Sexta-feira, 15 de Janeiro de 2016

Linha que mata

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Antena em BMW é de chorar, mas não tem jeito. Esse da foto sou eu mesmo. (Foto: Vespaparazzi) 

No período de férias aumenta o risco de acidente com cerol 

Algum tempo atrás estava viajando para o litoral de São Paulo pela rodovia dos Imigrantes. Ainda no trecho urbano percebi que o céu estava coalhado de pipas e já fiquei esperto. Pouco depois de Diadema vi uma moto custom parada no acostamento e o motociclista gesticulando como se estivesse enroscado em alguma coisa: eram alguns metros de linha de pipa... com cerol! Felizmente atingiu só a moto. 

Pipa, papagaio, pandorga, quadrado, arraia seja lá qual for o nome, é um dos brinquedos mais antigos da humanidade. Assim como a bola, é uma das poucas brincadeiras acessíveis a pessoas de qualquer estrato social, cultura, idioma, nacionalidade etc. A pipa – ou “o” pipa, cada região usa um gênero diferente – está presente em todos os continentes. Assim como é divertido apenas soltar a pipa no ar e manter o controle, também é divertido competir para ver quem laça a pipa do outro. Ou, como dizem em alguns idiomas, quem caça a pipa. Competição que deu origem ao belíssimo romance “O Caçador de Pipas”, de Khaled Rosseini. 

É preciso ser habilidoso para laçar uma pipa e não ser laçado. São movimentos feitos a mão que faz a pipa subir, descer, girar para os lados e dar o ataque que faz a outra “morrer” enroscada em sua linha. 

Só que existe uma outra modalidade de caça: o corte da linha. Um caçador simplesmente corta a linha do outro para ver a pipa adversária entrar em uma triste espiral e chegar ao solo. Nessa tarefa de cortar a linha é que mora o perigo. Para melhorar a eficiência do corte usa-se vidro moído misturado com cola branca, chamado de cerol. Essa pasta forma um poderoso cortante capaz até de serrar madeira, plástico e alumínio. Imagine o que faz na carne! 

Lembro da minha infância (lá nos anos 60), que já se usava cerol na linha e para os soltadores de pipa não se cortarem colocavam o dedo dentro de um vidro de remédio para estômago. Era um tubo com a medida certa para um dedo indicador. 

Mas nem tudo é tão ruim que não possa piorar. Depois do cerol foi a vez da “linha chilena”, feita com cavaco de metal, também misturado com cola, mas com um poder 100 vezes maior de corte do que o cerol. Um teste mostrou que a linha chilena representa cerca de 30 vezes a passagem de uma serra tico-tico. Contra esse material não há nada capaz de oferecer proteção, nem uma armadura medieval. 

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Se não tem como instalar a antena em sua moto use um protetor de pescoço. (Foto e pescoço: Tite) 

É legal?

Existem motoclubes defendendo a simples proibição das pipas. Já que motociclista é uma das categorias mais injustiçadas quando se trata de leis de trânsito, a proposta é nada mais do que devolver na mesma moeda. Por exemplo, se a solução para acabar com os assaltos nas saídas de banco é proibir o transporte de passageiro em motos, colocando todos os motociclistas na condição de bandidos, poder-se-ia proibir soltar pipa em vias públicas colocando todos na condição de assassinos sanguinários. 

Nem uma coisa nem outra. Motociclistas não são bandidos e quem solta pipa não é assassino. Porém, da mesma forma que a moto é usada como ferramenta de ações criminosas, as pipas estão matando. Como equacionar isso? Só existe uma resposta aceitável: educação + fiscalização. Qualquer pessoa entra nos sites de compras livres e acha cerol ou linha chilena pra vender. Como essas pessoas não são presas? 

O Estado adotou a solução mais fácil, seguindo a elementar cartilha fascista: obrigou os motofretistas a usarem uma antena corta-linha em suas motos. Sim, porque dessa forma não tem obrigação de fiscalizar quem causa o acidente, mas somente as vítimas. E ainda tira das costas uma possível responsabilidade civil, porque caso algum motociclista morra degolado por uma linha com cerol o Estado pode justificar que criou uma lei obrigando o uso da antena corta-linha. 

É o Brasil sendo o Lisarb de sempre, onde tudo é ao contrário: a vítima fica com o ônus da proteção. 

