(Moto nos EUA é para lazer e percursos curtos... e muito mais barato!)
Uma vez, muitos anos atrás, meu pai estava me levando pra escola na recém adquirida Belina, sintonizado na Jovem Pan, como sempre. Entre os noticiários houve um que me chamou a atenção: um vereador de São Paulo queria obrigar que todos os caminhões tivessem o escapamento com a saída para o lado direito do veículo. Não entendi bem o motivo, mas quando chegamos a uma subida um caminhão acelerou bem do lado da minha janela e empesteou o interior com a fumaça de diesel. Saquei na hora, tipo “hum, o vereador não quer seu terno cheirando a diesel!”. E fiquei matutando porque, raios, o escapamento era do lado esquerdo?
Mas eu voltava de ônibus. Parado no ponto, um caminhão passou acelerando bem perto da calçada e entendi na hora. O escape sai pelo lado esquerdo para não jogar fumaça em quem está na calçada. Ou seja, o que determina de que lado a fumaça sai é quem tem mais poder de transformação da comunidade: a casta política ou a população. Como, passados mais de 30 anos, os escapes continuam do lado esquerdo, suponho que, desta vez, o povo venceu.
Enquanto isso, nos Estados Unidos isso foi resolvido da forma mais prosaica possível: o escape sai para cima! Assim não inferniza nem motoristas nem pedestres. Simples, como são os soluções norte-americanas.
Depois de mais de 15 anos voltei a dirigir nos EUA, um país feito para automóveis. O carro está para o americano assim como a sandália Havaiana está para os brasileiros. A gente compra quantos pares forem necessários para ter sempre um à mão (ao pé, na verdade). Os americanos dos EUA são assim: é normal uma família de quatro pessoas ter cinco ou seis automóveis, mais a moto, quadriciclo, scooter (que está invadindo os EUA), snow mobile, sem falar nos barcos.
A venda de carros naquele imenso país está na faixa de 15 milhões ao ano, para cerca de 315 milhões de habitantes. Aqui no Brasil estamos na faixa de 3,5 milhões ao ano para uma população de 190 milhões de habitantes.
Nos EUA o mercado é assim, desproporcional porque os carros são muito baratos e tudo é organizado para que as pessoas comprem e usem mais carros. Principalmente as estradas e sistema viário.
Já as motos sempre foram tratadas como objeto de lazer e pronto! Não é o veículo de uso principal, mas curtição mesmo e isso eles levam ao pé da letra. Difícil encontrar motociclista que tem só a moto como meio de transporte. Mesmo nas cidades que hoje já mostram um trânsito infernal como Dallas, Detroit, Los Angeles, São Francisco e Nova York a moto ainda aparece de forma muito discreta.
O que se nota é o crescimento dos scooters, especialmente Vespa e bicicletas elétricas. No sonolento filme "Larry Crowne, O Amor Está de Volta", o ator Tom Hanks faz parte de uma turma de amigos que usa scooters como forma de locomoção divertida e barata. A julgar pelo tédio e fracasso da película só consigo imaginar que foi patrocinada por algum grande fabricante de scooter. Seja como for, o filme revela esse lado pragmático do uso dos veículos motorizados por aquela gente. Um meio de transporte ágil, barato, econômico e para deslocamentos curtos.
(Os scooters invadiram os EUA)
Como a legislação de trânsito nos EUA é estadual, em alguns estados, como na Califórnia é permitido circular de moto entre os carros, nos corredores, e estacionar na calçada em alguns bairros. Nos centros urbanos já existem vagas específicas para motos. Durante 17 dias viajando pela Califórnia vi poucas motos, muitas bicicletas e apenas três acidentes: dois de carro e um (bem grave) de bicicleta. Para um paulistano é uma estatística equiparável e ver um paciente dar entrada com unha encravada no Hospital de Clínicas de SP.
Nem vou perder tempo comparando EUA com Brasil porque eu mesmo condeno essas comparações burocráticas e distorcidas, mas apenas comentar alguns dados que observei nesse retorno ao mundo das rodas e motores.
