Sexta-feira, 5 de Dezembro de 2008

Contos descontados

 

(RD 350: cheiro característico de óleo dois tempos, um perfume... Foto:Mário Bock)

 

Revirando minha velha coleção de revistas encontrei uma crônica perdida, publicada em outubro de 1985. Mantive as marcas e modelo de motos para você perceber como era o mercado naquela época. E uma curiosidade: eu brinquei com o fato de muitos filmes aplicarem sons errados nas motos. Era um tal de BSA com som de Yamaha! E pasme, no ano passado, em 2007, 22 anos depois de esta crônica ser publicada, a Yamaha do Brasil encomendou um filme publicitário para o lançamento da XT 250 Lander. E não é que a agência altamente especializada meteu um som de motor dois tempos!!! Em suma, há 22 anos venho tentando ensinar alguma coisa a essa gente, mas parece que ainda não aprenderam... Boa leitura!

 

Fim, fom, fum, sinto cheiro de moto...

 

Boa audição e um olfato apurado. E só isso que alguns motociclistas precisam para reconhecer uma moto que está fora do alcance da visão. E chegam até a surpreender os menos experientes, apontando o modelo, o motor, o ano de fabricação, a cilindrada...
 
No exato momento em que o professor chamava a atenção dos alunos para conse­guir um pouco de silêncio, um barulho vindo de fora abafou a sua bronca. Sem conter a fúria, o professor reclama:
 
- Droga, já não basta o barulho que vocês fazem aqui dentro, ainda têm que ficar passando estas motonetas barulhen­tas pela rua!
 
Sem pestanejar, um vivo garoto ruivo e sar­dento interrompeu:
 
- Não é motoneta, professor, é uma Yamaha RD 350LC.
 
Não é fácil distinguir uma moto só pelo ronco do escapamento, mas o fanatis­mo de uns, aliado às poucas marcas de moto existentes no mercado brasileiro, faz com que alguns motociclistas ou simples admiradores dos veículos de duas rodas percebam a presença de um certo modelo só pelo barulho ou até mesmo pelo cheiro.
 
Ninguém mais admite, por exemplo, que o galã da novela pare sua possante, Honda CB450 na portada casa da mocinha e, ao acelerar, produza um ronco inconfun­dível de Yamaha RD-Z 125. Atualmente, os técnicos de som estão evitando esta gafe, utilizando o som gravado diretamente da moto. Portanto, aquelas Agrale que apare­cem na televisão em algumas novelas não foram dubladas por Honda XL 250 R. O som que se ouve é a voz autêntica da atriz .
 
Dizem que os animais domésticos re­conhecem a voz do dono. No caso das motocicletas são raríssimos os donos que não reconhecem a voz de sua cria. Os mais íntimos com o engenho chegam até a comentar:
 
- Pobrezinha, acho que exigi demais dela no trânsito, ela está parecendo um pouco rouca.
 
As namoradas, então, jamais confun­dem o som da moto de seu amado. E nem podem. Imaginem o que aconteceria
se uma garota saísse correndo ao portão, acreditando encontrar o namorado e sua Honda ML 125 e desse de cara com o carteiro de moto, entregando um telegra­ma ao vizinho. No mínimo, o namorado iria matriculá-la num curso de mecânica para, finalmente, perceber a diferença entre uma moto novinha, bem cuidada, com 3 mil Km, e uma moto de frota com 120 mil Km, batendo válvula, com folga na biela e um furo no escapamento.
 
Sinto cheiro de dois tempos
Uma das diferenças mais sensíveis en­tre o motor dois e quatro tempos é cheiro dos gases expelidos. Enquanto no motor quatro tempos a fumaça é quase inodora, exceto quando os anéis estão gastos e o óleo do cárter é queimado na câmara de combustão, no motor dois tempos o óleo misturado com a gasolina produz um odor característico. Ou melhor, quase sempre característico.
 
