Quarta-feira, 9 de Setembro de 2009

Minha vida de Cachorra

(Sim, eu sou SRD, mas sou limpinha!)

Dia destes eu deixei o notebook ligado em cima da mesa e quando voltei a Valentina estava datilografando com as patinhas. Dei maior bronca, porque ela estava de unhas compridas e arranhou todo teclado! Depois vi que ela tinha escrito esse texto para postar no Orkuticão dela. Ahá, mas cheguei antes e acabei com essa cachorrada! Bom, mas como ela até escreve direitinho, decidi publicar aqui no Motite. Aí está o protesto dela!

Meu nome é Valentina porque fui adotada no dia de São Valentino, sou uma fêmea SRD (sem raça definida, antes chamada de “vira-lata”) nascida há quatro anos em São Paulo. Não conheci meu pai, mas isso, para nós, não tem o mesmo peso do que para vocês, pessoas. Fiquei na rua os dois primeiros anos da minha vida, mas depois de passar uma semana na porta de uma casa, fui adotada pelo meu patrão. É, eu sei que vocês não costumam usar a expressão “patrão”, mas é assim que nós cachorros identificamos vocês. Não gostamos da expressão “dono”, porque somos livres e não nos consideramos propriedade de ninguém. Mas gostamos do termo patrão, porque também remete ao termo latino pater, que é a origem da palavra “pai”.

Bom, sei que vocês sabem muito a respeito dos cachorros, e que incentivam a adoção de mais e mais de nossos irmãos de rua, mas desconhecem os nossos sentimentos. Por exemplo, vocês sabiam que nós temos uma noção diferente do tempo? Nosso tempo é diferente do vosso, ou vocês já viram cachorro de relógio? Nós somos como os bebês humanos: não temos noção do tempo. Quando nosso patrão sai para o trabalho, por exemplo, não sabemos se vai voltar depois de 6 horas ou uma semana. Para nós, sempre que o patrão ou patroa somem das nossas vistas é como se nunca mais voltassem para casa. Os bebês são assim também, quando perdem a mãe de vista acham que é para sempre, por isso abrem o berreiro. E também é por isso que nós cachorros fazemos festa quando o patrão volta. E os bebês sorriem quando a mãe aparece depois de alguns segundos de sumiço.

Imaginem como é difícil para nós quando nossos patrões saem, no final de semana, e voltam depois de três dias. E nas férias? Uma semana, 15 dias, um mês inteiro! Meu patrão é jornalista e viaja várias vezes por ano. Chega a passar 20 dias fora, mas eu fico em um hotelzinho para animais. Na última viagem ele me falou duas coisas que me deixaram horrorizada: em Portugal, quando as famílias saem em férias, eles abandonam seus cachorros nas estradas e na volta compram outro. Na Itália, os cachorros de rua, como eu já fui, são capturados e usados como isca na pesca de tubarão no Mar do Norte! Vocês estão assustados? Imaginem como fiquei!

Então meu patrão prometeu me levar para viajar nas férias de verão. Fui até cortar meu pêlo porque achou que ficaria melhor no clima quente de Florianópolis. Eu já viajei de férias com ele uma vez. Fomos para Ilha Grande, RJ, e adorei aquela liberdade toda. Só não gosto de viajar de carro porque fico enjoada. Quando estava pronta para viajar, ele veio com a notícia: eu teria de ficar em casa porque em Florianópolis não admitem cachorros na praia.

(eu já fui pra praia. Olha eu - à direita - junto com meus patrões. Foto: Daniel Carneiro)

Existe um tal de centro de controle de Zoonose que diz que cocô de cachorro faz mal pras pessoas. Acho que estão certos, afinal é nojento pisar em cocô de cachorro, ou de gato, ou de qualquer outro bicho. Só que não podemos deixar de fazer cocô, é da nossa natureza, por isso meu patrão sempre leva um estoque de saquinho plástico e recolhe a sujeira que faço, leva pra casa e joga no lixo sanitário. Parece que em Florianópolis as pessoas não sabem recolher o cocô dos cachorros. É tão fácil, não suja a mão e nem transmite doença se for feito do jeito certo, usando o saquinho como luva. Ah, e não esquecer de lavar as mãos depois. Além disso, tomo vermífugo, só como ração e meu cocô é sempre sequinho.