- Híbridos – É notável que os norte-americanos estão preocupados com o bolso muito mais do que com o planeta, afinal eles são um dos maiores responsáveis por emissões de carbono. A gasolina subiu bastante – para os padrões deles, claro – e já está na casa de US$ 4.30 o galão. Quinze anos atrás era menos de US$ 2,0. Isso fez aparecer nas ruas muitos híbridos, especialmente o Toyota Prius, que vi aos borbotões, dirigido potencialmente por jovens e mulheres, muitas mulheres. Por pura coincidência eu vi a semana do veículo híbrido em São Francisco, com estandes das montadoras e test-drive aberto ao público. Minha habilitação brasileira foi vetada solenemente... E eu já tive a chance de dirigir um Honda CRZ híbrido no Brasil mesmo. Mas pude entrevistar rapidamente o organizador que revelou o óbvio: a Toyota está nadando de braçada porque tem uma linha completa, um sistema eficiente e barato. Também revelou algo que nos distancia da realidade elétrica: os carros híbridos tem descontos em taxas, seguros e, importante, podem usar uma faixa expressa nas rodovias e avenidas, escapando do trânsito. Ele ainda perguntou “vocês não têm essa vantagem pra quem usa carro a álcool?” Mudei de assunto e saí de fininho, porque não gosto de falar de política em outro idioma!
(Toyota Prius Hibrido... sucesso de vendas na terra dos V-8)
- Velocidade – Ou eu sou muito ingênuo ou os motoristas americanos sabem de alguma coisa que eu não sabia, porque simplesmente ninguém respeita os limites de velocidade nas estradas. Parece até que existe um pacto nacional para ignorar as placas. Como um bom estrangeiro segui a indicação o que infernizou a vida de muita gente, mas em determinado trecho encontrei um policial com radar de pistola. Não sei dos outros, mas eu não fui multado! E pasme: tem radar para controlar até a velocidade de bicicletas!!! Em algumas calçadas estava lá o radar flagrando quem passasse da limite de velocidade. Antes de viajar pensei em fazer um adesivo com a explicação “desculpe se te incomodo, mas sou estrangeiro!”. Como me arrependi em não fazê-lo, porque os motoristas lá dirigem muito rápido o tempo todo. Se o limite de velocidade é 100 km/h todo mundo roda nessa velocidade, da velhinha ao motorista de caminhão, todo mundo e pronto! Não dá pra simplesmente passear a 60 ou 70 km/h porque alguém ficará colado no seu pára-choque traseiro o tempo todo. Eles não buzinam nem reclamam, mas ficam grudados. Em Las Vegas vi um taxi com o seguinte adesivo colado atrás “Eu agradeço se você mantiver uma distância a ponto de ver meus pneus traseiros”. Achei ótimo, porque quando eu olhava pelo espelho retrovisor via a grade do carro a um palmo no meu pára-choque traseiro e isso dá uma sensação horrível de simplesmente não poder frear para não causar um engavetamento monstro, porque atrás tem mais 15 carros um grudado no outro. Se você não tiver nervos de aço, não dirija na Califórnia.
(Este senhor vai todo dia ao trabalho com um Mustang dos anos 60)
Comportamento – Lá, como em alguns países da Europa, existem leis e regras de trânsito muito inteligentes que dispensam sinalização. Algumas delas: é proibido fazer retorno no meio de qualquer rua, por mais vazia que esteja. Se quiser retornar precisa dar a volta completa na quadra. Quando se aproximar de uma esquina com sinal “Pare” o veículo deve parar por dois segundos, mesmo que não haja nem uma alma num raio de 500 km. Quando outros carros se aproximam do cruzamento todos param, e quem chegou primeiro sai primeiro, depois o segundo e assim por diante. Não existe ninguém fiscalizando e se alguém “fura” a vez leva uma buzinada na orelha! Pedestre SEMPRE tem preferência. Independentemente de qual cor estiver o farol, se o pedestre puser o pé na rua o motorista precisa parar. Pode xingar, buzinar, mandar dedo etc, mas primeiro pára, depois xilica. Os ciclistas respeitam o pedestre da mesma forma. E obedecem as leis de trânsito como qualquer outro veículo. Na escala de ofensas, atravessar a pé fora da faixa é a maior de todas. Ah sim, se você for virar à direita fique na direita; se for virar à esquerda fique na esquerda e for seguir em frente fique na faixa do meio. Por mais elementar que seja, isso funciona e é respeitado. A única vez que desrespeitei essa regra foi bem na frente de um policial, que buzinou, reclamou, iluminou minha cara de pau com uma lanterna e foi embora. Cheguei a me imaginar na Corte Suprema.