Um motociclista colegial, com sua Mo­byllete, certa vez ficou inconformado de não poder sair com sua moto por falta de grana para comprar uma lata de 1/4 de litro de óleo dois tempos. Sem esconder a frus­tração, entrou em casa determinado a encontrar uma solução. A resposta estava bem ali, na cozinha, em forma de óleo de soja. Não teve dúvida, pegou a lata e des­pejou um copo dentro do tanque da moto, completando com a gasolina devidamente surrupiada do carro do pai, balançando bastante o ciclomotor para melhorar a mis­tura. Ao se encontrar com a turma, não foi fácil explicar de onde vinha aquele estra­nho cheiro de peixe frito.
 
Mais tarde, o mesmo motociclista tro­cou o ciclomotor por uma Yamaha 125cc, toda equipada no melhor estilo esportivo. Guidão baixo, rodas de magnésio e um cheiro muito particular de óleo dois tempos. Mas não era um óleo qualquer. Era de uma marca que, quando queimado com a gasolina, exalava um ver­dadeiro perfume de máquina de competi­ção, fazendo os pêlos arrepiarem e o sangue ferver só de sentir o aroma do óleo Castrol M-50, especial de competição, que apesar de mais caro valia só pela sensação de superioridade que dava ao dono da moto em relação aos outros reles mortais.
 
(Honda CB 400Four: som inconfundível de motor quatro cilindros)
 
Quando o mesmo motociclista cres­ceu um pouco, a sua identidade motoci­clística passou a ser o ronco de sua Honda CB 400Four, com escapamento 4 em 1 e saída livre. À noite, quando voltava da fa­culdade, toda a vizinhança ficava sabendo, inclusive a namorada, que às vezes fazia perguntas embaraçosas sobre certa aula que terminou às 3 da madrugada.
 
Aliás, explicações são constantes para quem tem uma moto de ruído próprio. Principalmente quando alguns motociclis­tas, como o nosso colega, que gostam de esportividade, adotam a descarga livre e despejam alguns decibéis a mais do que permite a lei. No Detran de São Paulo, um motociclista tentava disfarçar o ronco de sua moto com uma lata de cerveja enfiada no escapamento, para abafar o som. Mas ao ligar a moto, a lata foi lançada pela pressão do escape e o projétil quase atin­giu a canela do oficial que inspecionava as motos. O resultado foi a multa e devida apreensão do veículo, além da repreensão ao piloto.
 
Para meio entendedor
Quem conhece moto a fundo não só é capaz de identificar o modelo pelo som, mas como também detectar possíveis de­feitos só de ouvir o ronco de um motor, mesmo à distância. Esta propriedade audi­tiva pode ajudar muito na hora de comprar uma moto de segunda mão. Por mais que o vendedor afirme que o tic-tic do motor é normal, o experiente motociclista de ouvi­do apurado sabe que o tensor da corrente do comando de válvula já não permite mais regulagens.
 
Existem outras ocasiões nas quais o ruí­do da moto revela segredos, como a personalidade do piloto. O motoci­clista zeloso não permite que sua moto tenha qualquer peça provocando som ex­cessivo. Um pequeno barulho no suporte da placa já é suficiente para fazê-lo perder horas até detectar e eliminar o ruído.
 
Da mesma forma que os irrequietos motociclistas preferem a quantidade de decibéis proporcionado pelo escapamento ao real desempenho e durabilidade do motor. Quem reconhece as motos pelo som sabe perfeitamente o quanto é desaconselhável uma turminha de adolescentes com seus ciclomotores, todos sem silenciador no escapamento, passando em frente de casa justamente na hora em que se tenta conversar com uma tia-avó por telefone.
 
Um ouvido bem treinado e um nariz apurado são capazes de distinguir as mar­cas de moto, o desenho do escapamento, a marca de óleo, etc. E todo mundo que curte moto sabe que, por mais distraído que esteja, um barulho ou cheiro de moto nunca passam despercebidos.

 

publicado por motite às 13:45
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De MIRO a 5 de Dezembro de 2008
A crônica foi publicada em 1985/out, mas poderia simplesmente ocultar a data que certamente qualquer data faz parte desta crônica!
Vi, vejo e verei. Vi meu pai sentindo/fazendo isso, Vejo eu sentindo/fazendo isso e verei meus filhos sentindo/fazendo isso.
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