Naquele episódio descrito no primeiro parágrafo, havia um carro da policia rodoviária a 50 metros de distância. Cheio de paciência e cidadania parei e avisei aos policiais que tinha muita gente soltando pipa perto da estrada. Ele se limitou a informar que isso era um “problema da Guarda Civil Metropolitana”. Viu como é simples resolver os problemas? Transfere para outros! É muito difícil colocar a GCM, a policia militar ou a rodoviária para fiscalizar essa atividade próxima das estradas? Imagine, quanta ingenuidade a minha, eles estão ocupados multando... Lembro que a GCM recebeu também autorização para aplicar multa de trânsito. 

Só um alerta: quem solta pipa não é criança, como se acredita inocentemente ou como no belo romance citado, mas adultos. São dados da AES/Eletropaulo que sofre com os acidentes com linha de pipa na rede elétrica. Segundo pesquisa da empresa, 60% das vítimas desses acidentes tem entre 18 e 25 anos. 

Fico imaginando se o Estado decide usar essa mesma estratégia com outras ocorrências. Por exemplo, com as vítimas de bala perdida. Em vez de acabar com essa guerra civil que tomou conta do Brasil, pode obrigar cada cidadão a ter seu colete à prova de bala. Inclusive para crianças. Assim, em caso de tiroteio o cidadão estaria protegido. Se por um tremendo azar a bala atingir a cabeça, será computado como fatalidade. 

Parece loucura? Mas é exatamente essa a lógica usada para “resolver” os acidentes com motociclistas vítimas de linhas de pipas. Não existem dados oficiais, mas sabe-se que pelo menos 100 motociclistas são atingidos por linhas de pipa todos os anos e 25 deles morrem. É pouco sim, estatisticamente falando é uma probabilidade muito baixa, mas quando acontece com alguém é 100% dele que morre. É 100% de um filho que vai embora. É 100% de um pai que é enterrado. Cansei de ser estatística.

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Protetor de pescoço da HLX: já testei e funcionou! 

 

Como eu já peguei linha de pipa cinco vezes (isso mesmo, cinco!!!), mas nenhuma com gravidade, aqui vão alguns conselhos: 

  • Coloque a antena em sua moto. Sim, eu sei, é horrível, te deixa parecido com motoboy, mas é a sua vida e não existe nada mais fora de moda do que morrer degolado no século 21.
  • Claro, nem todas as motos aceitam uma antena, por isso também pode-se recorrer aos pára-brisas, especialmente nas motos custom ou big-trail. Além de evitar a linha ajuda a manter a audição por mais tempo porque desvia o vento (e o barulho) da cabeça.
  • OK, você não quer nem antena nem pára-brisa, então existe ainda outra solução: os protetores de pescoço. Feitos de neoprene com vários cabos de aço por dentro, ele protege se a linha chegar na região do pescoço. Mas tem o desconforto do calor. Só uma dica: primeiro afivele o capacete, depois coloque o protetor. Não passe a cinta jugular por cima do neoprene porque esse material é deslizante.
  • Fique especialmente esperto nas bairros periféricos. Para saber se uma região é mais “pipável” olhe os fios da rede elétrica. Se estiver cheio de rabiolas de pipa fique atento.
  • Toda estrada perto de áreas urbanas são locais perfeitos para soltar pipas porque tem menos fios e bastante área livre. Até os canteiros centrais são usados livremente, bem na frente dos policiais rodoviários que, como já disseram, não podem (e não querem) fazer nada. Aliás, ninguém pode.
  • E mais ainda em fins de semana e época de férias, quando a criançada está toda na rua!
  • Se estiver sem antena, nem protetor de pescoço e perceber que o céu está cheio de pipas, fique próximo de um veículo alto (ônibus ou caminhão baú) para usá-lo como escudo. Mas não tão próximo... mantenha os dois segundos de distância.
  • Fique de olho se seus filhos, sobrinhos, vizinhos soltam pipas e faça sua parte: explique o perigo do uso de cerol. Muita criança também se corta gravemente apenas manipulando o material. E denuncie se descobrir alguém comercializando esse material.
  • Se não acredita em nada disso que acabou de ler, clique AQUI.

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Tite Simões, jornalista, instrutor de pilotagem dos cursos SpeedMaster e ABTRANS.

publicado por motite às 17:59
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Sexta-feira, 8 de Janeiro de 2016

Trovão vermelho: Ducati Panigale 1299

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Fim da reta a 317 km/h: segura o coração!

