Quarta-feira, 29 de Abril de 2009
(É isso aí, Truta, não seja um peixe fora d'água! Foto: Tite)
Você já reparou no discurso de quem volta da Europa? É sempre a mesma lenga-lenga:
- Nooooossa! Você precisa ver! As ruas são limpinhas, tudo organizado, as pessoas respeitam a faixa de pedestre, os motoristas respeitam as ciclofaixas, ninguém fura a fila (n.d.r: claro que essa pessoa não passou por Paris), os trens, ônibus e bondes são pontuais e... bla, bla, bla!
O diálogo segue as mesmas observações de sempre, enaltecendo as belezas e a cidadania do provo europeu e reservando aos brasileiros os piores adjetivos como “preguiçoso, sujo, mal educado, ignorante” etc e tal.
Sempre que ouço essa conversinha faço questão de comentar:
- Você precisava conhecer a Europa na Idade Média! As pessoas cagavam e andavam (literalmente) pra cidadania porque as casas nem sequer tinham banheiro! E os penicos eram esvaziados pela janela!!!
Guardadas as devidas proporções, como o Brasil tem pouco mais de 500 anos, ainda não dá pra cobrar as mesmas regras sociais de países com 20 séculos de história! Socialmente falando nem sequer entramos na adolescência, enquanto a Europa já é uma senhora de meia-idade.
Porém tem um aspecto que deve ser muito observado e, sempre que possível, repetido à exaustão: o efeito cardume! Já notou como as sardinhas se comportam em cardumes? Sempre estão juntas, naquela organização esquisita que só peixe mesmo consegue entender. Se a maioria vai pra esquerda é melhor ir também, porque se a sardinha ficar sozinha vira almoço de atum rapidinho.
Com pessoas o efeito cardume é mais ou menos o seguinte: quando um brasileiro chega à Europa e percebe que as estações são limpas, que os motoristas respeitam a faixa de pedestre, que as pessoas são gentis e os policiais corteses, esse cidadão que era quase um selvagem acaba se enquadrando nos padrões locais.
Em São Paulo eu acho admirável a limpeza do metrô. Dá pra pagar um prêmio pra quem achar um papel no chão, ou bituca de cigarro, cocô de cachorro etc. É o lado positivo do efeito cardume, porque ao chegar a um local sempre limpo e organizado ninguém tem coragem de ser o pentelho que jogará um pacote vazio de Doritos no chão.
Por outro lado, o efeito cardume também se manifesta para o mal. Se alguém jogar um sofá velho na calçada numa noite, logo depois terá uma montanha de entulho no lugar, para alegria de ratos e baratas.
Ou ainda, se algum carro estaciona em local proibido, em poucos minutos terá uma fila atrás dele. É o pior aspecto da cidadania solidária: “se ele pode fazer errado eu também posso!”.
No nosso mundo em duas rodas cada vez mais eu vejo o efeito cardume. Os motoclubes viajam em grupos para encontros, o que facilita o desenvolvimento de arquétipos, ou seja, modelos de comportamento. Se o comportamento for positivo, beleza, porque é o lado positivo do efeito cardume. O problema é quando o efeito cardume leva um dos integrantes diretamente para a boca do atum.
Metáforas à parte, isso significa que nem todo mundo é igual, tem o mesmo nível de experiência, as mesmas habilidades e a mesma carga genética. Semanalmente recebo notícia de acidentes nas estradas envolvendo alguém que estava viajando em grupo e saiu reto numa curva. Cabe ao grupo identificar quem é sardinha e quem é peixe-espada. Ou para usar outra metáfora do reino animal, quais são as aves de mesma plumagem. (Isso está parecendo um estudo zôo-social do comportamento motociclista).
O problema está justamente no comportamento social. Desde os primórdios da análise comportamental, sabe-se que os adolescentes precisam viver em grupo. E fazem qualquer coisa para serem aceitos no grupo, inclusive se submeter a trotes humilhantes ao entrar na faculdade. Só que nem todo dono de moto são exatamente jovens cheios de perebas no rosto.
Aí entra em cena outro aspecto desse perfil psicológico: ao comprar uma moto de 170 cavalos que chega a 300 km/h o adulto aparentemente equilibrado volta à adolescência e fará qualquer coisa para ser aceito no grupo, inclusive pilotar a 160 km/h sem estar preparado. Se o líder vai à frente a 200 km/h, o novo integrante segue atrás para ser aprovado no teste que o levará ao elevado status de integrante do grupo.
Com motoboys repete-se o mesmo arquétipo. Ninguém quer ser o “rolha de corredor”, ou o salame que respeita a faixa de pedestre ou o babaca que pára no farol vermelho. Todo mundo quer ser aceito pelo grupo, mesmo que tenha de rodar sempre em alta velocidade, buzinar sistematicamente, invadir a calçada, furar o farol etc. Isso é tão necessário para sua existência quanto respirar. E enquanto a maioria apresentar o mesmo padrão de comportamento o resto do cardume vai atrás.
