(Calvário de Cristo, Congonhas, MG. Foto:Tite)
Durante 5 anos ministrei o curso de pilotagem SpeedMaster, destinado aos donos de motos esportivas e sempre encerrava a aula com um discurso improvisado, mas que reescrevo agora a todos vocês como uma mensagem de final de ano.
Os senhores estão formados no curso de pilotagem. Agradeço a todos que passaram esses dois dias aprendendo a domar suas motos com mais de 100 cavalos. Agora vocês estão mais preparados para enfrentar as estradas e curtir o enorme prazer que é pilotar essas motos. Porém, antes de encerrar, gostaria de alertar a todos que a tentação da velocidade é muito forte. Todos os finais de semana vemos motociclistas montados em suas esportivas tirando racha nas estradas desse enorme Brasil. Vocês também passarão por isso, porque é inacreditável que o dono de uma moto de 100, 150 ou 200 cavalos queira apenas rodar dentro dos limites de velocidade. Quando chegar essa tentação pense nesses dois dias de aula.
Pense que além de você, outras pessoas estão circulando na mesma estrada, na mesma hora e lugar e que podem não gostar tanto assim de velocidade. Pense que a sua velocidade pode ser prazerosa, mas que os outros motoristas à sua volta não conseguem interpretar a sua velocidade da mesma forma. Pense que você precisa espaço para frenagem segura e que essa distância aumenta de acordo com a sua velocidade. E que a equação espaço x tempo funciona não só para correr, mas também para frear. Pense que sua moto tem limitações, você tem limitações e a estrada também tem as limitações. Pense que os tombos e acidentes são provocados por excesso de confiança, excesso de exibicionismo e falta de bom senso!
Pense na sua moto. Nos caminhos que você teve de percorrer até chegar à SUA moto. Que pode não ser a mais nova, ou a mais rápida, ou nem mesmo a mais bonita, mas é a SUA moto e que é a razão de você estar aqui nesse curso. Pense em todo esforço para chegar até essa moto e que ela pode desaparecer como um sonho bom ao despertar.
Sobretudo, pense na VIDA! Pense nesse milagre que é a vida. Na SUA vida e como ela influencia na vida de outras pessoas, especialmente as pessoas que te amam. Pense em quem te trouxe à vida, em todos os esforços que pai e mãe fazem e sempre farão para melhorar e garantir a SUA vida. Pense no amor incondicional de mãe e pai. Pense na sua infância, no cheiro de bolo em casa, na ansiedade que o mês de dezembro trazia e ainda traz. Pense nos filhos, se os têm ou se quiser tê-los um dia. Pense que os filhos te olham como se você fosse a pessoa mais importante da vida deles. Pense nas broncas e carinhos de mãe com a mesma intensidade que pode pensar no amor estampado nos olhos brilhantes de seu filho. Pense em TODA a sua família.
Pense na vida e na natureza. No cheiro de terra molhada depois da chuva. No céu azul, no canto dos pássaros e todos os sons da natureza. Nas árvores que você plantou ou plantará. No pôr de sol, no cheiro de maresia, no seu primeiro banho de mar. Pense nos amigos que você fez até hoje e que naqueles que ainda vai conhecer. E que eles também sentem sua falta. Mas também pense nos seus inimigos e como eles ficarão felizes com seu desaparecimento. Não dê esse gosto a eles.
Pense no amor. Não no amor pasteurizado que Hollywood quer nos empurrar goela abaixo, mas no amor tão verdadeiro e sincero que nem você mesmo sabe que sente. Na lembrança do primeiro beijo. Nas alegrias e frustrações que já passou em nome do amor. Pense simplesmente no amor. E que o amor pode estar nas coisas e gestos mais simples, que talvez você nem tenha percebido ainda.
Pense em Deus. Seja qual for sua religião, ou o nome que você dê a Ele. Pense que por trás de sua criação sempre existiu uma orientação religiosa que te trouxe e guiou até hoje. Pense na fé – ou na falta dela – nas horas mais difíceis da sua VIDA e que até nos momentos em que essa fé parecia escorrer pelos dedos você superou as dificuldades. Pense que Ele te deu a VIDA e esse é um bem sagrado. Ninguém mais tem o direito de tirá-la, nem mesmo você. Pense no respeito à vida como se respeitasse ao seu Deus.
Geraldo Tite Simões*
* Publicado originalmente em dezembro de 2007