Como é pilotar a Ducati Panigale 1299 na pista de Mugello

Scarperia é uma pequena vila italiana com pouco mais de 7.000 habitantes na região Toscana, a 35 km de Firenze. É daquelas cidadezinhas medievais compostas de uma rua, uma igreja e um castelo. Não tem grandes atrações turísticas a não ser por um autódromo. O circuito de Mugello.

Fundado em 1914, essa pista passou por várias reformas até chegar ao atual traçado de 5.245 metros, com 15 curvas e uma reta de 1.141 metros. Atualmente ela pertence à Ferrari, mas está sendo negociada a venda para a Audi, marca alemã que recentemente comprou a Ducati. E é por isso que eu estava nessa pista no dia 10 de setembro de 2015: pilotar a Ducati Panigale 1299 durante o Ducati Riding Experience.

Como me hospedei em um albergue a apenas 1.800 metros da pista decidi ir até o circuito no dia anterior, a pé. Não tem uma explicação muito sensata para isso, mas sempre que vou pilotar em uma pista que não conheço gosto de passar um dia antes nem que seja para conhecer o caminho. O trajeto a pé passa por plantações de azeitonas, uvas, abóboras e serpenteia por uma estradinha vicinal sem acostamento. O único ser humano andando a pé era eu. E como não podia deixar, cometi o meu tradicional erro por pura ansiedade. Quis olhar a pista por cima de um muro e na tentativa de subir em um tronco caí que nem um saco de batata, machucando a canela, mau presságio?

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Pode escolher: a sua moto é aquela vermelha ali 

Pontualmente às 7:00 da manhã do dia seguinte passei pela guarita que é um enorme capacete vermelho e fui direto para a sala de briefing, onde seriam passadas as informações sobre a moto. O responsável pelo discurso foi Dario Marchetti, que nos contou as principais mudanças do modelo 1199 para o 1299. Na verdade é uma moto praticamente nova. Quem olha de repente não percebe grandes alterações, mas começa pelo motor, que aumentou a capacidade volumétrica, com novas medidas de diâmetro e curso. Os cilindros agora são de aço e não se trata de uma involução, mas sim de uma questão de tamanho mesmo. Com aço é possível fazer paredes mais estreitas e manter as medidas externas do motor. A potência chegou em 205 CV a 10.500 RPM e o torque está em 14,7 Kgf.m a 8.750 RPM, o que dá uma faixa útil de 1.250 RPM, quase um motor de corrida.

Outra importante alteração foi na central eletrônica Bosch, de última geração, capaz de perceber o tempo todo os ângulos de inclinação da moto em todos os sentidos. Dessa forma ela controla desde as empinadas, até suspensão e os freios. Aliás, o tempo todo meu instrutor me alertava para frear o mais dentro da curva possível com a moto inclinada. Bom, depois vou explicar isso em detalhes. Aqui mesmo no Motite eu já dei uma prévia dessa moto com detalhes sobre eletrônica, chassi etc.

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Painel, com cronômetro, termômetro, acelerômetro só faltou desfibrilador! 

O painel é algo tão completo e complexo que merece um curso avançado. Um usuário que não estiver acostumado com processamento de dados vai sofrer um pouco porque, entre outras coisas, é preciso informar qual medida de pneu está usando para que a central eletrônica comande a potência do motor conforme o perfil dos pneus. Essa Panigale foi inteirinha reprojetada em relação à 1199 e como só pilotei as duas em autódromo, a avaliação será na base da cobra fumante, só desempenho em pista, portanto não faço a menor ideia de como essa Ducati se comporta na estrada ou cidade. E quem se importa? 

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Deita muito, mais do que a gente imagina - e não cai! 

Invertido

Preciso voltar um pouco no tempo. A minha viagem foi combinada para participar do DRE – Ducati Riding Experience – curso de pilotagem oficial da Ducati, ministrado por grandes campeões mundiais e europeus. Uma espécie de PhD de pilotagem. Quando cheguei em Mugello, no dia do curso, fui informado que eu e outro jornalista inscrito ficaríamos na turma mais avançada e teríamos à disposição a nova Panigale 1299S totalmente original, inclusive com os espelhos retrovisores. Nossas motos eram as únicas com espelhos, o que me ajudou muito para identificar as fotos! E mais: ambas tinham acabado de ser ativadas e foram apenas amaciadas no dia anterior. Zero, zerinho, cheiro de novo no ar.

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Esta era a "minha"Panigale, com espelhos, piscas, zero bala total. 

Esse tipo de coisa mexe com um testador de moto, porque subir em uma moto que nunca foi usada é de uma responsabilidade muito grande. Só passa uma coisa pela minha cabeça: não posso cair!