Enquanto a maioria agir da forma errada dificilmente o cardume mudará de comportamento. Eventualmente uma ou outra sardinha é engolida pelos atuns do trânsito, mas o cardume segue em frente!
Tite, muito bom esse texto "Efeito Cardume", cai como "luvas" a nossa classe motociclística. Parabéns pela criatividade e objetividade em abordar "assuntos" que nos fazem refletir... e quem sabe, agirmos melhor ou com os "olhos mais abertos". Analogia ótima essa do "cardume" e grupos de tribos motociclísticas. Abraços :)
De Laurí Mayer a 30 de Abril de 2009
Grande tite...faz tempo que acompanho e admiro seu trabalho. Concordo com a maioria dos seus pontos de vista. Muito do que faço para pilotar com segurança, foi seguindo seus conselhos. Sobre seus comentários de que o Brasil é como é por ser um país jovem, eu discordo. Também já estive na Europa, sei como funciona, morei na Alemanha por 1 ano. Confesso que estou com depressão pós Europa, por morar neste país da impunidade...Pego como exemplo outros países jovens, como por exemplo nova zelandia, Aultrália, etc. O que faz um país são as pessoas, não a idade de sua colonização. Cara, e o preço das motos na Alemanha são muito menores que no Brasil. Paguei uma fortuna pela minha Twister, lá eu quase comprava uma CBR 600 RR. Forte abraço. Ah, quando eu tiver minha CBR 600, pode me esperar no seu curso de pilotagem. Grande Abraço !
De
motite a 30 de Abril de 2009
Ganz Genau, Lauri, vc tem toda razão, a Austrália é um país jovem e muito organizado. Então esquece essa parte da Idade Média e vamos nos concentrar nas motos mesmo. Nova Zelândia e atpe os EUA tb são países jovens. E a África é o continente mais antigo do planeta e veja só como vivem...
Depois eu pensei melhor e só não apago essa parte porque os outros leitores tb merecem ler e opinar a respeito.
Viele Danken
De Maurício Fontes a 30 de Abril de 2009
Alô Tite! Não concordo com a comparação que vc fez. O Brasil não está na Idade Média, está no mesmo mundo contemporâneo da Europa e outros! Por que alguns países conseguem, por exemplo, manter as calçadas limpas e outros tem habitantes que jogam lixo pelo vidro do carro? É cultural. Vc mesmo sabe que estamos num país onde é tudo ao contrário! Onde o chato é respeitar o vizinho e legal é o cara que leva vantagem em tudo.
De
motite a 30 de Abril de 2009
Maurício
Vc está certo, foi uma comparação infeliz. Leia o comentário em resposta ao Laurí Meyer
De Conrado a 30 de Abril de 2009
Mais uma vez, parabéns!
O contexto histórico apresentado foi exemplar. Se alguns pensam que as variantes apontadas não têm pertinência, basta observar o sul e o norte dos EUA para perceber como um processo de colonização repercute por séculos..., para o bem ou para o mal!
Efeito cardume! Trabalhando os arquétipos do grupo na busca da aceitação: na veia.
Abração
De Diomar Rockenbach a 30 de Abril de 2009
Puta que pariu TITE, a cada dia mais tu me surpreende. Teus testos são muito bons. Esse da sardinha tem tudo a ver, realmente o comportamento da maioria acaba influênciando o todo. Eu nunca fui a Europa, então não posso comentar a respeito, mas apenas não concordo que por termos "apenas" 500 anos que não podemos ser educados tanto quanto os europeus. O problema do Brasil na minha opinião, é que nunca foi visto como um lugar para prosperar, desde o descobrimento a preocupação foi extrair o que há de bom e levar para a Europa, o povo nunca teve sua devida importância, nunca ganhou educação, foi sempre explorado, o Brasil sempre foi o pais de alguns, e o resto que se dane.
Abraços
Cara! Você escreve super bem! Me surpreendo mais a cada texto. Sem puxação, seus textos me fizeram escolher a minha moto, meus equipamentos e me fizeram pilotar como piloto hoje (apesar de não ter feito, ainda, o speedmaster). Um grande abraço e continue influenciando positivamente esse cardume que te segue!
De Rodrigo a 2 de Maio de 2009
Falou tudo Tite ! Acompanho seus textos desde a época do motoline ,e admiro muito seu trabalho que impressiona cada vez mais com o nível das reportagens. Morei nos EUA e sei exatamente como é esse efeito cardume. Mandei esse texto pro meu irmão que ainda mora lá e ele disse '' Esse tipo de atitude consiente é o que deveria ser divulgado pela mídia ''. PARABÉNS e continue assim ...
