Sexta-feira, 19 de Fevereiro de 2010

Big Brother Municipal

O sábado, 13 de fevereiro, começou como sempre nos finais de semana de curso SpeedMaster. Acordo às 5 da madrugada (zzzzz) arrumo tudo na moto e me mando pra Piracicaba, a 140 km da capital. Confesso que pleno sabadão de carnaval não esperava muitos alunos, mas tivemos 14 inscrições, quase a lotação máxima!

 

Como ainda não desenvolvi uma forma de pilotar duas motos ao mesmo tempo, pedi ajuda ao fotógrafo Claudinei Cordiolli para levar uma das motos usadas no curso. Tudo para evitar pegar a estrada de carro com a carreta e correr o risco de ficar preso em um trânsito de véspera de feriadão.

 

Já no começo da estrada percebi uma movimentação intensa, mesmo às 6:30 da manhã. Depois enfrentei um longo trecho de neblina e vi um acidente pavoroso com uma moto 125cc, abalroada por um carro em função da baixa visibilidade. Já subiu a adrenalina!

 

Quando os alunos chegaram, “escoltados” por nosso amigo e colaborador André Garcia percebi alguma coisa esquisita. O André estava branco que nem papel sulfite A4 e andava de um lado pra outro que nem barata-tonta. Virou pra mim e mandou a bomba:

 

“O Claudinei levou um tiro!”.

 

Eram 8:45 e o curso começaria em 15 minutos. Passou um longa-metragem pela minha mente, porque a única informação era essa “o Claudinei levou um tiro”. Também optei por não levar minha esposa, que sempre ajuda nas lidas burocráticas e eu me vi, de repente, com uma dezena de pessoas na minha frente, fazendo inscrição, pagando, assinando documentos e minha cabeça em algum lugar distante pensando em tudo que estava acontecendo a 140 km dali.

 

(Nosso esburacado amigo Claudinei ao lado da esposa Ângela, eu, dona Tita, Helena Harada. Foto: Ryo Harada)

 

André decidiu voltar pra SP e eu comecei a aula com a garganta seca, joelhos moles, voz fraca e uma enorme vontade de sair dali voando direto pro hospital cair de joelhos ao lado do Claudinei e expurgar toda sensação de culpa que aplacava minha alma naquele momento. As coisas que passavam pela minha cabeça iam desde a inevitável sensação de culpa, até a raiva de não ter levado as motos na carreta, feito tudo diferente. É incrível como nestas horas rogamos por algum poder divino de fazer voltar o tempo e fazer tudo diferente.

 

Até às 14:30 eu era um zumbi repetindo as mesmas frases, informações como um autômato humanóide programado pra ensinar. Finalmente veio a informação de que o Claudinei estava bem, fora de perigo, lúcido, twitando e assistido por um ótimo hospital. Finalmente relaxei e no domingo fui ver pessoalmente o nosso amigo devidamente “recauchutado” depois de passar por um susto que deixou seqüelas em todos nós.

 

Coincidentemente, nesta mesma semana recebi na minha casa uma multa por rodar no horário de rodízio. Foi no dia 14 de janeiro, apenas três dias após retornar o rodízio de veículos na cidade. Detalhes: tinha passado apenas 30 minutos do horário e eu estava a menos de 500 metros do limite perimetral da área proibida. Meu carro foi flagrado por uma das centenas de câmeras de vídeo “inteligentes” que conseguem ler e interpretar as placas dos carros e caminhões.  Essas lentes analisam os números e identificam, entre outras coisas, se o veículo está com o IPVA pago em dia, licenciamento, inspeção veicular, DPVAT, etc. Em suma, criaram um Big Brother municipal para fiscalizar o cumprimento de leis e tributações fiscais.

 

O que isso tem a ver com o tiro na barriga do Claudinei?

 

Mostra a inacreditável inversão de valores praticada pelo Poder Público. A administração paulistana foi capaz de desenvolver um sistema tecnológico avançado com intuito de aumentar a arrecadação fiscal, mas é INCAPAZ de oferecer um mínimo de segurança aos contribuintes que pagam religiosamente esses tributos. Em suma, a prefeitura de São Paulo não consegue coibir a ação de latrocínios em plena luz do dia, em local movimentado, mas desenvolve uma forma de fiscalizar se, antes de ser baleado, o Claudinei pagou todas as suas taxas municipais em dia.

 

Essa região da tentativa de assalto  é conhecida dos moradores do bairro (viaduto Washington Luiz sobre av. Vicente Rao) pelo altíssimo índice de ocorrências. Eu mesmo fui assaltado a mão armada DUAS vezes a 100 metros de onde o Claudinei foi alvejado. Ao redor desse viaduto vivem vários nóias, usuários de crack, moradores de rua e não há nenhum posto da PM sequer. A última vez que vi um policial debaixo desse viaduto foi numa tarde de chuva, quando os PM da Rocam estavam esperando parar de chover. E um deles apontou pro meu pé e comentou “é proibido pilotar moto de chinelo”. E respondi: “Isso não é um chinelo, é uma sandália. Eu fui assaltado exatamente aqui dois meses atrás. E o Sr. está preocupado com minha sandália?”

 

Já que o município tem tecnologia para investigar, multar e cobrar o contribuinte, por que não desenvolvemos uma forma de investigar, cobrar e, sobretudo, MULTAR o município? Quem vai pagar a multa ao Claudinei pelo tiro que ele levou? Quem vai pagar a multa pelos dois assaltos que sofri no mesmo lugar? Quanto a Prefeitura deveria pagar de multa por negligenciar o serviço de segurança pública? Quanto deveria ser a multa aplicada à Prefeitura por nos obrigar a conviver com assaltantes armados dispostos a matar por R$ 200 de cocaína?

 

Estou farto de ver a fiscalização sobre o contribuinte recrudescer diariamente, enquanto a prestação de serviço do município não consegue melhorar um décimo e age sem qualquer fiscalização! Para aumentar ainda mais a arrecadação por meio de multas, o Estado deu poder de fiscalização de trânsito aos policiais militares, que agora saem às ruas empunhando bloquinhos de multas para autuar infrações gravíssimas como “viseira aberta”, enquanto os nóias desfilam nas respectivas comunidades com Hondas, Yamahas, Kawasakis e Suzukis conquistadas com ajuda de armas de fogo.

 

Eu vejo duplas de policiais militares nas esquinas multando os motociclistas, mas não são capazes de parar os suspeitos para verificar se estão armados, se a moto é fria, se são traficantes, etc. O que importa é se a viseira do capacete está fechada, se está de chinelo ou outras infrações que exigem uma enorme coragem e ousadia para fiscalizar.

 

Mas nem tudo é tão ruim que não possa piorar. Já se fala em dar poder de polícia aos agentes de trânsito (os adequadamente apelidados de “marronzinhos”). Era tudo que esses agentes queriam: já se sentem “otoridades” só com o bloquinho de multas, imagine como ficarão com uma pistola automática na cintura!

 

-- Ei, você aí, estacionou em fila dupla? BANG!

publicado por motite às 16:49
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