Depois do briefing o meu instrutor, Nicoló Canepa, me mostrou o painel de instrumentos e todos os comandos dos punhos. Quando vi a quantidade de informações pedi pra ele deixar tudo na configuração Sport, que é a penúltima na escala da zona do agrião, depois dela vem a Race, para uso em competição com pneus slick.

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Achou pouco? então inclina mais um um tanto! 

Olhei bem para a moto antes de sair do box para lembrar como ela era antes de as peças saírem voando, caso eu me estabacasse. É uma obra de arte sobre duas rodas. Não tem um pentelho que encontre defeito de acabamento ou mesmo de estilo. Nada. Faróis de LED, escapamento embutido, encaixes da carenagem perfeitos, pára-lama dianteiro de carbono, o desenho e formato da rabeta, tudo escandalosamente bem acabado. Bella!

Quase me ajoelhei antes de subir, mas me contive. Ao acionar a partida esperei aquela vibração típica, acompanhada do barulho de bolinhas de gude dentro de um liquidificador, mas nada! Silêncio e baixo nível de vibração, mas o ronco do escapamento, ah, aí não tem sangue de barata que não ferva.

Prometi a mim mesmo não aloprar nas primeiras voltas, mas quem estava puxando era um campeão mundial e o outro elemento da turma era um jovem inglês de 25 anos com testosterona saindo pelos ouvidos. Depois da primeira volta para saber pra que lado eram as curvas o instrutor começou a puxar o ritmo. Ao contrário da primeira vez que pilotei a 1199, nessa nova 1299 me senti à vontade com a posição das pedaleiras. A lembrança que eu tinha da 1199 era de uma moto muito estreita e exigente na pilotagem, que causou dificuldade para me adaptar às pedaleiras. Com a 1299 me adaptei imediatamente – convém esclarecer que me preparei com dois meses de antecedência e emagreci 8 kg pra fazer esse curso porque já tinha encomendado o macacão 52.

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Carlos Checa é um dos instrutores do DRE. 

A posição de pilotagem é 100% Racing e a bolha da carenagem é uma comédia de poucos centímetros. Na primeira passagem pela reta a 297 km/h levantei para me preparar para a frenagem e quase saí voando de cima da moto. Porque apesar de pequena, a bolha faz o serviço de desviar o ar por cima da cabeça do piloto. Depois desse susto passei a frear embutido na carenagem e só levantava quando já tinha reduzido um pouco. Os pés e braços também precisam ficar embutidos, numa postura de caramujo na concha, senão tudo é arremessado para fora com a força do vento. Fiquei com pena dos pilotos com mais de 1,70m mas para alguma coisa na vida serviu ter nascido baixinho.

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Conforme a bateria foi ficando mais rápida meus óculos começaram a embaçar e eu já não conseguia ver o painel direito. Para piorar, meu cérebro tem uma chave que aciona o moto “race” toda vez que entro numa pista e por duas vezes errei a marcha por causa da posição convencional do câmbio com a primeira para baixo. Uma dessas erradas foi na entrada da reta principal, quando estiquei a terceira marcha até 9.000 RPM e em vez de engatar a quarta meti uma segunda! Quase saí voando pela carenagem e não fosse pelo sistema eletrônico de corte da ignição teria mandado aquele motor pro espaço sideral!

Para a segunda bateria saí sem óculos e pedi para inverter a posição do câmbio, que era mais fácil do que inverter o cérebro. Aí sim, começou a diversão.

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Nunca, never, jamás suba a reta de Mugello pelo lado esquerdo: a moto empina a 300 km/h.  

Just 4 fun

Depois da primeira bateria nosso instrutor fez as correções na pilotagem e falou claramente: pode frear DENTRO da curva! Eu tremi, porque já estava freando no Deus me acuda, principalmente no final da reta de 1.141 metros, para fazer uma curva à direita. Nunca fui muito de ficar contando marcha, apenas olho no conta-giros, vejo se está na rotação de torque e vambora. Só que felizmente essa Ducati tem um indicador de marcha no painel bem grande e visível que me ajudou muito.

O instrutor falava “faça a curva Donato em segunda marcha”. Eu espetava a segunda, a moto chacoalhava, resmungava, mas fazia a curva com o motor lá nas alturas. Na volta seguinte eu fazia em terceira e tudo ficava mais calmo. Nada como ser um aluno desobediente.