Caro Tite
Sou Curitibano e apaixonado por minha cidade. Acostumei-me naturalmente a viver numa cidade onde as ruas são limpinhas, tudo organizado, as pessoas respeitam a faixa de pedestre, os motoristas respeitam as ciclofaixas, ninguém fura a fila, somos tratados como clientes no comércio em geral, enfim, todas as qualidades observadas por quem vai à Europa, com uma pequena difeença: aqui as pessoas não ficam enclausuradas dentro de uma redoma, com medo de tudo e de todos como acontece na Europa - tá certo que não vivemos duas grandes guerras em nosso território.
O que observo é que isso tudo é cultural; quanto mais ao sul do país torna-se mais fácil encontrar lugares assim, que não ficam nada a dever aos países de primeiro mundo.
Uma ocasião eu estava atrás de um carro de onde foram arremessadas cascas de tangerina no chão da rua. Imediatamente olhei a placa: Rio de Janeiro (perdoem-me os cariocas, poderia ser de qualquer outra cidade mas naquele dia era do Rio). Esse episódio aconteceu logo após a chegada de grandes montadoras em nossa cidade quando houve uma invasão de gente de outros estados, mas notamos que aos poucos eles foram se enquadrando ao jeito de ser do curitibano e paranaense, provando que a sua teoria do cardume é verdadeira.
Abraços - novamente, óóóóótimo texto
De Tiago Ayer a 3 de Maio de 2009
Salve, Salve !!!
Fala tite, blz ?!?
Descordo de você em um emocionante ponto, o Brasil não tem só 500 anos, o Brasil já tem 500 anos !
Digo emocionante pq esse pequeno ponto/detalhe é a desculpa que todo o "cardume" usa para ser o que são e fazer o que fazem.
Temos 500 anos de uma história de que só é capaz de mostrar que toda vez que nós, a nação Brasil, se indigna com alguma coisa, ela prontamente passa a pensar qdo será o próximo feriado prolongado para encontrar com os amigos, beber cerveja e falar que o país não presta ou não tem futuro, logicamente esquecendo ou fingindo que não percebe, que enquanto conversam a esse respeito eles estão jogando guardanapos e bitucas de cigarro no chão e com o som do carro alto como verdadeiros donos da rua( como vc mesmo já comentou em artigos anteriores).
Felizmente, trabalho muito desde meus 14 anos e no decorrer de todo esse tempo pude me dar ao luxo de conhecer algumas belas partes do nosso planeta, e com absoluta certeza, fiz os mesmos comentários que descritos em seu texto -- "Meu deus... ( pausa tomando ar) ... Como tudo aqui e limpo e funciona..." -- e depois de algumas viagens pude perceber o que nos torna diferentes, é o nosso jeitinho brasileiro de achar um culpado pra tudo.
O europeu, assim como os norte americano ( norte americano = canadenses + americanos) e o australiano, não jogam o papel no chão pq eles tem consciência que esse simples fato, que não é isolado, pois se isoladamente jogarmos um papel no chão, no final serão cerca de 180 milhões de papeis ao chão de forma isolada no nosso caso, caso Brasil, repercute de forma negativa em todos ao seu redor, ou seja, seu filho passa a achar que pode, o vizinho passa a achar que pode pq o seu vizinho o fez e por ai vai, já aqui no Brasil, ou Lisarb como perfeitamente vc define, a consciência de jogar o papel no chão morre ao pensarmos -- sim, estou me incluindo nisso pois somos uma nação e somos responsáveis pelos atos um dos outros -- de que pagamos impostos para que alguem limpe nossa sujeira ou simplesmente "a rua já está suja, um papel a mais não muda nada".
Enfim, depois de toda essa protelação, peço desculpas antecipadas por me fazer tão demorado, o meu único ponto, o qual defendo com total convicção é que já temos 500 anos e não só temos 500 anos.
[]'s
De Rodolpho Pajuaba a 4 de Maio de 2009
Tite, me lembrei da primeira vez que fiz uma viagem ao exterior. Pasei 2 semanas na costa Oeste dos US, principalmente em Los Angeles, e o comportamento do motorista lá é bem semelhante ao europeu: respeito ao pedestre acima de tudo, não buzina, dá a vez, sinaliza, esas coisas. Só que, ao contrário do comentário geral, que diz que brasileiro só respeita lei de trânsito porque está na Europa (ou, no caso, EUA), eu voltei de lá disposto a fazer minha parte, e respeitar as leis de trânsito como se estivesse lá ainda. Resultado? buzinadas nas costas, gente me ultrapassando pela direita e esquerda gesticulando que nem louco, pedestre com cara de impaciente porque você está dando a vez (e sob o ponto de vista dele, desperdiçndo o tempo dele). E agora?
Estou morando em Bruxelas agora, e nem sei qual vai ser meu comportamento se/quando voltar. Só acho que, se realmente há esse efeito cardume - e concordo, acho que há sim - , está na hora de criarmos um, positivo, para todos respeitarem as regras de trânsito. Vai que dá certo?
Grande abraço!!
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