
Apague o velhinho...
Hoje, dia 17, é meu aniversário de 50 anos! Pãtz, passou rápido. Parece que foi ontem que nasci! E como se repete em alguns anos, meu compleaño cai no feriado prolongado. Neste ano devo agradecer ao finado Joaquim José da Silva Xavier pelos quatro dias de folga.
Quando fiz 18 anos meu aniversário também caiu em um feriado. Acho que foi semana santa, não lembro, mas meus amigos, inclusive meus pais e irmãos, foram viajar! Estava sozinho em São Paulo em uma data muito importante. Precisava de uma festa sob o risco de entrar em depressão astral e cometer algum tipo de suicídio etílico, como encher a cara de licor de ovo.
Peguei meu carro – sim, leitores, eu era um mauricinho que dirigia desde os 12 anos e já tinha carro e moto aos 16! – e saí rodando pela cidade de São Paulo. Estava tão perdido e fui parar no bairro da Aclimação rodando que nem barata tonta. De repente, passando em frente a uma igreja percebi que se tratava de um casamento. Na hora tive uma idéia: “Pô, taí, a festa está pronta, cheia de convidados e sem gastar um centavo!”
Entrei na igreja, já escaneando o ambiente para identificar as famílias do noivo e da noiva. Observei que se tratava de famílias simples e que o pai da noiva estava numa alegria raramente vista. Colei no lado da família da noiva e fui só me aproximando e cumprimentando todo mundo.
- Parabéns sra, parabéns Sr, é um dia muito feliz, etc e tal...
Na certa, cada família me olhava como se fosse convidado do outro lado e vice versa. Na hora de cumprimentar noivos e padrinhos eu abracei o pai da noiva e comentei:
- Puxa, estou tão feliz, é uma noite para dupla comemoração: o casamento da sua filha e meu aniversário!
(18 anos, cabeludo e mauricinho...)
O homem me olhou de cima a baixo, mediu, remediu e eu imaginei que fosse levar a maior surra da minha vida. Nessa época eu tinha cabelo. Muito! E comprido! Nem todo mundo aprovava homens cabeludos. Mas mantive o cinismo até que o homem abriu um sorriso, emocionado, quase chorando, me abraçou e gritou:
- Então hoje é um dia para fica na história! Vamos pra festa!!!
Festa! E teria uma festa!
Segui o comboio de carros pelos bairros periféricos de São Paulo até chegar a um conjunto de casa muito simples e uma delas se destacava. Era dessas casas construídas aos poucos, com aposentos meio improvisados, escadas esquisitas em locais que nenhum engenheiro aprovaria, puxadinhos e... a laje! Festa na laje! Uma churrasqueira de tambor aromatizava o ambiente e vários barris de chope empilhados eram a garantia de que naquela festa ninguém passaria sede, nem fome, nem tristeza.
O pai da noiva me pegou pelo braço e saiu apresentando pra todo mundo, com a advertência:
- Hoje é aniversário do Geraldo, vamos fazer a melhor festa da vida dele!
As pessoas me tratavam com tanta alegria, gentileza e festa que por algum momento eu não sabia mais se aquela era mesmo uma festa de casamento ou do MEU aniversário. Ninguém deixava meu copo vazio, nem minha barriga! Era espetinho e chope. Chope e espetinho! Alguns convidados contavam partes da história daquela família que era o padrão daquela época: vieram do interior, Indaiatuba, o pai era pedreiro, depois mestre de obra até chegar a empreiteiro. A história típica do imigrante que se deu bem na cidade. Por isso a casa era esquisita, fora construída em etapas por ele mesmo!
O tempo foi passando, minha visão turvando, meu fígado empastelando, minha noção de responsabilidade desaparecendo e comecei a abraçar todo mundo como se fossem meus parentes mais próximos. Beijava, abraçava e – como convém a todo bêbado em festa – chorava de emoção. E ninguém fazia a menor idéia de quem eu era!
Quando minhas pernas já não suportavam mais o peso do corpo, consegui reunir um restinho de forças pra chegar ao carro, reclinar o banco e... apagar!
Acordei com o solzinho fraco típico de outono e a passarinhada fazendo uma barulheira fatal para quem está sob o efeito de uma ressaca avassaladora. Olhei em volta para checar se o conteúdo do meu fígado não tinha se rebelado e saído do corpo, mas estava tudo limpo e seco. Liguei o carro e fui pra casa, curtir o resto de ressaca.
Refeito, pensei muito naquele pai da noiva. Na sinceridade da alegria daquele homem. Na simplicidade daquela família e tive o impulso de voltar lá, agradecer e levar um presente. Mas como descobrir aquele endereço? Ah, fácil, na igreja!
Rodei por toda aclimação e não achava a Igreja. Não lembrava nada. Nenhum vestígio que identificasse a “minha” igreja. Em uma muito parecida o sacristão informou que não celebraram nenhum casamento. Perguntei, rodei e... nada!
Quando desisti fiquei imaginando até se aquela festa não teria sido um surto psicótico, uma alucinação, pesadelo, sei lá!
Depois do 18º aniversário vieram 32 outros 17 de abril até hoje. Fiz várias festas, recebi várias festas e comemorei meu aniversário de muitas maneiras: ao lado da família, de amigos, de colegas de trabalho. Mas aquele senhor, ex-pedreiro, empreiteiro, que alcançou o objetivo de vida ao criar, educar e casar a filha estava certo: aquela foi a melhor festa de aniversário da minha vida! Pelo menos é a única que lembro cada detalhe. Cinqüenta anos depois!
(Faz tempo que fiz 18 anos...)