Sem os óculos eu conseguia enxergar melhor o painel e o resto dá-se um jeito. Sem os sustos das marchas erradas comecei a sentir mais a moto. Ela tem uma retomada de velocidade brutal, bem diferente dos antigos motores Ducati que só funcionavam em alta. E o mais fantástico desse modelo: ele tem sistema de quick-shifter para trocas de marchas sem embreagem, tanto nas reduções quanto nas passagens. No começo foi muito estranho reduzir sem embreagem, mas depois de acostumar percebe-se que o sistema aceita a marcha sem pestanejar. Mesmo assim às vezes eu esquecia e usava a embreagem para reduzir – e tome bronca do professor!

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Coisa linda, acabamento impecável 

A partir da terceira bateria – foram seis no total – já estava muito à vontade e o trio formado pelo Canepa, eu e o inglês já se destacava dos demais porque o pau começou a comer solto. Esse curso é pouco teórico, mas muito prático. O instrutor tem uma câmera que filma os alunos. Nos intervalos ele passa o filme e fala: freia mais dentro aqui, abre mais ali, acelera antes aqui e 30 segundos depois eu não lembrava mais de nada, só queria acelerar, frear, inclinar e me divertir.

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Parece um bicho 

Freeeeeeeeeeeia!!!

Desde que pilotei a primeira moto esportiva com controle de tração e freio ABS fiquei com essa sensação de “ok, vou acreditar na eletrônica, mas e se o japonesinho lá dentro do processador estiver de folga?”. Pior, lá dentro do processador tem chinesinhos! Essa cisma acabou de vez nesse teste com a Panigale.

Primeiro porque aos poucos fui me acostumando com a ideia de frear lá dentro e acelerar tudo com a moto inclinada. Ver um dos alunos sair voando da pista num S de alta não ajudou na minha tarefa, mas tive literalmente de formatar meu cérebro do estilo de pilotagem tradicional. Sempre usei o sistema: frear a moto em pé, inclinar, esperar o pneu dar o feeling de aderência e acelerar. Isso já era! Agora é frear até o centro da curva, soltar o freio, abrir o acelerador e colocar a moto em pé o mais rápido possível, enquanto o coração não sai pela boca!

Por isso essa onda cotovelo-no-chão, porque é preciso jogar o corpo todo pra dentro da curva e manter a moto menos inclinada para a potência entrar mais cedo. Um sufoco pra um coroa de 56 anos provolonefórmico que nem eu!

Mas consegui e tudo graças à eletrônica. Funciona assim: numa moto normal, quando o piloto aciona o freio dianteiro com ela inclinada ocorre o “stand up”, que faz a moto levantar na curva. No ABS race (EBC) o sensor percebe que a moto está inclinada (e o piloto apavorado) e distribui a força da frenagem entre a roda dianteira e traseira, impedindo o stand up.

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Pode frear no meio da curva que ela nem liga! 

Já o controle de tração, chamado de DTC, também percebe que a moto está inclinada e não entrega toda a rotação comandada pelo acelerador. O impressionante nessa Ducati é que esse controle é quase imperceptível, ao contrário das primeiras esportivas que o piloto percebia claramente o motor “falhando”.

Com esse EBC pode-se realmente frear muito pra lá do Deus Me Livre e eu tive a chance de testar tudo isso na quarta bateria, quando entrei na reta disposto a ver se passava de 300 km/h e simplesmente passei uns 30 metros o ponto de frenagem. Alicatei tudo, deitei e esperei o tombo. Que nada, entrei com a moto na parte suja da pista, peguei toda farofa de pneu e saí inteiro. Eu, mas a minha cueca... essa ficou em Scarperia. 

Não avua!

Na quinta bateria todo mundo já estava mais soltinho que arroz da vovó. Logo no primeiro briefing o instrutor pediu de joelhos que passássemos sempre o mais à direita possível na reta até enxergar a placa de 150 metros e aí sim vir para à esquerda e socar o freio. Isso porque a reta de Mugello tem uma pequena lombada no lado esquerdo e quando a moto passa por lá a 300 km/h a frente levanta. Para o piloto não enfartar, tem o sistema DWC que controla também o wheeling. Em várias ocasiões, nas saídas de curva eu percebi a frente levantar, mas tudo sob controle. Só que ver a roda da frente sair do chão a 300 km/h é de incinerar a cueca!

Aconteceu! Uma volta peguei muito tráfego na frente, fui para a esquerda e esqueci da lombada! Você não sabe como uma cueca pode ser resistente! A frente levanta mesmo, mas nem precisa aliviar o acelerador porque o DWC (mais o anjo da guarda) mantém tudo equilibrado. Só não queira passar por isso!