E eu acabei ficando novamente 20 dias em um hotelzinho perto de casa. Mesmo assim eu uivava de tristeza à noite, porque estou acostumada ao meu patrão. A minha vida fica vazia, eu não faço meu passeio todos os dias e à noite choro como se ele nunca mais fosse voltar. Além disso sou obrigada a conviver com outros cachorros que me mordem e ficam atrás de mim o tempo todo!

Felizmente ele chegou e foi aquela festa. Ele contou que existem várias placas espalhadas proibindo cão na praia e até uma lei ameaçando multar e mesmo apreender os cães. Mas isso é uma tremenda burrice, porque cachorro não sabe ler. À noite, quando todo mundo está em casa, os cachorros e gatos de rua vão às praias em busca de restos de comida e do lixo deixados pelos turistas, fazem cocô, xixi e ninguém recolhe nada. Ou vocês acham que Florianópolis só tem cachorro de madame? Sabem do pior? meu patrão disse que nas praias Mole, Armação, do Forte e Matadeiro viu dezenas de cocô de gente, de vocês, humanos, nas pedras e até na areia! Parece que os turistas e pescadores adoram usar as pedras como vaso sanitário, mas não recolhem o cocô, que fica lá, provocando mau cheiro e transmitindo doenças, ou será que cocô de gente não tem doença?

De fato, essa cidade é estranha: tem uma quantidade impressionante de pet-shops e veterinários; tem uma imensa população de idosos e aposentados – que adoram a companhia de cães – mas ao invés de ensinar a população a recolher o cocô de seus cachorros, proíbe a nossa entrada na areia. Meu patrão diz que isso se chama fascismo porque é mais fácil proibir do que educar, orientar e fiscalizar.

Eu adoro praia, mas meu cocô sempre volta pra casa. Não preciso focinheira porque sou uma cachorrinha muito simpática, dócil e nunca mordi ninguém. Nem brigo com outros cachorros e cadelas. Mesmo assim serei obrigada a ficar em casa a cada verão.

Bom, menos mal, felizmente não nasci na Itália nem em Portugal!

 

 (Não me deixem só!)

+      +       +

Nota do Patrão!

Quando eu estava em Florianópolis consegui fotografar vários cães homelesses zanzando pelas praias, mas o CD deu pau e perdi as fotos. Basta visitar qualquer cidade do litoral norte de SP durante a semana para ver matilhas de cães soltos nas areias. Isso que me irrita: vc não pode levar seu cão vacinado e vermifigado na praia, mas os vira-latas caiçaras têm toda liberdade do mundo para cagar e andar pelas areias. Por acaso os vermes sabem a diferença entre dias úteis e feriados?

Tite

Nota da Nota

Depois de deixar a Valentina pela segunda vez no mesmo hotelzinho ela voltou cheia de pulgas, doente e deprimida.  Quando fui buscá-la no hotelzinho um dia antes do programado vi que o piso estava nojento, molhado de urina e cheirando a cocô. Até minha roupa ficou fedida. Cerca de um mês depois ela faleceu de ataque cardíaco no veterinário. Portanto, se quiserem deixar seus animais nestes hotéis, verifique antes com muito cuidado e faça uma visita de inspeção sem avisar nada. Marque a retirada, mas minta e vá um dia antes para saber se o animal está limpo e alimentado. 

publicado por motite às 16:09
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De Abrahão a 17 de Setembro de 2009
putz cara, muito boa a sakada da Valentina! Aqui em casa também tem um, mas é filho mesmo! Acho que a galera que pensa nesse tipo de lei nunca teve contato com um cão, pra saber como são amados pelos donos e como sofrem quando a gente tem que sair e deixá-los em casa!
De motite a 18 de Setembro de 2009
Poizé, eles usam a desculpa das doenças transmitidas pelo cocô dos cachorros. MAs aí vai um FPD dum humano, caga tudo e transmite tanta doença quanto um cachorro!

Sem falar que na segunda-feira os caiçaras soltam os milhares de vira-latas e cagam e andam para as plaquinhas de proibido cachorro na praia!

O mundo é bom, o que atrapalha são as pessoas!
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