(Fiat Mille... carrão!)
O jogo do desejo
Segundo a filosofia hindu o desejo é a raiz de todo sofrimento. Sim, é um pouco de exagero, mas ajuda a entender boa parte das angústias. Se o desejo se torna objetivo de vida funciona como estímulo pode gerar bons resultados. Porém, quando o desejo não se materializa gera desapontamento. A expectativa é a prima-irmã do desejo e também obedece as mesmas características de frustração contra satisfação.
Recentemente fui convidado para participar de uma premiação que tem no desejo e expectativa seus principais atributos. Trata-se da VOSS 2012 (Vehicle Ownership Satisfaction Study), ou estudo de satisfação dos proprietários de veículos. Realizado pela americana J. D. Power, com filial no Brasil desde 2010, este estudo premia os modelos de carros que melhor atenderam a expectativa de seus proprietários.
Alguns resultados foram recebidos normalmente pela imprensa, mas um chamou a atenção: na categoria sub compacto o vencedor foi o Fiat Mille, o carro mais básico do nosso mercado e já considerado como o mais feio do Brasil. A explicação é a mais óbvia possível: quem compra um carro básico não cria grandes expectativas em termos de desempenho, conforto etc, mas busca eficiência e baixo custo. Como o custo de propriedade (aquisição + manutenção) foi apontado por 46% dos entrevistados como prioritário em todas as categorias, fica fácil imaginar porque um veículo tão simples é capaz de atender as expectativas de seu usuário. Apenas 12% dos entrevistados apontaram a qualidade como fator decisivo na compra.
Esse estudo ajudou a entender algumas distorções que ocorrem no mercado brasileiro de moto, que tem critérios de escolha mais subjetivos e regionais. Por exemplo, na região Norte/Nordeste a Honda CG 125 vermelha é um objeto de desejo de boa parte dos candidatos a motociclista. E a cor vermelha é tão marcante que uma moto usada, do mesmo ano, modelo e estado de conservação pode custar até R$ 200 a mais se for vermelha!
Donos de motos são mais passionais à medida que aumenta o preço e a sofisticação do modelo. E ainda existe uma predileção muito acentuada por marcas, independentemente da qualidade. Quando se avalia o perfil de comprador de motos na categoria a partir de 250cc percebe-se que a marca ainda conta mais do que qualquer outro atributo.
Por muitos anos o mercado brasileiro de motos ficou restrito a duas grandes marcas: Honda e Yamaha. Isso gerou uma natural formação de dois "times" os que gostam de Honda versus os que gostam de Yamaha. Hoje esse leque de times aumentou, com o natural crescimento do mercado e oferta de produtos de várias nacionalidades. E continua sendo mais fácil encontrar pessoas que compram a marca do que propriamente um modelo.
Não paro de me surpreender com os donos de motos que defendem essa ou aquela marca com fervor quase religioso. Não existe marca melhor ou pior, da mesma forma que não existe modelo perfeito. Existe aquele que atende, ou não, as expectativas do usuário.
Se o dono de um automóvel faz as escolhas com base em conceitos como custo, conforto, estilo, acabamento, acessórios etc, nas motos a escolha é muito mais passional e a marca ainda pesa muito na decisão. Essa diferença está no histórico dos dois veículos. O automóvel está presente na vida da maioria das pessoas desde o nascimento até a morte - de carro de volta da maternidade e no coche funerário de volta pro céu!
Por ser um veículo que praticamente atingiu o nível de necessidade semelhante ao de uma sandália, o carro é um bem que já foi o mais desejado símbolo de status e hoje é muito mais bem de uso do que de adoração pela maioria dos usuários. Já a moto é o veículo que entrou de reboque nas garagens das casas, a princípio mais como objeto de lazer e hoje como meio de transporte e até de trabalho. Esta análise é baseada em usuários com mais de três anos de experiência com o veículo, porque no caso da primeira moto as escolhas são muito baseadas - ainda - na publicidade e em questões regionais!
Nessa condição de objeto de desejo, esse tratamento passional é justificado. Só não pode virar obsessão a ponto de defender uma marca ou modelo com mais fervor do que o normal. Como já foi escrito, não existe marca nem modelo perfeito, por mais caro e sofisticado que seja. Da mesma forma que o simples Fiat Mille é capaz de atender a expectativa de quem escolhe o modelo, uma moto simples é perfeitamente capaz de satisfazer o desejo do usuário. Eu mesmo já fui muito feliz com uma moto de 100cc e fiquei extremamente desapontado com um caro modelo alemão de 800cc porque esperava uma qualidade equiparável ao preço de aquisição.
Mas quando se trata de moto é tudo diferente mesmo, como convencer que o veículo não passa de um amontoado de peças para alguém que trata a moto tão bem que chega a batizar com nome de gente e ainda conversa com ela? Frequentemente recebo dúvidas de leitores na escolha de uma moto e por mais que eu tente mostrar as vantagens de um modelo o leitor acaba escolhendo o outro exclusivamente por causa da marca. Desisti de entender!
Para quem ficou curioso, os outros vencedores da VOSS 2012 foram:
Fiat Siena Fire, na categoria Compacto de Entrada; Fiat Punto, na categoria Compacto Superior; Honda Fit, na categoria Monocanibe e Toyota Corolla na categoria Médio.
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