Finalmente a última bateria e o instrutor solenemente nos avisou: “agora vocês sairão com a 1299 no modo RACE”. Ainda bem que levei mais roupas de baixo...

Assim que liguei o motor já deu para perceber que a cobra ia fumar muito. O motor cresce de giro de forma mais vigorosa e todos os controles são mais permissivos (ou mais enfartivos). O DWC praticamente não atua e a moto empina o quanto quiser. Os freios continuam com ABS, mas já deixa a traseira dar aquela escorregadela básica e o controle de tração deve ser feito também pelo punho do piloto. É um cavalo chucro pronto pra derrubar um iniciante.

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Passou por esta portaria o coração dispara. 

Na primeira saída de curva que dei mão com a moto em pé eu vi o painel chegar a um palmo do meu nariz. Fiz um “êpa” e percebi que meu instrutor foi sumindo na minha frente. Mais um pouco e dei uma bela escapada, felizmente com muita área de escape e fiz um “êpa, êpa”. Até que na saída de uma curva de baixa a traseira saiu de leve, suficiente para me mandar para a UTI cardíaca, mas sobrevivi e decidi deixar meus companheiros abrirem, afinal somando a idade dos dois dava menos que a minha!

Discretamente parei no box, voltei para o programa Sport e terminei a bateria sem encomendar uma cirurgia de marca-passo. Depois fiquei sabendo que poderia mudar os modos de injeção com a moto em movimento, só precisa desacelerar. Em quem desacelera dentro de uma pista? Só no box!

Consegui meu objetivo de não destruir a moto nem a mim mesmo. Desde que comecei a correr, aos 16 anos, aprendi que tudo dá certo enquanto não dá errado. Depois de dois sustos tirei a mão e terminei o dia passeando com a Panigale no belo entardecer de verão da Toscana. O que posso atestar é que esse modelo, apesar de mais potente e “torcudo” me pareceu mais fácil de pilotar do que a 1199. Principalmente em modo esportivo.

Não sei descrever como ela seria numa estrada, mas graças a todos esses controles hoje pode-se andar com motos de altíssimo desempenho como se fossem comportadas touring. A minha maior velocidade alcançada na reta foi de 317 km/h pelo sistema de medição do painel. Não usei o cronômetro da moto, acionado pelo punho esquerdo, porque me conheço bem a ponto de saber que isso me faria andar mais rápido do que o bom senso indicava para a situação. A Ducati Brasil ofereceu o curso, a Ducati Itália ofereceu a moto e os equipamentos, seria uma idiotice muito grande destruir a moto numa situação dessa. Aliás, eu acho que morreria de vergonha se isso acontecesse em qualquer evento teste.

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Mais feliz que pinto no lixo. 

Também não sei o consumo de gasolina, nem autonomia, nem quantos litros cabem no tanque porque em se tratando de superbike essas informações são totalmente desnecessárias. Nem o preço, uma vez que a Ducati Brasil ainda não iniciou as vendas desse modelo por aqui.

Essa versão "S" conta com suspensão inteligente, como nas atuais BMW S 1000 RR, percebe-se que o trato é essencialmente esportivo, tanto que afunda muito pouco nas frenagens, porque a central eletrônica compensa o megulho eletronicamente. Só a título de curiosidade, quando voltei ao Brasil fiz um treino em Interlagos com a Honda CBR 1000RR sem ABS e a diferença é brutal. Enquanto na Panigale 1299 praticamente todo erro é perdoável, na CBR 1000RR, sem os controles eletrônicos, a pilotagem é 100% no feeling. Ambas são prazerosas, claro, mas a sensação de segurança na Ducati é mais nítida.

E para encerrar nosso já mundialmente conhecido e esperado IPM – Índice de Pegação de Muié (ou Mano) – que poderia ser altíssimo pelo valor agregado e caráter piriguetável, mas fica comprometido pela condição quase monoposto desse modelo. Aliás, seria um crime de lesa pátria sair por aí de Panigale 1299 com uma mina (ou mano) na garupa. Se for só para desfilar no melhor estilo poser, mas viajar com alguém na garupa seria um atestado de salamice. Por isso o IPM fica na faixa de 9,5, sobretudo pelo charme irresistível dessa legítima italiana.

 

Detalhes técnicos da moto aqui.

Para saber mais sobre o DRE, clique aqui.

 

 

publicado por motite às 14:08
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