(Lotus estacionado normalmente na rua, vc já viu?
Clássicos – Acho que os californianos são os mais apaixonados por carro do mundo. Nunca vi tanto evento de carros clássicos como os realizados na cidade de Monterey. Por total sorte e coincidência consegui ver um pessoalmente. Nada muito sofisticado, era mais um grupo de associados de um clube que se reuniram para exibir os carros (cerca de 100) e desfilar pelas ruas charmosas da vizinha Carmel e por Napa Valley. Não tem espaço para gambiarras, os caras são a sofisticação pura. Carros restaurados à perfeição ou transformados com muito bom gosto. Vi o primeiro Rolls Royce rebaixado da minha vida. E durante as duas semanas por lá era comum encontrar clássicos sendo usados como carro normal. Cheguei a conversar com o dono de um Mustang dos anos 60 que jurou ser o carro de uso dele. Tudo bem que Sausalito é uma cidade menor que um bairro médio em São Paulo, mas o cara usava diariamente um Mustang e ainda deixava estacionado na rua como se fosse um carro qualquer. Aliás, vi muitos Porsche, BMW, Mercedes-Benz e Audi estacionados na rua até o dia seguinte. Algumas cidades, como São Francisco, sofrem com falta de estacionamento público. Outras, como Los Angeles, chegam a cobrar mais de R$ 80,00 por 12 horas. Quem não tem garagem sofre... Em compensação é mais fácil uma vaca voar do que alguém quebrar o vidro do carro para furtar alguma coisa.
(Rolls Royce tuning, vc já viu?)
Motos – Como já expliquei é essencialmente para lazer. O americano prefere pegar trânsito de carro, tomando um balde de café, a subir numa moto para ir trabalhar. Das poucas que vi predominam as Harley-Davidson, mas deve-se levar em conta que boa parte era alugada por turistas. Depois as esportivas e agora os scooters estão invadindo. Uma curiosidade: não existe limitação de ruído (mas sim de poluição) e praticamente todas as motos usam escape direto. Carros também. Bom, capacete também não é obrigatório e em Las Vegas alugam-se scooters, mas nenhuma locadora oferecia capacete! Também vi motos clássicas dos anos 70 rodando normalmente como se fossem de uso diário. A mais legal de todas foi uma Honda CB 350 de 1971, pilotada por uma elegante senhora em Beverly Hills.
(Mulher vai pro trabalho na Honda CB 350 1971 em Beverly Hills)
Preços – Melhor pular essa parte, mas trouxe uma revista de carros usados só pra passar raiva. Em S. Francisco vi um Mercedes-Benz 2010 ML 320 à venda pelo equivalente a R$ 15.000. Depois disso achei melhor me enfiar no outlet mais próximo e pensar só nas roupas.
E o que tudo isso tem a ver com a lei que determina o lado do escapamento, que contei lá no primeiro parágrafo? Muito simples, em vez de teorizar sobre os motivos que levaram os Estados Unidos a esse nível de organização social, basta pegar o exemplo do vereador paulistano. Lá nos EUA a elite política administra em benefício de todos. Aqui no Brasil a casta política trabalha em benefício próprio. Se a fumaça do escapamento invade o carro do vereador a solução é simples: vira o escape para o povo!
*P.S. - Como bem lembrado pelo jornalista Marcos Camargo, nas grandes cidades com trânsito pesado ou com ruas estreitas, os compactos como o Fiat 500 e o Mini Cooper (eventualmente o Smart) também estão muito presentes. Quanto mais bacana a região maior a quantidade de compactos. Mas as grandes picapes e os SUVs ainda lideram as vendas e as cidades do interior. Para os americanos, carros grandes passam mais sensação de segurança aos motoristas.
(Mini Cooper em Napa Valley: os compactos ganham espaço)
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