(BMC fabricada no Brasil Foto: Tite)
Fuçando no armário cheio de traças e ácaros que fica aqui bem do meu lado, lembrei de uma preciosidade: minha velha e querida coleção de revistas. Não todas as revistas que já comprei na vida, senão teria de alugar a casa da vizinha, mas só aquelas que têm alguma matéria ou foto assinadas por mim. É um port-fólio que deve pesar algumas toneladas. E logo a primeira da pilha era uma Duas Rodas de 1987 (ou 88, não sei porque não colocavam data na p*** da revista!) com uma das reportagens mais bizarras da minha vida. Dois filhos de alemães decidiram fabricar a BMW no Brasil. Isso mesmo, os caras tinham uma pequena fábrica de canos ou algo parecido. Era um galpão – em Rio Claro, interior de SP – cheio de tornos e um amontoado de peças de BMW.
A pedido do diretor da revista me mandei pra Rio Claro, pilotando uma Honda XLX 350R e “testei” as BMC 100, motos fabricadas aqui mesmo com base na BMW R 100RS.
Leia abaixo essa verdadeira lêndea do motociclismo e aguarde porque tem mais um monte na fila, como MZ Simsom e Gilera feitas no Brasil (ai, meu purgatório será loooongo!)
BMC R100 – Avaliamos a BMC, uma moto derivada da alemã BMW, com motor boxer de dois cilindros*
(Esse pudim de ovo sou eu mesmo - com meu lindo macacão amarelo gemada - pilotando a BMW brasileira. Foto: Véio do Rio)
Tem jeito de BMW. Tem barulho de BMW. Tem cor de BMW. Tem motor de BMW. Mas não é uma BMW, é uma BMC 1.000cc, feita quase inteiramente no Brasil, na cidade paulista de Rio Claro, pelos irmãos Helmut e Bernd Holzberger, proprietários da C. Holzberger & Cia Ltda. Esta moto começou a ser projetada em 1983 e agora está, segundo os fabricantes, definitivamente pronta, nas versões R 100 "standard", R 100S (com carenagem de farol), R l00RS (com carenagem integral) e R l00RT (com carenagem e pára-brisa).
As características são praticamente as mesmas da BMW R 100 alemã, de quem a moto foi derivada, ou seja, motor quatro tempos, refrigerado a ar, dois cilindros contrapostos (boxer) e a marca registrada da BMW, a transmissão secundária feita por eixo cardã.
Aliás, é o eixo cardã que produz a primeira grande diferença ao pilotar a BMC, comparando-se com uma moto grande japonesa. Nas motos comuns, ao arrancar, a frente tende a levantar. Na BMC (e claro, nas BMW), quando se arranca com a moto, a traseira é que tende a levantar, provocando uma surpresa nos pilotos que nunca dirigiram uma moto com cardã. Esta estranha reação é provocada pelo eixo cardã que empurra a traseira da moto para cima, e oferece o sistema de transmissão mais silencioso e limpo que existe para motos.
A surpresa seguinte é rodar a mais de 150 km/h com o conta-giros marcando cerca de 5.000 rpm. O motor é elástico e de baixa rotação, mas isso não significa baixo rendimento. Segundo os fabricantes, a BMC pode superar os 180 km/h e pelo que se sentiu na rápida avaliação realizada por Duas Rodas, esta velocidade final pode ser até maior, já que a 150 km/h ainda tinha muito acelerador para girar.
Nas curvas a BMC apresenta um comportamento diferente das motos japonesas. A suspensão dianteira da moto avaliada estava bem dura e a motocicleta apresentava uma boa estabilidade com a frente "no chão". A única preocupação é que os cilindros vão esbarrar no asfalto nas curvas mais fechadas, mas é só impressão. Por via das dúvidas, a moto é equipada com barras protetoras para os cilindros não arrebentarem em caso de queda. Estes cilindros salientes jogam ar quente na canela do piloto, o que no inverno alemão pode até ser agradável, mas no verão tropical causa certo desconforto térmico.
Os freios são por dois discos na dianteira e disco simples na traseira, e param a moto com eficiência sem desviá-la da trajetória. Não foi possível experimentar a moto em seu limite máximo por falta de local adequado, mas pôde-se sentir que esta BMC é exatamente aquilo que seus criadores esperavam fazer, ou seja, uma cópia fiel da BMW alemã.
Esta semelhança, que na verdade tem um consentimento moral da matriz alemã, pode levar a BMC a concretizar um velho sonho: produzir as autênticas BMW "boxer" no Brasil, já que a BMC está em entendimentos para isso com a BMW alemã. Erberhardt Sartet, diretor de produtos da BMW alemã, viu as fotos da BMC e declarou na revista alemã Das Motorrad: "é de tirar o chapéu para esses homens que fizeram a cópia da BMW. A semelhança com a original, à primeira vista, é fascinante".
O grande defeito da BMC é justamente provocado pela sua produção quase artesanal e de cinco motos/mês (cerca de 80% da moto é feita em Rio Claro, o resto é importado da Alemanha). O preço em novembro era de CzS 1,2 milhão, o que daria para comprar duas Honda CBX 750F.
* Foi mantido o texto original da época.