Terça-feira, 24 de Novembro de 2009

A Ondina e o romance inacabado

(Fala se não tem jeito de fada??? Essa é a capa do disco da Juliana Kehl)

 

Beethoven e Schubert deixaram um enorme ponto de interrogação pra humanidade desvendar: e se tivessem terminado as suas sinfonias inacabadas? Seriam elas tão intrigantes quanto hoje? Ou ambas se tornariam mais duas sinfonias nas partituras do mundo? Nunca vamos saber, afinal elas não foram terminadas.

 

Eu, que sou um gênio quase do mesmo calibre desses dois, também tenho a minha obra inacabada. Sem falar nas incomeçadas e nas nonatas, que morreram antes de nascer. Em 1994 meu amigo ilustrador Alberto Naddeo virou pra mim e lascou:

 

- Geraldito, você precisa escrever um romance para público juvenil, isso está bombando e as editoras estão vendendo pra %$#@*&¨

 

Dadas as dimensões do Naddeo, a quem eu chamo respeitosamente de Urso, achei melhor acatar o pedido dele, mas como bom preguiçoso que sou, fui deixando pra amanhã... Até que um dia, durante o banho, recebi uma inspiração de algum lugar do mundo astral e decidi escrever o romance.

 

Sentei na frente do meu velho IBM AT 386 e escrevi algo perto de 200 páginas de texto. É, eu sou assim mesmo, sofro de compulsão verborrágica e quando começo a escrever só paro com uma martelada na testa ou por fome.

 

Muitos anos antes meu irmão, outro escritor compulsivo, me presenteou com um livro chamado “Como Escrever um Romance de Sucesso” de um americano autor de vários Best Sellers. Li o livro e minha vida não mudou nada, até ter o insight no chuveiro!

 

Esse manual mostrava o que é óbvio para qualquer escritor com mais de uma dezena de neurônios, ou seja:

 

- Todo romance precisa ter mocinha e mocinho que tentam se pegar durante 300 das 312 páginas sem conseguir

 

- Precisa ter maniqueísmo, senão o leitor não fica com vontade de ler até o final pra saber se o bem triunfará sobre o mal.

 

- Melhor se o mocinho (ou mocinha) tiver alguma capacidade sobrenatural (dá-lhe Paulo Coelho)

 

- O mocinho (ou mocinha) precisa ter habilidades artísticas como cantar (sem jamais ter cursado uma escola de música), tocar algum instrumento, lutar jiu jitsu, ter conhecimento sobre todos os mistérios da humanidade, ser excelente em algum esporte, além, claro de bonito e cheio de charme.

 

- A história precisa ter lances policiais, suspense, pelo menos um crime e passagens em cidades do outros países.

 

Bom, o livro ensina a compor personagens convincentes e a criar histórias verossímeis, embora a série dos jovens vampiros seja a maior inverossimilhança que já vi depois de Harry Potter.

 

A partir desse manual, mais a inspiração súbita comecei a desenvolver a história. Compor o personagem masculino foi fácil, porque foi só lembrar dos meus amigos da adolescência e rapidamente nasceu o Beto, motociclista, claro, todo espiritualizado, cheio de habilidades.

 

Na hora de compor o par romântico fui buscar na memória uma aluna da escola das minhas filhas. Ela era (ainda é) tão bonita e perfeita que nós a chamávamos de Barbie, porque parecia mesmo uma boneca. Durante uma das festas da escola, essa adolescente apareceu vestida de branco, com um ramo de flores no cabelo e essa imagem caiu perfeitamente para a minha heroína do romance.

 

Essa jovem, da escola Waldorf, tinha (e ainda tem) uma habilidade artística muito forte: ela cantava (e canta) muito bem, por isso era solista do coro da escola e foi parar até no Carnegie Hall, em Nova York. Além disso, os traços físicos remetiam a uma entidade sobrenatural: olhos amendoados de uma cor vibrante, cabelos loiros e longos, nariz delicado, parecia mesmo uma fada.

 

Fada! Pronto! Estava criada minha personagem, uma menina linda, pura, que canta. Como a história começava na Ilha Grande (RJ) eu fiz essa personagem ser uma Ondina, as fadas que vivem nas cachoeiras e cantam de forma tão cristalina que atraem os homens como as sereias. Ondina é um dos seres elementais que tanto Rudolf Steiner citava em suas obras. E essa jovem era estudante da escola Rudolf Steiner. Ou seja, as peças estavam se encaixando tão facilmente que o livro foi saindo muito naturalmente. Para dar um toque mais romântico, ainda incluí algumas poesias, em forma de canção, que eu mesmo compus num dos surtos criativos.

 

O livro foi se desenvolvendo com os elementos necessários para uma história destinada ao público juvenil, com todas as doses de suspense, mistério, romance etc. Tive o cuidado de terminar cada capítulo com um suspense para induzir o leitor a continuar a ler sem parar.

 

Mas um dia quem parou fui eu. Quando já tinha praticamente ¾ do livro pronto bateu uma insegurança crônica: será que está ficando bom? Decidi mostrar para algumas pessoas que aprovaram e incentivaram a terminar. Só que a insegurança continuava a ponto de eu abandonar esse romance e mergulhar de cabeça no O Mundo É Uma Roda, lançado em 2006 depois de apenas três meses de edição. E desisti de vez do meu romance...

 

(Ondinas existem... olha uma aí)

 

Até que na semana passada levei um choque. Raramente eu compro a Veja, mas passei na banca e tive um impulso de comprar a revista. Na seção de discos dei de cara com a foto de uma cantora, loira, de olhos amendoados chamada Juliana Kehl. É a minha Ondina! É ela mesma, em carne, osso e de verdade! É cantora, compositora, lançou um disco e pode ser vista em vários filmes do Youtube. Pra quem tem Orkut pode também procurar o perfil dela e ver as fotos. E se prepare para uma descoberta: ela é uma Ondina de verdade porque vive nas cachoeiras!!!

 

Platão dizia que os astros conspiram a favor da criação, claro que Platão estava pensando em uma BOA criação. Diante desse choque decidi resgatar o romance e terminá-lo. Veio o segundo choque, dessa vez de tecnologia. Alguém se lembra dos velhos flop-disks? Pois eu descobri que eles são péssimos para armazenar arquivos por mais de 10 anos. Não consegui abrir nenhum disco e meu romance desapareceu na película embolorada dos discos. Ainda resta uma esperança de alguém ter a versão impressa, porque eu mandei para avaliarem. Mas quem, além de mim, guarda um texto impresso por mais de 10 anos?

 

Outra saída seria escrever tuuuuuuuuuuuuuudo de novo, mas cadê a paciência? Assim, mais uma obra inacabada entra para a história como nem acabada, nem começada!

 

publicado por motite às 15:31
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