha, devidamente acompanhada de pingas da região e cerveja. Muita!!! Depois de ingerir algo perto de 3.897 calorias nosso organismo volta ao normal.
Dor de cabeça
Na noite de sábado uma persistente dor de cabeça ameaçou meu fim de semana perfeito. Normalmente dor de cabeça após esforço físico é sinal de falta de alimentação correta. Nessa escalada eu tinha levado duas barras de cereal e comi apenas uma. Não consigo comer nada quando estou nas montanhas, às vezes forço uma barrinha ou então uva passa.
Mas a verdadeira origem dessa dor constante e metálica foi descoberta quando desfiz a mochila de escalada e percebi que durante as quase três horas de extremo esforço físico eu havia ingerido apenas meia garrafa de água. De uma garrafa de meio litro! Ou seja, durante todo esforço de caminhar, escalar e voltar eu tinha consumido apenas 250 ml de água, o equivalente a um copo de requeijão!
Esse problema foi resolvido com a ingestão de mais de 1,5 litro de água e um comprimido de dipirona pra garantir. Perfeito! Meu fim de semana estava a salvo.
O fim de semana ideal também precisa de uma festa e tivemos uma para celebrar o aniversário das gêmeas escaladoras Juliana e Gabi, com direito a churrasco e cerveja. Muita carne e muita cerveja. Adeus dor de cabeça...
(O objetivo é chegar lá em cima. Só o cume interessa! foto: Tite)
F-1 e via ferrata
O domingo de um fim de semana perfeito começa às sete da manhã, com o sol forte, friozinho e o ótimo café da manhã da pousada Canto Verde, com biscoitos caseiros e um bolo de cenoura, coberto de chocolate digno de comer ajoelhado. Ainda assisti a primeira hora do GP de Mônaco de F-1 enquanto arrumava minha mochila para mais uma escalada, mas dessa vez diferente.
Existe um tipo de escalada chamada de “via ferrata”. Ela é comum na Europa, sobretudo na Itália e consiste de uma via de escalada em rocha auxiliada por algum tipo de suporte que pode ser uma escada de metal ou uma espécie de corre-mão de aço chumbado na rocha. No Brasil pode-se encontrar esse tipo de via no Rio de Janeiro, no morro da Urca e a via do CEPI, no Pão de Açúcar, uma das mais famosas e visitadas. No Estado de São Paulo as vias ferratas mais conhecidas estão no Baú, com as escadas da face norte e face sul, construídas em 1950 e mantidas até hoje.
(Esta é a via ferrata do Baú. Foto: Tite)
Por ser aparentemente uma escalada simples e fácil, essas vias ferratas são campeãs de acidentes e mortes. Muito mais por desinformação do que por imprudência. Nós, escaladores, só entramos nestas vias com equipamento básico de segurança. Já os turistas sobem tão despreparados que é comum termos de resgatar alguém em pânico, com tornozelo inchado, com insolação, hipotermia, atacado por abelha ou vespa ou arrebentado por uma queda de alguns metros.
Foi minha primeira via ferrata, porque nunca fui fã desse tipo de escalada. Até que curti bastante porque o dia estava muito lindo. Dessa vez levei três litros de água e tomei tudo! Só não consigo comer nada nestas escaladas, até uma simples bolacha desce atravessado.
Para completar esta escalada perfeita encontrei amigos escalando vias que eu nem conhecia e aproveitei pra tirar fotos. O cume do Baú estava repleto de turistas, por isso fiquei pouco tempo. A vista lá em cima vale cada gota de suor.
(Amigo escalando as falésias do Baú. Foto: Tite)
Esta tarde perfeita terminou com mais uma refeição rica em calorias, desta vez no restaurante Pedra do Baú, com vista privilegiada da pedra do Baú. Serve a mesma comida mineira, com doces, pinga etc. Carne de porco, farofa e torresminho, quem resiste?
(No cume do Baú. Foto: Gasparzinho)
Este fim de semana perfeito terminou com o retorno para São Paulo, pelas centenas de curvas, abençoado por um fim de tarde maravilhoso e ainda a lua crescente, quase uma unha, despontando no horizonte recortado por montanhas.
Nem os quatro pedágios infernizantes da volta foram capazes de atrapalhar este fim de semana. E ainda chego em casa e encontro meu grande amor com cheirinho de banho! O que mais um homem pode querer da vida?
Outro fim de semana igual a este!
(Para encerrar o fim de semana: o amor da minha vida. Foto: Tite)
* Se você se interessou por escalada, quer dicas de hospedagem, restaurantes ou mesmo fazer um curso de escalada em rocha, basta me escrever no tite@speedmaster.com.br
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