(Trento, tem uma mulher lá que não gosta de brasileiro! Foto: italianvisit.com)
Trento é uma cidade ao norte da Itália que ficou famosa por ter recebido o “Concílio de Trento”, uma espécie de padronização das missas católicas. Essa foi uma das perguntas que mais caiu em vestibulares, portanto, se você é um vestibulando, saiba que Trento só serviu como sede do 19º concílio. O resto você vê o Google.
Também foi lá que estive, nocomeço dos anos 90, em viagem com minhas filhas, apenas com a intenção de pernoitar, vindo da Áustria, para seguir à Firenze no dia seguinte. Como sempre durante essas viagens econômicas, saíamos para fazer compras em quitandas, supermercados, padarias e preparávamos nossa ceia na cozinha dos albergues. Isso representava uma imensa economia ao final de uma viagem de 30 dias!
Quando paramos em frente às lindas frutas e verduras em uma dessas quitandas fui logo separando a provisão. Assim que encostei no primeiro tomate a dona da quitanda veio correndo, aos berros, mandando tirar a mão!
Mesmo criado por mãe, tias e avó italianas me assustei com a forma agressiva e violenta que a mulher avançou. Minha filha mais nova pôs-se a chorar imediatamente. Em seguida a senhora se acalmou e explicou:
- Deixa que eu mesmo pego, não precisa colocar suas mãos nas minhas verduras!
Pelo lado da higiene, a escandalosa senhora estava certíssima. Aliás, saiba que na Europa é quase um pecado venial ficar escolhendo frutas e verduras, tarefa que deve ser creditada apenas e tão somente ao funcionário da quitanda. Muito diferente do Brasil, onde a gente mete a mão em tudo, aperta, cheira, lambe, corta um pedaço, experimenta, regateia o preço e só então coloca na sacola e vai embora. Os europeus tratam UM tomate como se fosse a coisa mais preciosa do mundo, talvez explique o nome, em italiano, ser pomodoro, ou “pomo de ouro”.
Mas a forma como a velha avançou que nem um pitbull magoado não só me chocou, mas fez brotar uma raiva, com uma certa dose de sede de vingança. Só não sabia como. Até que ela notou que falávamos português...
Como todo italiano que identifica um brasileiro, ela veio com o mesmo papo “tenho uma filha (sobrinha, neto, tio, irmão, qualquer parente) que mora no Brasil!”. Dá vontade de responder:
- Grande coisa, por isso o Brasil é daquele jeito!
Enquanto ela colocava tomates, queijo e uns fungos secos no pacote continuou o assunto:
- Minha filha mora em São Paulo!
Pensei: “sim, cara mia, de cada cinco paulistanos três são filhos de imigrantes italianos”. Mas continuei calado, ruminando a raiva. Só tive força pra responder:
- É, eu também moro em São Paulo!
Pronto, ela desandou a revelar toda a árvore genealógica, desde Júlio César. Até que me entregou, de bandeja, a vingança prontinha ao falar que a filha trabalhava na Olivetti, morava nos “giardini” e se chamava Paola Franchinni (ou qualquer coisa parecida). O nome nem lembro mais, mas era o combustível que precisava para vendetta. Olhei bem pra cara dela, imaginei uma mulher com 25 a menos, cor de olho, estatura, cabelo e dei corda:
- Ah, sim, conheço! Eu conheço todo mundo que trabalha na Olivetti. Sou jornalista e estou sempre entrevistando os executivos! Ela não é casada com um brasileiro, o...
- Carlo! O nome dele é Carlo, puxa vida! Que coincidência, que mondo pequeno... blá, blá, blá...
- Sim, então, mas eu não tenho boas notícias! Ela perdeu o emprego faz dois anos, se separou do marido e hoje trabalha apenas como... bem, como posso explicar, ela é... bem, a senhora sabe... que trabalha na noite...
E a mulher abrindo a boca, tentando me interromper:
- Non é possível! Ela está bem de vida, formada, bem casada, tem um belo apartamento, deve ser outra pessoa!
- Não, não. Paola Franchinni, hoje é mais conhecida como Paloma, sim tem um belo apartamento e ganha muito bem, porque ela é uma... (cobri os ouvidos da minha filha pequena e olhei para os dois lados antes de sussurrar) putana!
Quando virei as costas para ir embora anda consegui ouvir os gritos vindo do fundo da quitanda:
- Desgraçado, mentiroso, brasiliano de m****!!!